segunda-feira, 31 de março de 2014

Inside Llewyn Davis - a odisseia de um fracassado

Quando Cannes anunciou seus vencedores no fim de maio passado, todos os olhares se voltaram para Azul é a cor mais quente, que até hoje tem grande repercussão e aparentemente lançou uma estrela, Adèle Exarchopoulos. Mas quem mais me chamou a atenção foi o "segundo lugar", o vencedor do Grande Prêmio do Júri, Inside Llewyn Davis - tanto pelo título pra lá de cool tanto pelos roteiristas e diretores, Ethan e Joen Coen. Os irmãos que mudaram a cara do cinema dos anos 80 e que de lá pra cá fizeram a alegria de muitos fãs com filmes como Barton Fink (vencedor da Palma de Ouro), Fargo (melhor direção em Cannes) e Onde os fracos não têm vez (Oscar de melhor filme), além de outros grandes sucessos e alguns outros não tão bons assim. O fato é que desde a exibição de Inside Llewy Davis no festival ano passado, o novo trabalho dos Coen fez barulho e não foi surpresa o destaque na premiação.
Llewyn Davis (Oscar Isaac) é um músico que vaga pelo Village, tradicional bairro da boemia novaiorquina, sem destino, sem dinheiro e sem perspectivas, voltando vez ou outra a se apresentar num pequeno bar buscando alguns trocados. Em suma, ele é um fracassado, figura que os Coen sempre souberam criar muito bem. A fotografia marcada por tons sombrios é um convite à introspecção no passeio pelo interior de Llewyn, que é representado pelas várias personagens do filme. A começar por Jean (Carrey Mulligan), que nutre por ele um ódio imenso e desprezo maior ainda, e é um reflexo da rejeição que Llewyn sente por si próprio e pelos outros; Jim (Justin Timberlake), seu marido, possui o que o outro não tem: um teto, um contrato, e a própria Jean. Outras figuras são um caipira militar que tem o talento folk que Llewyn jamais terá e seu idoso e caquético empresário, que está tão decadente quanto seu pobre cliente.
Apesar de ser um zé ninguém, Llewyn Davis não deixa de lado uma arrogância que somada ao desdém de quem parece sempre estar incomodado com o lugar em que se encontra é a fórmula perfeita para ser desagradável até a quem lhe estende a mão, como o casal Gorfein, seus amigos que são como uma mostra de seu lado intelectual, além de serem pais de seu falecido parceiro de trabalho. 
O maior destaque do filme é a música, mesmo tendo outros tantos ótimos atributos. Por exemplo, apesar de não ser um musical, algumas músicas parecem substituir diálogos, como na cena em que ele visita seu velho pai num asilo ou quando fica de frente a um importante produtor e canta algo não muito vendável. Além, claro, do fato das músicas serem ótimas, principalmente Hang me, oh hang me, cantada por Llewyn no início do filme (e desde já se anunciando um fracassado) e Five hundred miles, cantada por Jean, Jim e Troy (o caipira), quase um hino sobre a solidão de Llweyn e uma mostra dos múltiplos talentos de Carrey Mulligan.
Mas o que até hoje me intriga sobre Inside Llewyn Davis: Balada de um homem só (Inside Llewyn Davis, 2013), é como ele consegue ser tão bom  e tão aprofundo por trás da aparente simplicidade. A solidez do roteiro é notória e a direção dispensa comentários, assim como o elenco, em especial Oscar Isaac. O ator que já fora cantor abrilhanta essa homenagem ao folk baseada em Dave Von Rock, guru de ícones como Bob Dylan e Joan Baez que acabou não atingindo fama internacional como seus pupilos mas soube deixar sua marca no Village. Muitos dizem que a semelhança entre Llewyn e Von Rock vai pouco além da música, enquanto alguns poucos destoam e afirmam que o cantor real também possuía o dom de ser desagradável e pouco confiável. Mas o fato é que Llewyn consegue ser carismático (e seu fracasso rende boas doses de humor) para o espectador, apesar de seu maior vínculo no filme ser com um gato laranja, praticamente o único elemento de cor viva na atmosfera lúgubre desta balada de um solitário.

Nota: 10

Luís F. Passos

quarta-feira, 26 de março de 2014

O Sétimo Selo - Bergman para a imortalidade

O filme que inicialmente imortalizou Ingmar Bergman como um dos melhores e mais criativos cineastas de todos os tempos representou uma grande mudança na temática e na postura dos filmes à época de seu lançamento. Em 1957, o cinema europeu ainda não havia chegado a seu ápice de criatividade e o cinema americano vivia num comodismo quase irritante – lembrando que a década de 50 não traz, necessariamente, nada de muito novo quando em comparação ao que havia sido apresentado na década interior – e foi neste cenário que o diretor propôs uma temática jamais trabalhada pelos grandes cineastas da época: a questão da mortalidade.
Um filme genuinamente mórbido e sombrio, O sétimo selo literalmente propõe um jogo de morte e vida, não apenas materializado na óbvia referência que é o jogo de xadrez entre um cavaleiro em suas últimas (Max Von Sydom) e, literalmente, a morte em sua personificação mais obscura e, ao mesmo tempo, humana o possível. A Morte (vamos colocar maiúsculo mesmo, interpretada pelo grande Bengt Ekerot) literalmente segue todas as personagens do longa, acompanha seus passos e espera pacientemente seu momento de levá-los em sua dança sombria. Para intensificar essa questão da presença opressiva da mortalidade e nossa incapacidade de driblá-la, Bergman transporta sua história para um dos cenários mais terríveis da história da humanidade: o período da Peste Negra que assolou todo o continente europeu. Desta forma, personagens principais, coadjuvantes ou mesmo figurantes são figuras extremamente melancólicas, temerosas e tensas que tem total percepção de seu fim eminente e de sua incapacidade de evitá-lo. Sendo assim, o filme ainda adquire um caráter bem apocalíptico, com uma visão muito reforçada de: o fim está próximo. Para mim, para você e para todos nós.
Além de colocar em foco seu próprio medo do desconhecido enfrentado pelo processo de morrer, Bergman também abusa de uma de suas temáticas preferidas: religião. Este também não é um tema muito fácil de tratar e pouquíssimos filmes do período ousavam esboçar críticas ou questionamentos à presença divina. Pois Bergman o faz. O filme é uma mistura entre uma visão extremamente religiosa (cristã) de vida e morte, de pecados e sacrifícios com a audácia de propor um contraponto: e se nossa existência em vida for a única coisa que temos? E se o nome que entoamos como Deus for apenas uma súplica a algo que não existe? Se não há um significado espiritual para nossa existência, qual a razão de viver em si? Uma visão muito amarga de um ponto de vista que, em termos de atualidade, faz-se muito presente nas artes em geral, mas que até então não havia sido muito bem difundido na sétima arte. O ponto de vista cristão é tão esmiuçado quanto em todos seus aspectos, tanto os mais agressivos e negativos quanto os mais esperançosos. Da mesma forma que as figuras religiosas são cruéis e ignorantes e há tantas pessoas se castigando em seu desespero por uma salvação (que não vai vir) também há a religiosidade de uma forma mais pura. Há até uma referência ao que poderia ser uma Sagrada Família, digamos assim, que, não por acaso, aparenta ser a mais próxima de uma salvação num sentido mais concreto da palavra. Bergman é famoso por ter passado por uma rigorosa e opressiva educação religiosa e a temática cristã faz-se valer em outros filmes de sua filmografia. Em A fonte da donzela ele literalmente usa tons alegóricos não tão discretos para narrar a passagem de uma Suécia pagã para a doutrina cristã nos períodos iniciais da Idade Média.
Nem tudo é depressão em O sétimo selo e o filme estranhamente tem muitos momentos leves e descontraídos. Também não por acaso, estes momentos provavelmente estão aqui para tornar a temática central ainda mais séria e profunda, dando um contraste interessante. Falando em contraste, este também traz inovações técnicas notáveis, sobretudo no que diz respeito à bela e pesada fotografia que em muitos momentos altera entre escuros profundos de perdição e iluminações precisas de salvação. Detalhe, não é assinada por Sven Nykvist, o fotógrafo imortal da obra de Bergman que participou de filmes reconhecidos por sua fotografia, entre muitos outros fatores, como Gritos e sussurros e Fanny e Alexander.

Nota: 10

Leia também:
Morangos silvestres
Persona

Lucas Moura

domingo, 23 de março de 2014

A Caverna - a indústria das sombras

A escolha de hoje foi muito especial, porque se trata de um dos meus livros favoritos, do igualmente favorito José Saramago. Dispensa apresentações esse que foi um grande escritor, ensaísta, poeta, dramaturgo, contista, um dos maiores responsáveis pelo destaque da literatura portuguesa. Publicada no ano 2000, A Caverna é apenas uma pincelada no grande mural composto por suas obras.
De modo sucinto, trata-se da vida de um oleiro, Cipriano Algor, sua filha e ajudante Marta e seu genro Marçal. Logo no começo da trama, o Centro, uma espécie de shopping-cidade, para quem Cipriano fornecia as louças, cancela as encomendas, uma vez que os clientes preferem as de plástico, deixando sem emprego a terceira geração de oleiros e deixando Marçal, funcionário do Centro, responsável pela família. A partir daí, temos a tentativa de salvar a olaria, a possibilidade de promoção de Marçal, com a consequente mudança da família para dentro do Centro, e todos os dramas existenciais acerca da relação de pais e filhos, marido e mulher, o ser e sua função, a morte, a vida.
“Então não percebo porque foram precisos tantos rodeios, Porque gosto de conversar consigo como se não fosse meu pai, gosto de fazer de conta, como diz, de que somos simplesmente duas pessoas que se querem muito, pai e filha, que se amam porque o são, mas que igualmente se quereriam com amor de amigos se o não fossem.” 
“A véspera é o que trazemos a cada dia que vamos vivendo, a vida é acarretar vésperas como quem acarreta pedras, quando já não podemos com a carga acabou-se a transportação, o último dia é o único a que não se pode chamar véspera.” 
“Diz-se que cada pessoa é uma ilha, e não é certo, cada pessoa é um silêncio, isso sim, um silêncio, cada uma com o seu silêncio, cada uma com o silêncio que é.”
Pessoas simples, estamos falando de gente que tem apelidos por sobrenomes, que vivem em um lugar pardo do campo, longe da cidade, que tem uma amoreira a dar sombra no meio do quintal e que faz da lama o sustento. Sobre o local onde vivem, vale a pena destacar o trecho que o retrata:
“Diz-se que a paisagem é um estado de alma, que a paisagem de fora a vemos com os olhos de dentro, será porque esses extraordinários órgãos interiores de visão não souberam ver estas fábricas e estes hangares, estes fumos que devoram o céu, estas poeiras tóxicas, estas lamas eternas, estas crostas de fuligem, o lixo de ontem varrido para cima do lixo de todos os dias, o lixo de amanhã varrido para cima do lixo de hoje, aqui seriam suficientes os simples olhos da cara para convencer a mais satisfeita das almas a duvidar da ventura em que supunha-se comprazer-se”
E a beleza do livro jaz principalmente nesse ponto, pois ao mesmo tempo temos as discussões mais elevadas, tudo em tom muito poético, mostrando toda a sabedoria que nasce da humildade.
“Autoritárias, paralisadoras, circulares, às vezes elípticas, as frases de efeito, também jocosamente denominadas pedacinhos de ouro, são uma praga maligna, das piores que têm assolado o mundo. Dizemos aos confusos, Conhece-te a te mesmo, como se conhecer-se a si mesmo não fosse a quinta e mais dificultosa operação da aritméticas humanas, dizemos aos abúlicos, Querer é poder, como se as realidades bestiais do mundo não se divertissem a inverter todos os dias a posição relativa dos verbos, dizemos aos indecisos, Começar pelo princípio, como se esse princípio fosse a ponta sempre visível de um fio mal enrolado que bastasse puxar e ir puxando até chegarmos à outra ponta, a do fim, e como se, entre a primeira e a segunda, tivéssemos tido nas mãos uma linha lisa e contínua em que não havia sido preciso desfazer nós nem desenredar estrangulamentos, coisa improvável de acontecer na vida dos novelos e, se uma outra frase de efeito é permitida, nos novelos da vida (...) Puro engano de inocentes e desprevenidos, o princípio nunca foi a ponta nítida e precisa de uma linha, o princípio é um processo lentíssimo, demorado, que exige tempo e paciência para se perceber em que direção quer ir, que tenteia o caminho como um cego, o princípio é só o princípio, o que fez vale tanto como nada.”
Logo na epígrafe, lemos o que seria um resumo das sensações provocadas pelo livro:
“Que estranhas cenas descreves e que estranhos prisioneiros, São iguais a nós.”
Realmente não dá para não se identificar com esses simples personagens, para não se sensibilizar com seus dramas, para não se angustiar com o crescente papel do Centro a determinar as suas vidas. Afinal, não somos todos reféns de algo/alguém?
Aliás, o Centro funciona como um personagem a parte. Nas palavras do autor, é mais bem definido como “uma cidade dentro da cidade”. Com 48 andares, cresce todos os dias “senão para os lados, para cima, senão para cima, para baixo” possui, além de lojas, tudo de montanha russa a cassino, praias a teatros. E é sufocante a influência exercida por ele sobre a cidade, de modo tão arbitrário e demagógico, é menos um local que uma entidade. Algo que fica perfeitamente claro nesse diálogo entre Cipriano e o gerente de compras do Centro:
“Será o caso de proclamar que o Centro escreve direito por linhas tortas, se alguma vez lhe sucede ter de tirar com uma mão, logo acode a compensar com a outra, Se bem me lembro, isso da linhas tortas e de escrever direito por elas era o que se dizia de Deus, observou Cipriano Algor, Nos tempos de hoje vai dar praticamente no mesmo, não exagerarei nada afirmando que o Centro, como perfeito distribuidor de bens materiais e espirituais que é, acabou por gerar de si mesmo e em si mesmo, por necessidade pura, algo que, ainda que isto possa chocar certas ortodoxias mais sensíveis, participa da natureza do divino.”
Essa associação com a Criação é feita, ainda, com o próprio Cipriano. Depois de perder o contrato das louças, passará a fabricar estatuetas e tal qual a história bíblica, a partir do barro, à sua imagem e semelhança. O mesmo sopro que deu vida às narinas humanas, retiraria o pó dos bonecos saídos do forno e as mesmas mãos que os fizeram, também os destruiria. Uma das passagens mais bonitas se encontra no final, quando também aos bonecos o Centro rejeita e finalmente Marçal é promovido, com a consequente mudança da família ao Centro, Cipriano arruma todos as centenas de bonecos em frente à casa, não só para proteger a esta mas para devolver à terra o que dela foi originado:
“Com a chuva, tornar-se-ão em lama, e depois em pó quando o sol a secar, mas esse é o destino de qualquer um de nós” 
“Então, como se estivesse a um nascimento, segurou entre o polegar e os dedos indicador e médio a cabeça ainda oculta de um boneco e puxou para cima. Calhou ser a enfermeira. Sacudiu-lhe as cinzas do corpo, soprou-lhe na cara, parecia que estava a dar-lhe uma espécie de vida, a passar para ela o hausto dos seus pulmões, o pulsar de seu próprio coração.”
Essa relação de hierarquia e outras mais vão ser sempre retomadas no livro: os bonecos e Cipriano, este com o sub-chefe do departamento de compras, este com o chefe do departamento, mas acima de todos, o Centro. É fácil compreender a angústia do nosso herói, afinal, é uma pessoa cuja função se confunde com o seu próprio ser. Com 74 anos, perde seu papel de provedor e ainda tem de viver sob o teto de quem o subjugou.
“Como tudo na vida, o que deixou de ter serventia deita-se fora, Incluindo as pessoas, Exatamente, incluindo as pessoas, eu próprio serei atirado fora quando já não servir, O senhor é um chefe, Sou um chefe, de facto, mas só para aqueles que estão abaixo de mim, acima há outros juízes, O Centro não é um tribunal, Engana-se, é um tribunal, e não conheço outro mais implacável, Na verdade, senhor, não sei porque gasta seu precioso tempo a falar destes assuntos com um oleiro sem importância, Observo-lhe que está a repetir palavras que ouviu de mim ontem, Creio recordar que sim, mais ou menos, A razão é que há coisas que só podem ser ditas para baixo, E eu estou em baixo, Não fui eu quem lá o pôs, mas está, Ao menos  ainda tenho essa utilidade, mas se a sua carreira progredir, como certamente sucederá, muitos mais irão ficar abaixo de si, Se tal acontecer, o senhor Cipriano Algor, para mim, tornar-se-á invisível, Como o senhor disse há pouco, assim é a vida”
Dois personagens ainda merecem destaque, qual sejam Isaura Estudiosa, uma vizinha viúva com quem Cipriano se envolverá emocionalmente da maneira mais terna e profunda, e o cão Achado. Menos um cão que um humano, a sensibilidade desse animal transcende sua natureza. É interessante ver por sua perspectiva como a natureza humana pode ser confusa, incoerente ou pelo menos complicada.
“Decerto por estar no tenro verdor da mocidade, Achado não teve ainda tempo de adquirir opiniões formadas, claras e definitivas sobre a necessidade e o significado das lágrimas no ser humano, no entanto, considerando que esses humores líquidos persistem em manifestar-se no estranho caldo de sentimento, razão e crueldade de que o dito ser humano é feito, pensou que talvez não fosse desacerto grave chegar-se à chorosa dona e pousar-lhe docemente a cabeça nos joelhos. Um cão mais idoso, e por essa razão, supondo que a idade está obrigada a suportar culpas duplicadas, mais cínico do que o cinismo que não pode evitar ter, comentaria com sarcasmo o afectuoso gesto, mas isso deveria ser porque o vazio da velhice o teria feito esquecer-se de que, em assuntos do coração e do sentir, sempre o demasiado foi melhor que o diminuído. (..). A partir deste dia, Marta vai querer tanto ao cão Achado como sabemos que já lhe quer Cipriano.”
Já morando no Centro, vai-se desenrolar o estranho enredo em que se baseará o título do livro, com inspiração no Mito da Caverna, de Platão. Em um mundo de vitrines, envolver-se-ão com o Centro a tão ponto de confundir a realidade com seu reflexo: respirando apenas o ar do sistema refrigeração, frequentando praias artificiais, chuva apenas a gerada por simuladores. Sem spoillers, o que acontecerá obrigará a família Algor a repensar suas vidas e nós, as nossas. Apenas um teaser:
“Que foi que viu, quem são essas pessoas, Essas pessoas somos nós, disse Cipriano Algor, Que quer dizer, Que somos nós, eu, tu, o Marçal, o Centro todo, provavelmente o mundo”
Quem não é familiarizado com a escrita de Saramago, deve estar a estranhar um pouco os trechos. Sem pontos, travessões, os diálogos ocorrem em linha contínua, sendo marcados pela presença de uma primeira letra maiúscula. Longe de ser confuso, torna o texto fluido; isso facilitado pelo encadeamento perfeito de ideias. O livro todo ocorre como a melhor conversa que você jamais vai travar.
Primeiro livro depois de vencer o Nobel de Literatura de 1998, é o ideal para quem procura um enredo com forte cunho filosófico, a discutir a humanidade, as relações sociais, o consumo, a economia, a espiritualidade. Nas palavras do autor, não tenha pressa, mas não perca tempo.

Nota: 10

Marcelle Vieira Freire

sexta-feira, 21 de março de 2014

Filmes pro final de semana - 21/03

1. 12 anos de escravidão (12 years a slave, 2013)
Terceiro ano seguido em que a seleção de filmes que disputaram a categoria principal do Oscar não me entusiasmou muito. Dos nove filmes desse ano, poucos tinham força suficiente para dar a impressão de que serão lembrados por mais uns anos, dentre eles o vencedor, 12 anos de escravidão. Acompanhando Solomon Northup, negro livre que fora sequestrado e vendido como escravo, o filme consegue ser mais que outra história sobre o trabalho escravo nos Estados Unidos. Primeiro, pelo seu realismo que chega a ser impressionante, como nas cenas de castigos com chicotes ou até mesmo quando um pesado pote de vidro é jogado na testa de uma personagem. Além disso, a história é muito bem amarrada e a direção igualmente boa, coroada com o desempenho formidável do elenco, cujo maior destaque é a coadjuvante Lupita Nyong'o, vencedora do Oscar e (Deus queira!) mais uma promessa da nova geração.
Nota: 9,0/ 10
2. A rede social (The social network, 2010)
Falando em Oscar, lembrei do ano que talvez foi o mais forte do século 21 no que diz respeito à lista de indicados a melhor filme - apesar de um dos mais fracos ter vencido. Entre as melhores opções, A rede social, talvez o melhor trabalho de David Fincher desde Clube da luta (1999). Pra quem ainda não viu, uma frase resume tudo: não é só um filme sobre a criação do Facebook. Na verdade, o nascimento de um dos maiores sites do mundo é só o plano de fundo para Fincher explorar o que se passa na mente dos jovens de uma geração brilhante que soube muito cedo o que é fama, poder, dinheiro, mas obviamente pagou um preço por isso. É como diz um dos mais conhecidos pôsteres do longa: você não ganha quinhentos milhões de amigos sem fazer alguns inimigos. É fato conhecido a briga entre Mark Zuckerberg e o brasileiro Eduardo Saverin, co-criadores do site, antes colegas de quarto em Harvard, depois que o Facebook ganhou fama e começou a render dinheiro. Fim de uma grande amizade, início de uma era. A era Facebook.
Nota: 9,5/ 10
3. Ligações Perigosas (Dangerous Liaisosons, 1988)
Esqueça a ideia de que filmes de época devem retratar belas histórias de amor ou intensos conflitos políticos, ou mesmo guerras. O negócio aqui é bem mais sujo. A Marquesa de Merteuil (Glenn Close), ícone de riqueza e beleza, é miserável em termos de escrúpulos. Junto do igualmente charmoso e mau caráter Visconde de Valmont (John Malkovich), ela se diverte seduzindo corações inocentes visando roubar-lhes a virtude e a honra, humilhando as vítimas depois de usá-las. A sordidez do hobby dessa desprezível dupla é posta à prova quando eles escolhem como vítima a jovem Madame de Tourvel (Michelle Pfeiffer), cujo marido partiu numa longa viagem de trabalho. O filme serve como uma rica fonte de estudo comportamental e psicológico de suas personagens, abrindo espaço para o espectador observar os costumes e vícios da nobresa francesa no século 18, no seu mesquinho jogo de aparências e interesse.
Nota: 10
4. Cinema Paradiso (Nuovo Cinema Paradiso, 1988)
Italianos... ô povinho pra saber fazer filme bom! A Itália deve ser a maior vencedora do Oscar de melhor filme estrangeiro (depois confiro a informação), além de ser berço de alguns dos maiores cineastas da história, como Fellini, Antonioni, De Sicca, Leone, entre outros. Ente os italianos vencedores do Oscar, um dos mais queridos é o emocionante Cinema Paradiso, a bela história de Salvatore, um pobre garoto do interior apaixonado por cinema que cria uma forte amizade com Antonio, o projetor do pequeno cinema local. Salvatore, conhecido como Totó quando pequeno, costumava espiar da sala de projeção enquanto o padre censurava as cenas de beijo, e assim nasceu sua paixão pelo cinema. O brilho nos olhos de Totó é o mesmo brilho de qualquer criança (ou alguém que preserve o fascínio de uma criança) diante de um telona - e é apenas um de muitos aspectos positivos e emocionantes do filme. Um filme recente que se assemelha a Cinema Paradiso é A invenção de Hugo Cabret, especialmente seu protagonista, quase uma personificação da infância de Scorsese.
Nota: 9,5/ 10
5. O Falcão Maltês (The Maltese Falcon, 1941)
Humphrey Bogart, um dos maiores símbolos do cinema clássico e astro de Casablanca dá vida ao detetive Sam Spade, nesse que é considerado o pioneiro do cinema noir. Procurado por Brigid O'Shaughnessy (Mary Astor), que afirma procurar sua irmã caçula, Sam acaba entrando numa caçada milionária em busca de uma misteriosa estátua de ouro e pedras preciosas que havia sido dada pelos Templários ao rei espanhol Carlos V e que nunca encontrou seu dono. Desaparecido por quatrocentos anos, o valioso Falcão Maltês estaria em posse de alguém próximo a Brigid, e também na mira de pessoas como Joel Cairo e Kasper Gutman, que não medem esforços para conseguir a estátua nem se preocupam com quem se interpuser em seu caminho. Cabe a Sam julgar quem mente e quem fala a verdade, além de se equilibrar na instável corda bamba que é o jogo de interesses daqueles que querem o falcão. Cinema clássico de primeiro nível.
Nota: 9,5/ 10

Luís F. Passos

sábado, 15 de março de 2014

Livros para Março

1. Leite derramado (Chico Buarque, 2010)
Não sei porque, mas sempre que penso em Leite derramado lembro de Olhos nos olhos, música que também é da autoria de Chico. As duas não têm relação alguma, a não ser que o "quando você me deixou, meu bem" seja por parte da família no narrador protagonista falando ao dinheiro e poder que tinha. Eulálio Assumpção narra, de seu leito num hospital público, na caduquice de seus cem anos, como o prestígio social de sua família se acabou ao longo de décadas, apesar de uma longa tradição que conta com um ancestral conselheiro de D. Maria I, o avô senador do Império e o pai, outro importante parlamentar na República Velha. Mas a partir de Eulálio, que não mostrou aptidão alguma na política, os bens e o status se esvaíram e quase tudo permaneceu apenas nas memórias incertas de uma mente vítima do Alzheimer. A narração feita em primeira pessoa é muitas vezes repetitiva ou confusa, artifícios de Chico Buarque para intensificar a senilidade de seu protagonista, nesse que é um dos maiores trabalhos sobre decadência social e perda de valores.
Nota: 9,5/ 10
2. O vendedor de armas (Hugh Laurie, 1996)
Quem lê O vendedor de armas pensa que o narrador é o lendário médico Gregory House, imortalizado na pele do britânico Hugh Laurie - mas o livro foi lançado oito anos antes do início da série. Digo isso porque a obra, narrada em primeira pessoa por um ex-militar de elite, é um mar de sarcasmo e de tiradas engraçadíssimas, do jeito que o médico mais antipático do mundo gosta. Thomas Lang, o ex-militar em questão, resolve fazer uma boa ação e salvar a vida de um cara que ele nunca viu, mas descobre que isso era apenas uma isca que o prendeu num plano mirabolante pra teoria conspiratória nenhuma botar defeito. Uma história meio impossível que conquista o leitor por ser tão brilhante, envolvente e pelo humor muito aguçado (ou mesmo pouco ortodoxo) do protagonista.
Nota: 9,5/ 10
3. O Tempo e o Vento - O Continente (Erico Verissimo, 1949)
Aproveitando que estou falando de livros que estão entre meus favoritos (e que já foram temas de textos aqui no blog), muito oportuno eu recomendar o primeiro livro (dividido em dois volumes) da trilogia de Erico Verissimo que se tornou uma cartilha da história do povo gaúcho. Em O Continente, atravessamos quase duzentos anos de história, desde as missões jesuíticas de Sete Povos, extintas depois do Tratado de Madri (1715), até a Revolução Federalista no fim do século 19, passando pelas inesquecíveis figuras de Ana Terra, do capitão Rodrigo Cambará e sua esposa Bibiana, ícones dos pampas; a mulher que passa a vida a trabalhar e esperar pelos homens da família (quase sempre esperando que eles voltassem das guerras) e o homem valente que dá um boi para entrar numa guerra e uma boiada para não sair dela enquanto não restasse pedra sobre pedra. Estruturado de uma forma que une permanentemente o passado ao presente (no caso, a Revolução), o livro prende o leitor à saga da família Terra-Cambará e prepara o terreno para os dois livros seguintes, que acompanham o bisneto de Rodrigo e Bibiana, que também se chama Rodrigo.
Nota: 10

Luís F. Passos

sexta-feira, 14 de março de 2014

Filmes pro final de semana - 14/03

1.Blue Jasmine (2013)
Vencedor muito merecido do Oscar de melhor atriz para Cate Blanchett este ano, Blue Jasmine é um trabalho consideravelmente genial de Woody Allen. À primeira vista, não me atentei muito ao filme em si porque Cate Blanchett chama tanta atenção que é difícil tirar os olhos dos trejeitos, da elegância, da instabilidade e das neuroses que ela cria ao dar vida à sua Jasmine, mas só precisei de 30 segundos para perceber que me deparava com mais um grande trabalho do diretor. O que Woody Allen faz aqui é, sabiamente, transportar o espírito deturpado da figura lendária do cinema e do teatro Blanche Dubois para a realidade atual do país, na esfera social rica e privilegiada dos milionários de NY e ainda adaptá-la a crise financeira mundial que se iniciou com especulação imobiliária há alguns anos atrás e usar isto como estopim para toda a crise psíquica de Jasmine. Assim como Blanche, quando na miséria, Jasmine, mais uma vez, depende da bondade de estranhos, recorre a sua irmã e até sofre com uma atração/repulsa pelo cunhado grosseiro. Assim como Blanche, Jasmine é a personificação da decadência, da negação e do desespero. Claro que Uma rua chamada pecado passeia por territórios muito mais sérios e complexos que Blue Jasmine, e as semelhanças entre os dois ficam por aqui mesmo, mas isso não nos impede de apreciar a forma como Woody Allen reverencia a genialidade de Tennesse Williams. Esta não é a primeira vez que há referências a Uma rua chamada pecado na filmografia de Allen. Em O dorminhoco, Woody meio que é “possuído” por Blanche Dubois, sendo Diane Keaton Kowalski. Estranho, bizarro, cômico e genial.
Nota: 9,0/ 10
2. Apenas uma vez (Once, 2006)
O simpático e independente sucesso do cinema e da música de 2006, Apenas uma vez é um filme muito simples, muito direto e muito sensível. Os músicos da vida real Glen Hansard e Marketa Irglóva vivem dois músicos que se conhecem por acaso no meio da cidade e, juntos, passam a viver uma pequena relação que não é definida em todas as palavras apenas como paixão, mas principalmente como amor num sentido ainda mais amplo, incluindo amizade, solidariedade e, sobretudo companheirismo. Tudo isto é explicitado através das belas canções do longa, que exprimem os sentimentos e as aflições de seus personagens. Ele, vivendo sob a sombra de um antigo e fracassado relacionamento. Ela, presa em seu cotidiano pouco estimulante. Filme muito bonito com canções lindas e uma riqueza de sensibilidade que só o talento natural pode trazer – dinheiro não é sinônimo de qualidade quando se fala em artes. Ah, este não é um musical. Eles cantam por dois motivos: porque eles vivem disso e porque precisam disso para viver.
Nota: 9,5/ 10
3. Os Excêntricos Tenenbaums (The Royal Tenenbaums, 2001)
Seguindo a linha normal de esquisitices que caracterizam toda a obra de Wes Anderson, Os excêntricos Tenenbaums é considerado um dos seus maiores filmes. Talvez o maior, tendo em vista que foi o que lhe trouxe mais reconhecimento. Contando com um elenco estelar que inclui nomes como Gene Hackman, Gwyneth Paltrow, Ben Stiller, Owen Wilson, Luke Wilson, Anjelica Huston, Danny Glover e Bill Murray, Anderson usa sua forma muito pouco usual de contar histórias para dar vida a uma das famílias mais brilhantes e, na mesma medida, disfuncionais do cinema. Com um pai vigarista e uma mãe solitária, as crianças Tenenbaum eram prodígios, mas cuja instabilidade familiar não podia dar sustento a nada além de inseguranças diversas em suas vidas adultas. Apesar de ter um enredo muito sério como base, Wes Anderson lota seu filme de situações e circunstâncias das mais esquisitas, exibindo seus personagens em suas mais infinitas manias e peculiaridades, o que os dá um caráter muito incomum e ao mesmo tempo muito pessoal. Em termos de dramas pessoais, estes não são tão esmiuçados, mas se fazem em presença suficiente para que este trabalho seja considerado um dos mais dramáticos de sua carreira. Na verdade, é profundo demais para ser uma comédia e superficial demais para ser um drama. Neste limbo é onde, justamente, se encontram os melhores trabalhos de Wes Anderson.
Nota: 9,5/ 10
4. E aí, meu irmão, cadê você? (O brother, Where Art Thou?, 2000)
A comédia escrachada dos irmãos Coen sobre um trio de prisioneiros fugitivos em busca de um tesouro é um verdadeiro desfile de gags, situações inusitadas, diálogos hilários e tudo o que o nem tão bom e velho Sul (dos EUA) pode trazer: sotaques forçados, caipiras banguelas, políticos obesos e de pouco caráter, músicos negros, vazios demográficos e até mesmo uma bizarra, totalmente inesperada e morbidamente divertida sequencia envolvendo rituais da Klan são apresentadas durante a grande epopeia que é este filme. Encabeçando o elenco, nomes famosos e recorrentes na filmografia dos Coen: George Clooney (também pode ser visto em O amor custa caro – não veja esse filme, é um lixo) e John Turturro (do clássico Barton Fink, pelo qual os Coen venceram a Palma de Ouro em Cannes). Muito divertido e muito imprevisível, E aí, meu irmão, cadê você? não guarda grandes lições de moral nem nada. Basicamente, é um filme sobre amizade e sobre “remissão” dos pecados por um grupo de vigaristas. Nada demais, se não fosse tão divertido assisti-lo. Não está no nível de Fargo ou mesmo de Queime depois de ler, mas ainda assim é melhor que 80% das comédias que seguem mais ou menos a mesma linha.
Nota: 8,5/10
5. O que terá acontecido a Baby Jane? (What ever Happened to Baby Jane, 1962)
Sister, sister. Oh, so fair. Why is there blood all over your hair?
A drástica crônica dos anos 60 sobre a maneira como Hollywood é capaz de destruir aqueles que um dia tornou grandes nomes com a mesma velocidade a qual os lançou ao estrelato é, até hoje, um dos filmes mais contundentes sobre este tema. Contando com as eternas rivais Bette Davis e Joan Crawford nos papéis protagonistas, a história se desenrola na relação entre duas irmãs. Num passado distante, Baby Jane Hudson (Bette Davis) foi uma criança prodígio que teve que ver sua fama destruída pelo tempo. Hoje, velha e esquecida, Baby Jane deve conviver com as lembranças de um passado áureo – lembranças que ela não consegue esquecer – e uma relação conflituosa com sua irmã (Joan Crawford), relação sustentada em inveja, desprezo, rivalidade e ressentimento de ambas as partes. Uma diversão cruel, um grande estudo de personalidade e um espetáculo de atuações em tela, O que terá acontecido a Baby Jane? pode soar até mais leve em tempos atuais, meu seu caráter perturbador à maneira que fala sobre a deterioração da mente humana permanece intacto.
Nota: 10


Lucas Moura


sexta-feira, 7 de março de 2014

Filmes pro final de semana - 07/03

1. The Bling Ring - a gangue de Hollywood (The Bling Ring, 2013)
O último e badalado trabalho de Sofia Coppola foi baseado num episódio de anos atrás, quando jovens de classe média foram presos por invadir mansões de famosos em Los Angeles e roubar itens de grife que para eles eram verdadeiros tesouros por causa dos donos. Aparentemente, sem necessidade alguma. Mas é isso que o filme procura debater: a futilidade de uma geração. Remetendo a clássicos como Juventude transviada, Sofia mostra a que ponto pode chegar a falta de personalidade, a perda de valores, a desorientação pessoal e a desvalorização do indivíduo e claro, o culto às celebridades. Todos esses aspectos apresentados num filme com as marcas já conhecidas de Sofia Coppola: roteiro bem elaborado, a delicadeza da fotografia, os diálogos ágeis e a trilha sonora que é, no mínimo, impecável.
Nota: 9,0/ 10
2. Kill Bill - vol. 1 (2003)
Poucos filmes me surpreenderam tanto ano passado quanto Kill Bill, especialmente o vol. 1. A primeira parte da sangrenta vingança da Noiva (cujo nome só é revelado no vol. 2) mostra uma parte dos eventos que a deixaram em coma, seu despertar quatro anos mais tarde e seu plano de cobrar a dívida daqueles que quase a mataram: seus colegas matadores profissionais, o Esquadrão Assassino de Víboras Mortais. Antes de sair em busca deles, a Noiva (Uma Thurman) vai à cidade japonesa de Okinawa buscando de uma lenda viva uma espada de samurai, depois parte para o primeiro grande desafio, que é enfrentar a ex-parceira que se tornara rainha do crime de Tóquio, O-Ren Ishii (Lucy Liu). A história não é lá muito profunda, mas o roteiro, como todos de Tarantino, é bem feito e o filme é muito estilizado, repleto de referências que vão desde o brilhante Bernard Herrman (compositor de inesquecíveis trilhas sonoras como as de Psicose e Taxi driver) ao western spaghetti italiano e filmes japoneses de samurai. Além disso, reforça-se aqui a ideia de que para Tarantino o corpo humano é dividido em pele e sangue. Por que? Assista e descubra.
Nota: 9,0/ 10
3. De olhos bem fechados (Eyes wild shut, 1999)
Um médico bem sucedido cujo nome era conhecido pela alta sociedade nova-iorquina (Tom Cruise), casado com uma bela mulher (Nicole Kidman) e pai de uma adorável criança acreditava ter uma vida perfeita. Gostava de ter tudo sob seu controle e acabava menosprezando sua esposa dentro da relação, até o dia em que ela confessa que fantasiou com um oficial da marinha que passou por ela em um hotel. Perturbado pela revelação da esposa, ele parte em busca de aventuras sexuais, sem imaginar a dimensão das consequências de seus atos. Uma aventura que divide o espectador entre o que é real e o que onírico, mas com um final sólido e esperançoso. Um filme que é um dos melhores trabalhos de direção de Kubrick e que quanto mais eu penso sobre, mais fascinado fico. De gravações demoradas e intenso trabalho de edição e pós-produção, De olhos bem fechados foi o último filme do diretor, que faleceu alguns dias depois de mostrar o resultado final aos executivos da Warner, há exatos 15 anos.
Nota: 10
4. Manhattan (1979)
Numa época em que cineastas mostravam os subúrbios e a imundície social de Nova York, sendo Scorsese e seu Taxi driver o melhor exemplo, Woody Allen realiza seu maior tributo à cidade em que nasceu, viveu, realizou boa parte de sua obra e pela qual é apaixonado. Manhattan mostra a Big apple através de um preto e branco que a romantiza, embalado pelo jazz constante na filmografia de Woody. Na trama, o diretor mais uma vez vive o protagonista, que aqui é um roteirista de um programa de televisão que se demite por odiar o emprego e a má qualidade da programação e sua relação com a namorada de dezessete anos, a ex-mulher que o largou para morar com outra mulher e a amante, uma jornalista pedante. E claro, a cidade, que além de cenário é quase uma personagem e fonte constante de inspiração para a personagem de Woody - "ele adorava Nova York. Ele a idolatrava". Da mesma forma, é difícil não adorar essa encantadora história.
Nota: 10
5. Bonnie e Clyde - uma rajada de balas (Bonnie and Clyde, 1967)
Baseado em fatos reais, Bonnie e Clyde acompanha uma dupla de ladrões de banco que deu muito trabalho à polícia americana nos anos 30. Atacando agências pelo interior do país, Bonnie Parker (Faye Dunaway) e Clyde Barrow (Warren Beatty) eram bandidos de quinta em termos de assalto a banco, pois nunca faturavam altas quantias, mas eram bons de tiros e muito violentos - daí o subtítulo nacional, Uma rajada de balas. Além do casal, a quadrilha é composta pelo irmão de Clyde, Buck (Gene Hackman), que arrasta sua esposa chorona Blanche (Estelle Parsons), e C. W. Moss (Michael J. Pollard), um zé ninguém achado no caminho. Apesar de não ter a violência mais complexa que a década seguinte traria, Bonnie e Clyde é um marco no cinema americano, uma prévia do fim do superficial e tradicional cinema dos anos 60, além de ter sido um sucesso de bilheteria por todo o mundo. O sucesso do filme também repercutiu nas premiações; foi indicado a dez Oscar, sendo 5 das indicações por seu elenco. Estelle Parsons venceu atriz coadjuvante e a fotografia também foi vencedora.
Nota: 9,0/ 10

Luís F. Passos

domingo, 2 de março de 2014

Oscar - grandes erros

Sandra Bullock – melhor atriz por Um sonho possível (2009/2010)
Melhor opção: Carey Mulligan por Educação / Gabourey Sidibe por Preciosa / Hellen Mirren por A última estação / Meryl Streep por Julie e Julia
NÃO. Simplesmente NÃO. Não é que eu tenha algo contra Sandra Bullock. Muito pelo contrário, a considero uma excelente atriz de comédias. Muito consistente, muito simpática, muito divertida. De uns tempos pra cá, até venho apostando mais no seu talento como atriz dramática (viram Gravidade? Ela está excelente e mereceu sua indicação), mas dar o prêmio por sua atuação sem sal nesse filme moralista, comportado, irritantemente bonzinho e politicamente correto é o cúmulo. Não é que ela esteja ruim, isso não é o caso. O caso é que o filme não abre margem para uma interpretação de verdade. Algo impactante, que realmente chame atenção. O máximo que Um sonho possível faz é arrancar algumas lágrimas de algumas pessoas mais emotivas. Para quem realmente quer ver algo de diferente, de original e de sensacional num filme através de uma atuação, Um sonho possível só arrancou bocejos. Ao contrário das demais indicadas ao prêmio neste ano que trouxeram atuações fantásticas. A principal concorrente de Bullock na categoria foi Meryl Streep por Julie e Julia. Se Meryl tivesse levado o prêmio não seria ruim, mas, para mim, também não seria de longe a melhor opção. Estávamos diante de três atuações sensacionais da lendária Helen Mirren e, principalmente, das quase estreantes Carey Mulligan e Gabourey Sidibe. Carey, em Educação, traz à tona o espírito feminino, da juventude e de toda uma época num filme belíssimo sobre amadurecimento. Gabby nos trouxe a história mais dramaticamente pesada dos últimos anos. É praticamente um filme de terror na base do sofrimento, carregado quase que totalmente nas suas costas. Apesar de qualquer uma das quatro serem mais merecedoras que Bullock, eu deixaria o prêmio entre estas duas últimas, sobretudo com Carey, por quem virei um completo fã, que conseguiu firmar uma carreira relativamente sólida emplacando excelência atrás de excelência.

Gwyneth Paltrow – melhor atriz por Shakespeare apaixonado (1998/ 99)
Melhor opção: Cate Blanchett por Elizabeth / Fernanda Montenegro por Central do Brasil / Emily Watson por Hillary e Jackie  
Caso clássico de gafe do Oscar. Clássico! Há mais de 15 anos a Academia escolheu premiar a atuação bonitinha e simpática da bonitinha e simpática queridinha dos anos 90 em vez de premiar atrizes de verdade – sem ofensas. Na competição, amargaram uma derrota nada a ver atrizes que realmente deram um espetáculo em cena. Não falo apenas por Fernanda Montenegro, mas todas as outras – com exceção, talvez, de Meryl Streep e seu Um amor verdadeiro bonitinho, mas whatever – trouxeram papéis bem mais impactantes. Quase todos aqui já devem ter visto Central do Brasil, então não preciso falar muito deste nem explicar o porquê de Fernanda ter sido indicada e ter sido merecedora do prêmio. Mas vocês, por acaso, já viram Elizabeth? Cate Blanchett é um monstro em cena nesse filme. De uma força incrível. E Hillary e Jackie? Esse, muitos podem nem ter ouvido falar, mas é um trabalho magistral da excelentíssima Emily Watson que transforma em ouro – apesar de não ter levado tantos prêmios quanto merecia – qualquer papel que toca. Sou fã de Fernanda Montenegro, de Cate Blanchett e de Emily Watson, então a vitória de qualquer uma das três teria sido algo fenomenal e muito mais admirável que a bobinha aí.

Crash – melhor filme (2005/ 2006)
Melhor opção: O segredo de Brokeback Mountain
Sabe quando qualquer outra opção é melhor? Pois é. Até dar o prêmio para filmes que nem tinham sido indicados seria uma opção mais interessante que premiar o esquecível – talvez não por ter uma cena muito bonita – longa sobre o choque entre diferentes pessoas de diferentes mundos, mas confinadas numa mesma cidade e entrelaçadas por conexões das mais próximas às mais distantes, através de ligações que só podem ser explicadas por destino ou coincidências. Enfim, esse é um resumo total do filme. Não é que Crash seja totalmente ruim, mas ele não tem exatamente nada de muito extraordinário, vindo de um ano em que havia filmes fantásticos na competição. Capote, Boa noite e boa sorte e Munique são grandes trabalhos, mas inaceitável mesmo é a derrota de O segredo de Brokeback Mountain, filme bem mais emotivo, bem mais delicado, bem mais inovador (apesar de usar uma fórmula base de amor trágico que é mais velha que o mundo) e bem mais memorável. Memorável não apenas por ser um conto sobre cowboys gays, mas por ser um dos filmes mais honestos sobre o amor feito nos anos 2000. Muito triste, muito melancólico, mas muito bem realizado, O segredo de Brokeback Mountain é um filme muito sóbrio e respeitoso sobre o relacionamento ao longo dos anos de um casal cujo grande impedimento à felicidade é o preconceito (social e internalizado) e o medo. Deveras mais interessante, inteligente, impactante e polêmico que Crash, do qual eu só consigo lembrar que tem uma bala de festim, um assédio sexual que tem alguma ligação com um carro capotado (???) e Sandra Bullock caindo da escada e sendo socorrida por uma mexicana (!!!).
O melhor de Crash sem dúvida foi na hora da premiação - a cara de Jack Nicholson ao anunciar o vencedor. Ponha em 1'32 e boa risada.


Sinfonia em Paris - melhor filme (1951/ 52)
Melhor opção: Uma rua chamada pecado / Um lugar ao sol
Hollywood vivia uma das épocas áureas dos musicais e a Academia resolveu coroar o insosso Sinfonia em Paris, estrelado por Gene Kelly, que vive um veterano da 2ª guerra que resolvera viver em Paris para tentar viver como pintor, se apaixona por uma bailarina, sai dançando e cantando por qualquer besteira e bla-blça-blá. Um filme fraco cuja única boa lembrança é a piadinha no começo do filme em que a personagem de Kelly diz: "Nos Estados Unidos diziam que eu não tinha talento... aqui também dizem isso, mas em francês soa mais bonito". Mesmo assim, o filme venceu o interessantíssimo e imortal Uma rua chamada pecado, com as inesquecíveis atuações do quarteto Vivien Leigh, Marlon Brando, Kim Hunter e Karl Malden, além do carismático drama Um lugar ao sol, famoso pela presença da então jovem e já promissora Elizabeth Taylor.

Minha linda dama - melhor filme (1964/ 65)
Melhor opção: Dr Fantástico
MAIS UM. Mais um ano em que um musical simplório vence - e olhe que se estamos nos anos 60, o musical tem 95% de chance de ser mais enjoativo que um saco de marshmallow. O pior é que nesse ano, dos cinco filmes indicados, apenas um merecia de fato o prêmio: a comédia de humor negro de Kubrick, o mais divertido e ácido trabalho do diretor que é ícone quando se fala de gênios do cinema e injustiçados do Oscar. O astuto filme sobre apocalipse nuclear perdeu para o ingênuo e irritante filme de três horas em que Audrey Hepburn sapateia e saltita pelas ruas e palacetes de Londres, num diferente tipo de plebeia que vira princesa (na verdade trata-se de um experimento social feito por um professor) que seria melhor indicado para casos crônicos de insônia. Amamos Audrey, mas Minha linda dama não dá pra engolir.

A noviça rebelde – melhor filme (1965/66)
Melhor opção: Doutor Jivago / Darling
Cara, eu odeio esse filme. É tão bobo, entediante e bem comportado que me dá vontade de vomitar. Já estávamos bem avançados nos anos 60 para dar tanta ênfase a este filme sem sal quando já se tinha uma grande quantidade de produções muito mais apropriadas a sua época e ao novo estilo de pensar e agir que viriam com tanta força alguns anos depois e, principalmente, nos anos 70. Filmes indicados como Darling – a que amou demais traziam um conteúdo muito mais sério e muito mais apropriado para a nova geração crítica e ácida que surgia. Não estou dizendo que naquele ano as pessoas já estavam prontas para Perdidos na noite (vencedor de melhor filme em 1970), mas também não se pode dizer que a história de uma freira cantora e um bando de pirralhos louros fugindo de nazistas e cantando músicas entediantes fosse o mais apropriado. Porque não os meios termos? Caso ainda quisessem apostar no caminho mais tradicional, vale lembrar que o clássico universal Doutor Jivago também é do mesmo ano e acredito que seria uma opção melhor. Menos tola, pelo menos.

Apocalypse Now (1979) e Touro Indomável (1980) perderem o Oscar de melhor filme
Dois erros gritantes e consecutivos - apesar de serem de certa forma compreensíveis. A brilhante e revolucionária geração da década de 70 estava perdendo força e essas duas derrotas são o marco do fim da Nova Hollywood. Não sei qual dos dois revolta mais os cinéfilos; no primeiro caso, a odisseia de Francis Ford Coppola no Vietnã, sem dúvida um dos dez melhores filmes americanos já feitos, perdeu para o drama familiar Kramer vs Kramer, um ótimo filme abrilhantado pelas grandes atuações de Dustin Hoffmann (que venceu por melhor ator) e Meryl Streep (que venceu como atriz coadjuvante). Kramer é bom, mas a superioridade de Apocalypse now é indiscutível.
No caso de Touro indomável, o vencedor foi Gente como a gente, outro drama familiar muito bom, mas a diferença de qualidade entre os dois é muito evidente. Touro é muito mais profundo, infinitas vezes melhor dirigido (talvez o melhor trabalho de direção de Scorsese) e tem como grande destaque a atuação monstruosa de Robert De Niro, uma das melhores atuações masculinas vencedoras de Oscar.

O discurso do rei – melhor filme (2010/ 2011)
Melhor opção: A rede social/ Cisne negro
Mesmo com a ideia idiota de colocar 10 indicados na categoria de melhor filme, o Oscar ainda conseguiu premiar um dos piores! Sim. Num ano cheio de produções criativas como Cisne negro, A origem e A rede social, a Academia, como de costume, optou pelo caminho mais seguro ao premiar uma história sobre gagueira. Não é nem sobre um grande homem, pois seus feitos não importam, é apenas sobre um gago. A questão é que esse gago é o Rei George, cuja única função na sua figura representativa da realeza britânica é fazer um discurso eloquente. Como fazê-lo sendo gago? And it’s gone. É basicamente isso. Claro que é um filme bom, com atuações excelentes, mas não chega aos pés de pelo menos sete dos outros indicados. Apesar de ter uma preferência pessoal por Cisne negro, acho até que A rede social sairia como um vencedor mais apropriado para o prêmio. Um filme totalmente antenado que cumpre muito bem uma das funções básicas do cinema que aprendemos com a geração dos anos 70: falar sobre seu tempo. É um filme moderno, um conto arrojado sobre a dinâmica do poder e dos fenômenos culturais na geração atual. Muito interessante, muito inteligente e muitíssimo bem feito pelo sempre perfeccionista David Fincher. Particularmente, ainda prefiro Cisne negro por ser tão visceral. Outras opções muito boas seriam A origem, 127 horas e, sim, Toy Story 3 (porque é emocionante até dizer chega).

Roberto Benigni – melhor ator por A vida é bela (1998/1999)
Melhor opção: Edward Norton por A outra história americana
Tudo bem, esse filme é bonitinho, mas também é bem enjoativo, concordam? De todos os filmes sobre o holocausto – que são muitos – A vida é bela consegue ser um dos mais emocionalmente apelativos. O filme usa praticamente de todos os artifícios possíveis para tentar conseguir uma conexão emotiva com o espectador, e até consegue. O problema é que o longa definitivamente não resiste a uma segunda sessão, ou muito menos ao tempo. O considero ultrapassado e comportado demais para levá-lo a sério. Além do mais, Roberto Benigni faz uma atuação bacana, mas tão caricata e exagerada que é até forçada, sinceramente. Não vejo nada de extraordinário em seu trabalho como ator neste filme e, principalmente, quem viu ele recebendo o prêmio sabe que sua reação à notícia foi no mínimo tosca. Enfim, como se não bastassem os pontos negativos de Benigni, o ano de 1998 trazia atuações espetaculares de Tom Hanks em O resgate do soldado Ryan e principalmente de Edward Norton no notório A outra história americana que com certeza é um dos melhores filmes dos anos 90 e com certeza é um dos melhores filmes já feitos sobre conflitos raciais no mundo moderno. Edward Norton é um excelente ator que com certeza mereceria uma maior visibilidade por parte do Oscar e A outra história americana foi a melhor oportunidade para isto. Não importa, pois ele tem uma verdadeira legião de fãs, sempre ansiosos pelos seus próximos trabalhos. 

Art Carney – melhor ator por Harry, o amigo de Tonto (1974/75)
Melhor opção: Jack Nicholson por Chinatown / Al Pacino por O poderoso chefão II
Quem é Art Carney? Não sei. Que filme é Harry, o amigo de Tonto? Não faço a menor ideia. Mesmo assim, num ano em que Al Pacino trouxe seu Michael Corleone em O poderoso chefão II e Jack Nicholson deixou meio mundo surpreso com a potência de seu noir em Chinatown, um ator que caiu em completo esquecimento por um filme o qual ninguém ouviu falar saiu vencedor do prêmio. Não importa que eu não tenha visto o filme, mas é óbvio que Pacino e Nicholson, que trouxeram dois dos melhores personagens da história do cinema, eram opções muito mais corretas. Pura questão de bom senso – o que a Academia mostra, várias vezes, que não tem.  

Rod Steiger – melhor ator por No calor da noite (1967/68)
Melhor opção: Paul Newman por Rebeldia indomável / Dustin Hoffman por A primeira noite de um homem
Longe de mim dizer que No calor da noite é um filme ruim ou que o trabalho de Rod Steiger no filme seja ruim, mas é mais um daqueles casos em que o vencedor caiu em quase esquecimento enquanto que indicados só fizeram crescer mais e mais. No caso, o ano era 1967 e os filmes já traziam muitas temáticas novas para o cinema. Apesar de ter, em sua origem, uma proposta mais inovadora, No calor da noite não chega aos pés de seus concorrentes neste quesito. O mesmo vale para suas personagens. Apesar de uma atuação correta, Rod Steiger ficou longe de fazer uma atuação icônica, algo desenvolvido muito bem por Dustin Hoffman em A primeira noite de um homem, e, meu preferido, Paul Newman em Rebeldia indomável. Em termos de filme, prefiro A primeira noite de um homem, mas em termos de atuação protagonista, prefiro a de Newman. Apesar de seu personagem não ter virado um símbolo tão grande quanto o de Hoffman, aqui o ator traz um de seus melhores papéis – melhor inclusive que aquele que lhe rendeu o prêmio em A cor do dinheiro de Martin Scorsese. O filme é tão bom, tão cheio de força e liberdade que esboça muito bem o espírito livre posteriormente imortalizado em Um estranho no ninho, longa que deve muito à Rebeldia indomável e que, nos dias atuais, carrega um renome consideravelmente maior.

Chicago – melhor filme (2002/ 2003)
Melhor opção: O pianista / Gangues de Nova York / O Senhor dos anéis: as duas torres
Hollywood adora um musical. O Oscar já cansou de dar prêmios a musicais que não mereciam, e com Chicago não foi diferente. Mais uma vez, este não é um caso de filme ruim, mas um caso de uma competição muito melhor. No ano, concorriam diretamente a emoção de O pianista, a voracidade de Gangues de Nova York e a excelência de As duas torres. Com essas três opções ótimas, a Academia foi por fora e deu o prêmio para Chicago. Não satisfeito, ainda deu o prêmio de melhor atriz coadjuvante para Catherine Zeta-Jones, em mais um caso de uma atuação boa, porém com concorrência muito melhor. Apesar de ser um grande fã de Gangues de Nova York, não o considero um dos melhores trabalhos de Scorsese – lembrando que seus melhores filmes não ganharam o Oscar – dessa forma, a melhor opção ficaria a cargo do emocionante e muito bem realizado (dramático, mas não muito apelativo) drama sobre o holocausto de Roman Polanski.

Uma mente brilhante – melhor filme (2001/ 2002)
Melhor opção: Assassinato em Gosford Park
Mais um caso em que o vencedor era o pior dentre os indicados. Muito bom, uma atuação fantástica de Russel Crowe e uma tão boa quanto de Jennifer Connely. Porém, a concorrência vinha com tudo naquele ano. É deste ano o primeiro capítulo da saga do Senhor dos Anéis, foi neste ano que Moulin Rouge! ressuscitou os tão amados por Hollywood musicais com sua explosão de cor, som e paixão, foi neste ano que Sissy Spacek e um talentoso elenco adentrou nos dramas particulares de uma família como qualquer outra, mostrando o que está escondido e criando uma fantástica relação causa-consequência (frisando, mais uma vez, a excelência da atuação de Sissy Spacek e dos demais atores do filme) e, principalmente, é deste ano um dos melhores filmes de Robert Altman: Assassinato em Gosford Park. Não que Gosford Park seja o melhor filme do diretor, mas aqui temos seus elementos básicos de histórias que se cruzam, elenco gigantesco e roteiro complexo e intrincado, mas com um toque de clássico típico de cinema antigo, qualidade técnica impecável e um elenco que inclui a realeza do cinema mundial, contando com nomes como Hellen Mirren e Maggie Smith (ambas indicadas ao Oscar de melhor atriz coadjuvante). Mais uma vez, Gosford Park não é o melhor filme de Robert Altman, mas foi a melhor chance que o diretor teve, visto que só venceu um prêmio honorário, de ganhar o prêmio (Mash e Nashville são melhores, mas não fazem o perfil da premiação de forma alguma).

 Shakespeare apaixonado – melhor filme (1998/ 99)
Melhor opção: A outra história americana – que não foi nem indicado / O resgate do soldado Ryan
Certo. Como se não bastasse ter dado o prêmio de melhor atriz para Gwyneth Paltrow, o Oscar, não satisfeito, ainda deu o prêmio de melhor filme para Shakespeare apaixonado. Um filme ruim? Longe disso. Muito divertido, muito agradável e muito bonitinho, isso é fato. Porém, em ano nenhum um filme desse porte deveria levar o prêmio de melhor filme. Teoricamente, o vencedor da principal estatueta tem que ser inovador, arrebatador, surpreendente, ousado e tantas outras qualidades que muitos dos vencedores não têm nas doses perfeitas. Esse é o caso de Shakespeare apaixonado. É clássico, com uns toques modernos, passeia por diferentes gêneros, mas não consegue ir muito além do bom. É todo perfeitinho, mas não chega a ser ótimo. Enfim, não vale o prêmio. Como concorrente direto, o filme enfrentou o clássico sobre a Segunda Guerra e uma das principais obras-primas de Spielberg, O resgate do soldado Ryan. Não é um filme que eu goste muito – acho muito forçado no patriotismo e um pouco irritante às vezes – mas devo admitir que é um filme extremamente bem realizado, de uma destreza técnica fantástica e que conta com os 15 primeiros minutos mais intensos do cinema. Enfim, uma opção mais viável. Merecedor mesmo, a meu ver, era o nem indicado A outra história americana, um filme simplesmente fenomenal em tudo o que propõe.

O paciente inglês – melhor filme (1996/ 97)
Melhor opção: Fargo
O que esperar de um filme consagrado pela série Seinfeld como longo e entediante? Exatamente isso. O paciente inglês é um romance estilo clássico, daqueles bem melosos e cheios de paixão e sofrimento. O problema do filme é que ele é simplesmente chato. Chato e longo. Chato, longo e entediante. Chato, longo, entediante e cansativo. Enfim, não é um filme que eu fosse recomendar a ninguém porque não acho que ele valha as pouco mais de 3hrs de sua duração. Sim, são 3hrs de um homem desfigurado por queimaduras morrendo no deserto enquanto conta sua história de amor com uma mulher lá de quem não lembro nada (só lembro que é interpretada pela excelente Kristin Scott Thomas). Filme totalmente dispensável. Algo muito diferente de dois de seus concorrentes, o empático Jerry Maguire e principalmente o ousadíssimo Fargo, uma das maiores incursões dos irmãos Coen pelo humor negro. Um filme que mistura sequestros, assassinatos, criminosos toscos e violentos, uma cidade no meio do nada e uma policial grávida vivida por Frances McDormand parecem uma combinação muito improvável, mas vira uma programação cinematográfica imperdível e uma grande diversão. O Oscar adora os irmãos Coen, tendo os indicado algumas vezes e até dado o prêmio de melhor filme para Onde os fracos não tem vez (ótimo filme, mas Sangue negro é bem melhor), mas falhou feio ao não consagrá-los por essa que é uma das poucas pérolas dos anos 90.

Rocky, um lutador – melhor filme (1976/ 77)
Melhor opção: Taxi driver
Esse é um pouco complicado pra mim, pois sou um fã do filme Rocky. No entanto, isso não tira meu bom senso de saber que Rocky é muito inferior a três de seus concorrentes diretos ao prêmio: Taxi driver, Rede de intrigas e Todos os homens do presidente. Taxi driver tornou-se um dos filmes mais importantes do cinema, sendo considerado por muitos a maior obra-prima de Martin Scorsese e também um dos melhores estudos sobre a obscuridade da mente humana e os caminhos que percorre quando em situações de extrema pressão; Rede de intrigas é um relato ácido do jogo de manipulação e sensacionalismo que cerca a mídia televisiva, num esquema de interesses e alienação guiado por pessoas inescrupulosas, instáveis e tão podres quanto o sistema que mantêm; Todos os homens do presidente é um drama político tenso e muito ousado que joga o caso Watergate e o clima de tensão e fobia americana dos anos 70. Enquanto isso, Rocky é só um filme sobre um boxeador e seu caminho em busca de uma vitória dentro e fora dos ringues. Qual dos quatro parece ser mais interessante? Se há de haver dúvidas, com certeza estará entre os três primeiros. Como melhor opção, com certeza seria o próprio Taxi driver – hoje em dia está até na lista dos 50 melhores filmes da revista Sight and Sound.

Jennifer Lawrence - melhor atriz por O lado bom da vida (2012/13)
Deixei pro final porque é um dos mais polêmicos. Afinal, Lawrence merecia ganhar ou não? Não. Naomi Watts, indicada por O impossível, e Emanuelle Riva por Amor, estavam muito melhores. Não há dúvida de que Jennifer é uma das melhores atrizes de sua geração, terá uma carreira incrível pela frente, mas a decisão de lhe dar o Oscar foi mais política do que artística. Naomi Watts sendo levada por uma onda gigante e se arrastando por um lamaçal infinito com o tendão calcâneo rompido pra mim foi a melhor atuação do ano passado, melhor até que a de Emanuelle Riva, no inesquecível Amor, enquanto mudava de elegante e ativa senhora para uma enferma que murchava a olhos vistos. Enfim, na comédia de David O. Russel Jennifer mostrou muito carisma e talento de sobra - prova de Hollywood sofre da falta de ideias, não de elenco - mas a Academia deveria esperar um trabalho mais sério e consistente.

Lucas Moura e Luís F. Passos