sábado, 31 de dezembro de 2016

Sobre 2016, o asteroide que deveria ter vindo e alguns poucos livros

Aqui estamos mais um dia sob o olhar sanguinário do vigia pra falar do ano que se encerra, esmiuçando alguns aspectos que mais nos alegraram ou incomodaram. Adianto logo que vamos falar mais de incômodos.
Então, queridxs leitorxs, como vão? Como passaram esse ano maroto e saliente chamado 2016? Espero que bem, apesar de tudo. Se não foi tão bem assim, então respira fundo, vamos chorar algumas mágoas e sacudir a poeira porque um novo ano tá na porta.
Eu sei que reclamei de 2015, mas analisando hoje, nem foi um ano tão ruim. A questão é que eu vinha numa maré muito boa no ano anterior, e 2015 foi um puxão de volta à realidade. Mas 2016... vamo respeitar, né?
Pessoalmente falando, o ano começou mal, com a perda de meu avô. Falando pelo mundo, o ano mostrou logo que sofreríamos grandes perdas com a morte do cantor David Bowie ainda no dia 10 de janeiro. E foram muitas as perdas de gente famosa e muito boa. Nomes como Prince, George Michael, Domingos Montagner, Cauby Peixoto, Elke Maravilha, Rubén Aguirre (Professor Girafales), Alan Rickman, Umberto Eco, Muhammad Ali, Fidel Castro e mais recentemente Debbie Reynolds e Carrie Fischer. Sem falar em tragédias de grandes proporções como a queda do avião da Chapecoense.
Quem também foi pro além foi a democracia brasileira. Mais de 54 milhões de votos foram jogados no lixo por um Congresso corrupto e sem moral, que num processo de impeachment que durou cerca de cinco meses, afastou de vez a presidenta Dilma, pondo em seu lugar o golpista Temer. Na sessão da câmara que aprovou a abertura do processo no Senado, tivemos a cena mais grotesca da política em décadas, quando a corja votou "pela família, pelo Brasil, contra a corrupção" - inclusive a deputada que elogiou o marido, prefeito de Montes Claros, e no outro dia a Polícia Federal prendeu o dito cujo por corrupção. Eduardo Cunha caiu, alguns ministros caíram, e Temer está derrubando os direitos da classe trabalhadora, reformando a Previdência e congelando gastos públicos, ao mesmo tempo em que autoriza aumento de 41% para o judiciário e passa a mão na cabeça de toda a bandidagem da política nacional.
A esquerda está em maus lençóis. As eleições municipais desse ano são prova disso. O ódio ao PT e aos seus aliados continua vivo, levando a cenários bizarros como a eleição de João Dória em primeiro turno em São Paulo. Mas pior que a derrota de algumas legendas é a desorganização da esquerda e sua falta de proximidade das massas, que assistem passivamente o Brasil se tornar uma republiqueta das bananas e voltando a ser um conjunto de oligarquias. Mas não é só por aqui. Lembrem que Trump foi eleito, e só Deus pode nos ajudar.
Sério, 2016 foi palco de muita coisa que nos faz refletir se a humanidade não se cansa de aprofundar ainda mais o fundo do poço. Seja em casos de burrice e estupidez como o caso da mulher que invadiu o Congresso e disse que a bandeira japonesa era o símbolo do comunismo na bandeira brasileira ou no recente caso grotesco em que um trabalhador ambulante foi morto espancado por defender uma travesti. A vida humana parece ter perdido de vez o valor. Ao mesmo tempo em que as vozes mais conservadoras gritam serem contra o aborto por serem a favor da vida, clamam pela pena de morte e bradam que bandido bom é bandido morto - por mais que se intitulem cristãs, pelo visto não aprenderam nada com Jesus. "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei", e dois mil anos depois os seguidores do cara querem sair matando LGBT e criminoso. Nunca vi brincadeira de telefone sem fio mais deturpada. Na última semana, o filósofo Leandro Karnal perguntou em sua página na internet se o cometa do filme Melancolia estaria muito longe. Apenas corrijo o brilhante pensador com a observação de que no filme não havia um cometa, e sim um planeta chamando Melancholia. Mas sim, Karnal, passei o ano me perguntando onde estaria um corpo celeste errante pra pôr um fim nessa baderna.
Antes que eu me prolongue mais ainda e antes que digam que tô reclamando demais, preciso dizer que 2016 também teve seus bons momentos. Muitos, até. Agradeço a Deus e aos familiares e amigos que me propiciaram tais bons momentos, tanto na esfera pessoal como acadêmica. Eu estava separando umas fotos desse ano e percebi que por mais difícil que ele tenha sido, estive cercado de gente que me motivou a ir em frente e que fazem o mundo não merecer um asteroide. Outra coisa: próximo ano vou me formar (!!!), e nosso blog terá cumprido a missão de me servir como válvula de escape durante a faculdade. Se ele continuará atualizado a partir de novembro de 2017, é outra história, da qual ainda não sei nada. Por enquanto vamos falar dos cinco (e únicos) livros que li durante esse ano, por ordem de preferência.

5. Grande Sertão: Veredas - versão HQ (João Guimarães Rosa; arte de Rodrigo Rosa e roteiro de Guazzelli)
Comentei sobre meu livro favorito com um grande amigo meu, e dias depois ele acha numa livraria a versão em quadrinhos da mais bela e triste história de amor de nossa literatura e me deu de presente. A história da vida do ex-jagunço Riobaldo nos sertões de Minas Gerais ("o sertão é do tamanho do mundo") é contada de uma maneira bem resumida em comparação ao original, que tem mais de 600 páginas, mas é ótima para atrair novos leitores para a obra rosiana ou para matar a saudade dos que já são fãs. Amor, guerra, vingança, reflexões sobre a vida e o sobrenatural são os temas centrais desse clássico da literatura repaginado, vencedor do prêmio HQMix 2015 de melhor adaptação para os quadrinhos.
4. No Urubuquaquá, no Pinhém (João Guimarães Rosa)
O enorme livro Corpo de baile, lançado em 1956 dividido em dois volumes, foi dividido em três livros distintos em sua terceira edição: Manuelzão e Miguilim, Noites do sertão e No Urubuquaquá, no Pinhém. Este último é composto de três novelas um tanto extensas e de ótima qualidade, especialmente A estória de Lélio e Lina, minha preferida do livro e uma das mais conhecidas de Corpo de baile. A narração fala de um certo vaqueiro Lélio, que chega a um lugar chamado Pinhém depois de ter saído de sua terra por uma desilusão amorosa, e arruma emprego e logo faz várias amizades. A principal delas, a de uma senhora de mais de setenta anos, que o chama carinhosamente de "meu mocinho", e parece o conhecer como ninguém. Uma estória leve, muito bonita, apresentando o amor na forma materna/ fraterna; um carinho puro e comovente que em várias passagens é capaz de encher os olhos de qualquer um.
3. Mrs Dalloway (Virginia Woolf)
"Mrs Dalloway disse que ela própria iria comprar as flores". A frase famosíssima que abre um dos primeiros romances de Virginia Woolf é o ponto de partida para uma viagem pela Londres da década de vinte através da mente de Clarissa Dalloway, mulher de um deputado conservador que está prestes a dar uma festa. Ao longo de um dia acompanhamos Clarissa, algumas pessoas que a rodeiam, além de um veterano de guerra cuja história aparentemente corre paralela à da aristocrata. Reencontros com velhos conhecidos e passeios pela cidade são a chave para momentos de profunda introspecção e análise da sociedade londrina da época, com todos seus costumes e futilidades. Não foi a primeira vez que eu li Mrs Dalloway (e não é a primeira vez que ele aparece numa lista aqui no blog), mas garanto que a satisfação ao relê-lo foi a mesma de ler pela primeira vez.
2. O Guia do Mochileiro das Galáxias (Douglas Adams)
 Outro livro que reli nesse ano, outro livro queridíssimo. Douglas Adams constroi um dos melhores e mais queridos livros de ficção científica através da amizade de um britânico, Arthur Dent, com o alienígena Ford Prefect, do distante planeta de Betelgeuse. Quando a Terra é destruída por uma frota espacial Vogon, Ford consegue fugir na frota Vogon, carregando consigo um Arthur perplexo por saber que existe vida fora da Terra, por ver seu planeta destruído e por saber que seu amigo na verdade é um colaborador do Guia do Mochileiro das Galáxias, o livro mais fantástico que existe, que contém informações sobre qualquer coisa do universo. A frase "não entre em pânico, contida na capa do Guia, é totalmente apropriada ao momento. A história é uma sátira genial sobre o quanto somos insignificantes diante da imensidão espacial, sobre o quanto os humanos conseguem fazer besteira com o planeta, nas relações interpessoais e especialmente na política. Absolutamente genial.
1. O Herói Discreto (Mário Vargas Llosa)
Desde que Mário Vargas Llosa venceu o Nobel de literatura em 2010 eu tenho vontade de ler algum livro dele, o que só fiz nesse ano. Se a primeira impressão é a que fica, então minha impressão sobre ele é a melhor possível. O herói discreto segue em dois ambientes distintos. Na capital peruana, Lima, o executivo Rigoberto vê com preocupação o casamento de seu patrão e amigo, Ismael Carrera, com sua ex-empregada, uma mulher com idade para ser sua neta, devido à exposição na mídia e aos filhos sem caráter de Ismael, que do pai só querem a herança. Já no interior, o empresário Felícito Yanaqué, dono de uma empresa de transportes, começa a receber cartas anônimas que oferecem proteção e segurança em troca de pagamento, possivelmente enviada por um grupo de milicianos. Mas Felícito não é de se dobrar a ninguém, e decide resistir aos bandidos. O fato é que tanto Felícito quanto Ismael terão a ajuda de fiéis amigos, e em algum ponto as histórias se cruzam, o enredo fica melhor do que já estava e o leitor percebe que acabou de ler uma obra sensacional.


No mais, meu povo, feliz ano novo. Continuaremos juntos em 2017, espero. Agradeço por mais um ano acompanhando esse singelo blog, e desejo de coração que o ano que chega traga infinita felicidade para todos.
We'll meet again, don't know where...

Luís F. Passos

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Debbie e Carrie

Essa semana o mundo do cinema teve duas grandes perdas: Debbie Reynolds e Carrie Fisher, mãe e filha, respectivamente. Atrizes icônicas e lendas da sétima arte, Debbie e Carrie foram grandes talentos de suas gerações e são mais famosas por importantes papéis em dois dos filmes mais populares da história do cinema.
Debbie Reynolds, falecida aos 84 anos, viveu o período áureo de sua carreira ainda muito jovem, ao longo da década de 50. Aos 19 anos, integrou parte do elenco principal de nada mais nada menos que Cantando na chuva (Singin’ in the rain, 1952), um dos principais musicais da era de ouro de Hollywood. O filme a lançou ao estrelato e a colocou como importante nome dos musicais. Em sua vasta filmografia, Debbie tem, ainda, em meio a uma filmografia que contabiliza mais de 50 créditos em produções, uma indicação ao Oscar de melhor atriz em 1964 por The unsinkable woman (derrotada por outro ícone, Julie Andrews), além de ter recebido um prêmio humanitário na cerimônia de 2016.
Carrie Fisher também iniciou sua carreira muito jovem e fez, também, parte do movimento da Nova Hollywood. Sua principal personagem é a inesquecível e ícone pop mundial Princesa Leia da saga Star Wars. A massificação de Star Wars na cultura em geral pode até fazer com que não percebamos com tanta clareza o quanto uma personagem como a Princesa Leia é importante, principalmente no contexto dos anos 70 onde o filme foi inicialmente lançado. Uma princesa corajosa, lutadora e que acredita nos seus ideais é o tipo de heroína que precisamos. Engana-se, porém, que os talentos como atriz de Carrie se limitem apenas a Princesa Leia. O espírito livre, forte e divertido da atriz também é marcante em outras produções, na qual participou como papéis menores. Particularmente, gosto bastante de sua presença em Hannah e suas irmãs (Hannah and her sisters, 1986), Harry e Sally – feitos um para o outro (When Harry met Sally, 1989) e a pequena participação em Mapas para as estrelas (Maps to the stars, 2014), vivendo ela mesma. Carrie também foi uma ativista sobre saúde mental e vício em drogas, falando abertamente sobre os temas de forma franca e direta.
O relacionamento das duas baseou o filme Lembranças de Hollywood (Postcards from the edge, 1990), cujo roteiro foi assinado pela própria Carrie Fisher. Em 2017, uma série baseada no relacionamento de mãe e filha será lançada pelo canal HBO.

Lucas Moura

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Aquarius - o passado, a mulher, o Brasil

Cannes, maio de 2016. O Brasil ansiava pela exibição de Aquarius, filme dirigido por Kleber Mendonça Filho e estrelado por Sonia Braga, que estava na mostra competitiva do mais importante festival de cinema do mundo. Não bastasse a atenção atraída pelo filme, diretor e elenco exibiram placas no tapete vermelho contra o impeachment da presidenta Dilma, que havia sido afastada provisoriamente pelo Senado cinco dias antes. Polêmica a parte, Aquarius foi um dos filmes mais comentados em Cannes, e mesmo não recebendo nenhum prêmio, foi logo consagrado pela crítica - pelo menos pela crítica decente. Maiores detalhes no fim deste post.
A presença de Sonia Braga no filme é um fato, no mínimo, muito feliz. A experiente atriz, musa dos anos 80, retorna mostrando que ainda tem muito da beleza e tem totalmente o talento de outrora. Ela dá vida a Clara, jornalista aposentada e escritora, que vive num antigo e confortável apartamento à beira mar na localização mais privilegiada de Recife, a praia de Boa Viagem. O enredo do filme, razoavelmente simples, acompanha a luta de Clara para permanecer em seu prédio, já que uma construtora pretende derrubá-lo para construir um novo, moderno e enorme edifício no lugar. Todos os outros moradores já venderam suas casas à construtora, exceto Clara, que permanece firme na sua decisão, enfrentando o ódio da empresa e de alguns ex-vizinhos, além da preocupação dos filhos que temem por sua segurança num prédio vazio.
Através do apego de Clara a seu apartamento antigo, em que viveu a maior parte de sua vida e criou seus filhos, Aquarius trata de memória e resistência, sem preferir um tema ao outro. Clara é uma mulher forte, decidida, que resolve não ceder a nada e permanecer em sua casa, batendo de frente com um engenheiro arrogante que se gaba por ter estudado fora (Humberto Carrão) e suportando o assédio da construtora, levado a níveis absurdos quando a jornalista mostra que não é de desistir. Clara é apegada a todas as memórias construídas e contidas no apartamento, mas nem por isso é uma saudosista. Ela se prende ao passado sem se esquivar do que é novo - demonstrado, por exemplo, numa entrevista em que ela se chateia quando a repórter, admirada com sua coleção de vinis, pergunta se ela não gosta do formato digital - e permanece de coração e alma abertos para novas experiências, como participar da criação de seu neto, assim como criou os filhos no edifício Aquarius.
É louvável a forma como o diretor conduz a trama que é ao mesmo tempo tensa e bela. São muitos os momentos de conflito, e diversas vezes o espectador fica ansioso com a possibilidade de uma briga, de uma agressão, de uma reação descontrolada - muitas vezes fica só na expectativa, mas quando algo explode, a atuação do grande elenco nos proporciona cenas incríveis. A escolha de Sonia Braga para protagonista tem relação com a temática, já que a atriz tava sumida e há quinze anos não participava de um filme nacional, mas ela mostra que seu valor está muito além do simbolismo e presenteia o público com uma de suas maiores atuações. Sonia aparece aos vinte minutos de filme (que inicia com um flashback passado nos anos 80) e o carrega pelas duas horas subsequentes com louvor.
O filme também impressiona pelo tanto que consegue falar da sociedade, mesmo sutilmente, nas entrelinhas. A construtora, seu dono e o engenheiro (que é neto do dono) acham que podem passar por cima de Clara usando seu poder e pelo fato dela ser mulher e viúva, atormentando-a de diversas formas, inclusive tentando intimidá-la diretamente, em discussões. Há ainda pequenos detalhes como o filho da empregada que foi morto atropelado por um motorista bêbado que não foi condenado pelo crime, fantasmas sociais como insinuações a ligações religiosas do engenheiro, uma possível ligação de um parente de Clara com políticos corruptos e pequenas mostras de desigualdade social como a divisão da praia que até certo ponto é bairro rico e depois é Brasília Teimosa, comunidade que até anos atrás era uma conhecida favela de palafitas.
 A ousadia do elenco em Cannes teve um preço. Ao ser lançado no Brasil, Aquarius não foi exibido em um número de salas de cinema adequado para um filme tão bem recebido pela crítica. Resistência originada no governo golpista ou na mídia mais tradicional e igualmente golpista, possivelmente. Houve inclusive críticas muito negativas por parte de colunistas que representam o que há de pior no jornalismo, que afirmaram que o dever das pessoas de bem e com vergonha na cara era boicotar o filme - e o diretor Kleber Mendonça Filho brilhantemente usou tal frase no pôster, junto de críticas muito positivas de outras revistas. Talvez o pior golpe tenha vindo da parte do governo golpista, que não lançou Aquarius como candidato brasileiro ao Oscar de melhor filme estrangeiro - que depois de ter sido classificado pelo Cahiers du Cinéma como um dos dez melhores filmes do ano, tinha real chance de vitória. Por outro lado, Pequeno segredo, filme indicado pelo ministério da cultura, já foi riscado da lista da Academia.

Nota: 10

Luís F. Passos

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Barry Lyndon - poder e cobiça

Há muito o que se ver nos filmes de Stanley Kubrick. Ao longo de 46 anos ele produziu e dirigiu poucos longas-metragens, mas foram filmes tão singulares e marcantes que seu nome foi gravado para sempre no panteão dos maiores gênios do cinema. Kubrick foi, antes de mais nada, um ilustrador conceitual da condição humana. Através dos mais diversos gêneros de cinema - guerra, terror, política, época ou mesmo ficção científica - o diretor esboçou em suas personagens tudo o que há de peculiar ao homem, desde os instintos mais primitivos aos mais refinados hábitos adquiridos em sociedade. Mas o brilhantismo de Kubrick não se restringe à temática. Ele também foi ímpar pelo seu preciosismo técnico, perfeccionismo e pelas diversas inovações no uso da câmera, da iluminação e edição de seus filmes, nos quais facilmente se percebe a assinatura do diretor. E se é pra falar da singularidade de Stanley Kubrick, nada melhor do que falar de Barry Lyndon (1975)
Ambientado na Europa do século XVIII, o filme inicia na Irlanda, onde somos apresentados ao jovem, belo e bobalhão (sim!) Redmond Barry (Ryan O'Neal), órfão de pai, criado pela mãe e amparado por um tio de posses cada vez mais endividado. Redmond é apaixonado por uma prima que o troca por um oficial do exército covarde e endinheirado, que seria a salvação das finanças de seu tio. Depois de um estúpido duelo com o oficial, Redmond foge de sua cidade com uma pequena fortuna dada por sua mãe e por um amigo da família, mas perde tudo num assalto na estrada. Fugitivo e com uma mão na frente e outra atrás, ele se alista no exército inglês e embarca para o continente, lutando na Guerra dos Sete Anos. Após anos de guerra ele deserta, mas é preso e forçado a lutar no exército da Prússia, aliado da Inglaterra. Findada a guerra, seu superior no exército o põe a serviço da polícia de Berlim, onde ele recebe a missão de se infiltrar no serviço de um jogador profissional, suspeito de ser espião austríaco. Acontece que o tal jogador, o cavaleiro de Balibari (Patrick Magee) era seu conterrâneo, e Redmond admite que estava a mando da polícia - mesmo assim Balibari o contrata, e ele fica como agente duplo, aprendendo o ofício da jogatina. Quando Balibari dá um golpe em um príncipe, o cerco se fecha e ele foge com Barry para a Bélgica.
A dupla de picaretas segue a vida viajando pelas cortes europeias, ganhando ouro e fama por onde passavam. E na cabeça de Barry, o pensamento de ganhar estabilidade através de um bom casamento, chance que lhe aparece quando conhece o velho lorde Charles Lyndon e sua bela e jovem esposa Honoria (Marisa Berenson), que se apaixona instantaneamente pelo irlandês. A morte não demora a chegar para o doente lorde Lyndon, deixando o caminho livre para Barry, que se casa com a viúva após um ano, atraindo olhares da sociedade, que estava admirada com sua ascensão, e fazendo crescer ódio no coração de lorde Bullingdon, filho de lady Lyndon que desaprova totalmente o casamento e percebe o mau caráter do padrasto.
Resumidamente falando, o enredo de Barry Lyndon pode ser descrito como a saga da ambição de um jovem belo e meio burro. Redmond Barry é burro por ter enfrentado o pretendente da prima, quase arruinando um golpe do baú, e é burro por seus atos após se tornar nobre e não saber administrar a fortuna dos Lyndon, gastando rios de dinheiro na tentativa de se efetivar na aristocracia. Imensos são o cinismo e a ousadia dele ao adotar o nome do falecido lorde Lyndon, passando a ser chamado de Barry Lyndon e deixando de lado seu nome original, ato que também demonstra sua disposição em humilhar-se em troca das recompensas materiais. Mas não sejamos tão cruéis com Barry. Vamos falar dele como jovem tolo e bonitão que procura as pistas de qual seria o comportamento certo para progredir na sociedade, se situar num ambiente que lhe era estranho. E aí está nosso Kubrick pintando o estereótipo da ambição e da sociedade materialista que vivia de aparências. Ponto pra Kubrick.
Quanto à técnica, o filme é um capítulo à parte na história do cinema. A produção de Barry Lyndon é quase uma lenda, e uma história incrível por si só. Kubrick procurou através dos seus amigos nos estúdios de Hollywood câmeras BNC, velhos aparelhos da época em que ele começara a carreira, e adaptou-as com lentes especiais usadas pela NASA em satélites, na intenção de captar luminosidade como nenhuma câmera comum conseguiria. Com o equipamento certo, ele gravou todo o filme sem usar uma lâmpada sequer, usando apenas velas ou a iluminação ambiente, gravando quase sempre na "hora mágica" (à tarde, pouco antes do pôr do sol) e criando cenas de beleza singular, que ao serem enquadradas em zoom parecem pinturas realistas da época. Outro fator que contribuiu para a beleza estética foi o figurino, composto em parte por peças originais da época, em parte por peças especialmente criadas para o filme devido à preocupação do diretor em ser realista e não parecer uma festa à fantasia. Além disso, a música tem sua grande importância no filme, como é costume na obra de Kubrick, que aqui usa de forma magistral clássicos que são a cereja do bolo em cenas como a do primeiro beijo de Barry e lady Lyndon, inesquecível com seus movimentos sutis e uso perfeito de linguagem corporal. Tamanho esforço foi recompensado com 4 Oscar: fotografia, figurino, música e direção de arte.
Acontece que o filme não foi muito bem recebido pelo público nos Estados Unidos e na Inglaterra,  e a crítica nesses países o classificou como longo e tedioso. Hollywood estava entrando na era dos filmes de ação de orçamento milionário, e o filme de época de quase 3 horas não atingiu a popularidade desejada por seu diretor. Por outro lado, foi um sucesso na Europa continental, onde a beleza foi aclamada e reconhecida. Mesmo assim, é fato conhecido que Kubrick ficou profundamente chateado por não conseguir agradar o público. A decepção com Barry Lyndon foi compensada no trabalho seguinte, O Iluminado (1980), mas aí já é assunto para outra conversa.

Nota: 10

Luís F. Passos

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Filmes pro final de semana - 23/12

1. Dois dias, uma noite (Deux jours, une nuit, 2014)
Destaque no Festival de Cannes , esse filme já chama a atenção por sua protagonista, Marion Cotillard, sem dúvida uma das maiores atrizes da atualidade. Marion vive aqui Sandra, trabalhadora de uma pequena empresa que está diante de uma delicada situação. Saindo de uma crise depressiva, Sandra pretende retomar sua vida cotidiana e seu emprego, mas devido a problemas financeiros, a empresa se vê diante da necessidade de corte de funcionários. Seus colegas tiveram de escolher: ou a firma mantinha o quadro completo de funcionários, ou concedia um abono para os que permanecessem. Sandra inicia então uma jornada, porta a porta, para tentar convencer os colegas a desistirem da bonificação anual e mantê-la no emprego. Uma missão difícil, extremamente desconfortável e que aborda a temática da solidariedade versus interesses pessoais. Filme bastante humano que dá um show em sua proposta.
Nota: 10
2. Perfume de mulher (Scent of a woman, 1992)
Demorou, mas o grande Al Pacino, um dos maiores atores de sua geração, foi consagrado com um Oscar. Pacino vive o tenente coronel Frank Slade, que ao ficar velho, cansado e cego, decide viver intensamente um feriado em Nova York com o que a vida e o dinheiro têm de melhor a oferecer, para depois se matar. Ele conta com a companhia de Charlie (Chris O'Donnell), estudante de uma tradicional escola próximo a sua casa. Ao chegarem em Nova York, a dupla encontra parentes de Frank com quem ele não falava há anos (e quando encontrava, sempre brigava), dirige carros de luxo e frequenta hotéis e restaurantes de luxo - destaque para a inesquecível cena do tango. Um filme simples, mas cativante, com ótimo elenco e com a garantia de satisfação.
Nota: 8,5/ 10
3. Lawrence da Arábia (Lawrence of Arabia, 1962)
Super clássico do cinema mundial, este longo filme de quase quatro horas acompanha as aventuras no deserto do oficial inglês T. E. Lawrence (Peter O'Toole) na Primeira Guerra Mundial, sendo peça importante no combate aos turcos. Lawrence fora escolhido por seu vasto conhecimento sobre os povos do deserto, e acaba se tornando uma verdadeira liderança dos árabes, chegando a se afastar dos ingleses e dos costumes ocidentais. A personagem de Lawrence é muito interessante e é muito trabalhada ao longo do filme, construindo e desconstruindo hábitos e culturas. Destaque para a restauração que o filme ganhou anos atrás, umas das mais famosas dos grandes clássicos - tão boa que nos surpreendemos com os grãos de areia no rosto de O'Toole e a profundidade de seus lendários olhos azuis.
Nota: 10
4. Juventude Transviada (Rebel whitout a cause, 1955)
James Dean figura até hoje, sessenta anos após sua morte precoce, como uma das maiores promessas que o cinema já viu. Combinando beleza, carisma e muito talento, sua carreira ascendeu tão rapidamente quando os carros que o ator gostava de dirigir. Dean foi e é lembrado como ícone de uma geração retratada de forma brilhante em Juventude transviada, em que deu vida ao jovem Jim Stark, desiludido com os pais, professores, amigos e sociedade. Jim é o retrato dos jovens que buscavam orientação de uma geração mais velha que não conseguia dar resposta às questões dos mais novos, talvez por não serem sábios ou felizes como esperado. Jim encontra refúgio na família que monta para si: a namorada Judy (Natalie Wood) e o ingênuo amigo Plato (Sal Mineo). A irresponsabilidade dos jovens faz paralelo com a recusa dos mais velhos em encarar a responsabilidade pela nova geração, e o filme se mostra muito mais crítico e profundo do que aparenta. Clássico imperdível.
Nota: 10
5. O Natal do Mickey Mouse (Mickey's Christimas Carol), 1983
Baseado na obra imortal de Charles Dickens, o curta da Disney traz Tio Patinhas na figura do rico Ebenezer Scrooge (Tio Patinhas), velho, egoísta e solitário, que acumulou fortuna às custas de trabalhadores mal-remunerados e golpes em viúvas em crianças órfãs. A maldade de Scrooge era tamanha que ele roubou o falecido sócio (Pateta) e usou o dinheiro do enterro, jogando o corpo do defunto no mar. Um dos mais dedicados empregados do velho é o pobre Bob Cratchit (Mickey), que sustenta sua família precariamente com o péssimo salário pago pelo patrão. Na véspera de Natal, Scrooge espanta coletores de donativos, briga com parentes e aborrece funcionários, como sempre, sem imaginar o que lhe aconteceria horas depois. Depois de dormir, Scrooge foi visitado pelos fantasmas do Natal passado (Grilo falante), presente (Willi, o gigante) e futuro (Bafo), que lhe mostraram todas suas maldades e as consequências que elas trariam se o velho não mudasse seu comportamento para com o próximo. Beleza que todo mundo já viu, que a Globo sempre passa antes da Missa do Galo, mas nem isso tira a beleza da história ou do filme.
Nota: 9,5/ 10

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Filmes pro final de semana - 09/12

1. Os Descendentes (The Descendants, 2011)
É em paradisíacos cenários do Havaí que Alexander Payne conta a divertida e emocionante história do advogado Matt King (George Clooney), que se depara na delicada situação de ter a esposa numa UTI e precisa encarar a tarefa de cuidar sozinho das filhas, uma criança e uma adolescente, que mal conhece. Paralelo a isso, há também a relação (não muito boa) com os sogros e a questão da venda bilionária das terras da família junto aos seus vários primos. A pressão vinda da relação com as filhas, com a família e o próprio legado deixado para Matt o obriga a decidir o que realmente importa, com o peso de saber que suas decisões irão interferir diretamente na vida de muitas pessoas. Além do ótimo roteiro, a atuação de Clooney é outro destaque, deixando de lado o charme que lhe é peculiar para assumir as vezes de um homem cansado que tenta reatar os laços com seus entes queridos.
Nota: 9,0/ 10
2. 50%  (50/50, 2011)
Joseph Gordon-Levitt, queridinho da nova geração, dá um show de talento e carisma no papel do jovem Adam, um sujeito muito boa gente que descobre aos 27 anos ter um câncer raro, agressivo e supostamente incurável. Adam, que não fumava, não bebia e não fazia mal a ninguém, se pergunta então porque algo tão ruim estava acontecendo com ele. É com a ajuda do melhor amigo irresponsável mas muito fiel Kyle (Seth Rogen) e da analista Katherine (Anna Kendrick) que Adam aprende a lidar com seu problema, toma decisões importantes para aproveitar a vida diante do risco de sua piora e enfrenta os medos relacionados a seu tratamento e a sua chance de sobrevivência de 50%.
Nota: 8,5/ 10
3. Sangue Negro (There will be blood, 2007)
Um filme excepcional em todos os sentidos. Estrelado por Daniel Day-Lewis, Sangue negro trata com muito realismo e objetividade sobre ambição a partir de Daniel Plainview (Day-Lewis), mineiro pobre que descobre no petróleo a possibilidade de obter o dinheiro e o poder que sempre quis ter. Para isso, inicialmente ele conta com nada além de suas próprias mãos e mente aguçada, construindo a cada palmo de terra cavado seu império e endurecendo seu coração. Não são poucos os desafios que ele enfrenta, entre eles o pastor de uma pequena cidade, Eli (Paul Dano), que mostra a influência que um líder religioso possui num lugarejo esquecido do deserto da Califórnia. A história forte e sólida escrita e dirigida por Paul Thomas Anderson ganha vida a partir da atuação marcante de Day-Lewis, responsável por seu segundo Oscar e sem dúvidas a melhor em muitos anos no cinema americano.
Nota: 9,5/ 10
4. Beleza Americana (American Beauty, 1999)
 Um verdadeiro tapa na cara da classe média americana. Lester Burnhan (Kevin Spacey), o protagonista, é um pai de família cansado e entediado na monótona vida de típico trabalhador, com um emprego medíocre e muitas frustrações na vida profissional e pessoal. É casado com a famigerada Carolyn (Annette Bening), uma corretora de imóveis ambiciosa que se esforça para manter as aparências de família feliz, apesar do casamento desgastado, e sufoca a filha adolescente Jane (Thora Birch) com exigências, na tentativa de transformá-la numa garota prodígio. A história pega impulso com o surgimento de Angela, colega de Jane, por quem Lester se apaixona no auge de sua crise de meia-idade. A partir daí, a relação da família Burnhan com Angela, com os vizinhos Fitts e consigo mesma se torna uma sátira sobre beleza e satisfação pessoal, apunhalando sem piedade o desgastado sonho americano. O filme é cínico, dinâmico, provocante e envolvente. Merecidamente vencedor de cinco Oscar, incluindo melhor filme, diretor e ator (Spacey).
Nota: 10
5. Um Estranho no Ninho (One Flew over the Cuckoo's nest, 1975)
Tá aí um filme que consegue me deixar emocionado de verdade. A história do malandro Randle P. McMurphy (Jack Nicholson), que se finge de louco para sair do presídio onde cumpria trabalhos forçados e vai para um hospício é um convite à reflexão sobre a psiquiatria manicomial e principalmente sobre liberdade e desafio ao sistema. Isso porque McMurphy vai encontrar o verdadeiro diabo de saias e touca: a enfermeira chefe Ratched (Louise Fletcher), que odeia toda e qualquer coisa que atrapalhe a disciplina e perfeita harmonia em seu hospital psiquiátrico. Onde esperava encontrar vida mansa, o bandido vai encontrar um ambiente tenso e sufocante, em que regras antigas e rígidas valem mais que a felicidade ou mesmo a vida humana. Filme excelente que faturou os cinco prêmios principais do Oscar, filme, direção, roteiro adaptado, ator (Nicholson) e atriz (Fletcher).
Nota: 10

Luís F. Passos

domingo, 27 de novembro de 2016

Elizabeth - a mulher e a coroa


Filme que relata o período inicial do reinado de 40 anos de Elizabeth I numa Inglaterra ainda dividida entre duas crenças. Entre católicos e protestantes, a morte da rainha inglesa Mary (católica) culminou com a ascensão de sua irmã bastarda Elizabeth, filha de seu pai com Ana Bolena. Protestante, Elizabeth não teve grande apoio ao início do seu reinado e este filme de 1998 retrata com firmeza os altos e baixos da época.

E não foram poucos. Até poder reinar absoluta, Elizabeth I (vivida por Cate Blanchett) teve que superar tudo e todos. Uma irmã que a desprezava, inseguranças pessoais, o peso da coroa, reinos inimigos a poderosa e enraivecida igreja católica, uma corte dividida entre apoiadores e aqueles dispostos a vê-la cair e a pressão para se casar, perpetuando, assim o instável trono. Traições e amores também marcaram seu caminho par alcançar a “Era do Ouro”.

Elizabeth (1998) acerta, então, tanto como um estudo para os mais interessados em história, por trazer a mais conhecida versão de uma mulher tão importante para a história mundial, mas também nos apresenta um minucioso estudo de personagem, indo além da rainha Elizabeth I e se aprofundando na mulher Elizabeth. Jamais retratada como uma escolhida divina, mas sempre apresentada como uma pessoa entre erros e acertos e uma mulher à frente de seu tempo, com a coragem de ser soberana num mundo cruel e bastante masculino.

Vencedor do BAFTA e do Globo de Ouro de melhor atriz.

Nota: 8/10

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Lucas Moura

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Filmes pro final de semana - 18/11

1. Amy (2015)
O último vencedor do Oscar de melhor documentário de longa-metragem traz a vida conturbada de uma das maiores estrelas da música que o mundo viu nos últimos anos. O início precoce da carreira, o sucesso estrondoso com o segundo CD e a incrível vitória de cinco Grammys recebem a mesma atenção que os problemas familiares, a relação autodestrutiva com o marido e o grave problema com álcool e drogas que tanto prejudicou sua carreira e acabou provocando sua morte em 2011, tendo apenas 27 anos de idade. O documentário mostra como Amy Winehouse viveu intensamente a música, as amizades e o amor. Um filme excelente; emocionante, mas nada apelativo, e bastante triste.
Nota: 9,5/ 10
2. Divertida Mente (Inside Out, 2015)
Outro vencedor do último Oscar, dessa vez na categoria animação. Divertida Mente é o argumento final de que animação não é sinônimo de filme infantil. A partir de uma garota de onze anos, Riley, que está passando por grandes mudanças em sua vida, vemos uma forma muito original de apresentar como funciona a mente humana: gerida por cinco emoções que são responsáveis pelo estado de humor e pela administração das memórias. São elas Alegria, Tristeza, Medo, Raiva e Nojinho. Um pequeno incidente envolvendo Alegria e Tristeza faz uma completa bagunça na cabeça de Riley, que só piora o difícil momento pelo qual ela está passando, e pode pôr em risco todo seu eu. O filme é lindo, não é simples o suficiente pra ser visto por qualquer criança, e consegue botar muito marmanjo pra chorar. Sem dúvida, uma das melhores animações já feitas.
Nota: 10
3. Direito de amar (A single man, 2009)
Protagonizado por um Colin Firth austero e introspectivo, Direito de amar acompanha o dilema de um professor inglês que vive na Califórnia, George (Firth), após a morte de seu companheiro, Jim, com quem viveu por 16 anos. George não consegue lidar com o vazio deixado por Jim, nem mesmo ocupando seus dias com suas aulas ou com a ajuda de sua amiga de longa data, Charlotte (Juliane Moore). O desespero faz o professor pensar e planejar seu suicídio, mas novas perspectivas podem convencê-lo de que ainda pode haver esperança em meio a tanta dor. O filme é recortado por diversos flashes do passado, no início do relacionamento com Jim, de momentos passados juntos e da trágica morte precoce. Além da bela e triste história, o filme conta com as incríveis atuações dos sempre competentes Colin Firth e Juliane Moore.
Nota:8,5/ 10
4. Sonata de Outono (Höstsonaten, 1978)
Dentre os filmes de Ingmar Bergman que já tive o prazer de assistir, este é um dos mais emocionantes. Este intenso drama familiar mostra a delicada relação entre uma mãe (Ingrid Bergman) que fora uma pianista famosa e sua filha (Liv Ullmann), que se encontram após sete anos sem se verem. É fácil ver que a convivência das duas é um constante desconforto, carregada de mágoas que a filha nutriu por uma mãe ausente, sempre viajando, e que quando ficava em casa era igualmente distante. O reencontro se torna uma lavagem de roupa suja e traz à tona todo o ressentimento que as aparências escondiam, com um forte teor psicanalítico muito bem explorado pela perfeita direção de Bergman e pelo talento de duas brilhantes atrizes.
Nota: 10
5. New Orleans (1947)
"Do you know what it means to miss New Orleans?" A voz inesquecível de Billie Holliday é um dos grandes atrativos desse esquecido musical que eu conheci por acaso (obrigado, Youtube) e pelo qual fiquei encantado. A história é simples e não muito atrativa, tendo como protagonistas uma cantora clássica (Dorothy Patrick) que se apaixona por um jogador profissional (Arturo de Córdova) que é dono de uma casa de jogos no submundo de Nova Orleans. Nos fundos da casa de jogos,  Louis "Satchmo" Armstrong (interpretado pelo próprio) e sua Happy Dixie Band, pioneiros do blues, tocam uma música diferente e apaixonante que é censurada na alta sociedade, mas que faz sucesso entre os moradores do subúrbio e que pra surpresa de todos, encanta a cantora clássica e seu maestro. O enredo um tanto clichê é deliciosamente embalado pela música de dois grandes ícones do jazz e blues, que aqui vivem um par romântico, que injustamente aparece em segundo plano. Interessados procurem no Youtube, tem versão completa e legendada.
Nota: 9,5/ 10 (mais pela música do que pela história)

Luís F. Passos