terça-feira, 31 de dezembro de 2013

O Poderoso Chefão - Uma oferta irrecusável

Não faltam listas e especulações de qual o melhor filme de todos os tempos. Os críticos vão pra um lado, pro outro, os diretores pra um terceiro, e a pergunta continua rendendo. A lista mais aceita no mundo é a da revista Sight and Sound, que a cada dez anos é renovada e da última vez consultou quase 900 profissionais entre críticos, diretores, câmeras e outros; a grande novidade foi que Cidadão Kane perdeu o primeiro lugar (que ocupava desde a primeira edição da lista) para Um corpo que cai, assunto já comentado aqui no Sagaranando anteriormente. Mas cá entre nós, melhor filme é algo muito relativo. Se analisarmos filmes pelo roteiro, direção ou conteúdo, não fica muito difícil, mas devemos admitir que nem todos os filmes são fáceis de ver. Muitas obras primas não obtêm reconhecimento junto ao grande público. Por isso que eu digo: o melhor filme de todos os tempos é aquele que se destaca mais numa relação entre qualidade e popularidade. E unindo esses dois fatores, nada se destaca mais que O poderoso chefão.
Na sequência inicial, um típico e grandioso casamento à moda italiana, em que Connie Corleone (Talia Shire) celebra com seu noivo e familiares enquanto seu pai Vito (Marlon Brando), o Don Corleone fica em seu escritório recebendo amigos e protegidos e ouvindo seus pedidos, afinal um siciliano não recusa pedidos feitos no dia do casamento de um filho. Nessa sequência somos apresentados a um submundo que apesar de ser submundo é dominado por relações de sangue, cavalheirismo e honra: a máfia criada no romance imortal de Mario Puzo. Alternando cenas externas muito iluminadas com o gabinete escuro de Don Vito, Coppola nos apresenta a família: os filhos Sonny (James Caan), Fredo (John Cazale), Michael (Al Pacino) e o filho adotivo e consigliere Tom Hagen (Robert Duvall), além de muitos outros que mesmo sem ter parentesco consanguíneo pertencem à famiglia por serem afilhados ou simplesmente por deverem obediência ao Don. Ainda no casamento conhecemos Kay (Diane Keaton), namorada de Michael que fica impressionada ao conhecer o estilo de vida da família Corleone, mas recebe dele a garantia de que é diferente e não planeja ingressar nos negócios do pai.
A moral e o cavalheirismo que cercam a máfia são demonstrados por Don Vito quando ele recusa a oferta de um criminoso chamado Sollozzo, que pretendia dar início ao narcotráfico em Nova York com a proteção dos grandes mafiosos da cidade. Como os Corleone são os mais poderosos e bem relacionados entre as Cinco Famílias, seriam a melhor aliança para Sollozo. Don Vito recusa por acreditar que as drogas são um veneno para a sociedade e a família - algo em que ele acredita acima de tudo. Experiente como era, o don percebe logo que havia algum chefão de outra família por trás do negócio das drogas e pede a Tom Hagen para investigar, mas poucos dias depois sofre um atentado e fica entre a vida e a morte.
A sequência do casamento ou a cena em que Don Vito é baleado são só dois exemplos entre muitos do que a genialidade de Francis Ford Coppola foi capaz de criar, transformando o best-seller de Puzo numa obra que dá início a um novo capítulo na história do cinema. O filme tem um estilo inconfundível, decorrente da junção do clássico, do noir, do pulp e do drama familiar, que talvez seja o principal pilar de sustentação do enredo. O distanciamento de Michael dos negócios da família, em parte pela falta de interesse dele, em parte pela vontade de seu pai de que ele se tornasse um grande homem público tem fim quando o jovem vê o pai à beira da morte e se oferece para executar uma vendeta, pois os envolvidos no atentado não podiam sair impunes. Tal drama abre espaço para ótimas atuações; pensando nisso, Coppola escalou um elenco excelente liderado por Marlon Brando, que numa volta triunfal às telonas fez um trabalho antológico, um dos melhores entre todos que já venceram o Oscar de melhor ator, e Al Pacino, na época iniciante mas que saiu com a reputação de uma das maiores promessas de sua geração.
Talvez o que O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972) tenha de mais louvável seja a capacidade de trazer o espectador para dentro da história e conquistar a simpatia para uma família de assassinos e contraventores que faz de tudo para ajudar seus protegidos mas não tem piedade alguma para lidar com os inimigos. Por isso que torcemos pelos bandidos, nos sentimos parte daquele mundo, sofremos ao ver Don Vito quase morto e nos angustiamos ao longo das cenas em que os Corleone sofrem baixas. Tudo isso ao longo de três horas que passam num instante e que queremos nunca acabe. Rever? É sempre uma oferta irrecusável.

Nota: 11/ 10

Luís F. Passos

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Cães de Aluguel - a estreia de Tarantino


Em meio ao comodismo parcial dos anos 90, década marcada por possuir, de um modo geral, uma tendência muito menor de inovação no cinema americano quando em comparação a suas três décadas anteriores, surge algo totalmente novo, moderno, agressivamente direto e estranhamente divertido: o cinema pop de Tarantino. O até então atendente de videolocadora surgiu no cenário da sétima arte para mostrar a meio mundo de críticos, oficiais ou não, que, apesar de não ser, teoricamente, um grande entendido no assunto, sabia fazer cinema como poucos.
Em seu trabalho de estreia, Cães de aluguel (Reservoir dogs, 1992), temos total percepção dos elementos básicos presentes em suas histórias. O principal deles é o forte teor de violência. A principal marca do diretor é justamente a maneira exagerada, até mesmo extremada algumas vezes, com que mostra a violência. São banhos de sangue e rajadas de tiros intercalados com diálogos tão corriqueiros quanto agressivos, tanto na forma de falar quanto em seu conteúdo. Os diálogos são uma grande marca de Tarantino. Sempre ágeis, muitas vezes cômicos, falsamente simples e quase sempre divertidos. Sim. O diretor parece ser um grande piadista e adora pontuar seus filmes com frases icônicas e muito bem pensadas que muitas vezes ironizam situações presentes no roteiro ou então fazem citação direta com a cultura pop de um modo geral. Como não esquecer a introdução de Cães de aluguel, onde os homens, sentados numa mesa de uma lanchonete, discutem deliberadamente sobre a origem da música Like a virgin de Madonna?  Um momento simples, mas clássico, que exemplifica muito bem a proposta de Tarantino: um cinema moderno, acessível, divertido, inteligente e interessante. Outras características marcantes presentes em Cães de aluguel que fazem valer a colocação de Tarantino no status de inovador são a trilha sonora originalíssima, a edição rápida que torna tudo muito ágil e a câmera que muitas vezes acompanha as personagens e toma ângulos inusitados. Tudo isso dá ao filme um ar muito descontraído – desleixado, jamais – e um visual extremamente cool.
Focando um pouco mais em Cães de aluguel, no filme temos um grupo de assaltantes, que não se conhecem, contratados por um perigoso mafioso para executar um assalto a uma joalheria e roubar uma quantia exorbitante em diamantes. Planos à parte, tudo dá errado. O que era pra ser um trabalho simples e corriqueiro acaba se tornando um banho de sangue. Esse banho de sangue ocorre, aparentemente, por eles terem sido delatados por um dos membros do grupo. Conclusão: há um traidor entre eles. Mas quem é este traidor? Esse é o questionamento básico que percorre Cães de aluguel, mas não é exatamente o melhor elemento no filme, pois tudo aqui é tão interessante e envolvente que a surpresa da revelação é só mais um ponto alto na trama. A história se desenvolve quase que totalmente num galpão onde os assaltantes deveriam se encontrar após o roubo, e neste local eles discutem, lutam, trocam tiros e ofensas de todos os tipos, tudo culminando para a memorável e irônica conclusão final. Vale lembrar que todo o filme é intercortado por flashs que remetem a momentos anteriores ao assalto em si, anteriores mesmo a eles se conhecerem, explicando como cada um dos principais acabaram sendo envolvidos na história. Num toque de mestre, Tarantino resolveu ocultar o nome real de seus personagens – cada um deveria saber o mínimo sobre os outros, isso inclui os nomes verdadeiros – criando os codinomes mais marcantes do cinema: Mr. White (interpretado pelo experiente Harvey Keitel), Mr. Pink, Mr. Brown (vivido pelo próprio Tarantino), Mr. Orange, Mr. Blue e Mr. Blonde. Cada um deles com suas características e a maioria deles muito bem explorados. Destes, vale um destaque maior para o sadismo surpreendente e desconfortável de Mr. Blonde e a figura patética, porém hilária, do Mr. Pink (Steve Buscemi, ator fantástico descoberto pelo diretor).

Nota: 10

Lucas Moura

domingo, 29 de dezembro de 2013

Rastros de Ódio - na trilha da vingança

O que te faz assistir a um filme? O título, o diretor, o elenco, as premiações? Pra mim, todos esses itens são válidos, e mais alguns como indicação de críticos (claro, se eu indico, eu também gosto de seguir indicações) e listas de melhores filmes; a mais respeitada delas, a da Sight and Sound, é constantemente citada aqui no Sagaranando. Dentro desta lista, alguns filmes me chamaram a atenção pelo diretor, como Rastros de Ódio, de John Ford, que ocupa a sétima posição na lista - e claro que a colocação privilegiada foi outro fator de decisão. Nunca tinha visto nada de Ford (desculpa, mundo, mas só assisti a As vinhas da ira dia desses) mas gosto de westerns, tanto no cinema quanto literatura e televisão relacionadas ao Velho Oeste (inclusive desenho do Papa-léguas), e me senti na obrigação de procurar o filme. Uma ótima decisão.
A partir do interior escuro de uma casa, a câmera segue um vulto feminino até uma porta e o plano se expande para mostrar a imagem de um deserto e de um homem que se aproxima. É Ethan Edwards (John Wayne), veterano confederado da Guerra Civil americana que está chegando ao rancho de seu irmão Aaron. Logo percebemos, por causa de alguns olhares de Ethan, que ele é apaixonado pela cunhada Martha; maiores observações são interrompidas pela chegada de um grupo de homens guiados pelo reverendo/ capitão Sam, que estava recrutando alguns homens para ir atrás de gado roubado. Ethan vai acompanhado de Martin Pawley (Jeffrey Hunter), filho adotivo de Aaron e descobre que os ladrões eram índios cujo objetivo ao roubar o gado era afastar os homens de suas terras e atacar uma das propriedades - o alvo fora o rancho de Aaron. Quando Ethan e Martin chegam, encontram a casa em chamas e os corpos da família, exceto das meninas, Lucy e Debbie. A partir daí, todo o resto do filme acompanha a busca pelas garotas, durante cerca de cinco anos.
Transformar um enredo relativamente simples num clássico absoluto foi resultado do trabalho de um gênio do quilate de Ford. O diretor escolheu como cenário montanhas na divisa entre o Arizona e Utah, em que grandes rochas de arenito realçam a aridez do lugar e o tom laranja da paisagem chega a ser incômodo, reforçando a ideia de insalubridade do deserto, além de filmar planos muito abertos, em que as figuras humanas parecem minúsculas diante da natureza. A intenção foi retratar a precariedade da vida dos colonos no século 19 e o tamanho do esforço necessário para sobreviver num lugar tão inóspito.
Mas o que há de melhor em Rastros de Ódio (The Searchers, 1956) está em volta da personagem de John Wayne. Ethan é o herói da história, mas não há tentativa alguma de esconder seus grandes defeitos. Ele é extremamente racista e seu desejo de matar é tão grande quanto o de Scar, chefe da tribo indígena que ele caça com tanto afinco. Ethan tem a figura de um colosso, gigante e indomável, mas tem na figura de Scar um espelho de si próprio - e o fato do índio ter estuprado Martha antes de matá-la os aproxima ainda mais. Tamanho é o racismo de Ethan que Martin percebe que com o passar dos anos é o ódio que o motiva a continuar a procurar a sobrinha, não por querer salvá-la, mas para pôr fim a sua vida, já que entendia que o tempo passado ao lado dos índios a transformara em uma deles. E mesmo com tantos defeitos, o cowboy não desperta a antipatia do espectador, o que é mais um mérito de John Ford. O filme não conduz a conclusões sobre suas personagens, mas leva a reflexões sobre a história americana e a miscigenação entre os povos que formaram os Estados Unidos.
E nem tudo é tensão nesse clássico. O bom humor fica por conta da relação entre Martin e Laurie Jorgensen (Vera Miles), que era sua noiva quando ele partiu em busca das meninas Edwards e que o espera por muito tempo, até que decide casar com um caipirão ou ficaria solteira para sempre - mas surpreendentemente, Martin aparece no casamento. Além disso, a trilha sonora e a fotografia são um deleite para o espectador; na verdade, são a cereja que completa a perfeição do melhor trabalho de John Ford.

Nota: 10

Luís F. Passos

sábado, 28 de dezembro de 2013

Volver - as mulheres de Almodóvar

Alguns diretores sabem como explorar a alma feminina, mas poucos o fazem com tanta maestria quanto o cineasta espanhol Pedro Almodóvar. De um modo geral, em sua filmografia, temos películas que são verdadeiras obras de adoração à mulher. Muitos dos filmes são contados a partir do ponto de vista dessas, explorando todas as faces de sua complexa existência. Até mesmo quando não se tem mulheres propriamente ditas, Almodóvar gosta de pontuar seus contos com personagens femininas como os transexuais que aparecem em alguns de seus trabalhos. Dentro de sua obra, ele enalteceu suas mulheres em filmes como Mulheres à beira de um ataque de nervos, Tudo sobre minha mãe, Fale com ela e, um dos mais notáveis, Volver.
Em Volver o diretor constrói a trajetória de Raimunda (Penélope Cruz), sua irmã Sole, sua filha Paula e sua falecida mãe. Todas as personagens vivem, de certa forma, seus dramas particulares que possuem uma conexão central. É importante frisar que Volver é um filme que foca muito bem na força, mas também na fragilidade deste pequeno grupo de mulheres. Seus dramas são o solo perfeito para o desenvolvimento de uma estória passional sobre coragem e esperança. Uma pequena guerra feminina dentro de um mundo dominado por uma opressiva presença masculina. Vale lembrar que todo o drama relacionado à história de vida das personagens está intimamente ligado a presença masculina, apesar de basicamente não vermos nenhum homem em tela. Por mais que não estejam presentes no filme, foi a presença de homens machistas e violentos que as colocaram na dura realidade com a qual devem lidar. É como se os homens – que mal vemos – fossem apenas obstáculos no caminho destas mulheres. Os dramas particulares de cada uma, eu não posso dizer, pois isto é boa parte da diversão do filme, mas basta falar que são histórias envolvendo traição, violência e abandono.
Volver respira a alma feminina em tudo. Sejam nos diálogos, nas situações, nas famosas cores de Almodóvar (sempre vivas e fortes), na trilha sonora (sempre com uma música tão bonita quanto emotiva) e até mesmo nas curvas tão femininas, sensuais e bonitas de uma Penélope Cruz no auge de seu desempenho como atriz. Além destes aspectos, devo salientar que os méritos do filme não se estendem apenas ao feminismo enraizado, mas é um filme genuinamente bom, não apenas pelo roteiro simples e direto, porém pouco usual, como também por aspectos técnicos que o tornam muito bonito e muito bem realizado.
Tudo se desenvolve não apenas na cidade de Madrid, mas também numa vila espanhola das mais tradicionais. Esta é uma das coisas que mais me agradam em Volver, pois, ao desenvolver boa parte da trama num lugar tão tradicional, Almodóvar pode muito bem dar uma boa pincelada na questão dos costumes e na cultura de seu povo, mostrando uma Espanha religiosa, supersticiosa e acolhedora que acaba sendo escondida pelos avanços do mundo moderno. Acho que todo diretor de cinema que se preze deve ter uma boa conexão não apenas com seu país, como também com a realidade em que vive e o mundo que melhor conhece e saber expô-lo tão bem, é uma arte. Woody Allen faz isso com NY – assim como Scorsese que mostra outra face da cidade –, Walter Sales faz isso muito bem com o Brasil no icônico Central do Brasil e Almodóvar expõe sua amada e tradicionalmente rica Espanha para o mundo. Enfim, não é o aspecto central do filme, mas é um adereço que me chamou muita atenção e, pra mim, o torna ainda mais rico e completo.

Nota: 10

Lucas Moura

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Cassino - a máfia chega a Las Vegas

Cinco anos depois do sucesso de Os bons companheiros, Scorsese traz de volta a dupla Robert De Niro e Joe Pesci, novamente amigos e novamente na máfia. Dessa vez De Niro vive Sam Rothstein, mais conhecido como Ace, jogador profissional envolvido com a máfia desde jovem, que recebe da máfia de Chicago a tarefa de administrar o cassino Tangiers em Las Vegas. Oficialmente, o cassino tinha um presidente, Phillip Green, que era apenas um laranja, mas seria Ace quem mandaria em tudo, afinal poucos entendiam de jogos ilegais como ele, preso mais de vinte vezes por golpes e jogatina. Ace não conseguiria a licença da Comissão de Cassinos para administrar o Tangiers por causa de sua ficha policial, mas nada melhor que a burocracia do serviço público para encobrir crimes, e bastou submeter uma solicitação à comissão e tudo estava nos conformes.
Quando os chefões de Chicago pedem a Ace que arrume alguém para garantir a segurança do dinheiro enviado do cassino até a sede dos negócios, ele chama seu velho amigo Nicky Santoro (Pesci). Nicky faria as vezes de chefe de segurança do cassino, além de ter liberdade para tocar seus próprios negócios na cidade, contando que com discrição; aí vem o primeiro problema. O baixinho tem pavio curto e é ambicioso, e o restaurante que ele abriu para servir de fachada não demorou muito a ser insuficiente para esconder seus golpes e diversos crimes da polícia.
Paralelo a Nicky, Ace estava se tornando uma lenda em Las Vegas. Sua reputação como administrador de cassino era impecável, sabia muito bem entreter os hóspedes e principalmente arrancar dinheiro dos apostadores, mas sem dar na vista que manipulava todo e qualquer movimento feito entre suas paredes. Além disso, Ace tinha um faro infalível para achar jogadores e malandros que tentassem burlar a segurança ou enganar os funcionários e sair cheios de dinheiro - afinal, ele fora um deles - e cabia a Nicky dar um jeito nos espertinhos. A felicidade de Ace parece se completar quando conhece Ginger (Sharon Stone), uma prostituta que perambula pelos cassinos ajudando apostadores a gastar dinheiro e a se divertirem. Os dois se casam, mas o passar do tempo mostra que Ginger era um poço de problemas, desde o seu antigo cafetão até o vício em drogas.
Muitos consideram Cassino (1995) uma espécie de continuação de Os bons companheiros por alguns motivos, começando pela dupla de protagonistas ser a mesma, além das personagens de De Niro e Pesci terem muita semelhança nos dois filmes. Eu vou um pouco além: como no filme de 1990 as coisas acabam bem feias para a gangue, agora eles estão numa nova empreitada, começando do zero no meio do deserto de Nevada. E pode não ser tão bom quanto o anterior, mas Cassino ainda assim é um filmaço. Através da habilidade de Scorsese e das rápidas cenas semelhantes às de Os bons companheiros, vemos toda a sujeira por trás dos ambientes luxuosos e brilhantes da cidade do pecado. A jogatina, a prostituição, as transferências ilegais de dinheiro e a violência usada pela máfia são expostas como os elementos de um submundo que é a base de toda uma indústria do entretenimento. O filme é tão bom, tão intenso, que suas quase 3 horas passam rapidamente mas fica na memória as imagens de uma cidade vibrante, sexy e perigosa, assim como três atuações grandiosas, em especial a de Sharon Stone, vencedora do Globo de Ouro e indicada ao Oscar de melhor atriz.

Nota: 8,5/ 10

Luís F. Passos

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

De Olhos Bem Fechados - a despedida de Stanley Kubrick

Era 1987 e Stanley Kubrick acabara de lançar seu décimo segundo filme, Nascido para matar, mostrando a transformação de um grupo de recrutas dos fuzileiros navais desde o início do treinamento até o tempo em que eles foram ao campo de batalha. Infelizmente, a obra-prima fora um pouco ofuscada por outros filmes também ambientados na Guerra do Vietnã, como Platoon, lançado um ano antes. Kubrick dedica-se, então, a um novo projeto, que se passaria na época da 2ª Guerra e retrataria os horrores do holocausto; porém após muito tempo de preparação, veio a notícia de que Steven Spielberg estava produzindo A lista de Schindler. Kubrick desiste da ideia do holocausto e pensa em voltar à ficção científica, e nasce o embrião da ideia para AI: Inteligência Artificial. Depois de muito trabalho, o diretor percebeu que seriam necessários alguns anos de desenvolvimento tecnológico para a realização do filme, e entrega o projeto a Spielberg, a quem Kubrick queria entregar a direção, pois pretendia ficar apenas como produtor.
Foi preciso mais algum tempo para que um novo projeto fosse preparado e só em 1996 Kubrick começou a rodar, praticamente dez anos depois de Nascido para matar. Ele escalou Tom Cruise e Nicole Kidman, na época o casal número um de Hollywood para falar de um tema sobre o qual se interessava muito: a dificuldade de manter sólido um relacionamento. É de conhecimento geral que Stanley tinha um casamento muito feliz e sua esposa, Christiane, com quem vivia há quase quarenta anos, era quem ele mais consultava sobre seu trabalho como diretor. O tema, inclusive, fora discutido inúmeras vezes pelo casal, ao longo dos anos, e permanecia a curiosidade dele. Baseado no conto Traumnovelle do austríaco Arthur Schnitzler, Kubrick apresenta Bill Harford (Cruise), médico nova iorquino bem estabelecido na profissão que atende pacientes de alto poder aquisitivo, casado e pai de uma filha. Bill é fechado, incomunicável, preso à sua rotina e adorava a estabilidade de sua vida, além de ignorar e subestimar sua esposa no relacionamento. Ele era o protótipo da acomodação, até que leva um verdadeiro tapa na cara que o faz acordar: sua mulher Alice (Kidman) admite ter fantasiado com um homem que viu de relance numa viagem. Eles estavam falando sobre um homem que dera em cima de Alice numa festa de natal dois dias antes e a conversa evoluiu para fidelidade e confiança, e ela contou a fantasia do verão anterior, deixando o marido perplexo.
Abalado pelas palavras da mulher, pela morte de um paciente e pela declaração de amor da filha deste, Bill parte em busca de aventuras sexuais um tanto irresponsáveis, especialmente aquelas cujas portas são abertas por um antigo colega de faculdade que largara o curso e trabalhava como pianista. As aventuras de Bill e suas consequências guiam a segunda metade do filme e levam a um desfecho excelente que, por ser ambíguo, faz muitos espectadores se perguntarem "mas o que diabos é isso?". Mas a ambiguidade é ótima por permitir a quem assiste ter uma interpretação mais pessoal, além de ser necessária, já que esse é um filme de fantasias, onírico, e é difícil imaginar o que seria do cinema sem fantasia.
Ao ver De olhos bem fechados (Eyes wide shut, 1999) é fácil entender porque ele foi tão trabalhoso e de produção tão demorada. O filme parece um diamante cuidadosamente lapidado, e está entre os melhores trabalhos de direção de Kubrick, desde a escolha de elenco até a iluminação de ambientes e a trilha sonora. A escolha de Tom Cruise e Nicole Kidman, que eram casados, pareceu ser a garantia de perfeito entrosamento responsável por cenas memoráveis, apesar de boa parte filme focar Tom mergulhado nos sonhos conscientes de sua personagem, impressionado com a variedade de prazeres que podia encontrar numa vida extraconjugal. Claro que houve muito desgaste do elenco; afinal, se estamos falando de Kubrick, estamos falando dos inúmeros takes de cada cena, porque ele nunca cedia um milímetro sequer sobre o que acreditava e gostava de filmar até esgotar todas as possibilidades e ter a certeza de que cada cena sairia perfeita. O que complicou nesse filme em especial foi o fato de as cenas serem longas e muitas delas serem filmadas num único plano, por apenas uma câmera, ou seja, se gastava muito tempo em um take, que era repetido várias vezes, fazendo com que algumas cenas demorassem até mesmo semanas para ficarem prontas. 
Outra coisa que notável é a música. Kubrick foi um revolucionário também na escolha da trilha sonora. Em filmes como 2001: Uma odisseia no espaço essa é tão importante que parece ser mais uma personagem na trama. Em De olhos bem fechados, o diretor fez aquela que talvez seja a melhor demonstração do quanto uma música pode expressar do que se passa na cabeça de uma personagem e do clima criado por ela. A Musica Ricercata, composta por György Ligeti na Hungria comunista dos anos 50, onde esse tipo de música era proibido (segundo Ligeti, ao executar a música ele estava apunhalando o coração de Stálin), consegue acompanhar a angústia de Bill diante das consequências de seus atos e da surpresa diante do desfecho de sua história - talvez não muito surpreendente, mas, na minha opinião, perfeito. O que é surpreendente é que se durante o desenrolar do enredo o filme pareça ser pessimista e libertino, ao fim se mostra muito esperançoso sobre seu principal tema: compromissos.
Depois de um ano e meio de filmagens e mais um ano de pós-produção, finalmente o filme ficou pronto e foi apresentado aos chefões da Warner, cuja reação foi muito positiva. O fim de um trabalho tão longo e exaustivo envolvendo uma receita milionária e a reputação de maior cineasta em atividade tiveram forte impacto sobre Stanley, que tirara de seus ombros o maior peso que já tivera de suportar. Menos de uma semana após a exibição do filme para os executivos, Kubrick faleceu enquanto dormia, vítima de um ataque cardíaco, aos 70 anos de idade, sendo 46 dedicados ao cinema, deixando três curtas metragens e treze longas, que incluem alguns dos filmes mais icônicos e definitivos já feitos. A família perdeu um pai querido, os amigos perderam um fiel companheiro, e o cinema perdeu um gênio sem paralelo.

Nota: 10

Leia também:
Lolita
2001: Uma odisseia no espaço

Luís F. Passos

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

A última noite de Boris Grushenko - uma filosófica piada


Como muitos cinéfilos devem saber, a carreira do diretor Woody Allen pode ser dividida entre uma fase anterior e uma fase posterior a sua obra de maior impacto, Annie Hall. Os filmes que antecederam a obra-prima de 1977 tem o lado cômico de Allen ainda mais ressaltados. Na verdade, todos os filmes antes de Annie Hall são até mais difíceis de serem levados a sério tamanha as doses de humor presentes. Este humor, no período, era um pouco mais voltado para a comédia “pastelão” mesmo, ainda não possuindo tanto do ar mais refinado e irônico que o diretor foi talhando ao longo dos anos. Mesmo assim, um olhar minimamente atento pode ver claramente a estrutura central do trabalho de Woody Allen neste momento inicial e alguns dos filmes dessa fase são sim filmes excelentes. Comédias no sentido mais riso solto do termo, mas ainda assim produções excepcionais. São estes: O dorminhoco (postado em maio de 2013 aqui no Sagaranando) e A última noite de Boris Grushenko (Love and death, 1975).
Em A última noite de Boris Grushenko, saímos do nova iorquino moderno para um russo do século XIX, o medroso e confuso Boris, cuja vida é marcada por um amor platônico e muito mal correspondido por sua prima – “diria que sou meio santa e meio puta” – Sonja (Diane Keaton) e pela vida à contra gosto como soldado, em tempos de invasões napoleônicas. Primeiro mérito do filme: Allen, apesar de ser tão habituado a moderna cidade de Nova York, constrói muito bem a Rússia do século XIX onde se desenvolve sua história e onde se cria um terreno fértil para a criação de personagens extremamente cômicas e caricatas.
O filme é lotado de piadas. Piadas em salva sobre simplesmente qualquer assunto. O humor aguçado de Allen se faz presente durante todo o longa e já temos muito bem nítida a transição entre o besteirol cômico e o humor para refletir que viria a se tornar sua maior característica. Muito mais que em O dorminhoco, aqui ele consegue levantar ainda mais questionamentos e reforçar suas eternas dúvidas: qual o sentido do amor? Qual o sentido da vida? O que é a morte e o que há após dela? Deus existe? Todas são perguntas levantadas direta ou indiretamente por Boris ao longo de sua jornada, em momentos intercalados entre Woody Allen vestido de líder de torcida no meio do campo de batalha e referências à filosofia grega, Shakespeare e Dostoiévsky. Muitas piadas, inclusive, são muito inteligentes e muitas até complicadas de se entender claramente. Este, apesar de parecer uma palhaçada, não é um filme para todos. Allen sempre lota seus filmes de referências a seus ídolos, mas em A última noite de Boris Grushenko ele alia a palhaçada à intelectualidade em um nível que não se repetiu ainda em sua obra.
Outro grande mérito do filme são seus diálogos. Um dos maiores focos de piadas de Allen neste filme é a filosofia – com seu modo muitas vezes vago e confuso de reflexão – e, logicamente, os filósofos. O próprio Boris é um deles, mas são os diálogos longos e prolixos com conclusões ora óbvias, ora inconclusivas e ora superficiais como poços d’água disparados a todo o momento por uma Diane Keaton em um timing cômico perfeito que, pra mim, são responsáveis por pelo menos metade da diversão do filme. A presença de Keaton não é tão constante quanto em Annie Hall, por exemplo, mas toda cena de Sonja é um momento que a atriz rouba a cena. Sua personagem aqui é inesquecível.
Também devo ressaltar que, apesar de tocar em todas as teclas de costume, uma delas é mais esmiuçada. A temática da morte, muitas vezes tomando um ar pessimista típico de Woody Allen, é mais analisada em A última noite de Boris Grushenko, visto que esta cerca o personagem desde suas memórias de infância (relatadas num flash back inicial que também remete à estrutura narrativa de Annie Hall) até o desenrolar final da trama, visto que a morte em si aparece como uma personagem a quem não podemos fazer nada, além de esperar sua visita e dançarmos com ela em direção a lugar nenhum.

Nota: 9,5/ 10

Lucas Moura

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Contraponto - A Humanidade Despida


Depois de tanto tempo sem escrever, não poderia fazer a minha volta com um escritor não menos que sensacional, o inglês Aldous Huxley. Do contrário do que muitos já devem estar pensando, não vou falar sobre Admirável Mundo Novo, grande clássico desse autor, mas sobre Contraponto, um livro igualmente genial. Publicado em 1928, figura na lista dos 100 melhores romances do século XX, publicada pela Modern Library. 
Seu mérito já começa na própria estrutura do romance, apenas por ser um romance de ideias, no qual cada personagem representa algo. O próprio autor, através do intelectual personagem Philip Quarles, exprime sua intenção:
“O romance de ideias. O caráter de cada uma das personagens deve-se achar, tanto quanto possível, indicado nas ideias das quais ela é porta-voz. Na medida em que as teorias são a racionalização de sentimentos, de instintos, de estados de alma, isto é praticável. O defeito capital do romance de ideias é que somos obrigados a por em cena pessoas que tem ideias a exprimir, o que exclui mais ou menos a totalidade da raça humana – à parte apenas 0,01 por cento. Aqui a razão pela qual os romancistas verdadeiros, os romancistas natos não escrevem tais livros. Mas, ora! Eu nunca pretendi ser um romancista nato.”
E todos esses personagens vão estar em perfeita harmonia, em um arranjo que lembra o contraponto musical ao qual o título faz referência, à exceção de que não se trata de uma composição em polifonia.Em lugar de múltiplas melodias tocadas simultaneamente, temos sentimentos humanos. Os personagens são pouco a pouco despidos em seu íntimo e podemos saborear cada personalidade, analisar cada diálogo ou nos identificarmos com cada emoção. À medida que enredo se desenvolve, sabemos mais sobre a história de vida de cada personagem, cada sentimento é detalhadamente descrito, assim como cada motivação e idiossincrasia, Huxley os deixa nus para os analisarmos por nós mesmos. Em uma simetria perfeita, aquilo em falta em um personagem, sobra em outro, um tema de uma passagem é revisitado na seguinte e esse contraste de personalidades torna quase impossível não se identificar com algumas.  

“(...) – Eu me sinto de tal maneira feliz, desde que estou aqui com a senhora! – anunciou ela, apenas oito dias depois de sua chegada.
– É porque tu não te esforças por ser feliz, e porque não perguntas a ti mesma porque te tornastes infeliz, porque cessaste de pensar nas coisas sob o ponto de vista da felicidade e da infelicidade. É a tolice enormíssima dos jovens desta geração – continuou Mrs. Quarles –; eles não pensam nunca na vida senão relacionando tudo com a felicidade... 'Que farei para me divertir?' Eis a pergunta que eles se fazem a si mesmos, ou então se queixam: 'Por que minha vida não é divertida?' Mas nós estamos num mundo em que 'os bons momentos', na acepção vulgar desta palavra, ou talvez em todas as suas acepções, não podem durar continuamente nem pertencer a toda gente. E, mesmo que a mocidade tivesse esses 'bons momentos', ela havia de ficar inevitavelmente decepcionada porque a sua imaginação é sempre mais bela do que a realidade. E, depois que gozamos um pouco esses momentos, eles se tornam aborrecidos. Cada um se esforça para obter a felicidade e o resultado é que ninguém é feliz.”
Bem, e tudo isso está intimamente relacionado ao contexto histórico pós Primeira Guerra Mundial. O fim da Belle Époque, a ascensão do comunismo e da luta de classes, o avanço da indústria e da mecanização, presidentes governando, as mulheres ganhando espaço no meio social, tudo fazendo parte desse romance, sob pontos de vistas únicos, no que pode ser considerado um ensaio sobre o mundo moderno.

“Se vocês acreditam nos negócios, como no serviço e na santidade do trabalho, vocês se transformarão simplesmente em idiotas mecanizados durante vinte e quatro horas, das vinte e quatro que tem um dia. Reconheçam que é um trabalho infecto, tapem o nariz, dediquem-se a ele durante oito horas e depois concentrem-se em si mesmos para ser, nas horas de folga, entes humanos verdadeiros. Seres humanos verdadeiros e completos. Não leitores de jornais, nem amadores de jazz, nem maníacos da radiofonia. Os industriais que fornecem às massas divertimentos padronizados e fabricados em serie fazem o possível para torná-los, nas horas de lazer, os mesmo imbecis mecânicos que vocês são durante as horas de trabalho. Mas não permitam isso. É preciso fazer o esforço necessário para ser humano.”
E os personagens são tão diversos quanto poderiam: o cínico Burlap, o revolucionário e insignificante Ildidge, o demasiadamente humanoRampion, a atormentada Marjorie dentre vários outros. Sendo meus preferidos a inteligente e hedonista Lucy, em diálogo a seguir com o angustiado Walter Bidlake:
“- Romântico, romântico! – escarneou ela. – Tens uma maneira tão absurdamente antiquada de pensar nas coisas. Matar e tripudiar sobre cadáveres e amar e o mais que segue. É ridículo. Por que não andas logo de fraque e plastrão?… Procura ser um pouco mais moderno.
- Prefiro ser humano.
- Viver modernamente é viver rapidamente – continuou ela. – Não podes carregar um vagão cheio de idéias e romantismo nestes tempos. Quando viajamos de avião, devemos deixar para trás as bagagens pesadas. A velha alma de antanho sentava muito bem quando se vivia vagarosamente. Mas é pesada demais para os nossos dias. Não há lugar para ela no avião…
- Nem mesmo para um coração? – perguntou Walter. – Não me preocupa muito a alma. – Já uma vez se preocupara com ela. Mas agora que a sua vida não consistia em ler filósofos, ele estava um pouco menos interessado nela. – mas o coração – ajuntou -, o coração…

Lucy sacudiu a cabeça.
- Talvez seja uma pena – concedeu ela. – mas tudo tem o seu preço. Se gostamos da velocidade, se queremos ganhar terreno, não podemos levar bagagem. Trata-se de saber o que queremos, e de estarmos prontos a pagar o preço devido. Eu sei exatamente o que quero; assim, sacrifico a bagagem. Se te agrada viajar num caminhão de mudanças, viaja. Mas não esperes que eu te acompanhe, ó meu suavíssimo Walter. Não esperes que eu leve o teu piano de cauda no meu monoplano de dois lugares.”
E o pessimista sem objetivos ou credos,Spandrell. Eles vão levantar os debates e as ideias mais interessantes.  

“- É jovem ainda. - Foi assim que Spandrell comentou a noite. Jovem e um pouco insípida. As noites são como seres humanos: só começam a interessar depois que ficam adultas. Lá pela meia-noite elas atingem a puberdade. Um pouco depois da 1 hora chegam à maioridade. A sua plenitude esta entre duas e duas e meia. Uma hora mais tarde elas vão ficando cada vez mais desesperadas, como essas mulheres devoradoras de homens e esses homens maduros em declínio que andam por aí a saltitar num pé só mais violentamente do que nunca, na esperança de se convencerem a si mesmos de que não são velhos. Depois das quatro horas, as noites entram em plena decomposição. E a sua morte é horrível. Verdadeiramente horrível, ao nascer do sol, quando as garrafas estão vazias, as pessoas têm um aspecto de cadáveres e o desejo se desfaz em desgosto. Tenho um fraco pelas cenas de leito de morte, confesso – ajuntou Spandrell.”
Antes de finalizar essa resenha, aproveito, pois, para justificar a nota que se segue. Por ser tão denso, é também por vezes cansativo. Além disso, nem todos personagens são tão interessantes assim. O próprio autor, ainda na voz de Quarles exprimiu isso: 
“O grande defeito do romance de ideias é que ele é uma coisa artificial, arranjada. Necessariamente; porque as pessoas capazes de desenvolver teses formuladas de maneira adequada não são bem reais; são levemente monstruosas. Torna-se um tanto cansativo, com o andar do tempo, viver com monstros.”
 Mas nada que tire seu mérito. Contraponto é daqueles livros que te deixam inquieto, que precisam ser relidos, uma vez que toda sua significação depende de como interage com o leitor. É um livro de múltiplas camadas para se ler entre pausas e respiradas. Se de acordo com Huxley a única generalização que podemos arriscar é que as maiores obras de arte tem tido grandes assuntos, essa é uma obra de arte das mais elevadas.
Nota: 9/ 10 

Marcelle Freire