sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Cisne Negro - lose yourself


Em seu último trabalho lançado, o diretor Dareen Aronofsky mergulha no requintado e selvagem mundo do balé para contar uma história moderna e surpreendente, sobre a incessante busca pela perfeição por uma jovem bailarina, Nina Sayers (interpretada brilhantemente por Natalie Portman) que acaba de ganhar o papel de Swan Queen, no balé clássico O Lago dos Cisnes, algo que é almejado por bailarinas de todo o mundo.
Na história de O Lago dos Cisnes, temos duas mulheres diferentes, envolvidas através de um príncipe: de um lado, a controlada e delicada Odette, o Cisne Branco, que, através de um feitiço, é transformada em um cisne. Para quebrar a maldição, apenas o amor do príncipe. O problema é que este é seduzido pela fatal Odille, o Cisne Negro. Vendo que jamais terá seu amor de volta, Odette decide se matar. Um dos balés mais famosos do mundo, O Lago dos Cisnes representa um grande desafio àquelas que são escolhidas para interpretar o Cisne Branco e o Cisne Negro, pois estes são forças distintas. Uma é a completa oposição da outra. Para uma correta caracterização, a bailarina deve, durante a apresentação, saber transformar-se rapidamente, o que exige toda uma postura e atitudes diferentes, bem como a formação de uma linguagem corporal apropriada. Para isso, é vital que a bailarina tenha, em sua essência, características próprias que pode administrar e dosar conforme o desempenho. Portanto, é muito difícil interpretar o papel.
Thomas Leroy (Vincent Cassel) está à procura de um novo rosto para liderar o balé de Nova York. A antiga primeira bailarina, Beth (Winoma Ryder, numa participação especialíssima, brilhante e muito bem vinda), já está na idade de se aposentar e a companhia de dança precisa urgentemente de uma renovação. Renovação acompanhada de inovação. Ele decide, então, abrir a temporada de espetáculos com uma nova montagem de O Lago dos Cisnes (dando uma versão mais crua à história). Em sua busca pela nova Swan Queen, ele acaba por escolher Nina para cumprir o enorme desafio. Nina é das mais dedicadas e talentosas bailarinas da companhia, e é a melhor para interpretar o Cisne Branco. Tem uma beleza quase lírica e um ar virginal e delicado. Seu maior problema é sua postura altamente controladora (“A única pessoa em seu caminho é você mesmo”). Em busca de uma perfeição quase inalcançável e de se equiparar a Beth, seu maior ponto de referência, ela torna-se muito rígida e fria em sua caracterização. Essa placidez pode até combinar com o Cisne Branco, mas jamais com o Cisne Negro, que representa a perda de controle, liberdade, coragem, atitude e erotismo, uma face que Nina não consegue (e não se permite) mostrar.
As razões para Nina ser desse jeito evidentemente vêm de dentro de casa. Sua mãe (Barbara Hershey) é uma ex-bailarina fracassada que largou o balé por ter ficado grávida. Tamanha frustração, a fez direcionar todos os esforços na carreira da filha, e dominar a vida da menina da forma mais sufocante possível. Ela força a filha a ser ridiculamente infantilizada – quarto rosa, caixas de música, bichos de pelúcia, bolo cheio de glacê... –, não permite que ela tenha nenhum tipo de privacidade e muito menos qualquer tipo de autonomia. Dessa forma, Nina vive num constante estado de pressão por jamais ter tido a oportunidade de libertar-se da presença materna sufocante.
Somado a pressão vinda de dentro de casa, a garota passa a ser seriamente transtornada por Leroy, que tenta, com severidade, fazer com que ela se preocupe menos com a destreza de movimentos e deixe-se seduzir pela dança, confrontando-a sem parar. Também passa a provocá-la sexualmente, para que ela libere o que vem sendo forçada a reprimir desde criança, de modo que é criado uma grande tensão sexual. Além da mãe e de Leroy, Nina ainda sofre com a presença de Beth, por sentir-se a substituindo, e principalmente pela presença da sensual Lily (Mila Kunis), uma nova bailarina, vinda de San Francisco, que, ao contrário de Nina tem o espírito livre e deixa-se conduzir por suas sensações, tornando-a ideal para o Cisne Negro e uma nítida rival na dança e na atenção de Leroy.
Recebendo pressões excessivas de tudo e todos a sua volta, a frágil mentalidade de Nina vai se tornando cada vez mais e mais instável. O equilíbrio que rege sua vida está desfeito. Acompanhamos ao longo do filme diversos delírios psicológicos, que vão se tornando cada vez mais freqüentes e fortes. Pouco a pouco, Nina vai se transformando de “sweet girl” em Cisne Negro. Troca bichos de pelúcia e bolos cheios de glacê por viagens de drogas e sexo (“Where is my sweet girl?!”). Vai perdendo o controle, mas, ao mesmo tempo, perde a linha tênue entre o real e o que é ilusão. Junto com ela, nós, simples espectadores, vamos sendo levados juntos a esse mundo psicótico até chegar a um ponto em que é realmente impossível distinguir o que realmente está acontecendo do que o que não passa de fantasia de uma mente perturbada. 
Em Cisne Negro (Black Swan, 2010), Dareen Aronofsky acerta em cheio. O filme tem um ritmo insano e um roteiro muito bem construído. Oscila entre o drama e o terror psicológico. Os devaneios de Nina são fascinantes e ao mesmo tempo assombrosos, cheios de sofrimento mental e dor física. Quem assiste simplesmente não consegue desviar a atenção do que está se passando na tela e anseia por perder-se junto com a bailarina. Fotografia e trilha sonora são elementos técnicos estrategicamente colocados para aumentar o clímax e manter a tensão sempre elevada. O balé é mostrado muito diferente do modo como o vemos no palco. É exibido como um universo de dor, suor, sangue, humilhações e cobranças.
O elenco é brilhante, e sem ele, dificilmente esse filme seria convincente. Barbara Hershey, Mila Kunis, Winoma Ryder e Vincent Cassel evidentemente são excelentes, mas é Natalie Portman que realmente se sobressai. Ela é simplesmente fenomenal. Poucas vezes pude ver em um filme algo como o que ela mostra com toda sua entrega física e mental a sua personagem. Tem uma capacidade incrível de dominar toda a história, está presente em todas as cenas e faz uma interpretação tão visceral e intensa quanto possível. Seu trabalho lhe rendeu o Oscar de melhor atriz e mais vários outros prêmios e se Aronofsky procurava pela perfeição quando resolveu levar Cisne Negro adiante, ele a encontrou em Natalie.
Um filme sobre a busca pela perfeição. Sobre caminhos obscuros da mente. Sobre como o ser humano reage sobre ambiente de pressão extrema. Sobre obsessões. A um certo momento, Nina diz ter sentido a perfeição. Quando acabou a sessão de Cisne Negro, tive uma sensação bem parecida.

Leia também:
A dama de ferro
As horas
Oscar de melhor atriz

Lucas Moura

Nenhum comentário:

Postar um comentário