quinta-feira, 22 de março de 2012

A invenção de Hugo Cabret - Scorsese e seu amor pelo cinema

Hugo é um menino órfão, que vive de pequenos furtos na estação de trem de Paris, sozinho, escondido, consertando os relógios da estação desde que seu pai morreu num incêndio ocorrido no museu em que trabalhava. O menino tem uma fixação: consertar um autômato, uma espécie de robozinho, deixado pelo seu pau antes de morrer. Ele acredita que ao conseguir consertar o autômato, poderá descobrir algum tipo de mensagem que seu pai tenha lhe deixado antes de morrer. Para isso, ele não deve apenas consertar as peças da máquina, como também encontrar uma chave em forma de coração que parece ser capaz de ligar o robô. 
A coisa começa a ficar ainda mais problemática quando um senhor, dono de uma loja de brinquedos, chamado Georges (Bem Kingsley) cruza o caminho de Hugo, ao descobrir um caderninho que o garoto possui com vários desenhos que seu pai fez do autômato, o que o deixa misteriosamente perturbado. Além de Georges, também entra na vida de Hugo a jovem Isabele (Chloe Moretz), sobrinha de Georges, viciada em livros e curiosa para viver uma aventura fora deles que entra de cabeça com Hugo em sua missão para descobrir os enigmas relacionados ao autômato.
A questão mais interessante, porém, é que Georges não é ninguém mais ninguém menos que Georges Mélies. Apesar de ser uma figura desconhecida nos dias atuais, Mélies foi uma das primeiras pessoas a ver uma exibição de cinema feita pelos irmãos Lumiére e o pioneiro em empregar efeitos especiais nas películas de cinema. Aí é que o filme começa, então, a misturar ficção e realidade. A medida que Hugo vai desvendando os mistérios do autômato, vamos acompanhando várias e várias referências ao cinema, mais especificamente à relação entre o cinema e as pessoas. ao longo do filme são exibidos vários trechos dos poucos filmes originais feitos por Mélies no início do século XX que não foram destruídos pelo tempo. Assim como em Meia-noite em Paris, A invenção de Hugo Cabret (Hugo, 2011) consegue misturar personagens reais com história fictícia de modo a tornar tudo muito mais interessante.

É notável durante todo o filme o grande carinho que Scorsese tem pelo cinema e o que a sétima arte representa para o diretor. A relação íntima entre Hugo e o cinema, que começou ao ver filmes mudos com seu pai, o momento em que Isabele vai ao cinema pela primeira vez, e os relatos emocionados sobre a importância dos filmes na vida de Mélies não estão ali à toa. Estão ali para mostrar a importância que o cinema tem na vida das pessoas, de como ele é capaz de proporcionar as mais variadas emoções e de como faz parte de nossas vidas.
Através de um filme que é, em sua origem, infantil, Scorsese busca atingir um público totalmente novo e diferente de seus filmes anteriores. Com certeza ele consegue. Sua intenção aqui é provocar nas crianças e nos jovens a admiração e o respeito pela origem do cinema, bem como mostrar-lhes um pouco do que os filmes representaram em sua vida. Mesmo sendo um diretor famoso por filmes extremamente violentos como Touro indomável, Taxi driver e Os bons companheiros, Scorsese mostra toda a sua versatilidade, fazendo algo novo, para um público que nunca antes tinha sido alvo de seus filmes usando todas as qualidades de um grande diretor. 
Roteiro excelente, o filme conta com cenas dramáticas, principalmente com relação ao passado trágico e o futuro ainda incerto de Hugo e as decepções e amarguras de um decadente George Mélies, divertidas sequências de ação, com direito a trens desgovernados, doses de comédia na medida certa, lideradas quase sempre pela presença totalmente não convencional de Sasha Barom Cohen (!!!!!!!!!!) que interpreta o inspetor da estação, cuja função é pegar meninos de rua que fazem furtos no local e levá-los para o orfanato (sem, no entanto, tornar-se uma personagem antipática, muito pelo contrário é divertidíssima), bom uso da tecnologia 3D (pela primeira vez usada por Scorcese) e também a presença de um grande elenco. 
invenção de Hugo Cabret usa de toda a tecnologia moderna que temos atualmente para falar nada mais nada menos do que da origem do cinema, de quando tudo isso que vemos hoje começava a ter algum tipo de significado e crescer como algo que poderia sim dar muito certo. Em uma época em que estamos muito acostumados a ver grandes produções hollywoodianas cheias de efeitos especiais e muito pouco conteúdo, Hugo nos mostra que dá sim para aliar tecnologia futurística com histórias ótimas. Além de fazer questão de nos lembrar que não devemos esquecer jamais dos pioneiros da magia do cinema, sem os quais não o teríamos em nossas vidas. Como a campanha do Oscar desse ano afirmou, “there’s a little bit of the movies in all of us”.
Hugo foi um sucesso no Oscar 2012. Indicado em 11 categorias, vencedor em 5 (todas técnicas), também foi indicado a melhor filme e melhor diretor (Scorsese saiu vitorioso no Globo de Ouro pelo filme). Ainda não pude conferir O artista (grande vencedor da noite) mas posso afirmar com certeza que até esse momento, Hugo é, para mim, o melhor filme do ano.

por Lucas Moura

domingo, 18 de março de 2012

Memórias Póstumas de Brás Cubas

Agora a coisa ficou séria. Poucas vezes falei sobre um livro tão importante aqui no blog, e que também é um de meus livros preferidos. Conheci a história a alguns anos, quando vi o filme na escola, e procurei o livro dada a sua importância no vestibular. Mas bem mais que conteúdo de provas de vestibular, Memórias Póstumas de Brás Cubas é um livro muito divertido e de imenso valor literário.
"Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas". É assim que começa a narração em primeira pessoa feita por Brás Cubas, milionário que depois da morte resolveu escrever suas memórias - sendo, portanto, um defunto-autor, e não um autor defunto. Isento de qualquer compromisso com a sociedade discriminatória e preconceituosa da qual fez parte por toda a vida, Brás Cubas conta sua história sem nenhum pudor.
Filho mais velho de um casal muito rico, Brás Cubas cresceu cheio de mimos e com pouco incentivo a desenvolver talentos. Logo na sua juventude temos um dos mais notáveis acontecimentos do enredo, seu romance com Marcela, mulher de muita beleza e nenhum caráter. O defunto chega a dizer "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis". O namoro tem fim quando o pai de Brás o manda a Portugal para estudar. Ele volta com diploma de bacharel, mas este é esquecido na gaveta.
Ao longo dos anos Brás Cubas vai se tornando um homem solitário. Os pais morrem, a única irmã se casa e vai morar com o marido, e Brás continua sendo um ilustre solteirão. Duas outras mulheres aparecem para mexer com seu coração: Eugênia (era linda, mas coxa) e mais importante, Virgília. Membro de uma família de importantes políticos, Virgília era uma linda moça por quem Brás se encanta, mas ela é dada em casamento a Lobo Neves, que tinha um belo futuro na política. Anos depois Brás e Virgília se reencontram e se tornam amantes; o caso tem fim quando Lobo Neves é transferido para a província do Pará.
Capa desenhada por Candido
Portinari, com o verme citado
por Brás Cubas
Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) é o livro que inaugura o Realismo no Brasil. Machado de Assis, que antes escrevia obras de características românticas, sacode a literatura nacional com esse livro ímpar. São fortes as características realistas: objetivismo, cientificismo, pessimismo e descrença no ser humano. Brás Cubas, assim como muitos da época, era um parasita social, não trabalhava, vivendo dos rendimentos de sua grande fortuna. Por ser tão rico, ele não se interessou por trabalho e morreu sem deixar nenhuma contribuição para o mundo. Ele próprio diz isso no "Capítulo das negativas", em que aponta todas as grandes coisas que queria ter feito e não fez.
A infidelidade, que é recorrente na obra machadiana, é mostrada aqui com o triângulo Brás-Virgília-Lobo Neves. Virgília também é motivo para aumentar a frustração e a amargura de Brás Cubas.
E a ironia, presença obrigatória nos livros realistas de Machado de Assis, aqui é notável a quase todo instante, acompanhada do humor ácido do defunto narrador. Na adaptação para o cinema esse humor foi muito bem aproveitado pelo ator Reginaldo Faria, que interpretou Brás e conseguiu arrancar boas risadas de quem viu o filme.
Inteligente, astuto, inovador. Assim é Memórias Póstumas de Brás Cubas, um de meus clássicos favoritos.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Drive - surpreendente e original

Um cara quieto e caladão (Ryan Gosling) que tem um emprego não muito convencional: trabalha como dublê em cenas de ação envolvendo carros. Além disso, ele também trabalha como motorista. Não um qualquer, ele dirige para criminosos, possibilitando suas fugas. Ele não participa ativamente dos crimes, não usa armas nem nada. Ele apenas dirige. Contanto que os camaradas que o contratarem façam o serviço em 5 minutos, tudo ok. 
A parada começa a complicar quando ele se apaixona por sua vizinha, a jovem Irene (Carey Mulligan), cujo marido está na prisão.
A coisa fica realmente séria quando o marido de Irene sai da prisão. Ele está envolvido com criminosos barra pesada que põem em risco sua vida e a vida de Irene e do filho do casal, Benicio. Claro que nosso camarada protagonista, apaixonado pela mulher e apegado ao seu filho, não poderia deixar que nada de ruim acontecesse com os dois, e se envolve totalmente no perigoso caso da dívida do marido de Irene com os mafiosos, o que tem, obviamente, consequências trágicas.
Drive é um filme bem interessante. Não vá vê-lo pensando que é um filme de ação qualquer, é muito mais do que isso. Primeiro, o protagonista é um homem muito complexo, indecifrável para falar a verdade, suas expressões, já que ele pouco fala durante o filme, mostram o quanto ele é confuso e que muitas coisas passam pela sua cabeça. A questão é: em nenhum momento sabemos exatamente quem ele é. Nem o seu nome é revelado durante o filme! Ele é chamado por Shannon, seu patrão e também uma espécie de agente que também se envolve na bagaça, apenas por “Kid”. Chamar alguém de “garoto” não quer dizer muita coisa. É claro que dá pra perceber o quanto ele ama Irene, afinal, ele demonstra esse amor durante todo o longa, de forma muitas vezes sutis, tão sutis quanto uma pessoa tão comedida poderia usar. 
A primeira parte de Drive chega a ser romântica e bucólica, apesar de sabermos que as coisas não vão ficar assim por muito tempo. Só não esperamos que a segunda parte venha tão violenta. É uma sequência implacável de cenas de violência muito fortes, algumas chocantes até. Tenho que confessar que me pegou meio desprevenido. Também muito me agradou a trilha sonora, quase cafona, meio destoando de tudo mas muito interessante. Impossível não notá-la. E também a fotografia, muito bonita. 
Quanto às atuações, todos os créditos para Ryan Gosling. Ele é o ator do momento, isso é um fato. Drive é uma continuação de grandes trabalhos do ator que vieram em sequência em 2011. Blue valentine, Tudo pelo poder e Drive. Três filmes excelentes, e aqui ele mostra o seu melhor. Tudo leva a crer que seu trabalho só vá melhorar cada vez mais. Sua ausência entre os cinco indicados ao Oscar de melhor ator é, para mim, injusta. Ele merecia a indicação. Destaque também para a presença da sempre fofa Carey Mulligan como a “mocinha indefesa” e do veterano Albert Brooks, como um “vilão” da história.

por Lucas Moura

domingo, 11 de março de 2012

Literatura universal: o que é?

Às vezes aqui no blog eu falo sobre a universalidade na literatura, especialmente quando comento sobre uns livros que se tornaram clássicos. O fato de serem considerados universais, inclusive, contribuiu para que eles chegarem ao status de clássicos. Sim, mas o que é universal? Basicamente, é quando o livro não se restringe ao tempo e nem ao espaço, pois explora aspectos psicológicos das personagens. Ou seja, as situações e dilemas das personagens não se prendem ao local e à época em que a história é narrada, mas podem acontecer com qualquer pessoa, pois tem forte análise psicológica.
Exemplificando com um conhecido livro brasileiro, Dom Casmurro, de Machado de Assis. Nele temos Bentinho: amargurado, ciumento, neurótico, solitário, obsessivo, parasita social (não trabalhava, vivia dos juros de sua fortuna). Essas características não se restringem a um homem velho do Rio de Janeiro, pois pra achar que tá levando chifre não precisa necessariamente estar casado com alguém que tenha olhos de cigana oblíqua e dissimulada, hehe.
E não poderia deixar de falar do caso de Guimarães Rosa, que conseguiu universalizar o regional. Como assim? Toda a obra de Guimarães se passa no sertão de Goiás e Minas Gerais, e os primeiros livros traziam histórias bem restritas aqueles lugares. Mas em Grande sertão: veredas, ao falar dos dilemas sentimentais do jagunço Riobaldo e como a cabeça dele estava uma bagunça por causa de Diadorim, são expostos temas comuns a todas as pessoas: vingança, medo, ódio, amor, saudade e arrependimento.
Outros exemplos de grandes autores universais do Brasil e de outros países são Clarice Lispector, Raduan Nassar,  Dostoiévski, Kafka, Leon Tostói, García Marquez, Virgínia Woolf, Albert Camus, José Saramago, e muitos outros.

quinta-feira, 8 de março de 2012

A dama de ferro - vida e luta de Margaret Tatcher

Um dos filmes mais comentados, A dama de ferro, (The iron lady, 2011) explora a vida da ex -primeira ministra inglesa, Margaret Tatcher, que entrou para a história como uma das mulheres mais importantes da política mundial. O filme explora diversos momentos da vida pública e privada de Tatcher: traços de sua relação familiar, determinantes para a construção de sua forte personalidade, o início de sua carreira na política, sua ascensão ao posto de primeira ministra e seus últimos dias de vida, já fragilizada pelo Ahlzeimer e muito diferente da forte mulher que se apresentava na juventude. 
Basicamente, é só isso que se tem para falar da história do filme. Ele vai passar por vários fatos que envolveram o governo de Tatcher, como a questão envolvendo as ilhas Falkland, a guerra fria, o IRA e, principalmente todos os altos e baixo de popularidade enfrentados por Tatcher devido a suas decisões enérgicas e, até mesmo, brutais, mas que foram essenciais para a retomada do controle na estrutura política de uma das maiores potências mundiais, a Inglaterra.
O filme é totalmente liderado por Meryl Streep, que interpreta Margareth, e que aparece ótima (como de costume). Meryl consegue se caracterizar muito bem de Margareth, passando a força e a imponência necessárias para mostrar uma das mulheres mais importantes do conturbado século XX. Por uma caracterização completa de todas as faces de uma mulher tão forte e tão complexa, a vitória de Meryl Streep no Oscar – sua terceira, antecedida por Kramer vs. Kramer (1979) e A escolha de Sofia (1983) – é totalmente justificável e muito merecida. Sempre temos grandes indicadas nessa categoria, e esse ano, como há muito tempo vem sendo, Meryl se consagrou mais uma vez como a grande atriz que, de fato, é.

por Lucas Moura

domingo, 4 de março de 2012

Memórias de uma gueixa

Em 1929, Chyo era apenas uma menina pobre de uma vila de pescadores no litoral japonês. Sua mãe era muito doente e seu pai, um velho pescador, mal conseguia sustentar a família. Por conta da pobreza, Chyo e sua irmã Satsu são vendidas a uma casa de gueixas da grande cidade de Kyoto. Ao chegarem ao destino as irmãs são separadas e Chyo não sabe para onde levaram Satsu.
É aí que é apresentada a casa de gueixas da senhora Nita, no famoso distrito de Gion. As gueixas de Gion eram conhecidas por todo o Japão por sua beleza e talento. Na casa, Chyo conhece, além da senhora Nita (que tinha de ser chamada de Mamãe), Titia, uma ex-gueixa que era um tipo de governanta, e Vovó, outra ex-gueixa muito velha que era servida por todas da casa. Chyo também conhece Abóbora, outra aprendiz, e Hatsumomo, a única gueixa em atividade da casa, o qe significa que ela era quem sustentava a todos.
Vale a pena abrir um parêntese pra explicar o que são gueixas: diferente do que se pensa, não são prostitutas, são acompanhantes. O livro demonstra bem isso: as gueixas são especialistas em entreter pessoas e animar festas com suas habilidades em canto, dança, instrumentos musicais, modo de servir e até mesmo em conversar com os convidados. A presença de gueixas era fundamental em festas ou pequenas reuniões de pessoas ricas.
Chyo começa seus estudos para se tornar uma gueixa, mas não consegue atingir os resultados esperados. Além disso, Hatsumomo se mostra disposta a tudo pra dificultar sua vida em Gion, aparentemente sem motivo. Para piorar, Chyo perde a oportunidade de se unir novamente a Satsu. As coisas parecem conspirar contra Chyo, até que ela conhece um poderoso empresário e se apaixona por ele, decidindo então correr atrás do objetivo de ser uma grande gueixa e reencontrar o executivo. Para isso ela contará com a ajuda de Mameha, uma lenda viva entre as gueixas e inimiga mortal de Hatsumomo.
Memórias de uma gueixa (1997) é o livro inicial do norte-americano Arthur Golden e um grande sucesso de vendas. É muito bem escrito, fluido, e percebemos que o autor trabalhou um bocado pesquisando sobre o mundo das gueixas e o Japão que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, quando a profissão entrou em decadência. E claro, tem a ótima história da menina pobre Chyo que se tornou Nita Sayuri, uma das gueixas mais famosas do país. O livro tem seus muitos momentos tensos, como nas muitas brigas entre Chyo/Sayuri e Hatsumomo, mas também passagens bonitas, como as vezes em que Sayuri sonha com o empresário.
Em 2005 foi lançado o filme baseado no livro, mas infelizmente não fez jus à obra. Mesmo assim, é visualmente muito bonito, e é interessante pra quem leu, pra compor as imagens formadas na mente, com todo o charme e beleza das gueixas.