quarta-feira, 30 de maio de 2012

Crepúsculo - até o Sistema consegue ser mais vampiro

Bella Swan é uma adolescente que chega à pequena e chuvosa cidade de Forks, estado de Washington, para morar com seu pai, Charlie, que é o xerife local. Devido à separação de seus pais, Bella não tem muita intimidade com Charlie, e fora morar com ele porque sua mãe se casara com um atleta e estava levando uma vida meio nômade. Bella se descreve como uma menina normal, estabanada, meio sem graça, muito branquela e sem talentos excepcionais. Até aí, beleza.
No primeiro dia na escola, Bella chega na aula de biologia e senta ao lado de um bonitão que, ao sentir seu cheiro, fica doido. Ela até confere a axila pra saber se o desodorante havia vencido, o que não era o caso. Parecia simplesmente implicância do cara. Depois disso ele some por uns dias - por coincidência, quando o tempo em Forks melhorou e havia parado de chover. Até aí, beleza.
Bella fica com o cara na cabeça e procura saber sobre ele. Seu nome era Edward, filho de Carlisle Cullen, o médico mais conhecido da cidade. Edward era adotado, assim como os seus irmãos Emmett, Jasper, Alice e Rosalie. Todos eles são descritos como incrivelmente lindos (Zzzz), além de muito ricos e possuidores de carros de luxo. Passada a temporada de sol e com a volta da chuva, os Cullen retornam à escola. É aí que temos um fato marcante: uma van derrapa no estacionamento da escola e por pouco não atropela Bella. E por que Bella não foi atingida pela van? Eis que numa fração de segundo Edward apareceu  seu lado e conteve a van com seu braço. OOH!
As mina pira quando os mano salvam sua vida, e com Bella não foi diferente. Ela passou a buscar informações sobre o que Edward seria, e pra isso consultou desde sites birutas até livros antigos (também birutas), até que ouviu de seu amigo meio indígena Jacob uma antiga lenda de sua aldeia sobre seres "sem sangue" que habitavam aquela região. Pra completar, num final de semana em que estava em Seattle com suas amigas, Bella  quase é atacada por uns bêbados, e adivinhem quem a salva? Edward! O pior é que ele dá motivos pra que nossa querida Bella acredite que ele pode ler pensamentos. Ih...
Depois de alguns dias Bella resolve jogar Edward contra a parede -calma, não literalmente- e confrontá-lo com a verdade. É aí que temos um dos diálogos mais engraçados da literatura (e do cinema) contemporânea. É basicamente isso:
(Bella) - Você não se expõe ao sol, sua pele é tão branca, fria... é incrivelmente forte, e lindo... 
(Edward) - E no que você está pensando?
- Eu pensei em mutação, aranhas radioativas... mas acho que cheguei a uma conclusão.
- Então diga. Em voz alta.
(Eu acho que ela deveria dizer "boiola")
- Vam... vampiro.
- Você não está com medo?
- Não.
- Mas eu já quis te matar.
- Não importa.
AAAH VÁ! Quer dizer que o cara é um ser místico todo cheio de poderes estranhos e a retardada diz que não tinha medo? Eu aposto minha coleção de filmes de Harry Potter que a prega rainha dela tava piscando tão rápido quanto o bater de asas de um beija-flor. Enfim, os dois se acertam e começam a namorar. Bella descobre que toda a família dele era vampira também, etc etc... até que ela percebe que entrar numa família como essa pode ser muito perigoso. Sintam o tom de suspense hahahaha.
Crepúsculo (Twilight, 2005), escrito pela americana puritana Stephenie Meyer, traz um tipo de vampiro que era novidade até então: não bebe sangue humano, vivendo de boas misturado entre as pessoas. Mas ela mantém algumas características tradicionais dos vampiros, alguns poderes especiais. Podemos destacar a superforça; em uma passagem, Edward, pra se exibir, arranca várias árvores gigantes pela raiz e as arremessa pelo ar. Ah, se o Greenpeace pega esse fanfarrão. Enfim, mas por quê ela fez isso com os vampiros? Simples, ela criou um tipo babaca de príncipe encantado que encontra sua princesinha sem sal, sem corpo e sem cérebro e os dois, assim, ficam perfeitamente felizes. O que é uma sacada de mestre, pois torna o livro muito comercial e ele faz tanto sucesso entre meninas (e quase meninas) mal amadas quanto água no deserto.
Crepúsculo é ruim, mas dá pra levar se levarmos em conta que a história piora e muito nos livros seguintes. Fica mais melosa, mais chata, mais forçada - é a autora tentando enfiar pela goela do leitor que esse é o amor mais lindo e forte de todos os tempos. O pior é que o público engoliu, e transformou a série num dos maiores fenômenos editoriais dos últimos anos, o que deu moral à editora para exibi-lo como se fosse a 8ª maravilha do mundo. Sério, inclusive o slogan de Amanhecer, último volume da série é "a eternidade começa agora". Esqueceram de dizer que a babaquice também.
Mas se você, caro leitor, assim como eu leu essa desgraça desse livro, não se preocupe. Ler livro ruim é normal (o que não é normal é gostar), e é uma prática saudável, ajuda a valorizar mais os bons livros. Se duvida, faça um teste: leia Crepúsculo, e quando acabar leia , por exemplo, O vendedor de armas, que sugeri aqui no blog. O contraste não poderia ser maior.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Annie Hall - melhor é impossível



Alvy Singer. Morador de Nova York e amante da cidade. Conhecido comediante famoso por suas piadas irônicas e pequenas participações em programas de TV. Também é um maníaco, neurótico, metódico, crítico, indeciso, chato, anti-social e ao mesmo tempo carismático homem de meia idade, com um longo histórico de problemas de relacionamentos com mulheres, que se encontra, no momento, apaixonado por Annie Hall. 
Annie Hall. Vinda da pequena Chippewa Falls, no Wisconsin. Não tem nenhum rumo definido para a sua vida. Canta, escreve, tira fotografias, freqüenta cursos aleatórios em faculdades, usa drogas para relaxar, engraçada, divertida natural e ao mesmo tempo estressada e sufocada pelo namorado possessivo. 
O longa se inicia com um monólogo proferido por Alvy onde já sabemos que o relacionamento dos dois não dá certo. É o primeiro sinal que deixa bem claro: essa não é uma comédia romântica como as outras. A partir daí, são apresentados vários momentos do relacionamento de Alvy e Annie, mostrando altos e baixos do período em que ficaram juntos. Numa cena, vemos os dois se declarando pela primeira vez. Na cena seguinte, os dois brigando por algum motivo besta. Depois dessa, como eles se conheceram. E assim o filme vai até o término de seus 90 minutos, com a óbvia separação entre Annie e Alvy, de uma forma obviamente inusitada, e com um monólogo final perfeito, digno do melhor de Woody Allen.
Não é só por se basear em um relacionamento falho que Annie Hall (1977) é uma comédia romântica atípica. As situações pelas quais os personagens passam são muito diferentes do convencional e o filme não se utiliza de clichês. As cenas são todas muito naturais e nenhuma das situações, por mais que sejam inusitadas parecem ser forçadas. Tudo flui muito bem. Mérito do sempre ótimo roteiro escrito por Woody e também da enorme sintonia que o casal protagonista tem, sejam nos momentos alegres e descontraídos, sejam nas brigas. Outra característica do filme são os monólogos. Em alguns momentos, Alvy conversa diretamente com o telespectador, fazendo reflexões sobre a vida, sobre sua personalidade confusa e, sobretudo, sobre as confusões de um relacionamento e de nossa necessidade de os manter, por mais insanos que eles possam parecer. O monólogo inicial é marcante também por trazer uma das melhores seqüências do filme, que é a infância de Alvy, onde podemos conhecer seus colegas de classe e a origem de suas neuroses em cenas e diálogos muito engraçados. Aliás, escolher a melhor seqüência do filme é uma coisa impossível de se fazer! São inúmeras as cenas excelentes! Quase todas estão entre as melhores já escritas por Allen em toda a sua longa filmografia. 
O filme também é repleto de referências a ícones culturais. De Fellini a Bob Dylan, passando por Wagner, Billie Holiday, Robert Redford, Eisenhower e até mesmo a Rainha malvada de Branca de Neve e os sete anões. A todo momento o filme lança referências inteligentes e muito bem colocadas. 
Algumas técnicas foram introduzidas no cinema por esse filme. Falar diretamente com o telespectador, dividir a tela em duas cenas em oposição (principalmente num momento impagável em que Alvy faz uma comparação entre sua família e a família de Annie) e até mesmo a narrativa “desorganizada” do filme serviram de base para muitos outros filmes de comédia romântica que se seguiram a Annie Hall. Na verdade, dá até pra dizer que esse é o pai da comédia romântica moderna, apesar de esta ser extremamente previsível, clichê, cheia de lugares comuns e entediantes. Poucas comédias românticas hoje em dia conseguem fazer o que Annie Hall fez nos anos 70: trazer algo novo! - A última comédia romântica moderna que chegou mais perto de ser algo original foi (500) dias com ela (que alguns chamam de “Annie Hall moderno”) - Parece simples, mas é algo muito difícil de ser feito e Annie Hall o fez muito bem, e por isso que é considerado mundialmente não só como um dos melhores filmes de Woody Allen (talvez o melhor) como uma das melhores comédias já feitas. Não gosto de considerá-lo apenas uma comédia romântica pois isso parece limitar muito o filme a uma área específica. Para mim filmes de Woody Allen são tão abrangentes que não se encaixam numa categoria só, como comédia, drama ou romance. Para mim é um gênero a parte. O gênero Woody Allen. E este filme é o auge deste gênero. 
Woody Allen interpreta Alvy Singer e reza a lenda de que Alvy não seja uma personagem, seja a “persona” de Woody. É tipo ele interpretando a si mesmo. Se for verdade, eu não sei, mas em toda a longa filmografia de Woody Allen temos vários e vários protagonistas quase iguais a Alvy. Diane Keaton interpreta Annie Hall. Uma das minhas atrizes preferidas, aqui ela ganhou o Oscar de melhor atriz em 1977. É de uma naturalidade difícil de ser ver em um filme. Em nenhum momento suas atitudes soam forçadas e Annie parece sempre ser a pessoa mais verdadeira e sincera possível. Originalmente falando, Diane Keaton é Annie Hall. O sobrenome real da atriz é Hall e em sua família ela é chamada de Annie. E também, ela e Woody tiveram um longo relacionamento amoroso, que deu origem a uma grande parceria, como amigos e como colegas de trabalho, o que se reflete na boa sintonia que vemos entre os dois em cena não apenas em Annie Hall como em outros filmes do diretor. 
Annie Hall foi o grande vencedor do Oscar de 1977, derrubando ninguém mais ninguém menos que Star Wars na categoria de melhor filme. Também saiu vencedor em melhor atriz, melhor diretor (Allen) e melhor roteiro (Allen), levando Woody e Diane ao posto mais alto no meio do cinema.
Obs: no Brasil, recebeu o péssimo nome de “Noivo neurótico, noiva nervosa”. Sem mais comentários...


por Lucas Moura

terça-feira, 22 de maio de 2012

Sagaranando recomenda: O vendedor de armas

A série House M.D., fenômeno mundial, chegou ao fim. Aproveitando que os holofotes estão voltados para os que contribuíram para o enorme sucesso da série, falo um pouco sobre um livro escrito por Hugh Laurie, intérprete do polêmico dr. Gregory House.
A história de O vendedor de armas gira em torno de Thomas Lang, ex-militar americano que, ao tentar salvar a vida de um homem, acaba colocando a sua própria em grande risco. Lang envolve-se numa trama digna de teorias conspiratórias, ao lado de (falsos) terroristas, mulheres lindas e fatais e toda a sorte de pessoas perigosas. O herói criado por Hugh Laurie parece James Bond - só que com menos charme e com humor aguçado, ironia e sarcasmo dignos de House. Aliás, quem lê o livro pode pensar, num primeiro momento, que Thomas Lang é uma cópia do médico, mas não; o livro foi escrito em 1996, oito anos antes da criação da série.
Já que tô meio esquecido da história (hehe), fico por aqui, indicando esse livro incrível. Sem dúvidas foi o melhor que li em 2010, e é um de meus preferidos. Como tô com um tempo livre (Deus é pai!) e tô com vontade de relê-lo, vou fazer um post em breve. Por enquanto, boa leitura pra quem aceitar a sugestão.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Fogo Morto - loucura e decadência

O mestre José Amaro é um velho seleiro que mora à beira da estrada que leva à cidade do Pilar, na Paraíba, com sua esposa Sinhá e sua filha Marta. A casa fica nas terras do Engenho Santa Fé, de propriedade do coronel Lula de Holanda. Meste Amaro é um homem cansado, frustrado e inconformado com o mundo, que julga cruel e desigual. Por ser orgulhoso e conservador, cria inimzades facilmente; e pra piorar, a aparência pálida provocada pelo couro em sua pele e seus costumes de fazer passeios noturnos deram a ele a fama de lobisomem. O mestre passa a ser temido pelo povo, e ele desconta a raiva na filha, que já havia passado da idade de casar mas continuava donzela. Os maus tratos do pai, aliados à sua solidão, deixam Marta louca.
O Engenho Santa Fé foi criado pelo capitão Tomás Cabral de Melo, e apesar de ser o menor da região em área, se tornou um dos mais produtivos graças aos esforços de seu dono. Homem sábio, justo e trabalhador, o capitão Tomás, ao lado de sua esposa Mariquinha e seus fiéis e dedicados escravos, deixou a cidade do Pilar admirada com a capacidade produtiva do engenho. O capitão decidiu mandar suas duas filhas estudarem no Recife, "para que não fossem burras como as outras filhas de senhor de engenho". A mais velha, Amélia, era como uma flor aos olhos do pai. Bonita, inteligente e hábil no piano, Amélia se casou com Luís César de Holanda Chacon, o Lula de Holanda, parente distante de seu pai. Lula era muito educado, charmoso, mas não tinha talento nem força de vontade para administrar um engenho. Após a morte do capitão Tomás, as coisas no Santa Fé mudaram. Apesar dos esforços de dona Mariquinha, a produtividade do engenho começou a cair, e depois da morte dela é que tudo piorou de vez. Lula de Holanda se mostrou vaidoso, gastador, cruel com os escravos e incompetente na administração da propriedade. Com a decadência do engenho e o surgimento de uma epilepsia, passou a se preocupar apenas com orações e com a criação da filha, Neném.
O capitão Vitorino Carneiro da Cunha é uma típica figura quixotesca, que vive montado num velha e doente égua. Apesar de ser parente da maioria dos grandes fazendeiros do Pilar, critica as desigualdades sociais e as injustiças praticadas pelos ricos e poderosos. Vitorino é primo do coronel José Paulino (aquele mesmo do livro Menino de engenho) mas vive a criticá-lo por ser o prefeito e não pagar impostos sobre a produção de seus engenhos. O capitão também é compadre do mestre Amaro, e um dos poucos amigos verdadeiros que o mestre tem. Vitorino chega a desafiar o coronel Lula e até mesmo a Volante (polícia que caçava cangaceiros) para proteger o compadre. Essa é uma característica de Vitorino: ele não tem medo de falar o que pensa, independente da pessoa com quem esteja falando. Mesmo sendo chamado de louco e de "papa-rabo", o capitão Vitorino, que tem um bom coração, gosta de ajudar as pessoas e combater as injustiças, o que o coloca como o mais central dos três protagonistas (ele próprio, mestre Amaro e coronel Lula).
Fogo Morto (1943) é a obra prima de José Lins do Rêgo, e é com ele que o autor fecha o chamado Ciclo da cana-de-açúcar. No livro, que é divido em três partes ("O mestre José Amaro", "O engenho de seu Lula" e "O capitão Vitorino"), Lins do Rêgo mostra o apogeu e a decadência de um sistema econômico e de uma sociedade que gira em torno dele. O engenho Santa Fé é o símbolo dessa decadência: ao fim do livro, ele "está de fogo morto", ou seja, ficou improdutivo.
Além do tema principal, outros temas se destacam. O primeiro é a loucura: os três protagonistas são doidos de pedra. Talvez o pior seja Vitorino. A loucura aparece aliada aos outros temas secundários: pobreza, injustiça, solidão, frustração e esperança de mudar um mundo desigual. O cangaço é presente na obra, e se alia a alguns desses temas secundários. Importante destacar a loucura de Vitorino: como ele era um idealista, o livro mostra como aqueles que acreditam numa sociedade justa e na bondade das pessoas são tratados como loucos, criticando, assim, a sociedade elitista do mundo canavieiro (mas que fique claro: Vitorino era louco sim. Mais que ideias de justiça, a cabeça dele também era cheia de bobagens).
Mais do que obra prima de José Lins do Rêgo, Fogo morto é um dos melhores livros nordestinos e também um dos melhores exemplos da 2ª Fase Modernista (e um de meus preferidos). Tem as típicas características dessa fase: o regionalismo, ruralismo, objetivismo, crítica social (o chamado realismo  denunciante), e é uma ótima leitura não só por seu imenso valor literário, como também pela linguagem usada pelo autor. Eu o li pela primeira vez há uns cinco anos, e achei o máximo. Quando reli, ano passado, passei a gostar ainda mais; depois de estudar literatura é que se percebe o quanto essas trezentas e poucas páginas representam pra nossa cultura.

1 ano de Sagaranando

Há um ano atrás eu estava no meio das minhas férias dos sonhos (8 meses de férias!), e o ócio me motivou a criar um blog pra falar de livros, filmes e música. Veio a faculdade, outras férias, faculdade de novo e eis que eu tô atolado de coisa, por isso a ausência de postagens.
Mas hoje, em homenagem ao aniversário, publico sobre Fogo morto, um de meus livros favoritos e um dos mais importantes do Regionalismo brasileiro.
No mais, fica o agradecimento aos leitores que acompanharam esse primeiro ano do blog. A vocês, o meu muito obrigado.