sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Acossado - “viva perigosamente até o fim”

Filme de estréia do diretor francês Jean-Luc Godard, Acossado (À bout de souffle, 1959) é consideravelmente modesto, configurando-se como um dos filmes mais simples e diretos de seu diretor. Ao mesmo tempo, sua narrativa moderna e arrojada e sua técnica de filmagem o colocaram (e o mantém) em posição de destaque não apenas na filmografia do diretor como também no cinema mundial.
O enredo gira exclusivamente em torno de um casal: Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo), um criminoso perseguido pela polícia por um assassinato, e Patricia Franchine (Jean Senberg), uma americana vivendo em Paris. A partir desses dois personagens principais, Acossado dança entre diferentes gêneros. Tendo um casal como protagonista, é inegável a temática do amor. No entanto, o amor aqui não é tratado de forma convencional, mas sim, quase como um jogo, como uma competição entre os dois, que estão sempre questionando o quanto amam (ou se realmente amam) um ao outro, de forma que em um momento não podem viver separados e em outro estão tomando atitudes quase inconseqüentes (definitivas para o final) apenas para buscar essa certeza.
Ao lidar com um criminoso, Acossado também passeia pelo gênero do filme noir (marcado, tecnicamente falando, pela trilha sonora), mostrando, paralelamente ao relacionamento entre Michel e Patricia, gângsteres e mafiosos, com suas armas e malas de dinheiro. A conclusão do filme, que combina perfeitamente com o desenrolar da trama, remete nitidamente a esse gênero, envolvendo uma perseguição policial e uma traição.
Outro aspecto marcante e inevitável é a nítida divergência entre o comportamento do homem americano para o do homem europeu. Culturalmente falando, essa oposição é constante. Em muitos momentos, evidencia-se pelo simples fato de Patricia não entender determinados termos usados por Michel (evidenciando uma dificuldade de comunicação que vai muito além da fala). Referências a ícones pop e culturais também são evidentes. Desses ganchos feitos ao longo do filme, os mais interessantes são uma fotografia do ator Humphrey Bogart, a qual é encarada por alguns segundos por Michel, e uma revista do “Cahier du cinéma”. O rosto de Bogart não está ali por acaso. Ele é um ator icônico e imortal do cinema clássico e, o fato de estar presente em uma obra tão vanguardista quanto Acossado, mostra certo comprometimento com o passado. Por mais que o filme, bem como outras obras da época, quisesse se libertar dos padrões antigos e moldar um futuro para a sétima arte, a presença deste passado era extremamente notável e difícil de ser ignorada. Além disso, Godard vivia uma espécie de dualidade amor e ódio com o cinema americano. Com relação ao “Cahier du cinéma”, para quem não sabe, foi uma revista de cinema francesa onde eram publicadas críticas de jovens escritores que, num futuro próximo, viriam a criar o movimento da nouvelle vague.
Um ponto bastante positivo de Acossado é também a qualidade de seu roteiro. Apesar de simples, é repleto de frase curtas, porém altamente reflexivas sobre amor, medo, vida e morte, bem como o comportamento social do homem moderno dos anos 60 (vivendo a explosão da cultura pop e o pós-guerra). Muitos dos diálogos entre Michel e Patricia são totalmente descompromissados e ágeis, o que os torna tremendamente naturais. De todas essas jóias deixadas por Acossado, merece destaque uma frase curta e grossa que eu acredito que traduza o significado do trabalho do gênio Godard para a história do cinema. Enquanto Patricia, que trabalha para um jornal local, entrevista um artista e o pergunta qual seria sua maior ambição, ele simplesmente responde: tornar-me imortal e depois morrer. Bem, Godard ainda está vivo, mas sua obra já o tornou, há muito tempo, imortal. 

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Lucas Moura 

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