terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Cinco livros em 2019

Bem, amigos do Sagaranando, este corpo celeste azul que chamamos de lar está completando mais uma volta ao redor do astro rei, e é hora de relembrar alguns pontos deste menino maroto chamado 2019. Um ano em que apanhamos na cultura, na educação, no meio ambiente, nos movimentos sociais... e ainda tem mais três anos, taokey? O Brasil mergulhando cada vez mais nas águas turbulentas do autoritarismo e da intolerância, se tornando mais desigual e gradativamente mais deslumbrado perante o absurdo que se tornou nosso cotidiano. Mas também foi ano de alegrias, de conquistas pessoais, mas isto é assunto para mais tarde, talvez. Hoje vamos falar de livros! Consegui ler uma quantidade boa, a maior desde 2014, e quase todos eles de ótima qualidade. Antes de falar dos cinco melhores, quero dizer que Vá, coloque um vigia de Harper Lee, a continuação do maravilhoso O Sol é para todos, foi uma decepção. Mas estas serão cenas de próximos capítulos.  Desejo a todos um 2020 de paz, saúde, conquistas, ótimos livros e filmes maravilhosos. Tentarei (Ten-ta-rei!) retomar, mesmo que em pequenas doses, as atividades do blog no próximo ano.
Vamos aos cinco livros que mais me cativaram em 2019.
5. Me chame pelo seu nome, André Aciman
Livro que inspirou um dos mais destacados filmes de 2017, Me chame pelo seu nome nos leva à Riviera Italiana dos anos 80, onde um professor universitário abre as portas de sua casa todos os anos no verão a algum jovem acadêmico, oferecendo orientação em troca de ajuda com seu trabalho científico. O escolhido da vez é o americano Oliver, uma figura carismática, sedutora e um tanto quanto enigmática. Oliver imediatamente conquista a todos, mas é com Elio, filho do professor, que ele desenvolve uma relação especial - e aí temos a temática do amor, da insegurança, da descoberta da sexualidade (por parte de Elio). Uma estória tocante, bonita, despretensiosa. Do tipo de livro que a gente lembra com carinho.
Nota: 9.0/ 10

4. Este lado do paraíso, Francis Scott Fitzgerald
Esses tolos sonhadores... o primeiro romance de Scott Fitzgerald nos leva aos Estados Unidos do fim da década de 1910. Amory Blaine, o protagonista, é filho de uma família de quem recebeu bastante conforto, mas pouco afeto - apesar de sua mãe Beatrice o adorar. Tendo um pai distante e uma mãe mergulhada em melancolia e ilusões, quando adolescente Amory decide ir para um colégio interno de elite. De lá, vai para a Universidade de Princeton, onde desenvolve ambições literárias, se envolve em diversas e sucessivas paqueras, até conhecer o amor e a desilusão. Em certo ponto Amory se dá conta do castelo de cartas que era sua vida, bem como a sociedade em que vivia, superficial e mantida por aparências. Este livro, cuja primeira edição esgotou em três dias, definiu uma época e uma geração que tanto se identificou com ele. O mundo então sabia: nascia um gênio literário. Nota: 10

3. Ter e não ter, Ernest Hemingway
Mais um livro de Hemingway e mais um motivo pra ele ser um de meus autores preferidos. O protagonista é um típico personagem que o escritor americano adorava retratar: um homem durão, devotado à família e com a vida intrinsicamente ligada ao mar. Harry Morgan, vivendo entre Havana e a Flórida, convive diariamente com pescadores, bêbados, arruaceiros, prostitutas, mas também com comandantes de navios de luxo e milionários alienados que queimam dinheiro no litoral - uma fauna humana tão recorrente no trabalho de Hemingway, e que sabemos que guarda diversas semelhanças com pessoas que conviveram bastante com ele. O livro traz uma ação forte e faz menção a questões políticas, o que fica perfeito com o diálogo contundente que é marca registrada de Ernest Hemingway, combinado com uma prosa direta, enxuta, sem muitos rodeios. Legítimo e brutal como a propria vida do escritor.
Nota: 10

2. Fahrenheit 451, Ray Bradbury
Uma das distopias mais conhecidas e mais importantes, a obra-prima de Ray Bradbury apresenta um mundo horrível em que livros são inimigos e incinerados pelos bombeiros, as pessoas se comportam como zumbis diante das televisões (que são as coisas mais importantes dentro de uma casa) e podem se distrair da apatia da vida cotidiana dirigindo a 200 km/h. Neste cenário futurístico desolador vive o bombeiro Guy Montag, desolado pelo tédio de sua vida e pela convivência com sua mulher, que vive inerte frente a uma televisão. A partir do contato com Clarisse, uma jovem vizinha, Montag passa a refletir e se indignar com a doentia ordem vigente - claro que isso trará graves consequências. Um livro duro, sufocante, essencial em tempos sombrios como os que vivemos.
Nota: 10
1. Travessuras da menina má, Mario Vargas Llosa
Que livro! Senhoras e senhores, que romance. Algo que só um escritor do quilate de Mario Vargas Llosa, Nobel de Literatura de 2010, pode conceber. Acompanhamos aqui a nada convencional estória de amor entre Ricardo e Lily - ele, peruano que vai morar em Paris ainda jovem e trabalha como intérprete e tradutor; ela, uma aventureira que surge a cada década em uma cidade diferente com uma identidade diferente e vivendo uma vida completamente diferente da anterior. Ricardo conhecera Lily ainda na infância no tradicional bairro limenho de Miraflores, e a reencontrou novamente na revolucionária Paris dos anos 60, na Londres libertária dos anos 70, na cosmopolita Tóquio, e na Madri pós ditadura franquista nos anos 80. Este estranho amor cresce e se transforma ao longo dos anos,  cada vez que a menina má aparece e some na vida do bom menino Ricardo; ela envolvida em cenários de poder e riqueza, enquanto ele só tentava viver sua vida pacata. O enredo deste intrépido casal tem como plano de fundo as transformações sociais da Europa e a turbulenta política da América Latina (incluindo Revolução Cubana, golpes de estado na América do Sul e grupos de guerrilha. Numa dança de encontros e desencontros, a narração magistral de um dos maiores escritores do século XX.
Nota: 10

Luís F. Passos

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Filmes pro final de semana - 20/12

1. Ensaio sobre a cegueira (Blindness, 2008)
Um homem para no sinal de trânsito. O sinal abre, mas ele não sai do lugar. Os outros motoristas começam a buzinar, alguns pedestres vão até ele para saber o que há de errado. O homem afirma que ficara subitamente cego, como se uma luz branca inundasse seus olhos. Mais tarde ele é avaliado por um médico (Mark Ruffalo), que não vê nenhuma alteração no exame e fica perplexo diante da cegueira. Antes de dormir, o médico também fica cego - assim como todas as pessoas com quem o primeiro homem teve contato. A doença é contagiosa e atinge a todos gradativamente, exceto a mulher do médico (Julianne Moore), que esconde este fato e finge também estar cega. Os cegos então são levados para um hospital desativado para ficarem de quarentena, e lá aos poucos eles vão sendo guiados pelos instintos de sobrevivência e deixam de lado ética, compaixão e dignidade, perdendo o que outrora os caracterizava como humanidade e civilização. Excelente adaptação feita por Fernando Meirelles da obra imortal de José Saramago.
Nota: 10
2. J. Edgar (2011)
Nos anos 20, a chamada polícia federal dos Estados Unidos era quase uma piada. Faltava estrutura, funcionários e principalmente o poder de atuação que é tão famoso nos dias de hoje. Tudo mudou com o brilhante e ambicioso John Edgar Hoover (Leonardo DiCaprio) que entrou na agência como assistente do diretor e não tardou a ocupar o cargo do chefe. No comando do FBI, Hoover criou o conceito de uma polícia moderna, investigativa e com a capacidade de cruzar e gerar dados dos cidadãos como nenhuma outra no mundo. Tamanha dedicação lhe rendeu a segurança no cargo por nada menos que 48 anos, só deixando a diretoria da agência no caixão. Em todo esse tempo os Estados Unidos tiveram oito presidentes e mais de vinte secretários de Estado, todos devidamente investigados por Hoover, que encomendou dossiês sobre a vida de quase todas as figuras públicas do país – apesar dos feitos heroicos, o diretor também tinha um lado obscuro que incluía ir contra Martin Luther King e a luta pelos direitos civis. É essa uma das qualidades do filme: a imparcialidade. A direção de Clint Eastwood expõe as várias facetas de Hoover através da atuação fenomenal de DiCaprio, mostrando além de sua trajetória, a fonte de várias contradições da personalidade complexa e fascinante que foi J. Edgar Hoover.
Obs: na minha opinião, a atuação de DiCaprio foi a melhor desse ano, junto com a de Ryan Gosling em Drive. Nenhum dos dois atores foi indicado ao Oscar.
Nota: 9,5/ 10
3. Tudo sobre minha mãe (Todo sobre mi madre, 1999)
Este longa de 1999 é centrado em Manuela (Cecilia Roth), enfermeira que perde seu único filho num acidente depois de assistir à peça Uma rua chamada pecado. Ela então vai à Barcelona em busca do pai do garoto para dar a notícia, mas não o encontra; quem ela reencontra é a travesti Agrado (Antonia San Juan), sua amiga de muitos anos atrás, e através de quem conhece a freira Rosa (Penélope Cruz), que descobre estar grávida e soropositiva. Manuela se vê mantendo Rosa sob seus cuidados e responsabilidade ao mesmo tempo em que se aproxima do elenco de Uma rua chamada pecado, cuja protagonista Huma (Marisa Paredes) vive Blanche DuBois dentro e fora dos palcos. Com referências ao cinema clássico, Almodóvar mais uma vez constrói perfis femininos através da ótica de um homem crescido entre mulheres, especialmente a figura materna simbolizada por Manuela. O resultado é um filme maravilhoso, vencedor do Prêmio de direção de Cannes e do Oscar de melhor filme estrangeiro.
Nota: 10
4. Os Bons Companheiros (GoodFellas, 1990)
Violento, brutal, e estranhamente carismático. Um dos melhores filmes de Scorsese aborda a escória da máfia, gângsters nascidos no subúrbio que em nada lembram a elegante e cavalheiresca máfia romantizada em outras obras. Henry (Ray Liotta) desde garoto sabia que queria entrar na máfia e ter todos privilégios que o crime lhe proporcionaria, e ao lado de seus amigos Tommy (Joe Pesci) e Jimmy (Robert De Niro) ganha experiência e uma extensa ficha criminal que inclui agressão, extorsão, assassinato e tráfico de drogas. A amizade dos três beira a fraternidade, as famílias se dão muito bem, mas nem mesmo uma organização criminosa com base tão sólida pode ser resitente a tudo. A ascensão social a partir da máfia, o status que representa a gangue, as relações entre as personagens e a forte violência são mostradas com maestria e com um humor um tanto irônico. (Funny? Funny how, motherfucker?)
Nota: 10
5. O demônio das onze horas (Pierrot le fou, 1965)
Em homenagem a Anna Karina, falecida recentemente, falemos sobre um de seus melhores filmes. A história se desenvolve a partir da fuga de Ferdinand (Belmondo), um professor universitário que deixa pra trás a vida burguesa para cair na estrada com sua amante Marianne (Anna Karina). Se a Nouvelle vague queria quebrar princípios e reinventar o cinema, é só ver Pierrot para saber que eles conseguiram. A linearidade da história, marcada pela narração dos protagonistas, que se revezam  nos contando seus fatos e pensamentos, é quebrada várias vezes. Como bom filme de estrada, o que não falta aqui é filosofia e interrogações, até porque Godard mantém o padrão de diálogos que mais parecem interrogatórios. O casal de fugitivos é feliz? O que eles esperam do futuro? Afinal, Marianne corresponde aos sentimentos de Ferdinand? E mesmo sendo tantas as perguntas, as deixamos de lado porque parece que eles querem apenas seguir em frente, vendo beleza onde ninguém mais vê e estando lado a lado na jornada.
Obs: o título brasileiro não é mais uma viagem dos tradutores; é o nome do livro no qual se baseia o filme.
 Nota: 10

Luís F. Passos

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Filmes pro final de semana - 18/01


1. Minha vida em Marte (2018)
Vamos aplaudir as comédias nacionais. Os ótimos Mônica Martelli e Paulo Gustavo reaparecem como Fernanda e Aníbal quatro anos depois de Os homens são de marte... e é pra lá que eu vou, com a protagonista casada e mãe de uma filha. Desde o início do filme percebemos a grave crise do casamento de Fernanda e Tom (Marcos Palmeira) e suas tentativas de salvar a união. O longa então acompanha o dilema de Fernanda entre persistir com a ansiedade de seguir com alguém e a necessidade de ser feliz consigo mesma. Tudo isso em meio a cenas e diálogos hilários, em sua maioria divididos com a personagem de Paulo Gustavo, seu melhor amigo e eterno companheiro. E é nisso em que foca boa parte do filme: o valor inestimável de uma amizade verdadeira.
Nota: 7,5/ 10
2. 007 contra Spectre (Spectre, 2015)
Apesar de minha antipatia a filmes de ação, sou um grande fã da franquia 007, especialmente dos filmes estrelados por Daniel Craig nos últimos 14 anos. Em Spectre temos James Bond afastado do trabalho após uma operação não oficial que resultou em um tremendo estrago; o espião segue pistas que parecem pontas soltas mas que o levam a uma organização criminosa de imenso poder e alcance, que parece estar ligada a diversos problemas enfrentados anteriormente por ele - tanto da espionagem como pessoalmente. Por trás dessa organização há o maligno Franz Oberhauser (o sempre excelente Christolph Waltz), que tem clara obsessão por destruir Bond. O filme é sensacional. Quase tão bom quanto Skyfall, Spectre traz elementos clássicos da franquia, o formato tradicional e os amados clichês como os apetrechos, carros esportivos e estonteantes Bondgirls - aqui, uma sensacional: a maravilhosa Léa Seydoux.
Nota: 8,5/ 10
3. Carol (2015)
Um filme lindo, triste, sensível e abrilhantado pelo descomunal talento de suas protagonistas. Carol Aird (Cate Blanchett) é uma mulher rica e de personalidade forte que está se divorciando de seu marido Harge (Kyle Chandler), um empresário com quem tinha uma relação fria, em que a maior realização foi a filha Rindy. Às vésperas do Natal, enquanto procurava um brinquedo para sua filha, Carol conhece a jovem Therese Belivet (Rooney Mara), vendedora de uma loja de departamentos; imediatamente uma desperta interesse pela outra, e em pouco tempo se apaixonam. Em meio à Nova York dos anos 50, com toda sua ignorância e preconceito, o casal acaba enfrentando difíceis obstáculos, como Harge, que ameaça proibir que Carol se aproxime da filha. Através de uma direção meticulosa e das perfeitas atuações, o filme é marcado pela gentileza e suavidade, sem extravagâncias, onde um simples olhar pode dizer muito. Absolutamente encantador.
Nota: 9,5/ 10
4.  What Happened, miss Simone? (2015)
Um documentário do Netflix que todo mundo deve assistir. Uma história de vida dramática que todos devem conhecer. A vida de Eunice Waymon, consagrada com o nome artístico de Nina Simone, se confunde com a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos. Nascida nos anos 30 em uma pequena cidade da Carolina do Norte, a pobre menina negra aprendeu a tocar piano na igreja com apenas quatro anos. Aos sete, numa apresentação, chamou a atenção de uma senhora branca, que passou a lhe ensinar os maiores mestres da música clássica. Na mesma ocasião, conheceu o preconceito - seus pais tiveram de se sentar na última fila. Recusada por um conservatório, ela acabou tocando e cantando em bares, onde foi descoberta e a partir de então projetada como uma estrela. O casamento conturbado, a difícil relação com os filhos, a forte presença no movimento negro e a luta contra os próprios demônios são os grandes elementos muito bem abordados pelo filme que ajuda a preservar a memória de quem foi uma artista única e uma mulher mais singular ainda.
Nota: 9,5/ 10
5. Ela (Her, 2013)
Sem dúvidas um dos melhores e mais bonitos filmes dos últimos anos. Theodore (Joaquin Phoenix) é um solitário escritor que acaba se apaixonando por um sistema operacional (OS). O filme é ambientado num futuro próximo, onde a tecnologia é sutilmente mais avançada que no presente, e os sistemas operacionais são grandes facilitadores da vida das pessoas. Samantha (voz de Scarlett Johansson), o OS de Theodore, dotado de voz feminina e personalidade, acaba por envolver seu dono. A ideia do amor entre um homem e um software parece totalmente plausível, apesar de uma certa estranheza com que muitas pessoas encaram a relação. A proposta é fazer pensar na relação de dependência com a tecnologia além de, claro, afirmar que toda forma de amor vale a pena.
Nota: 10

Luís F. Passos