quinta-feira, 30 de maio de 2013

O Hobbit: Uma jornada inesperada - de volta à Terra Média

Eu tenho alguns pecados de cinéfilo - filmes que todo mundo viu e eu não. Por exemplo, trilogia Matrix e a série Piratas do Caribe. Um pecado que eu tinha e do qual me livrei há poucos meses foi a trilogia O Senhor dos Anéis. E no meio tempo em que via os filmes das aventuras de Frodo e companhia, assisti O hobbit: Uma jornada inesperada (The Hobbit: An Unexpected Journey, 2012), que sem dúvida foi um dos filmes mais aguardados do ano, e só saiu em dezembro. A reação da crítica não foi muito boa, mas eu decidi conferir o longa no cinema.
Voltemos ao primeiro filme da trilogia O Senhor dos Anéis, A Sociedade do Anel (2001): um hobbit, Bilbo Bolseiro (Martin Freeman), prepara uma grande festa no seu vilarejo para comemorar seu aniversário. Uma das muitas visitas que recebe é a de seu sobrinho Frodo (Elijah Wood) um de seus familiares mais próximos; e esse dia é o pontapé inicial para toda a saga de Frodo na tentativa de destruir o Um Anel. Enfim, este dia de festa também é o ponto inicial de O Hobbit. No momento da visita de Frodo, Bilbo relembra sua juventude, quando foi visitado pelo mago Gandalf, o Cinzento (Ia McKellen), que lhe fez um inusitado convite: viver grandes aventuras junto a ele e a um grupo de anões liderado por Thorin Escudo-de-Carvalho (Richard Armitage), na tentativa de recuperar o legado dos anões na Montanha Solitária, uma cidade repleta de tesouros que fora roubada pelo dragão Smaug.
A cada lugar em que o grupo chegava, um novo desafio, quase todos representados pelos orcs, seres das profundezas e inimigos mortais dos anões - e de qualquer coisa que não seja um orc. Os orcs se multiplicaram de tal forma pela superfície que haviam ocupado até mesmo as ruínas da cidade de Dol Gudur, uma espécie de local sagrado, informação dada ao grupo pelo mago Radagast, o Cinzento (um mago como Gandalf, mas com muito menos juízo e um tanto caricato). E o consequente confronto entre mago, hobbit e anões contra orcs acaba sendo o evento mais importante do filme, e ocupa boa parte dele. Bem, é isso.
A principal bronca com O Hobbit foi o fato de que o livro em que ele é baseado é relativamente pequeno e será usado para uma trilogia - enquanto que O Senhor dos Anéis também é uma trilogia nos livros e tem mais de 1200 páginas. Dos 19 capítulos do livro, só 6 foram utilizados, e lógico, o jeito foi prolongar as sequências; a critica caiu em cima dizendo que o diretor Peter Jackson encheu linguiça. Bem, é inegável que é um filme exagerado, que não precisava ter cerca de 2h50, que um corte de vinte ou trinta minutos faria bem; também é um pouco cansativo, não só pela duração mas também por ter sido gravado em 48 quadros por segundo (não entendo muito disso, mas pra simplificar, teve informação demais em pouco tempo), isso em 3D e alta definição. Mas francamente, se todos os filmes enchessem linguiça como aqui, o cinema seria outro. Mesmo as passagens visivelmente prolongadas são muito ágeis e interessantes, tanto visualmente como por ter um conteúdo implícito, e não só pura ação. Um dos destaques dos ótimos efeitos visuais é Gollum (Andy Serkis), que já impressionava dez anos atrás, e que agora retoma confirmando que é um dos melhores personagens já criados em 3D, com mais detalhes e possibilidades de expressões. E falando no diabo, aqui vemos como Bilbo tomou de Gollum o Um Anel sessenta anos antes de passá-lo a Frodo, com direito a passagens de século atrás, quando o anel ainda não havia desfigurado o hobbit Sméagol, que viria a se transformar na criatura Gollum. E vamos ser sinceros, por mais feio e malvado que seja, Gollum sabe cativar o espectador.

E depois disso tudo, afinal, qual a minha opinião? Apesar de todo o excelente trabalho por trás dele, O hobbit é inferior aos filmes da trilogia do Anel. Falta o carisma de atores como Viggo Mortensen ou Orlando Bloom, que interpretaram Aragorn e Legolas, respectivamente, ou mesmo o encanto que O Senhor dos Anéis tinha, capaz de seduzir espectadores e criar expectativa para os próximos filmes. 

Nota: 7,5/10

Luís F. Passos

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Repulsa ao Sexo - pesadelos sexuais

Em suas já cinco décadas de carreira, o diretor Roman Polanski reuniu em sua filmografia uma boa quantidade de obras clássicas e diversas, unidas pelo menos em um ponto principal: a altíssima qualidade. Se nos anos 70 ele reinventou o cinema noir com Chinatown, nos anos 60 sua visão era mais voltada a inovações cinematográficas relacionadas a filmes de tensão extrema e palpável, com personagens confinadas em apartamentos pequenos e com a difícil missão de sempre ter que se confrontar consigo mesmo, lutando contra monstros interiores ou se perdendo em devaneios da mente. É assim com O bebê de Rosemay e principalmente com a primeira grande incursão do diretor pelo cinema experimental, Repulsa ao sexo (Repulsion, 1965). 
A história de enredo cruelmente simples, centra-se exclusivamente na figura da jovem Carole (Catherine Deneuve), banal manicure cuja mente aparentemente simplória vive a beira da loucura. Loucura esta intimamente relacionada com comportamento sexual. Por motivos jamais explicados em nenhum momento do longa, qualquer contato sexual desencadeia em Carole delírios psicóticos e mudanças comportamentais, que vão da histeria à catatonia. Esses contatos sexuais não envolvem necessariamente nenhum tipo de toque. O simples ato de ouvir a irmã fazendo sexo com o namorado (que, aliás, é casado) no quarto ao lado já é capaz de levar a moça a um estado de neurose. Um simples beijo e até mesmo uma camisa suja esquecida no banheiro já são elementos mais que suficientes para provocar grande desconforto físico e psicológico. 
Quando sua irmã viaja por alguns dias com o namorado, a mente frágil de Carole torna-se cada vez mais susceptível a seus delírios psicóticos, pois agora um novo elemento foi interligado: a solidão. Confinada e isolada no pequeno apartamento que parece cada vez mais sufocante e sombrio, sua mente vai mergulhando por caminhos mais profundos que levam a manifestações da mais pura violência, atingindo um nível de agressividade que jamais poderia ser previsto.
Polanski mostra em Repulsa ao sexo toda sua capacidade de criar clima, visto a trilha sonora pulsante e estridente sempre acompanhada das feições transtornadas de uma incrível atuação da grande musa Catherine Deneuve e seguidas por silêncios profundos e incômodos, onde as imagens do apartamento cada vez mais bagunçado, sujo e legitimamente podre são capazes de causar, realmente, repulsa. A fotografia consegue aliar closes reveladores do rosto hora agonizante hora apático e perdido da protagonista como também tornar os poucos metros quadrados em que quase toda a história se desenrola em cubículos ou hectares, dependendo apenas do ponto de vista e da situação.
Produção visceral, Repulsa ao sexo é capaz de chocar. Àqueles que não aguentam nem ver Nina Sayers se autodestruindo em Cisne Negro, não recomendo este filme. No entanto, para os mais firmes, preparem-se para uma experiência cinematográfica genuinamente única, pois é um filme extremista (não num sentido físico, mas psicológico). Não espere respostas, esclarecimentos ou muito menos conseqüências. Apenas aproveite este delírio sombrio.

Nota: 10

Lucas Moura

sábado, 25 de maio de 2013

O Cortiço – ou o Brasil, tanto faz

É natural que tua vida seja uma bosta.
E sabes todo esse mexerico que é badalado da internet até a mesa de bar sobre o teu, o nosso povo brasileiro? Pois, é papo antigo. De tão velho está precisando ser enterrado, por que se tu ainda não percebeste não há quem não vire o nariz quando o assunto está no ar.
Dia desses estava relendo O Cortiço (1890), tinha batido uma saudade danada da fogosa Rita Baiana. Que personagem! Talvez tenha sido minha primeira paixão literária, tão abrasante que eu não tinha mais olhos para Capitu (e graças a deus ela não tinha os tais dos olhos de cigana para mim), nem coragem para Helena e nem dinheiro para Lucíola. Era a Rita Baiana e só ela; a representação da mulher brasileira, da sensualidade ferina, do sabor apimentado, do aroma lascivo, da carne abrasante.
Poderia ser um livro todo apenas dela, no entanto é muito mais do que isso. A minha Baiana é somente um pedaço do personagem principal, o próprio Cortiço. Parece engraçado analisar através deste ponto de vista, até um pouco maluco, mas quem lê vai acompanhando aos poucos o surgimento desta habitação multicultural a partir do trabalho árduo e da malandragem do português João Romão e da exploração de sua companheira crioula Bertoleza (eita mulher! ali sim está para o que der e vier). O lugarzinho vai crescendo, vão aparecendo os primeiros moradores, incomodando até quem não tinha nada a ver, principalmente o Miranda, o vizinho abastado, que sofria só de ver um matuto como o Romão crescendo na vida!
Aahn, esse Miranda nascido em berço de ouro me lembra tantos outros... Daquele tipinho bem conhecido: observa a existência de todos enquanto tenta encobrir os desvios da própria. E olha que D. Estela, sua mulher, dava era motivos para as lavadeiras cochicharem!
Aliás, me pergunto o que não poderia gerar intriga nesta novela? Aluísio de Azevedo (1857 – 1913) não era de poupar o leitor. Com ele é assim: ali está o ser humano, e se o ser humano está ali não tardará a subversão. Isso tudo é natural.
O arco subversivo na obra abrange todo o tipo de violência; o livro sangra. Pomba, outra personagem intrigante, e sua tão esperada menstruação, ela é jurada a um jovem estudante, precisando atender às expectativas não apenas de sua mãe como de toda a comunidade do cortiço que torce pelo futuro da moça. O soldado Alexandre com suas lamúrias e responsabilidades, pecando e rezando pelo bem de suas filhinhas. O capoeirista Firmo e todo o seu aspecto de gatuno esperto, a caracterização do carioca. Leocádia, a adúltera, perdoada após uma bela sova do marido Bruno. A “bruxa” esquizofrênica Paula respeitada e temida por todos. A Leandra lavadeira e moradora do Cortiço, apelidada de Machona e demonstrando tendência homossexual também reparada na personagem da prostituta da capital Leonie.
Quando os personagens de Jerônimo e Piedade surgem na história vamos notando melhor a noção de Aluísio sobre o brasileiro e o brasileirismo. Jerônimo é um português devotado ao trabalho, pai e marido cortês. Um exemplo de “homem europeu”. Sua reputação é tão alta ao ponto de atrair a atenção de João Romão que decide por contratar o seu conterrâneo pagando até uma quantia difícil dele abrir mão. Vivendo no Cortiço, Jerônimo (no começo receoso) vai se misturando com os seus próximos, principalmente abismado pelas características sensuais de Rita Baiana (ai, Rita!).
Daí então é a transformação do homem.
O lusitano após cair de cama por conta de uma febre, fica aos cuidados da Rita, esta o trata imediatamente com o forte café brasileiro. O homem ergue-se enérgico, agora distante daquela tristeza letárgica e saudosa por sua terra. Passa a trocar o vinho do porto pela cachaça, o bacalhau pela comida bem temperada, a canção acompanhada da viola pelo samba e o pagode. Entretanto, essa paixão acaba por se tornar uma obsessão e uma das marcas trágicas do livro.
Sim, esse é Azevedo na sua mais clássica obra. A identidade brasileira descrita há mais de 100 anos a qual tu podes dizer “nada mudou”. O vício verde e amarelo subtraindo a tal virtude do velho continente. Ainda que em um de seus intensos capítulos este mesmo povo se unisse (jamais acreditei que fossem desunidos, na verdade, a convivência acaba tornando vizinhos em companheiros) contra outra vivenda próxima que começava a causar conflitos. Eram pau e pedra em mãos amigas; o Cortiço era a pequena nação a qual eram patriotas e irmãos. Ao fim do embate, semelhante a qualquer guerra, o retorno ao cotidiano e seu falatório rotineiro com suas pequenas intrigas.
Reflete, leitor (a): mas é isso?
Esperto foi o João Romão dando sua volta por cima, por cima de todo mundo?
Pobre da Pombinha? Pobre do Jerônimo?
Pobre de mim e de tu! Que é tudo natural.

Leia também:

Guilherme Patterson

quarta-feira, 22 de maio de 2013

O Dorminhoco - as origens cômicas de Woody Allen

Ainda no início de sua carreira e antes de dirigir/escrever/estrelar o grande sucesso Annie Hall (1977), um dos mais queridos vencedores do Oscar e uma das principais comédias do cinema, Woody Allen, e também sua grande parceira da época, Diane Keaton, já trabalhavam juntos em filmes menores e totalmente vinculados ao gênero da comédia. Mais precisamente, comédia no maior estilo “pastelão”, cheia de piadas padrão, situações embaraçosas e inexplicáveis, com direito a tortas na cara, explosões, armas que não funcionam e tudo mais. O maior destaque dessa fase inicial de suas carreiras é O dorminhoco (Sleeper, 1973), um de seus principais trabalhos, dirigido e escrito por Allen. 
No filme, temos o típico judeu neurótico de Nova York, Miles Monroe (Woody Allen), que, durante um procedimento hospitalar relacionado a uma leve úlcera, acaba sendo congelado e preservado em papel alumínio dentro de uma cápsula por um período de 200 anos, e acorda no ano de 2173. Nesse futuro (inspirado nitidamente em produções da época que esboçavam futurismo, como Laranja mecânica e 2001 – uma odisséia no espaço) ele tem que se adaptar a uma realidade totalmente diferente do que estava acostumado em 1973 e acaba se envolvendo diretamente com um grupo de revolucionários que tenta derrubar o governo. Esse governo é super autoritário, assumiu o controle após uma guerra e obviamente funciona como uma comparação direta aos governos totalitários que existiram durante o século XX. Daí, segue-se todo o tipo de situação bizarra envolvendo desde formas primárias de humor, como escorregar em casca de banana, até comentários ácidos sobre o comportamento social americano nos anos 70, a dificuldade em manter relacionamentos amorosos firmes e duradouros, referências a grandes figuras do século XX (desde Stálin a Muhammad Ali), piadas sobre religião (colocando, como sempre, a existência ou não de Deus como um questionamento) e críticas à maquinaria política e ao seu jogo de manipulação. No entanto, o que realmente conta em O dorminhoco é a comédia para rir sem preocupações (o próprio Allen o descreve, assim como outros de seus filmes da mesma época, como “filmes divertidos de primeira fase”).
Miles conta sempre com a ajuda atrapalhada da bela Luna Schlosser (Diane Keaton), bem intencionada, porém tola, uma típica mulher fiel ao governo que acaba se transformando numa perfeita militante no grupo dos revolucionários. Juntos, os dois ditam as regras do filme e dão o tom que o torna diferencial.
De todas as divertidas cenas de O dorminhoco, devo destacar duas que me chamaram muito a atenção: uma sequência hilária em que Allen e Keaton representam, respectivamente, Blanche e Stanley, de Uma rua chamada pecado, numa homenagem bem colocada e totalmente inusitada; a cena final representa praticamente um resumo da proposta de trabalho de Woody Allen, mostrando os pilares nos quais se baseia toda a sua obra. Num diálogo simples e ágil, como sempre, ele expõe religião, amor, política, sexo, vida e morte.

Nota: 7/ 10

Leia também:
Annie Hall
Vicky Cristina Barcelona
Para Roma com amor

Lucas Moura

sábado, 18 de maio de 2013

Festival de Cannes 2013

Começou na última quarta, 15, a 66ª edicção do Festival de Cannes, maior festival de cinema europeu e maior  premiação do cinema fora do mercenário domínio hollywoodiano. O júri desse ano é presidido por Steven Spielberg e também composto por Nicole Kidman, Lynne Ramsay, Ang Lee, Christoph Walt, Daniel Auteuil, Cristian Mungiu (vencedor do Prêmio de Melhor Roteiro ano passado), Vidya Balan e Naomi Kawase. Entre os destaques estão O Grande Gatsby de Baz Luhrmann (Mulin rouge), Inside Llewyn Davis de Joel & Ethan Coen, Only God Forgives de Nicolas Winding Refn , The Immigrant de James Gray, Venus In Fur de Roman Polanski, The Past de Asghar Farhadi e Nebraska de Alexander Payne, entre muitos outros. O Grande Gatsby foi o filme de abertura, enquanto que Zulu, de Jérôme Salle encerrará o festival dia 26.
Os filmes exibidos em Cannes podem ser dividos em: aqueles que concorrem à Palma de Ouro (em competição), fora da competição, Un certain régard, Sessão da meia-noite e Sessão especial. Entre os que não concorrem ao prêmio pricipal, destaque para The Bling Ring, de Soffia Coppola e com Emma Watson no elenco, um dos filmes mais aguardados do ano e que cria certa expectativa em Cannes - Soffia é muito querida por lá, mas seu Maria Antonieta foi vaiado em 2006.
Mas porque Cannes? A ideia surgiu nos anos 30, quando o então ministro da cultura da França estava inconformado com a mostra de cinema de Veneza; foi tomando corpo e sua primeira edição seria realizada em setembro de 1939, mas com o início da 2ª Guerra Mundial, só em 1946 ocorreu a primeira mostra na cidade francesa - o Festival International du Film. Em 1955, surge a Palma de Ouro, prêmio principal.
Os prêmios de Cannes são: Palma de ouro (melhor filme), Grande Prêmio (tipo segundo lugar), Prêmio de interpretação masculina (melhor ator), Prêmio de interpretação feminina (melhor atriz), Prêmio de direção, Prêmio de roteiro e Prêmio do júri. Há ainda prêmios para os curta-metragens.

Seleção Oficial de 2013:

Filme de Abertura
“O Grande Gatsby” (dir. Baz Luhrmann)
Em Competição
“Behind The Candelabra” (dir. Steven Soderbergh)
“Borgman” (dir. Alex Van Warmerdam)
“Un Chateau En Italie” (dir. Valeria Bruni-Tedeschi)
“La Grande Bellezza” (dir. Paolo Sorrentino)
“Grisgris” (dir. Mahamat-Saleh Haroun)
“Heli” (dir. Amat Escalante)
“The Immigrant” (dir. James Gray)
“Inside Llewyn Davis” (dir. Joel & Ethan Coen)
“Jeune Et Jolie” (dir. Francois Ozon)
“Jimmy P” (dir. Arnaud Desplechin)
“Michael Kohlhaas” (dir. Arnaud Despallieres)
“Nebraska” (dir. Alexander Payne)
“Only God Forgives” (dir. Nicolas Winding Refn)
“The Past” (dir. Asghar Farhadi”)
“Soshite Chichi Ni Naru” (dir. Hirokazu Kore-eda)
“Tian Zhu Ding” (dir. Zhangke Jia)
“Venus In Fur” (dir. Roman Polanski)
“La Vie D’Adele” (dir. Abdellatif Kechiche)
“Wara No Tate” (dir. Takashi Miike)

Fora da Competição
“All Is Lost” (dir. J.C Chandor)
“Blood Ties” (dir. Guillaume Canet)

Un Certain Regard
“Anonymous” (dir. Mohammad Rasoulof)
“As I Lay Dying” (dir. James Franco)
“Bends” (dir. Flora Lau)
“The Bling Ring” (dir. Sofia Coppola)
“Death March” (dir. Adolfo Alix Jr)
“Fruitvale Station” (dir. Ryan Coogler)
“Grand Central” (dir. Rebecca Zlotowski)
“L’Image Manquante” (Rithy Panh)
“L’Inconnu Du Lac” (dir. Alain Guiraudie)
“La Jaula De Oro” (dir. Diego Quemada)
“Miele” (dir. Valeria Golino)
“Norte, Hangganana Ng Kasaysayan” (dir. Lav Diaz)
“Omar” (dir. Hany Abu-Assad)
“Les Salauds” (dir. Claire Denis)
“Sarah Prefere La Course” (dir. Chloe Robichaud)

Sessão Meia-noite
“Blind Detective” (dir. Johnnie To)
“Monsoon Shootout” (dir. Amit Kumar)

Sessão especial
“Max Rose” (dir. Daniel Noah)
“Weekend Of A Champion” (dir. Roman Polanski)
“Muhammad Ali’s Greatest Fight” (dir. Stephen Frears)
“Stop The Pounding Heart” (dir. Roberto Minervini)
“Seduced & Abandoned” (dir. James Toback)
“Otdat Konci” (dir. Taisia Igumentseva)
“Bombay Talkies” (dir. Anurag Kashyap, Dibakar Banerjee, Zoya Akhtar, Karan Johar)

Filme de Encerramento
“Zulu” (dir. Jérôme Salle)

Luís F. Passos

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Fahrenheit 451 – os poros no rosto da vida

O livro escolhido para hoje foi escrito pelo grande escritor americano Ray Bradbury, em 1953. Faz parte das chamadas distopias, ou utopias negativas, do século XX, quando surgem tentativas de se prever o futuro na humanidade a partir de um presente cheio de desesperança. Junto com Admirável Mundo Novo (1934), de Huxley e 1984 (1949), de Orwell, Fahrenheit 451 faz parte da grande tríade do movimento, não sem razão.
O enredo se passa em um futuro não bem definido, e pode ser chamado de metalinguístico já que vai explorar toda a importância dos livros para uma sociedade que já não se importa mais com eles. Aliás, por que ler e ficar pensativo ou angustiado com questões existenciais se você pode pegar o carro e dirigir a mais de 200km/h ou outra velocidade maior na qual não se consiga pensar em nada? Por que se entreter com palavras se festas e drogas são liberadas à vontade? Por que interiorizar um pensamento se todos têm a “família”, como eram chamados os personagens da programação interativa a qual passava em telões enormes, espalhados pela casa, fornecendo o tanto exato de entretenimento para o estreito intelecto das massas?
 “Cuida-se então para que todos sejam felizes, oferecendo prazer e excitação em profusão. (...) Se não quiser um homem politicamente infeliz, não lhe dê os dois lados de uma questão para resolver; dê-lhe apenas um. Melhor ainda, não lhe dê nenhum”.
Já deve ter notado a semelhança entre a sociedade em Fahrenheit 451 e a do livro de Huxley, ambas com grande inversão dos preceitos morais. Hedonista ao extremo, pode-se dizer que com o excessivo crescimento da população, tentar manter todos felizes foi a forma encontrada pelo governo para manter todos sob controle. E isso era conseguido incentivando desejos primitivos como festas, comemorações comunitárias, quem quisesse podia sair por aí atropelando pedestres desatentos, era comum, mas podia-se ser preso por gostar de passeios noturnos a pé. Nem a escola tem mais o mesmo significado que conhecemos:
 “A escolaridade é abreviada, a disciplina relaxada, as filosofias, as histórias e as línguas são abolidas, gramática e ortografia pouco a pouco negligenciadas, e, por fim, quase totalmente ignoradas. A vida é imediata, o emprego é o que conta, o prazer está por toda a parte depois do trabalho. Por que aprender alguma coisa além de apertar botões, acionar interruptores, ajustar parafusos e porcas?”
E nesse contexto encontra-se Guy Montag, cujo sobrenome não coincidentemente remete a uma fábrica de papel. Bombeiro, mas não do tipo que conhecemos hoje. Naquele tempo, as casas já eram todas à prova de fogo e a profissão possuía agora outra função: “reduza os livros às cinzas e, depois, queime as cinzas”. Era esse seu slogan daqueles que um dia apagavam o fogo ao invés de começa-lo. Ao longo do livro vamos acompanhar toda a angústia de um homem que em um primeiro momento adorava seu emprego, sua esposa Mildred, sua vida, mas que a partir de certo ponto, vai enxergar o quão vazia e desprovida de sentido ela é.
Um dos marcos para essa epifania é quando Guy conhece Clarisse McClellan, sua vizinha, de 17 anos. Ela, por sua vez, era tida como estranha, porque gostava de caminhar a noite e ver o sol nascer, porque notava o orvalho cobrindo a grama logo pela manhã, porque olhava para o céu, porque não queria saber como uma coisa era feita, mas por quê. É ela quem ingenuamente perguntará ao nosso protagonista se ele era feliz. Não sabia ela o quanto essa pergunta ia ecoar em sua mente. A partir daí tudo na vida do nosso herói vai pouco a pouco desmoronar, levando-o a uma crise pessoal a qual se estenderá a todos aspectos de sua vida, como seu casamento. Não muito depois ele percebe o quanto sua mulher é fria, vazia, condicionada e que nunca a amou.
“Usava a felicidade como uma máscara e a garota fugira com ela pelo gramado e não havia como ir bater à sua porta para pedi-la de volta.”
Sua compunção abrangeria inclusive sua profissão, a partir, no entanto, de outro episódio. Certa vez após uma denúncia anônima os bombeiros vão a uma casa onde havia vários livros. E lá se passará uma cena belíssima na qual uma mulher se recusará a sair da casa, optando por ser queimada junto às obras não sem antes de fazer uma belíssima citação de Latimer, também queimado, por heresia, em 1555. É a partir daí que Montag passará a questionar-se qual o conteúdo de um livro para levar uma pessoa a optar por suicidar-se a deixa-los. 
“Temos tudo de que precisamos para ser felizes, mas não somos felizes. Alguma coisa está faltando. Olhei em volta. A única coisa que tive certeza que havia desaparecido eram os livros que queimei durante dez ou doze anos. Por isso achei que os livros poderiam ajudar.”
Nessa busca pelo sentido da vida, nosso protagonista terá ajuda de Faber, o mesmo nome do fabricante de lápis, um professor de inglês aposentado, presente inclusive na lista de pessoas a serem investigadas por atitude suspeita. Ele que há tempo desistiu de lutar contra o sistema, optou por resignar-se, tendo até já queimado todos os seus livros, terá seu ímpeto revolucionário restaurado pela energia de Montag e irá orientá-lo na sua jornada pelo crescimento pessoal enquanto buscam uma saída para reverter esse contexto sócio-político.
“A maioria de nós não pode sair correndo por aí, falar com todo mundo, conhecer todas as cidades do mundo. Não temos tempo, dinheiro ou tantos amigos assim. As coisas que você está procurando, Montag, estão no mundo, mas a única possibilidade que o sujeito comum terá de ver noventa e nove por cento delas está num livro. Não peça garantias. E não espere ser salvo por uma coisa, uma pessoa, máquina ou biblioteca. Trate de agarrar sua própria tábua e, se você se afogar, pelo menos morra sabendo que estava no rumo da costa.”
No fim da história, temos é um futuro ainda incerto, mas um protagonista muito diferente daquele do começo, aliás, é muito bonito ver a humanidade, em seu sentido ascético, retornando a uma pessoa que antes não era muito diferente de um robô. Nas palavras finais do próprio Montag:
“Caminharemos agora pelas estradas e teremos tempo para pôr as coisas dentro de nós. E algum dia, depois que elas decantarem em nós por muito tempo, sairão por nossas mãos e bocas. E muitas delas estarão erradas, mas o suficiente estará certo. Começaremos a caminhar hoje e veremos o mundo e o modo com ele caminha e fala, o modo como ele realmente é. Agora quero ver tudo. E embora nada do que entrar fará parte de mim quando entrar, após algum tempo tudo se juntará lá dentro e se fundirá a mim. Olhe para o mundo lá fora, Deus, meu Deus, olhe lá, fora de mim, para lá do meu rosto, e a única maneira de realmente tocá-lo é coloca-lo onde ele finalmente seja eu, onde ele fique no sague, onde seja bombeado mil, dez mil vezes por dia. Eu o guardarei para que nunca se esgote. Eu me agarrarei firme ao mundo algum dia. Já pus um dedo nele; é um começo.”
Infelizmente, em Fahrenheit 451, diferente de 1984, onde tudo era imposto pelo governo, a própria sociedade teve um papel importante para a nova estrutura organizada. Basta entender como os livros passaram a ser queimados para perceber. Em um primeiro momento, os livros foram perdendo espaço para resumos, colunas em revistas, depois programas de rádio ou outra coisa progressivamente menor, para se adaptar a um mundo onde ninguém mais tinha tempo. Depois, os livros perderam em qualidade também, com uma população muito grande, tem-se também uma população muito heterogênea. Para agrada a todos, as revistas se tornaram “uma mistura insossa” e os livros, “água de louça suja”, não demorou muito para pararem de ser vendidos. Foi-se criando uma sociedade anti-intelectual. As pessoas não tinham mais interesse em ler, mas também não queriam se sentir inferiores àquelas poucas que ainda o tinham. E assim, com cada minoria destruindo um livro contrário a seu pensamento, foi-se extinguindo todos eles, pouco a pouco. Os bombeiros só vieram a acelerar um processo iniciado espontaneamente.
“Entendem por que os livros são odiados e temidos? Eles mostram os poros no rosto da vida.”
O incrível de Fahrenheit 451 é ele levar às últimas consequências processos já observados em nossa sociedade. Vivemos na era da imagem, das frases de facebook, dos relacionamentos distantes, da escassez de tempo, apesar de o livro ter sido pensado na época dos governos totalitários, da censura, do controle ideológico. Com essa distopia não tão distante assim, não dá para não teme-la; não dá, todavia, para não se apaixonar também. Se nas palavras do próprio Bradbury “os bons escritores quase sempre tocam a vida”, pode-se dizer que ele não só a toca como a expõe em toda sua crueza, tudo isso embalado por uma linguagem tão poética em um texto tão carregado de sentido que por alguns dias não se quererá ler mais nada.

Nota: 10

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Marcelle Freire

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Os sapatinhos vermelhos - uma vida pela dança

Sem dúvida alguma, Martin Scorsese é um de meus diretores favoritos. Seus filmes realistas a ponto de serem crus, envolventes e muito bem feitos são verdadeiras obras de arte cinematográficas, e remetem a sua infância em Nova York, um bairro de descendentes de italianos de religião católica e um tanto violento- daí os filmes violentos, alguns deles relacionados com máfia ítalo-americana. Mais do que isso, Scorsese é um cara realmente apaixonado pelo cinema. Não é só sua profissão, é sua vida. Devido a uma série de problemas de saúde na infância, ele não podia brincar na rua com outras crianças, e sua distração era ir ao cinema com um irmão mais velho. Distração essa que virou paixão, e que ele carregou por toda a vida.
Enfim, ano passado comprei um filme que trazia um comercial em que Scorsese e Clint Eastwood falam da restauração de filmes antigos e da gravação destes em bluray, com qualidade de som e imagem até mesmo superior aos originais. Eastwood falou da recuperação de O Leopardo, inesquecivel drama italiano, e Scorsese falou de Os sapatinhos vermelhos, um de seus filmes favoritos. Apareceram trechos do filme, em que se vê uma mulher de flamejantes cabelos ruivos e sapatilhas vermelhas igualmente destacadas, uma imagem muito bonita. O diretor fala da primeira vez que assistiu ao filme, quando criança, no cinema, e de como se encantou com ele. Tamanho carinho por parte de uma figura como Scorsese despertou minha curiosidade para Os sapatinhos vermelhos, e lá fui eu procurar o tal.
O filme gira em torno da companhia de balé Lermontov; seu frio e profissional diretor Boris Lermontov (Anton Walbrook), o recém contratato regente Julian Craster (Marius Goring) e a recém contratada bailarina Victoria Page (Moira Shearer). Craster é um jovem muito talentoso que conhece Lermontov através de seu professor que é amigo do diretor; este quer usar a inspiração do músico para fazer modificações em músicas conhecidas e assim melhorá-las. A primeira missão que ele dá a Julian é modificar o balé "Os sapatinhos vermelhos", baseado num conto de Hans Christian Andersen, que conta a história de uma menina que calça sapatos vermelhos encantados com as quais dançava muito bem; mas eles eram incansáveis e fizeram a menina dançar até morrer por exaustão. A escolhida para interpretar a menina seria Boronskaja, primeira-bailarina da companhia, mas esta se casa, deixando Victoria como sua provável sucessora; e Lermontov a escolhe para o papel. Aos poucos ela conquista o respeito e a amizade do diretor e do coreógrafo, Ljubov, que apesar de ser muito exigente, ajuda a moça a melhorar sua peformance. Quem também se aproxima de Victoria é Julian, que se apaixona por ela, despertando os ciúmes e a ira de Lermontov. É aí que surge o receio de que a tragédia do balé se repita na vida real.
Apesar de não ter a sorte de ter assistido a Os sapatinhos vermelhos (The red shoes, 1948) no cinema como Scorsese, vi versão restaurada em bluray, e deu pra sentir toda a magia que o filme consegue transmitir. Só assistindo pra saber quão belo é o filme. Tudo, cenário, figurino, elenco, maquiagem. E o filme de maneira geral é excelente. Ótimo roteiro, uma história envolvente que conquista fãs há sessenta e cinco anos, inclusive meninas aspirantes a bailarinas, que viram a personagem de Moira como exemplo, apesar da complexidade psicológica proposta pelos diretores Michael Powell e Emeric Pressburger.
O destaque do elenco vai para Walbrook, numa atuação impressionante, fazendo de Lermontov uma figura de aspecto maligno e manipuladora, e que apesar disso permanece solitário em sua devoção ao balé. Balé este que conduz o espectador por uma viagem; seja pela história dos Sapatinhos vermelhos na sequência de mais de vinte minutos em que Moira mostra muito talento, seja pela trajetória de devoção e auto-destruição de Victoria, que contribuiu para a inspiração de Cisne negro (2010), apesar de ser bem mais leve que o último. Mas em um dos primeiros diálogos entre a bailarina e o diretor, percebemos até que ponto ela leva sua ambição:
(Boris) - Por que você quer dançar?
(Victoria) - Por que você quer viver?
- Eu não sei exatamente o porquê... mas eu preciso.
- Essa é a minha resposta também.
Eu recomendo, pra quem puder, ver a versão restaurada, que existe disponível pra download nos torrents da vida. A imagem é muito mais nítida e podemos ver as cores brilhantes, especialmente o vermelho dos sapatinhos e dos cabelos da protagonista, que parecem flamejar enquanto ela dança - melhor que nas versões desgastadas, em que o vermelho mais parecia marrom.

Nota: 9,5/10

Leia também:
Cisne negro

Luís F. Passos

sábado, 11 de maio de 2013

Alien - o terror vem do espaço

Nos anos 70 a moda espacial ainda estava por cima. É desta década que surgiram grandes clássicos com esta temática como Star Wars de George Lucas e Contatos imediatos do terceiro grau de Steven Spielberg, ambos de 1977, e, no início dos anos 80, surgiu também o grande clássico infantil (para todas as idades) ET – o extraterrestre, também de Spielberg. De certa forma, apesar de relatarem vida extraterrestre, estes filmes guardam uma grande semelhança. Neles, os ETs não são caracterizados de forma hostilizada como as figuras aterrorizantes já fixadas no imaginário popular. Em Contatos imediatos do terceiro grau, os ETs realmente só estão interessados em fazer contato. Nada mais que isso. Em Star Wars, a vida extraterrestre é tão organizada e estratificada quanto a que levamos na Terra, de modo que tudo se organiza como uma sociedade no sentido mais completo da palavra. Em ET – o extraterrestre, o ET é a figura mais inocente, amigável e gentil possível, sendo alguém muito melhor que muito terráqueo por aí. Uma criatura irresistível.
O que importa é que no meio de toda essa tranqüilidade o ousado diretor Ridley Scott (mais conhecido pelo público moderno pelo filme Gladiador) resolveu inovar usando a fórmula clássica. Nada de pacifismo, pura selvageria. Em Alien, o oitavo passageiro (Alien, 1979) temos os sete tripulantes da nave cargueira Nostromo, que, após terem que parar em um planeta desconhecido pela detecção de sinais que poderiam indicar a presença de alguma forma de vida no local, acabam sendo cercados dentro de sua própria nave pela mais terrível das criaturas. Um ser fisiologicamente perfeito, adaptado a toda e qualquer condição, com inteligência acentuada e, principalmente, nenhuma motivação maior que sobreviver e matar.
O perigo é crescente e, infelizmente, os tripulantes demoram demais para perceber a intensidade do risco. Quando se dão conta, aparentemente já é tarde demais, pois seu inimigo se fortalece muito rápido. É preciso acabar com ele de qualquer jeito. O que é levado ao extremo em Alien, e que muitas vezes é deixado de lado em filmes de ficção científica, é o homem no sentido mais primitivo da palavra. Numa situação de violência extrema, mesmo cercados por todas as inovações e falsas seguranças que a tecnologia pode garantir, todas aquelas pessoas prosseguem em uma luta altamente desvantajosa contra um gigante muito mais poderoso munidas quase que exclusivamente por medo e um grande instinto de sobrevivência. Isso é capaz de elevar o filme a um nível de franca selvageria dificilmente vista em outros do gênero. A maior personificação desta forte característica é nossa querida protagonista, Ripley (Sigourney Weaver), a terceira no comando da nave. É a personagem mais puramente humana, seguindo, em todos os momentos do filme, os mais puros instintos que vão da subjetividade do pressentimento aos limites da coragem, sendo testada física e psicologicamente durante toda a árdua luta contra o inimigo extraterrestre.
O que Ridley Scott conseguiu construir em Alien foi, de fato, algo novo. O clima é muito sério, a caracterização tanto da nave quanto do planeta desconhecido são as mais reais possíveis para um enredo tão fantasioso feito em 1979, contando com toda a tecnologia disponível no cinema da época para tornar a experiência mais forte. Fazendo às vezes de Tubarão de Spielberg, Alien também se dispõe a mostrar muito pouco de seu vilão. Muitas vezes, o que não vemos ou, principalmente, o que não conhecemos é capaz de causar muito mais pânico. E assim o é. Ambientes escurecidos ou esfumaçados sempre cercam a figura de nosso caro assassino e só vamos tendo aos poucos a noção de sua estrutura. Cada ataque, ao maior estilo filme de terror adolescente, obviamente é acompanhado pela clássica trilha sonora de terror. A mente inovadora de Scott ainda foi capaz de reservar momentos impagáveis e Alien conta com cenas simplesmente inesquecíveis, não superadas nem por sua continuação tão excelente quanto, Aliens – o resgate, de direção assinada por James Cameron.
A personagem de Ripley é o que podemos chamar de heroína típica, figura que não é incomum na filmografia de Ridley Scott. Afinal, são dele os filmes Thelma e Louise e Prometheus – lançado no ano passado e que faz conexão com Alien como se fosse algum tipo de prólogo deste – cujas protagonistas são três das mulheres mais guerreiras do cinema. Dessa forma, é uma das personagens femininas mais fortes já feitas e transformou uma até então desconhecida Sigourney Weaver em uma super estrela de reconhecimento mundial, com sua Ripley guerreira capaz de lutar mesmo nas condições mais vulneráveis possíveis (quem ver vai entender do que estou falando).

Nota: 10/10

Leia também: Prometheus

Lucas Moura

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Disque Butterfield 8 - cinema clássico também erra

Existe uma tendência no cinema, sobretudo entre aqueles que se consideram cinéfilos cult, ou algo do tipo, de acreditar que a verdadeira arte cinematográfica remete ao cinema clássico, classificando a maioria da obra moderna, pelo menos dos anos 80 ou 90 para cá, como uma porcaria e tudo da chamada era de ouro, também incluindo as décadas de 50 a 70, como de qualidade e valor artístico inquestionável. Na verdade, o importante mesmo é perceber que o cinema de verdade não se limita a uma questão de tempo, mas sim de relevância da obra. É tão errado dizer que o cinema de hoje é uma grande porcaria quanto dizer que 1939 foi o maior ano da história do cinema. Seja moderno ou clássico, o que vale é a qualidade artística e técnica do filme em questão, sua relevância para a indústria e as características que o tornam especial não apenas para crítica e público em geral, mas, principalmente para quem o vê.
Pelo menos é dessa forma que eu tento analisar as coisas. Muitos de meus filmes preferidos não são clássicos e passam longe da era de ouro. De um modo geral, tenho uma preferência maior pelo cinema dos anos 70, que – numa classificação que também acho muito aleatória – são considerados clássicos modernos. Essa minha preferência cinematográfica também inclui meus atores preferidos. Quase todos são desta época. Jack Nicholson, Robert De Niro, Al Pacino, Dustin Hoffman, John Voight, Diane Keaton, Meryl Streep, Jane Fonda, Sissy Spacek são alguns de meus atores preferidos relacionados com o cinema em questão, pois acredito que seus trabalhos foram de uma relevância até antes não vista na história do cinema. Atualmente, apesar do cinema de fato não estar nos seus melhores dias, também temos diversos talentos inquestionáveis de jovens atores que ainda estão entre seus 20 ou 30 anos. Ryan Gosling, Amy Adams, Anne Hathaway, Natalie Portman, por exemplo, são atores que sou muito fã e que acredito terem um potencial enorme, sendo que já provaram grande valor. Mesmo assim, ainda se atribui o título de melhores atores de todos os tempos aos nomes do passado por desempenhos muitas vezes inferiores ao que vemos hoje em dia. Por exemplo, muitos cinéfilos preferem a morte a admitir que Natalie Portman mereceu muito mais seu Oscar que Audrey Hepburn. Muitos estão dispostos a bradar que a vitória de Jennifer Lawrence (segunda mais jovem a vencer em melhor atriz) é errada, mas não se dispõem a afirmar o mesmo de Joan Fontaine (quarta mais jovem a vencer em melhor atriz) por Suspeita. Outros não cansam de encher a boca para dizer que Gwyneth Paltrow é uma das piores das vencedoras do Oscar (levando em consideração o filme pelo qual venceu) e esquecem-se de Elizabeth Taylor. Sim, Elizabeth Taylor. Apesar de ser uma das maiores estrelas que o cinema já viu – com talento e beleza incontestáveis – ela, pra mim, é a representação clara de tudo o que acabei de falar. Mesmo sendo tão excepcional, também cometeu erros e uma boa prova de filme ruim do cinema clássico é Disque Butterfield 8 (Butterfield 8, 1960), que mesmo dependendo do talento de uma das maiores dos anos de ouro, é um lixo.
A história é fraca, clichê e irritante. Gloria (Liz Taylor) é a clássica garota de programa de luxo que se apaixona por um dos clientes, o rico e patético Sr. Ligget. Mesmo tendo o carinho constante de seu bom amigo e de sua mãe – que fingem ignorar as noitadas e os diversos casos de Gloria – leva uma vida leviana em todos os aspectos. Claro que isso a incomoda e de diversas maneiras o que ela tenta nos mostrar é que por dentro é um ser humano. Uma mulher indefesa com traumas do passado lutando para encontrar respeito, auto-estima e um verdadeiro amor. Enfim, um blábláblá super clichê. Não vejo problema num filme ser clichê, afinal, muitas obras incríveis não guardam sua originalidade em sua proposta fundamental, mas sim em como se desenvolvem, tendo sempre que trazer algo que os torne sobressalentes. Isso não existe em Disque Butterfield 8. Tudo cai no lugar comum. O filme não reserva nenhuma surpresa – até a origem do trauma de Gloria é bem previsível –, os diálogos são ruins sempre tentando ser emocionalmente manipulativos ou profundos, tornando-se várias vezes patéticos. As personagens são todas superficiais, sendo a melhor amiga rabugenta da mãe de nossa protagonista a que considero mais divertida. O Sr. Ligget (não conheço o ator) é muito chato, sendo todos seus passos previsíveis. A mãe é uma pobre coitada sem nenhum tipo de atrativo – nem mesmo compaixão ela consegue despertar por não se fazer presente em tela tempo suficiente para tal. O melhor amigo (o qual já esqueci o nome) tem um relacionamento indefinido demais com Gloria para ser levado em conta.
Enfim, Disque Butterfield 8 (já ia esquecendo de explicar, mas Butterfield 8 seria a espécie de agência ou sei lá o quê em que Gloria trabalha) é ruim do começo ao fim e acredito que os produtores soubessem disso. Tanto que apostaram alto escalando uma atriz de alto calibre para interpretar a protagonista desta besteira. Elizabeth Taylor vivia o auge de sua carreira, tendo sido indicada três vezes consecutivas ao Oscar de melhor atriz (a quarta indicação e primeira vitória veio justamente por Butterfield 8) e realmente, foi uma boa escolha. Seu tipo físico e sua beleza eram ideais a uma personagem sensual e confusa e ainda viam acompanhados de uma atriz excelente e popular. Bom, Taylor se esforça, mas nem ela salva o navio de afundar. Em suas próprias palavras, o filme é uma merda. Ainda saiu vencedora do Oscar de melhor atriz, o que é algo que definitivamente não tem explicação a não ser mais uma daquelas tentativas frustradas de fazer alguma compensação a um ator injustiçado, tirando o prêmio de Shirley MacLaine, verdadeira merecedora.
Por ter um conteúdo sexual, talvez Butterfield 8 tenha gerado algum barulho em 1960, mas não tem força suficiente para chamar atenção nos dias de hoje como os filmes baseados em obras de Tenessee Williams que foram produzidos naquela mesma época e que também tem um conteúdo sexual forte e muito mais implícito são capazes de fazer. De clássico mesmo, só tem a idade. O resto todo é irrelevante.
Obs: quer ver Liz Taylor de verdade? Assista Um lugar ao sol, De repente no último verão, Gata em teto de zinco quente e, principalmente, Quem tem medo de Virgina Woolf?. Esses sim são cinema em grande forma – independente de serem clássicos ou não.
Obs2: Quem tem medo de Virginia Woolf? é a segunda vitória de Taylor no Oscar de melhor atriz e também uma das melhores atuações do cinema. É algo impressionante. Desta forma, a atriz com seus dois prêmios ocupa posições entre as melhores e as piores vencedoras.

Nota: 4/10

Leia também:

Lucas Moura

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Tropa de Elite 2 - "o Sistema é f*, parceiro"

Nove anos depois de garantir o sono do papa ao expulsar traficantes de várias favelas da zona Oeste do Rio de Janeiro, o agora tenente-coronel Nascimento (Wagner Moura) é um homem mais maduro, ainda mais eficaz, com menos cabelo e mais solitário. Nascimento, à época dos acontecimentos do filme anterior, não confiou na capacidade de seu substituto, André Mathias (André Ramiro), de liderar sozinho sua equipe, e estendeu sua permanência no BOPE; o problema é que quanto mais ele permanecia, mais seu casamento ruía, a ponto de chegar ao fim. Nascimento então passa a se dedicar integralmente à Polícia Militar, sobe sua patente, e ao chegar ao posto de tenente-coronel, recebe o comando de todo o batalhão.
O filme começa com uma rebelião em Bangu 1, presídio que abriga os mais perigosos traficantes do estado, onde Beirada (Seu Jorge) inicia uma rebelião para matar seus rivais, e acaba fazendo reféns. O BOPE é chamado, e a antiga equipe de Nascimento, agora comandada por Mathias, que se tornou capitão, é a responsável pela operação, tendo o próprio Nascimento como supervisor. A operação tinha tudo para ser rápida e bem sucedida, não fosse a decisão do governador de enviar o professor universitário Diogo Fraga (Irandhir Santos) para fazer as negociações. Fraga era um velho inimigo de Nascimento - professor de esquerda e defensor dos direitos humanos, Fraga vivia dando palestras contra a polícia e o sistema prisional. As negociações pareciam dar certo, mas numa precipitação de Mathias, Beirada é morto e seu sangue suja a camisa dos direitos humanos vestida por Fraga, e o diabo da imagem percorre o mundo. A operação, que havia sido um sucesso, se tornou um circo político, e alguém tinha de pagar por ela. Nascimento foi afastado do BOPE, mas como para o povo bandido bom é bandido morto, sua saída do batalhão vira uma promoção - ele vai para a Secretaria de Segurança, assumir a sub-secretaria de Inteligência. Quem sai por baixo mesmo é Mathias, que perde a farda preta e vai parar no batalhão do coronel Fábio (Milhem Cortaz), corrupto até o dedo do pé, mas que gostava dele, já que Mathias lhe salvara a vida anteriormente.
Na cúpula da Segurança Pública, Nascimento dá início a um grande plano de combate ao tráfico de drogas, aumentando em quatro vezes o efetivo do BOPE e equipando o batalhão com melhores armas, veículos e helicóptero. Sua ideia era desmantelar o tráfico e acabar com o arrego, dinheiro pago pelos traficantes aos policiais corruptos para fazerem vistas grossas ao crime, além de acabar com outras formas de corrupção e assim dar fim ao Sistema. Acontece que "nada melhor que uma crise econômica pra aguçar a criatividade" - o Sistema, na figura do major Rocha (Sandro Rocha), percebe que na favela não tem só bandido, e o fornecimento de serviços como internet, tv a cabo, água mineral, gás e até empréstimos aumentariam em até dez vezes o faturamento dos corruptos, o que Nascimento chama de CPMF, Comissão dos Policiais Militares Filhos-da-puta. E quatro anos depois, em 2010, Nascimento e toda a população do Rio ainda acham que seu plano havia dado certo, mas na verdade a máquina de guerra do BOPE estava ajudando o Sistema, expulsando traficantes de favelas, que depois eram ocupadas pelas milícias.
Tropa de Eite 2 - o inimigo agora é outro (2010) é um filme pra contestar a ideia de que toda continuação é inferior ao original - deixe isso pros filmes de ação. O primeiro Tropa é muito bom, por razões que comentei aqui ano passado, mas o 2 o supera em quase todos os aspectos. O roteiro é mais maduro, muito mais politizado, desce dos morros e mostra a face mais organizada e invulnerável do crime, nos quartéis e palácios do poder público. A milícia se mostra pior que o tráfico por ser tão intransigente quanto e por parecer inatingível, já que tem meios mais eficientes de subjugar e silenciar suas vítimas e por contar com a proteção de gente grande - as favelas dominadas se tornavam base eleitoral do governo; inclusive, faziam parte do esquema, um deputado estadual e apresentador de programa policial sensacionalista (André Mattos) e o ex-secretário de segurança e candidato a deputado federal (Adriano Garib). Nascimento se choca ao ver a verdadeira dimensão do Sistema e perceber que em seus mais de vinte anos na polícia acreditou em uma instituição corrupta, falida estrutura e moralmente que servia a poucos, e não à população.
E por falar em Nascimento, é para Wagner Moura que vão meus mais sinceros elogios. Se Nascimento mudou, se tornando mais maduro e adquirindo um ar cansado, de quem luta sem sucesso há vários anos, foi graças a Wagner Moura, cujo desempenho não fica devendo a nenhum ator de fama internacional. Me atrevo a comparar sua evolução à de Al Pacino, que ao longo da trilogia O Poderoso Chefão é muito versátil para acompanhar as mudanças de sua personagem. Isso porque além de militar e sub-secretário, Nascimento precisa lidar com problemas pessoais, como o fim da amizade com Mathias, sua relação com a ex-mulher e o novo marido dela, e principalmente a difícil convivência com seu filho adolescente, que o vê como um tirano. Sai de cena o capitão que "subia na favela pra deixar corpo no chão" e entra o coronel que tenta destruir o Sistema batendo de frente. As cenas de violência se reduzem, e muito - mas as únicas duas cenas em que Nascimento desce o braço em alguém são algumas das melhores do filme. Podem dizer que é exagero, mas interpretação melhor que a de Wagner Moura, em filme nacional, só vi a de Fernanda Montenegro em Central do Brasil.
A direção de José Padilha também aparece muito mais bem trabalhada. Ele conduz de maneira firme a história, sem permitir outros pontos de vista além do que ele quer propor, ignorando as críticas ao realismo do primeiro filme e evitando os erros típicos de continuações. Padilha, aliás, é mais um brasileiro que chega a Hollywood - está gravando Robocop; aparentemente será só mais um filme de ação, mas vamos lembrar que até Walter Salles e Fernando Meirelles tiveram de fazer filmes meia-boca para chegar no patamar internacional. O que eu não entendo é a ausência de prêmios. O Tropa 1 levou até Leão de Ouro em Berlim, mas o 2, coitado, nada de prestígio internacional. E Oscar... em 2011 Tropa 2 deixou de ser o candidato nacional porque o Ministério da Cultura resolveu colocar Lula, o filho do Brasil no lugar. Pois é. Com essa, eu invoco o primeiro filme pra perguntar: tá de brincadeirinha, 02?
Ah, já ia esquecendo! Os bordões aqui são bem melhores e menos grudentos que o do primeiro.

Nota: 9.5/10

Leia também: Tropa de Elite

Luís F. Passos

sábado, 4 de maio de 2013

Sabrina - apaixonados por Audrey

Quando assisti a Bonequinha de luxo (1961) e a A princesa e o plebeu (1953) tive certeza absoluta de que não houve atriz de beleza, elegância e carisma como Audrey Hepburn. Quando em cena, é impossível tirar os olhos dela e sua presença é capaz de tornar todo (ou quase todo) filme amável.
Sua estréia foi estrondosa com o sucesso de A princesa e o plebeu, que até lhe rendeu o Oscar. Apesar de já mostrar grande talento e empatia, não acredito que este seja o melhor papel de Audrey e até considero sua vitória não muito merecida. Ao analisar Bonequinha de luxo, que é quase uma década mais novo que A princesa e o plebeu, pode-se perceber claramente que a atriz passou por uma evolução artística interessante, adicionando camadas a sua caracterização da personagem. Estes dois filmes são os principais longas da atriz, que, junto a Sabrina (1954), formam uma tríade perfeita de comédias românticas clássicas.
Em Sabrina, Audrey vive a inocente filha do chofer dos Larrabee, rica família de industriais do plástico que, após um período de dois anos em Paris onde estudou num curso de culinária, volta para casa totalmente diferente. De menina arredia, tornou-se uma mulher de presença, imponência e elegância capazes de chamar a atenção de qualquer homem. Mas precisamente de dois homens: David e Linus Larrabee. David (William Holden) é o irmão mais novo e boa vida. Típico cafajeste, dedica toda sua ociosidade para dedicar mulheres, as quais são facilmente atraídas por ele. Uma deles é justamente Sabrina, que tem em David sua paixão de infância e que agora pode finalmente chamar sua atenção, após anos passando despercebida. Linus (Humphrey Bogart), o irmão mais velho e grande nome a frente do futuro das empresas Larrabee tem, inicialmente, uma função muito clara: impedir que David e Sabrina fiquem juntos, evitando assim o término do casamento arranjado entre seu irmão e uma rica herdeira de um império de cana-de-açúcar, pondo, assim, fim a uma fusão milionária entre duas grandes multinacionais. Acho que não preciso dizer o que acontece a seguir, mas para ficar bem claro, o próprio Linus acaba se encantando pela presença de Sabrina e deve decidir se vai seguir seus sentimentos ou continuar fixado aos números e gráficos de seu escritório. A questão é: com quem Sabrina deve ficar?  
Nada demais, né? Mas mesmo assim, de um charme particular que o torna um filme muito agradável. As presenças marcantes de Audrey, Bogart, e Holden, por si só, já são a chave do sucesso para qualquer produção do cinema clássico, tendo em vista que os três se tratam de alguns dos mais populares e elogiados atores de sua época e, no momento em que Sabrina foi feito, já tinham até vencido o Oscar nas categorias de atuação protagonista. Bogart e Holden, os quais eu não tinha montado uma imagem mais humorística, são muito divertidos em cena. Muito diferentes dos papéis sérios que os imortalizaram em filmes como Casablanca (no caso de Bogart) e Crepúsculo dos deuses (no caso de Holden.). William Holden como o caricato David, principalmente, mostra um talento para o humor que eu definitivamente jamais poderia imaginar vindo dele.
Roteiro e direção são assinados pelo mestre Billy Wilder que cria piadas simples, mas suficientemente divertidas e bem colocadas, gerando alguns momentos impagáveis, bons diálogos e ainda imprime um ritmo que torna tudo uma grande diversão a ser acompanhada.


Nota: 8/10

Leia também:
A princesa e o plebeu
Bonequinha de luxo
O pecado mora ao lado


Lucas Moura

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Quase Famosos - sobre a vida e o rock

Tem alguns filmes não tão famosos assim ou muito menos de grande importância em termos de história para o cinema, mas que tenho um grande carinho e os coloco sempre nas minhas humildes listas de filmes preferidos. Geralmente estes são filmes muito simples e muito pessoais que tem algum elemento que os tornam especiais para mim. Hoje vou falar sobre um destes: Quase famosos (Almost famous, 2000), o elogiado sucesso de Cameron Crowe do início dos anos 2000 que apesar de não ter sido um dos maiores marcos do cinema moderno é uma das melhores surpresas cinematográficas que tive recentemente.
A história é simples. Trata-se de um garoto de 15 anos chamado William (Patrick Fugit) apaixonado por rock clássico desde que sua irmã mais velha (participação curta de Zooey Deschanel) saiu da casa onde os dois viviam sob a opressiva e super protetora, porém amorosa, presença materna (Frances McDormand) deixando como herança para o irmão uma coleção expressiva de discos das maiores bandas de rock da época. Desde jovem, William passaria a nutrir-se da fonte do mais puro rock clássico, com doses de Led Zeppelin, The Who, The Beatles, The Rolling Stones, Bob Dylan, Black Sabbath e tudo que há de melhor do legado musical dos anos 60.
Sua paixão por rock, aliada a sua habilidade inata como escritor e a aversão ao futuro como advogado escolhido pela sua mãe, leva-o a encarar um grande desafio: acompanhar um grupo de rock mediano, intitulado Stillwater, em sua turnê pelos EUA, com a missão de escrever uma resenha de 4000 palavras para a renomada revista Rolling Stones, que havia descoberto seu trabalho como escritor numa pequena revista de música local. Movido pelo mais puro entusiasmo, William segue a banda por algumas semanas e algumas cidades, entrando em contato com todo o espírito da época e daquelas pessoas que fizeram história.
É aqui o ponto chave de Quase famosos. Durante este período, é possível acompanhar o amadurecimento pessoal de William, que de um fã apaixonado deve mudar seu ponto de vista para tornar-se obrigatoriamente o mais verdadeiro e fiel ao que vê o possível, ignorando a idealização natural criada em torno de seus ídolos. Mesmo assim, o clima de fascínio paira durante grande parte do filme. Fascínio esse que pode facilmente ser transmitido para qualquer espectador amante de rock clássico com todas aquelas referências naturais e divertidas e aquelas homenagens a alguns dos homens mais incríveis da história da música. É tudo muito intenso, muito divertido, muito cool. As personagens são as mais diversas e divertidas possíveis. Quase famosos vem para quebrar todo e qualquer estereótipo criado em torno das lendas do rock ao mostrar uma banda mediana de um período de transição musical (início dos anos 70) em sua jornada ascendente pela fama. Os pequenos segredos sujos, a rivalidade entre os integrantes, a difícil escalada para o sucesso, a comercialização da arte musical, a construção de uma identidade como artistas e o difícil amadurecimento (assim como William, todas as personagens amadurecem em medidas diferentes), com todas as perdas e ganhos envolvidos, estão aqui.
Isso, é claro, pode ser visto em outros filmes. Quase famosos, no entanto, usa também um ponto de vista pouco usual: o das groupies. Para quem não sabe, groupies são aquelas moças que seguiam as bandas pela turnê. Neste caso, não temos exatamente groupies (pois a relação delas com as bandas não é apenas sexo e fama, mas sim uma interação espiritual com a música), mas, como as mesmas gostam de se intitular, ajudantes de banda – entre elas, temos a participação ilustre da segunda mais jovem vencedora do Oscar (não por este filme!), Anna Paquin (atualmente, protagonista da série True Blood). A principal delas – e de longe a personagem mais interessante de Quase famosos – é Penny Lane (Kate Hudson, mais fantástica do que nunca em sua interpretação indicada ao Oscar de melhor atriz coadjuvante – perdeu por quê?), a maior amante do rock de todas. Sua devoção vai além da música e ainda esbarra num complicado relacionamento com o controverso e imprevisível guitarrista da banda, Russel (Billy Crudup). Penny (só sabemos seu verdadeiro nome no fim do filme) é a personificação do espírito da época. Uma mistura de liberdade, amor, tristeza e confusão que é simplesmente apaixonante. Apaixona Russel, William e qualquer um que assista ao filme. É obvio para qualquer um que este é o papel da carreira de Kate Hudson. O estranho é ela não ter tido oportunidades tão interessantes quanto nos anos que sucederam Quase famosos.


Nota: 8/ 10

Lucas Moura