Não sei porque, mas sempre que penso em Leite derramado lembro de Olhos nos olhos, música que também é da autoria de Chico. As duas não têm relação alguma, a não ser que o "quando você me deixou, meu bem" seja por parte da família no narrador protagonista falando ao dinheiro e poder que tinha. Eulálio Assumpção narra, de seu leito num hospital público, na caduquice de seus cem anos, como o prestígio social de sua família se acabou ao longo de décadas, apesar de uma longa tradição que conta com um ancestral conselheiro de D. Maria I, o avô senador do Império e o pai, outro importante parlamentar na República Velha. Mas a partir de Eulálio, que não mostrou aptidão alguma na política, os bens e o status se esvaíram e quase tudo permaneceu apenas nas memórias incertas de uma mente vítima do Alzheimer. A narração feita em primeira pessoa é muitas vezes repetitiva ou confusa, artifícios de Chico Buarque para intensificar a senilidade de seu protagonista, nesse que é um dos maiores trabalhos sobre decadência social e perda de valores.
Nota: 9,5/ 10
Quem lê O vendedor de armas pensa que o narrador é o lendário médico Gregory House, imortalizado na pele do britânico Hugh Laurie - mas o livro foi lançado oito anos antes do início da série. Digo isso porque a obra, narrada em primeira pessoa por um ex-militar de elite, é um mar de sarcasmo e de tiradas engraçadíssimas, do jeito que o médico mais antipático do mundo gosta. Thomas Lang, o ex-militar em questão, resolve fazer uma boa ação e salvar a vida de um cara que ele nunca viu, mas descobre que isso era apenas uma isca que o prendeu num plano mirabolante pra teoria conspiratória nenhuma botar defeito. Uma história meio impossível que conquista o leitor por ser tão brilhante, envolvente e pelo humor muito aguçado (ou mesmo pouco ortodoxo) do protagonista.
Nota: 9,5/ 10
Aproveitando que estou falando de livros que estão entre meus favoritos (e que já foram temas de textos aqui no blog), muito oportuno eu recomendar o primeiro livro (dividido em dois volumes) da trilogia de Erico Verissimo que se tornou uma cartilha da história do povo gaúcho. Em O Continente, atravessamos quase duzentos anos de história, desde as missões jesuíticas de Sete Povos, extintas depois do Tratado de Madri (1715), até a Revolução Federalista no fim do século 19, passando pelas inesquecíveis figuras de Ana Terra, do capitão Rodrigo Cambará e sua esposa Bibiana, ícones dos pampas; a mulher que passa a vida a trabalhar e esperar pelos homens da família (quase sempre esperando que eles voltassem das guerras) e o homem valente que dá um boi para entrar numa guerra e uma boiada para não sair dela enquanto não restasse pedra sobre pedra. Estruturado de uma forma que une permanentemente o passado ao presente (no caso, a Revolução), o livro prende o leitor à saga da família Terra-Cambará e prepara o terreno para os dois livros seguintes, que acompanham o bisneto de Rodrigo e Bibiana, que também se chama Rodrigo.
Nota: 10
Luís F. Passos
Nenhum comentário:
Postar um comentário