domingo, 26 de janeiro de 2014

O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro - a poesia das entranhas da Terra

Foi graças a Scorsese que assisti ao melhor de todos os filmes que vi em 2013. Não foi um filme dirigido por ele, mas um de seus preferidos, sobre o qual ele comenta em um vídeo de 2006. É fato conhecido que Glauber Rocha é um dos diretores preferidos de Scorsese, além de influenciar muito de sua obra, especialmente filmes como Caminhos Cruzados e Touro Indomável. O bacana desse vídeo é ver como o gênio novaiorquino entrou em contato com o Cinema Novo no fim dos anos 60, além de comentários interessantíssimos sobre a Nova Hollywood e a famigerada indústria hollywoodiana.
Na pequena cidade sertaneja de Jardim das Piranhas surge um grupo de cangaceiros liderado por Coirana (Lorival Pariz), seguido por uma linda mulher branca conhecida como Santa (Rosa Maria Penna), pelo negro Antão (Mário Gusmão) e de uma legião de pessoas pobres; o grande grupo chega à cidade entoando cantos ritualísticos e seu líder promete vingar a morte de Lampião e Corisco e fazer justiça destruindo os ricos e poderosos que fizeram fortuna às custas da exploração dos mais carentes. A promessa do cangaceiro ameaça diretamente o coronel Horácio (Joffre Soares), um velho cego que manda e desmanda na cidadela como bem quer, e é a representação da figura conservadora e aristocrática que oprime os desfavorecidos achando que na verdade está lhes fazendo o bem, oferecendo trabalho e comida.
O coronel Horácio exige do delegado Mattos (Hugo Carvana) uma solução imediata para o problema; o delegado viaja em busca de Antônio das Mortes (Maurício do Valle), jagunço famoso por matar diversos cangaceiros, inclusive Corisco. Antônio decide ir a Jardim das Piranhas para verificar se a informação de Mattos é verdadeira, o que ele confirma pouco depois de chegar à cidade. Logo é iniciado o duelo entre o dragão da maldade, representado por Antônio, e são Jorge, representado por Coirana; a cena é filmada num único plano em que cada um morde a ponta de um lenço, segurando facões numa dança mortal guiada pela música cantada pela população que assiste à luta. Coirana acaba ferido gravemente, mas Antônio sai do combate igualmente abalado. Depois de muitos anos caçando cangaceiros e beatos e seguindo com convicção suas ideias, o jagunço começa a entender que servira de braço armado aos opressores do sertão.
O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969) mexe com uma questão delicada: a linha tênue que divide o cangaço em banditismo e heroísmo. Afinal, da mesma forma que os cangaceiros roubavam grandes fazendas, também roubavam pessoas pobres e comiam na mesma mesa que políticos e fazendeiros. Mas o longa foca mais no lado heroico, afinal Coirana surge prometendo destruir casas e fazendas distribuindo terra e comida para os miseráveis que o seguem, numa espécie de reforma agrária mais forçada que a promovida na União Soviética stalinista; por outro lado, o poder representado pelo coronel Horácio é a imagem do atraso e do latifúndio conquistado à bala e mantido pelo trabalho semi-escravo de quem não tem outra alternativa para sobreviver.
O lado político do filme é muito forte; é de conhecimento de todos que Glauber Rocha era esquerdista, apesar de não ser filiado a nenhum partido, e ele expressa muito bem isso em sua obra. Questões como reforma agrária, distribuição de renda e a própria presença do povo pobre são a expressão política do longa. Os desfavorecidos existem, e eles surgirão e se farão ouvir; no caso do filme, literalmente, pois em várias cenas são cantados cânticos um tanto quanto ritualísticos pelas centenas de pessoas que acompanham Coirana. E o grito dos excluídos realmente incomodam o coronel, que fica possesso. Por falar na música, a trilha sonora é um espetáculo à parte. Talvez seja a música a narradora do filme, principalmente aquela cantada por Coirana para Antônio depois de ser ferido:

Olha aqui Antônio das Mortes
olha as provas da tortura
eu peguei um pau de arara e fui
pensando em um dia ficar rico
aí quando eu cheguei em Minas Gerais
e logo escravo me achei
me venderam pra serviço
nas mata do Mato Grosso
só os fortes se aguentavam
e os fracos se rendiam
veio a raiva e a saudade foi
desandei lá pra Bahia
chegando em Juazeiro eu vi
chegando em Juazeiro eu vi
um velho vendendo a filha
por cinco contos de réis
aí eu roubei ela e fui sertão adentro
até o confim das Alagoas
quando eu vi ele chegando eu disse:
'e vem os ajudantes da miséria!'
e desenterrei as roupas da minha avó
e dei pra ela
e pra ele eu dei o nome de Coirana
a cobra venenosa
e saímos errantes pelos caminhos
pelas peias, pelos lixos
recolhendo os infelizes

O dragão da maldade é um filme que teve (e tem) impacto tão forte sobre mim que fico até sem saber o que mais posso falar sobre ele. Elogio ao elenco, à bela fotografia, direção, roteiro... mas prefiro pensar nele como um todo; o filme com forte conteúdo político mas com um lado poético mais forte ainda - e Scorsese tem razão, a poesia sobrepuja a política - e poesia admirável por se tratar de um lirismo extraído da pobreza, de pessoas famintas, algo tão sincero e visceral que parece ter emergido das entranhas da terra. Esse é um filme verdadeiramente forte. Não forte por ser chocante, obsceno, violentíssimo (a violência aqui também merece destaque pois é bastante estilizada), mas forte por pegar o espectador, sacudi-lo e abrir seus olhos - e voltando às palavras de Scorsese, é disso que precisamos hoje em dia, mais do que nunca.

Nota: 10

Luís F. Passos

domingo, 19 de janeiro de 2014

Oscar 2014 - Indicados

Aberta oficialmente a temporada dos grandes filmes. Pelos próximos dias, cinéfilos estarão todos atentos e antenados. Afinal, saiu hoje a lista dos indicados ao Oscar de 2014. Achei muito interessantes esses indicados. Confesso que não tive a oportunidade de ver praticamente nenhum dos filmes, mas estou bem informado sobre todos eles e conheço muito bem seus atores e diretores. Então, dá pra formar uma opinião. Esse ano tiveram algumas surpresas e a Academia fugiu do óbvio em alguns momentos. Vamos aos indicados nas principais categorias:

Melhor Filme
Trapaça
Capitão Phillips
Philomena
Gravidade
Clube de compras Dallas
Ela
Nebraska
12 anos de escravidão
O lobo de Wall Street
O favorito é 12 anos de escravidão, que vem conquistando diversos prêmios e até levou o Globo de Ouro de melhor filme drama. É importantíssimo ficar atento ao super popular Trapaça, de David O. Russel, que está muito popular e sendo muito aceito por público e por crítica, grande parte disso se deve a seu elenco (que emplacou quatro indicações ao Oscar deste ano, uma em cada categoria, assim como O lado bom da vida fez no Oscar do ano passado). Particularmente, estou com mais vontade de ver Trapaça que 12 anos de escuridão. Conferi Capitão Phillips e gostei bastante, achei muito bem feito e um trabalho inspirado de um ator excelente que há anos não fazia nada que chamasse muita atenção (no caso, estou falando de Tom Hanks). Philomena tem um enredo interessante e carrega consigo a presença de Judi Dench, o que já é muito. Gravidade é um filme fantástico, muitíssimo bem feito, inteligente, criativo. Nossa, um filmaço. Me rendi totalmente ao 3D do filme e me diverti muito (se Gravidade vencer, não tem como achar ruim). Clube de compras Dallas é o azarão do ano e veio conquistando defensores ao longo de sua corrida na temporada de premiações. O lobo de Wall Street vem com força total também nessa temporada de premiações e é um dos filmes obrigatórios para serem vistos para este ano. Tendo dito isto, Ela e Nebraska são os filmes que eu mais espero ver desta temporada de premiações, pois adoro Spike Jonze e Alexander Payne. Gosto muito de seus estilos autorais de fazer filme e acho seus trabalhos muito legais e criativos. Senti falta de Inside Llewyn Davis na categoria, até porque o Oscar ama os irmãos Coen. Minha aposta para vencedor: 12 anos de escravidão.


Melhor diretor
Alfonso Cuarón – Gravidade
Steven McQueen – 12 anos de escravidão
Martin Scorsese – O lobo de Wall Street
Alexander Payne – Nebraska
David O. Russel – Trapaça
Destes, apenas Scorsese já saiu vencedor no prêmio (isso sem falar em inúmeras indicações e derrotas sem justificativa). O favorito é mesmo Alfonso Cuarón por seu trabalho fenomenal em Gravidade, mas não vamos deixar de lado Steven McQueen e David O. Russel que vem tendo uma popularidade absurda. Minha aposta para vencedor: Alfonso Cuarón (veja Gravidade e entenda o motivo).

Melhor ator
Christian Bale – Trapaça
Bruce Dern – Nebraska
Matthew McConaughey – Clube de compras Dallas
Leonardo Di Caprio – O lobo de Wall Street
Chiwetell Ejiofor – 12 anos de escravidão
Categoria complicadíssima. Apesar de um passado negro recheado de porcarias, McCounaghey vem se esforçando muito para ser respeitado no meio como um ator de verdade. E, olha, ele está conseguindo. Após uma série de papéis mais sérios, ele conseguiu alcançar o auge de sua carreira como o protagonista de Clube de compras Dallas e vem ampliando seu número de fãs e agradando a público e críticos. A academia adora premiar atuações que exigem muito física e psicologicamente se seus atores e não se incomoda de premiar gente com passado de filmes péssimos, sem falar que o ator ganhou o Globo de Ouro e o Critics Choice Awards. Aparece como favorito na categoria junto a Leonardo Di Caprio (que tem mais indicações sozinho que todos os outros indicados juntos pelos filmes Gilbert Grape – aprendiz de sonhador, O aviador e Diamante de sangue além de ter sido várias vezes injustiçado pela Academia), que tem uma atuação que vem sendo muito celebrada como protagonista de O lobo de Wall Street. Ejiofor veio do nada e se mostrou um grande ator e também é um nome forte, junto às atuações dos brilhantes Christian Bale (vencedor do Oscar por O vencedor, também de David O. Russel) e do experiente Bruce Dern. A surpresa da categoria fica à cargo da ausência de Tom Hanks, num momento muito estranho por parte da Academia que sempre foi apaixonada por ele. Minha aposta para vencedor: Matthew McCounaghey – mas adoraria ver Leonardo Di Caprio e respeitaria qualquer um dos outros.

Melhor atriz
Cate Blanchett – Blue Jasmine
Amy Adams – Trapaça
Judi Dench – Philomena
Meryl Streep – Álbum de família
Sandra Bullock – Gravidade
Geralmente, sempre acho melhor atriz a categoria mais disputada e mais interessante. Este ano, porém, me parece que melhor ator tem competidores melhores e representa uma disputa mais acirrada. Isso porque, para mim, parece óbvia a vitória de Cate Blanchett. Quem viu Blue Jasmine com certeza ficou impactado com a força a qual a atriz imprime em sua difícil personagem num filme que é totalmente egocêntrico em relação a ela. São pouco mais de 90 minutos de Cate Blanchett assumindo novas faces e revelando novas camadas. Papéis assim merecem o Oscar. Blanchett já venceu pelo filme O aviador (como atriz coadjuvante) e já recebeu indicações pelos filmes Elizabeth e Elizabeth – a era de ouro, além de somar indicações como coadjuvante por pequenas pérolas como Notas sobre um escândalo e Não estou lá, onde vive Bob Dylan. Fiquei muito feliz por Amy Adams porque a adoro como atriz e ela já foi indicada ao Oscar outras quatro vezes por atuações impecáveis nos filmes: Junebug, Dúvida, O vencedor e O mestre. Todos excepcionais, porém nenhum o melhor de seus anos. A realeza volta ao Oscar nas mãos da talentosa e experiente Judi Dench; a presença de Meryl Streep já era bem esperada e a atriz arrebata sua 15ª indicação à categoria, tendo sido vencedora pelos filmes A escolha de Sofia e A dama de ferro; e Sandra Bullock está muito bem sim como Gravidade. Assim como Blanchett, ela carrega o filme. Porém, estamos falando de patamares diferentes e de personagens com uma diferença considerável de complexidade. No entanto, entre Bullock no papel que lhe rendeu seu Oscar por Um sonho possível e aqui em Gravidade, mil vezes Gravidade. Minha aposta para vencedora: Cate Blanchett – e não aceito outra.

Melhor ator coadjuvante
Barkhad Abdi – Capitão Phillips
Bradley Cooper – Trapaça
Jonah Hill – O lobo de Wall Street
Jared Leto – Clube de compras Dallas
Michael Fassbender – 12 anos de escravidão
O primeiro, um total desconhecido. Os demais, atores renomados e respeitados. A atuação do até então chofer Barkhad Abdi é o que mais me chamou atenção em Capitão Phillips e acho muito bom vê-lo como indicado ao prêmio. Achei muito merecido. Bradley Cooper está na moda e é difícil driblar isto. Após um passado de filmes péssimos, o ator parece ter se encontrado sob a direção talentosa de David O. Russel e emplaca sua segunda indicação seguida (O lado bom da vida ano passado, Trapaça este ano); adoro Jonah Hill e sempre me divirto com ele. Jared Leto é uma verdadeira metamorfose em cena e todos seus papéis são intensos, marcantes e exigentes. Que bom que ele voltou aos cinemas em grande estilo – já saiu vencedor do Globo de Ouro de ator coadjuvante e é o favorito na categoria. Fassbender é sempre ótimo, sem grande novidades então, mas, por incrível que pareça, está é apenas sua segunda indicação ao Oscar. Eu o teria indicado pelo menos uma vez já, como melhor ator por Shame, mas parece um filme controverso e complicado demais para aparecer numa cerimônia tão pomposa. Minha aposta para vencedor: Jared Leto

Melhor atriz coadjuvante
Jennifer Lawrence – Trapaça
June Squibb – Nebraska
Julia Roberts – Álbum de família
Sally Hawkins – Blue Jasmine
Lupita Nyong’o – 12 anos de escravidão
Pelo que está rolando nas premiações pré-Oscar, o prêmio está divido entre as mãos das jovens Lupita Nyong’o e Jennifer Lawrence. Do lado, uma quase desconhecida de enorme talento. Do outro, uma atriz já consagrada com seus poucos 23 anos de idade. Lawrence está virando figurinha marcada do Oscar, tendo visto que esta é sua terceira indicação ao prêmio quase consecutiva – indicada e vencedora ano passado como melhor atriz por O lado bom da vida e indicada e muito bem ovacionado uns dois anos antes por Inverno da alma e uma atuação fenomenal. É interessante ver que uma atriz a quem descobri acidentalmente em 2008 vendo o quase desconhecido Vidas que se cruzam conseguiu chegar tão longe, mas depois que a vi em Inverno da alma já sabia que ela tinha um talento enorme. Até acho que para o Oscar ela seja uma opção mais viável que Lupita, visto que se encontra em seu auge. June Squibb vem sendo muito elogiada por seu trabalho no filme Nebraska e é uma atriz já velha e muito experiente que merece respeito; Julia Roberts volta do buraco negro após 14 anos sem uma indicação ao Oscar (sua última foi a que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz por Erin Brokovich – filme que odeio – somado a indicações por Uma linda mulher e Flores de aço – clássicos modernos que gosto bastante); Sally Hawkins é o máximo. Faz com competência seu trabalho coadjuvante com Cate Blanchett (a única que consegue, em alguns momentos, roubar a cena no filme) e é uma queridinha dos cinéfilos, sobretudo pelo filme Simplesmente feliz que lhe rendeu uma injustiçada não indicação ao Oscar de melhor atriz alguns anos atrás. Minha aposta para vencedora: Jennifer Lawrence.

Melhor animação
Os Croods
Frozen
Meu malvado favorito 2
Vidas ao vento
Ernest e Clémentine

Melhor roteiro original
Ela
Blue Jasmine
Trapaça
Nebraska
Clube de compras Dallas

Melhor roteiro adaptado
Antes da meia-noite
Capitão Phillips
12 anos de escravidão
O lobo de Wall Street
Philomena

Melhor filme estrangeiro
A grande beleza
Alabama Monroe
A imagem que falta
Omar
A caça

Lucas Moura

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Suave é a noite - por trás da geração perdida

Depois de ler O Grande Gatsby, não quis acreditar que desse livro viesse todo reconhecido talento do americano Scott Fitzgerald.  E ainda bem que não acreditei, caso contrário não sei quanto tempo levaria para resolver ler Suave é a Noite, que por muitos, é considerada a verdadeira obra prima do autor.
Trata-se, na verdade, de um romance predominantemente psicológico, no qual se disseca a vida do casal Diver, debridando cada camada até a raiz de sua relação interpessoal e consigo mesmos. Tudo isso ambientado na inebriante atmosfera da Era do Jazz (a mesma do filme Meia-noite em Paris). Trata-se ainda de um romance autobiográfico. Refletidos nos protagonistas, temos o próprio Fitzgerald, sua esposa Zelda e seus conflitos. É sabido do problema de Scott com o álcool, da instabilidade de sua conjugue, dos amantes de ambas as partes, das festas sem fim que regiam suas vidas, os inúmeros amigos de quem viviam cercados, nada disso fica de fora.
É muito interessante ver a evolução do casal, desde a paixão inicial à farsa que se torna. Corrompido pelas diferentes perspectivas, pela exaustão emocional, pela conturbada relação de poder e dinheiro, pelas diferentes influências que sofrem da vida. Acompanharemos seu apogeu e decadência, tal qual em O Grande Gatsby: do começo da festa quando a música toca, ao final, quando se apagam as luzes e não resta mais ninguém.
“Era uma sensação triste e solitária aquela de terem o coração tão vazio em relação um ao outro.”
E esse texto é menos uma resenha que um comentário. Afinal, optei por não antecipar nada da história. Li alguns textos e comentários em outros blogs e redes sociais e percebi que não foi um livro bem aceito por muitos, considerado “monótono” inclusive. A verdade é que por seu caráter psicológico, seu sucesso não está no enredo, mas nas sensações que desperta. Para tal, é preciso sincronizar-se com ele, usar toda sua empatia para com cada personagem, questionar seus questionamentos, sofrer seus dramas. Não saber o enredo ajuda nessa tarefa. Quando não se espera nada, tudo o que acontece é uma surpresa.
A minha impressão sobre Fitzgerald mudou completamente após essa leitura. Percebi nele um grande entendedor não só de sua época, mas da alma humana em seu sentido mais universal, com análises minuciosas, perspicazes de comportamentos e sentimentos alheios. De acordo com a opinião de Huxley, na arte há simplicidades mais difíceis do que as mais cerradas complicações. Para mim, o grande mérito de Scott foi justamente o de transformar uma história tão simples, em algo tão elevado.
Nota: 10

Marcelle Freire

sábado, 11 de janeiro de 2014

Os Belos e Malditos - o amor do princípio ao fim

Certamente tu, como eu, deves estar enfastiado de tantas histórias de amor. Digo, não estou realmente certo se já mesmo bocejas ao ler uma linha sequer de líricas romanescas, mas que a fórmula deixou de ser inovadora antes até de ser escrita isso nós podemos concordar. Sim, também é claro que me lembro de tantas exceções, entretanto isso ainda reforça aquilo que estou escrevendo; certa vez escutei a máxima “é a exceção que faz a regra” e após um descarrego mental acabei por concordar. 
Toma teu tempo.
Pois bem.
Caríssimo leitor, quantos livros de amor foram escritos?
E, agora, quantos mais foram vividos?
Na conta, quantos dessas tramas se confundem com o amor na vida real? É, aí sobrará apenas um punhado do qual hoje tirarei somente um grão. The Beautiful and Damned (Os Belos e Malditos, 1922), obra do genial Francis Scott Fitzgerald (sim, o autor do superestimado The Great Gatsby), esboça a relação entre Anthony Patch e Gloria Gilbert que tanto poderia ser o teu e meu ou de quaisquer outros em uma linha do tempo que acompanha desde o primeiro contato à paixão, da paixão ao amor, do amor ao casamento e do casamento à rotina da vida conjugal até, por fim, o fim.
Sem pentelhada ou firulas, Fitzgerald descreve em um relato por muitas vezes autobiográfico um casal improvável constituído pelo educado herdeiro sem grandes pretensões ademais de uma vontade estupidamente fraca e a tão bela quanto egocêntrica e popular filha de uma família em decadência financeira. O cenário é o jazz estadunidense dos anos 20 ofuscando volta e meia os arredores de seus anúncios da guerra.
Àqueles que têm pelo autor algum apreço ou nenhuma contraindicação a desilusões amorosas a recomendação fica. Decerto, e quão escrevo “certo” em linhas tortas, a curiosidade e o desejo vivo pelos protagonistas manter-te-á; se vão ou não superar os obstáculos que por muitas vezes são os próprios concebem (só eles ou todos nós?), os muitos vícios aquém das poucas virtudes de suas frágeis juventudes.
De resto, cabe a lição do bom alcoólatra Fitzgerald: se beber, não case.

Guilherme Patterson

domingo, 5 de janeiro de 2014

Diane Keaton

Completando hoje 68 anos de idade, mas com um carisma que não deixa a desejar em nada comparado a muitas atrizes da casa dos 30, Diane Keaton é mesmo uma das maiores atrizes do cinema americano. As razões, inúmeras. Talentosa, engraçada, divertida, competente, espontânea, bonita. São vários os adjetivos que poderíamos atribuir a sua pessoa, mas o que mais importa é mesmo sua carreira. Ao longo de mais de 40 anos, a atriz mostrou toda sua diversidade atuando em filmes dos mais diferentes gêneros, sobre a direção dos mais diferentes diretores e incorporando as mais diferentes personalidades.
Seu primeiro papel de destaque foi como Kay Corleone, em O poderoso chefão (1972). Os anos 70 foram marcados por um grande avanço na carreira da atriz, e também pela sua maior parceria nas telas, uma parceria que lhe garantiria sua colocação no topo de Hollywood, de onde nunca mais saiu. Essa parceria, como a maioria sabe, foi com o diretor Woody Allen, com quem Diane viveu um relacionamento amoroso (numa fase anterior ao relacionamento profissional). Com Allen, a atriz foi para o futuro com O dorminhoco (1973), para o passado com A última noite de Boris Grushenko (1975) e principalmente para o presente com o icônico Annie Hall (1977). Apesar de ser difícil fazer isso, se fosse para escolher um filme que definisse a carreira de Diane Keaton, este seria Annie Hall. Seu papel como a personagem título lhe garantiu um reconhecimento até então inimaginável. A atriz saiu da sua esfera profissional e invadiu de vez a cultura americana. As pessoas queriam agir como ela, vestir-se como ela, falar como ela. Enfim, nessa fase Keaton experimentou-se como um fenômeno cultural. Não é para menos. Sua presença em Annie Hall é inesquecível. Poucas vezes em tela se vê uma atuação tão confortável, tão descontraída, tão pessoal e ao mesmo tempo tão divertida e competente quanto esta. Vemos Annie não como uma pessoa distante, mas quase como uma amiga porque Keaton a faz parecer uma das pessoas mais legais e amigáveis do mundo. A personagem, aliás, é a própria atriz. O filme foi feito por Woody Allen em homenagem a ela e até o próprio nome da personagem remete a ela. O sobrenome verdadeiro da atriz é Hall e entre pessoas íntimas ela é chamada de Annie. Desta forma, Diane Keaton e Annie Hall são mais ou menos a mesma pessoa, o que torna muito fácil entender o quão empática é a personagem. Os trejeitos de Annie, seu visual, seu jeito de falar, suas atitudes. Tudo compõe um verdadeiro marco do cinema mundial, um filme que mudou a forma de se fazer comédia romântica. Pelo papel, Diane Keaton recebeu seu Oscar de melhor atriz (sua primeira indicação, que seria sucedida por mais três – Reds, As filhas de Marvin e Alguém tem que ceder).
Ainda nos anos 70, a atriz mostrou diversidade atuando em dramas pesados como Interiores (1978, primeira experiência de Woody Allen pelo gênero) e À procura de Mr. Goodbar (1977) e na comédia clássica de Woody Allen, Manhattan (1979). Nos anos 80, teve um longo relacionamento amoroso com o ator-galã Warren Beaty que também rendeu uma parceria profissional valiosa através do também clássico Reds de 1981.
Nos anos 90, Diane voltou a atuar em filmes marcantes e de grande popularidade, sobretudo comédias. Seus dois maiores trabalhos na época foram Um misterioso assassinato em Manhattan (1993) e As filhas de Marvin (1996). O primeiro, uma pequena maravilha. Um filme menor e não muito conhecido, mas que traz o retorno da parceria entre Keaton e Allen. Apesar de passados 16 anos desde Annie Hall, a sintonia entre os dois permanece perfeita e assistir o filme é como acompanhar um casamento entre Alvy e Annie o que torna tudo ainda mais divertido. Em As filhas de Marvin, a atriz consegue roubar os holofotes de Meryl Streep numa atuação muito sentimental que lhe rendeu mais uma indicação ao Oscar.
Já mais velha, nos anos 2000, Diane Keaton foi responsável por uma das comédias românticas mais interessantes da década: Alguém tem que ceder (2003). Divertidíssimo, Alguém tem que ceder se diferencia dos demais filmes de seu gênero por transportar confusões amorosas tão relacionadas à juventude a duas pessoas de meia idade, totalmente opostas e ao mesmo tempo atraídas um pelo outro. No filme, Diane apresenta uma personagem genial que tanto pode aparecer séria ou triste quanto nos fazer chorar de rir. Além disso, é uma parceria com o ator Jack Nicholson, que também dispensa maiores apresentações.
Sucintamente, isto foi um pouco da carreira de Diane Keaton. Décadas de talento, personagens marcantes, histórias pra rir e pra chorar. Uma peça fundamental no cinema americano que não deve – e não vai – ser esquecida.

Lucas Moura