sábado, 31 de dezembro de 2016

Sobre 2016, o asteroide que deveria ter vindo e alguns poucos livros

Aqui estamos mais um dia sob o olhar sanguinário do vigia pra falar do ano que se encerra, esmiuçando alguns aspectos que mais nos alegraram ou incomodaram. Adianto logo que vamos falar mais de incômodos.
Então, queridxs leitorxs, como vão? Como passaram esse ano maroto e saliente chamado 2016? Espero que bem, apesar de tudo. Se não foi tão bem assim, então respira fundo, vamos chorar algumas mágoas e sacudir a poeira porque um novo ano tá na porta.
Eu sei que reclamei de 2015, mas analisando hoje, nem foi um ano tão ruim. A questão é que eu vinha numa maré muito boa no ano anterior, e 2015 foi um puxão de volta à realidade. Mas 2016... vamo respeitar, né?
Pessoalmente falando, o ano começou mal, com a perda de meu avô. Falando pelo mundo, o ano mostrou logo que sofreríamos grandes perdas com a morte do cantor David Bowie ainda no dia 10 de janeiro. E foram muitas as perdas de gente famosa e muito boa. Nomes como Prince, George Michael, Domingos Montagner, Cauby Peixoto, Elke Maravilha, Rubén Aguirre (Professor Girafales), Alan Rickman, Umberto Eco, Muhammad Ali, Fidel Castro e mais recentemente Debbie Reynolds e Carrie Fischer. Sem falar em tragédias de grandes proporções como a queda do avião da Chapecoense.
Quem também foi pro além foi a democracia brasileira. Mais de 54 milhões de votos foram jogados no lixo por um Congresso corrupto e sem moral, que num processo de impeachment que durou cerca de cinco meses, afastou de vez a presidenta Dilma, pondo em seu lugar o golpista Temer. Na sessão da câmara que aprovou a abertura do processo no Senado, tivemos a cena mais grotesca da política em décadas, quando a corja votou "pela família, pelo Brasil, contra a corrupção" - inclusive a deputada que elogiou o marido, prefeito de Montes Claros, e no outro dia a Polícia Federal prendeu o dito cujo por corrupção. Eduardo Cunha caiu, alguns ministros caíram, e Temer está derrubando os direitos da classe trabalhadora, reformando a Previdência e congelando gastos públicos, ao mesmo tempo em que autoriza aumento de 41% para o judiciário e passa a mão na cabeça de toda a bandidagem da política nacional.
A esquerda está em maus lençóis. As eleições municipais desse ano são prova disso. O ódio ao PT e aos seus aliados continua vivo, levando a cenários bizarros como a eleição de João Dória em primeiro turno em São Paulo. Mas pior que a derrota de algumas legendas é a desorganização da esquerda e sua falta de proximidade das massas, que assistem passivamente o Brasil se tornar uma republiqueta das bananas e voltando a ser um conjunto de oligarquias. Mas não é só por aqui. Lembrem que Trump foi eleito, e só Deus pode nos ajudar.
Sério, 2016 foi palco de muita coisa que nos faz refletir se a humanidade não se cansa de aprofundar ainda mais o fundo do poço. Seja em casos de burrice e estupidez como o caso da mulher que invadiu o Congresso e disse que a bandeira japonesa era o símbolo do comunismo na bandeira brasileira ou no recente caso grotesco em que um trabalhador ambulante foi morto espancado por defender uma travesti. A vida humana parece ter perdido de vez o valor. Ao mesmo tempo em que as vozes mais conservadoras gritam serem contra o aborto por serem a favor da vida, clamam pela pena de morte e bradam que bandido bom é bandido morto - por mais que se intitulem cristãs, pelo visto não aprenderam nada com Jesus. "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei", e dois mil anos depois os seguidores do cara querem sair matando LGBT e criminoso. Nunca vi brincadeira de telefone sem fio mais deturpada. Na última semana, o filósofo Leandro Karnal perguntou em sua página na internet se o cometa do filme Melancolia estaria muito longe. Apenas corrijo o brilhante pensador com a observação de que no filme não havia um cometa, e sim um planeta chamando Melancholia. Mas sim, Karnal, passei o ano me perguntando onde estaria um corpo celeste errante pra pôr um fim nessa baderna.
Antes que eu me prolongue mais ainda e antes que digam que tô reclamando demais, preciso dizer que 2016 também teve seus bons momentos. Muitos, até. Agradeço a Deus e aos familiares e amigos que me propiciaram tais bons momentos, tanto na esfera pessoal como acadêmica. Eu estava separando umas fotos desse ano e percebi que por mais difícil que ele tenha sido, estive cercado de gente que me motivou a ir em frente e que fazem o mundo não merecer um asteroide. Outra coisa: próximo ano vou me formar (!!!), e nosso blog terá cumprido a missão de me servir como válvula de escape durante a faculdade. Se ele continuará atualizado a partir de novembro de 2017, é outra história, da qual ainda não sei nada. Por enquanto vamos falar dos cinco (e únicos) livros que li durante esse ano, por ordem de preferência.

5. Grande Sertão: Veredas - versão HQ (João Guimarães Rosa; arte de Rodrigo Rosa e roteiro de Guazzelli)
Comentei sobre meu livro favorito com um grande amigo meu, e dias depois ele acha numa livraria a versão em quadrinhos da mais bela e triste história de amor de nossa literatura e me deu de presente. A história da vida do ex-jagunço Riobaldo nos sertões de Minas Gerais ("o sertão é do tamanho do mundo") é contada de uma maneira bem resumida em comparação ao original, que tem mais de 600 páginas, mas é ótima para atrair novos leitores para a obra rosiana ou para matar a saudade dos que já são fãs. Amor, guerra, vingança, reflexões sobre a vida e o sobrenatural são os temas centrais desse clássico da literatura repaginado, vencedor do prêmio HQMix 2015 de melhor adaptação para os quadrinhos.
4. No Urubuquaquá, no Pinhém (João Guimarães Rosa)
O enorme livro Corpo de baile, lançado em 1956 dividido em dois volumes, foi dividido em três livros distintos em sua terceira edição: Manuelzão e Miguilim, Noites do sertão e No Urubuquaquá, no Pinhém. Este último é composto de três novelas um tanto extensas e de ótima qualidade, especialmente A estória de Lélio e Lina, minha preferida do livro e uma das mais conhecidas de Corpo de baile. A narração fala de um certo vaqueiro Lélio, que chega a um lugar chamado Pinhém depois de ter saído de sua terra por uma desilusão amorosa, e arruma emprego e logo faz várias amizades. A principal delas, a de uma senhora de mais de setenta anos, que o chama carinhosamente de "meu mocinho", e parece o conhecer como ninguém. Uma estória leve, muito bonita, apresentando o amor na forma materna/ fraterna; um carinho puro e comovente que em várias passagens é capaz de encher os olhos de qualquer um.
3. Mrs Dalloway (Virginia Woolf)
"Mrs Dalloway disse que ela própria iria comprar as flores". A frase famosíssima que abre um dos primeiros romances de Virginia Woolf é o ponto de partida para uma viagem pela Londres da década de vinte através da mente de Clarissa Dalloway, mulher de um deputado conservador que está prestes a dar uma festa. Ao longo de um dia acompanhamos Clarissa, algumas pessoas que a rodeiam, além de um veterano de guerra cuja história aparentemente corre paralela à da aristocrata. Reencontros com velhos conhecidos e passeios pela cidade são a chave para momentos de profunda introspecção e análise da sociedade londrina da época, com todos seus costumes e futilidades. Não foi a primeira vez que eu li Mrs Dalloway (e não é a primeira vez que ele aparece numa lista aqui no blog), mas garanto que a satisfação ao relê-lo foi a mesma de ler pela primeira vez.
2. O Guia do Mochileiro das Galáxias (Douglas Adams)
 Outro livro que reli nesse ano, outro livro queridíssimo. Douglas Adams constroi um dos melhores e mais queridos livros de ficção científica através da amizade de um britânico, Arthur Dent, com o alienígena Ford Prefect, do distante planeta de Betelgeuse. Quando a Terra é destruída por uma frota espacial Vogon, Ford consegue fugir na frota Vogon, carregando consigo um Arthur perplexo por saber que existe vida fora da Terra, por ver seu planeta destruído e por saber que seu amigo na verdade é um colaborador do Guia do Mochileiro das Galáxias, o livro mais fantástico que existe, que contém informações sobre qualquer coisa do universo. A frase "não entre em pânico, contida na capa do Guia, é totalmente apropriada ao momento. A história é uma sátira genial sobre o quanto somos insignificantes diante da imensidão espacial, sobre o quanto os humanos conseguem fazer besteira com o planeta, nas relações interpessoais e especialmente na política. Absolutamente genial.
1. O Herói Discreto (Mário Vargas Llosa)
Desde que Mário Vargas Llosa venceu o Nobel de literatura em 2010 eu tenho vontade de ler algum livro dele, o que só fiz nesse ano. Se a primeira impressão é a que fica, então minha impressão sobre ele é a melhor possível. O herói discreto segue em dois ambientes distintos. Na capital peruana, Lima, o executivo Rigoberto vê com preocupação o casamento de seu patrão e amigo, Ismael Carrera, com sua ex-empregada, uma mulher com idade para ser sua neta, devido à exposição na mídia e aos filhos sem caráter de Ismael, que do pai só querem a herança. Já no interior, o empresário Felícito Yanaqué, dono de uma empresa de transportes, começa a receber cartas anônimas que oferecem proteção e segurança em troca de pagamento, possivelmente enviada por um grupo de milicianos. Mas Felícito não é de se dobrar a ninguém, e decide resistir aos bandidos. O fato é que tanto Felícito quanto Ismael terão a ajuda de fiéis amigos, e em algum ponto as histórias se cruzam, o enredo fica melhor do que já estava e o leitor percebe que acabou de ler uma obra sensacional.


No mais, meu povo, feliz ano novo. Continuaremos juntos em 2017, espero. Agradeço por mais um ano acompanhando esse singelo blog, e desejo de coração que o ano que chega traga infinita felicidade para todos.
We'll meet again, don't know where...

Luís F. Passos

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