Um homem para no sinal de trânsito. O sinal abre, mas ele não sai do lugar. Os outros motoristas começam a buzinar, alguns pedestres vão até ele para saber o que há de errado. O homem afirma que ficara subitamente cego, como se uma luz branca inundasse seus olhos. Mais tarde ele é avaliado por um médico (Mark Ruffalo), que não vê nenhuma alteração no exame e fica perplexo diante da cegueira. Antes de dormir, o médico também fica cego - assim como todas as pessoas com quem o primeiro homem teve contato. A doença é contagiosa e atinge a todos gradativamente, exceto a mulher do médico (Julianne Moore), que esconde este fato e finge também estar cega. Os cegos então são levados para um hospital desativado para ficarem de quarentena, e lá aos poucos eles vão sendo guiados pelos instintos de sobrevivência e deixam de lado ética, compaixão e dignidade, perdendo o que outrora os caracterizava como humanidade e civilização. Excelente adaptação feita por Fernando Meirelles da obra imortal de José Saramago.
Nota: 10
2. J. Edgar (2011)
Nos anos 20, a chamada polícia federal dos Estados Unidos era quase uma piada. Faltava estrutura, funcionários e principalmente o poder de atuação que é tão famoso nos dias de hoje. Tudo mudou com o brilhante e ambicioso John Edgar Hoover (Leonardo DiCaprio) que entrou na agência como assistente do diretor e não tardou a ocupar o cargo do chefe. No comando do FBI, Hoover criou o conceito de uma polícia moderna, investigativa e com a capacidade de cruzar e gerar dados dos cidadãos como nenhuma outra no mundo. Tamanha dedicação lhe rendeu a segurança no cargo por nada menos que 48 anos, só deixando a diretoria da agência no caixão. Em todo esse tempo os Estados Unidos tiveram oito presidentes e mais de vinte secretários de Estado, todos devidamente investigados por Hoover, que encomendou dossiês sobre a vida de quase todas as figuras públicas do país – apesar dos feitos heroicos, o diretor também tinha um lado obscuro que incluía ir contra Martin Luther King e a luta pelos direitos civis. É essa uma das qualidades do filme: a imparcialidade. A direção de Clint Eastwood expõe as várias facetas de Hoover através da atuação fenomenal de DiCaprio, mostrando além de sua trajetória, a fonte de várias contradições da personalidade complexa e fascinante que foi J. Edgar Hoover.
Obs: na minha opinião, a atuação de DiCaprio foi a melhor desse ano, junto com a de Ryan Gosling em Drive. Nenhum dos dois atores foi indicado ao Oscar.
Nota: 9,5/ 10
3. Tudo sobre minha mãe (Todo sobre mi madre, 1999)
Este longa de 1999 é centrado em Manuela (Cecilia Roth), enfermeira que perde seu único filho num acidente depois de assistir à peça Uma rua chamada pecado. Ela então vai à Barcelona em busca do pai do garoto para dar a notícia, mas não o encontra; quem ela reencontra é a travesti Agrado (Antonia San Juan), sua amiga de muitos anos atrás, e através de quem conhece a freira Rosa (Penélope Cruz), que descobre estar grávida e soropositiva. Manuela se vê mantendo Rosa sob seus cuidados e responsabilidade ao mesmo tempo em que se aproxima do elenco de Uma rua chamada pecado, cuja protagonista Huma (Marisa Paredes) vive Blanche DuBois dentro e fora dos palcos. Com referências ao cinema clássico, Almodóvar mais uma vez constrói perfis femininos através da ótica de um homem crescido entre mulheres, especialmente a figura materna simbolizada por Manuela. O resultado é um filme maravilhoso, vencedor do Prêmio de direção de Cannes e do Oscar de melhor filme estrangeiro.
Nota: 10
Nota: 10
4. Os Bons Companheiros (GoodFellas, 1990)
Violento, brutal, e estranhamente carismático. Um dos melhores filmes de Scorsese aborda a escória da máfia, gângsters nascidos no subúrbio que em nada lembram a elegante e cavalheiresca máfia romantizada em outras obras. Henry (Ray Liotta) desde garoto sabia que queria entrar na máfia e ter todos privilégios que o crime lhe proporcionaria, e ao lado de seus amigos Tommy (Joe Pesci) e Jimmy (Robert De Niro) ganha experiência e uma extensa ficha criminal que inclui agressão, extorsão, assassinato e tráfico de drogas. A amizade dos três beira a fraternidade, as famílias se dão muito bem, mas nem mesmo uma organização criminosa com base tão sólida pode ser resitente a tudo. A ascensão social a partir da máfia, o status que representa a gangue, as relações entre as personagens e a forte violência são mostradas com maestria e com um humor um tanto irônico. (Funny? Funny how, motherfucker?)
Nota: 10
Nota: 10
5. O demônio das onze horas (Pierrot le fou, 1965)
Em homenagem a Anna Karina, falecida recentemente, falemos sobre um de seus melhores filmes. A história se desenvolve a partir da fuga de Ferdinand (Belmondo), um professor universitário que deixa pra trás a vida burguesa para cair na estrada com sua amante Marianne (Anna Karina). Se a Nouvelle vague queria quebrar princípios e reinventar o cinema, é só ver Pierrot para saber que eles conseguiram. A linearidade da história, marcada pela narração dos protagonistas, que se revezam nos contando seus fatos e pensamentos, é quebrada várias vezes. Como bom filme de estrada, o que não falta aqui é filosofia e interrogações, até porque Godard mantém o padrão de diálogos que mais parecem interrogatórios. O casal de fugitivos é feliz? O que eles esperam do futuro? Afinal, Marianne corresponde aos sentimentos de Ferdinand? E mesmo sendo tantas as perguntas, as deixamos de lado porque parece que eles querem apenas seguir em frente, vendo beleza onde ninguém mais vê e estando lado a lado na jornada.
Obs: o título brasileiro não é mais uma viagem dos tradutores; é o nome do livro no qual se baseia o filme.
Nota: 10
Luís F. Passos
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