sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Filmes pro final de semana - 29/11

1. Argo (2012)
O último vencedor do Oscar de melhor filme é uma grande produção muito bacana de se ver e que talvez tenha ganhado merecidamente suas estatuetas de filme, roteiro adaptado, entre outras - e muitos dizem que também merecia a de direção. Mas a meu ver, Argo não resistirá ao tempo, pois é mais um filme muito bom entre outros tantos muito bons. O que não tira nenhum de seus méritos, afinal a história da crise diplomática entre Irã e Estados Unidos que culminou na invasão da embaixada americana, prisão de muitos cidadãos e fuga de alguns diplomatas para a embaixada canadense foi algo impressionante, e tudo foi história real. A partir de um plano um tanto mirabolante do agente da CIA Tony Mendez (Ben Affleck), surge esperança para os diplomatas deixarem o país: Mendez vai para o Irã disfarçado de diretor de cinema após a agência criar em Hollywood uma pequena produtora ficíticia e elaborar o roteiro de um filme de ficção científica chamado Argo, que seria rodado no país dos aiatolás. E durante o filme fica aquela tensão constante, mas as coisas são meio previsíveis. Alguém além de mim preferia Django livre ou Amor?
Nota: 8,5/ 10
2. Harry Potter e a Pedra Filosofal (Harry Potter and the Philosopher's Stone, 2001)
Uma vez eu e um grupo de amigos discutíamos qual o melhor dos oito filmes da saga Harry Potter - pra mim é o sétimo - até que um deles lançou um argumento incontestável: "o melhor foi o primeiro; éramos pequenos e ficamos impressionados com tudo o que vemos no cinema". E não só os espectadores, como também as personagens mirins se impressionavam com tudo. Afinal, é aqui que tudo começa. Pra relembrar ou pra quem nunca viu: Harry Potter (Daniel Radcliffe) é um menino órfão que mora com os tios sofrendo pelo desprezo destes e pelos maus tratos do primo Duda. Prestes a completar 11 anos, Harry descobre que é um bruxo e que seus pais não haviam morrido num acidente de carro, e sim enfrentando o mais poderoso bruxo das trevas de todos os tempos, Lord Voldemort. Harry se vê então num mundo cheio de mistérios e aventuras em que ele e sua cicatriz em forma de raio são famosos; um mundo em que conhecerá seus maiores amigos, Rony Weasley (Rupert Grint) e Hermione Granger (Emma Watson), além do bruxo considerado o maior de sua geração: Alvo Dumbledore (RIchard Harris), diretor da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. E claro, muitos perigos vão rondar a vida do garoto, desde que chega à escola, incluindo aquele que há tantos anos mudou tanto sua vida.
Nota: 8,0/ 10
3. Seven - os sete crimes capitais (Se7en, 1995)
Com Brad Pitt no elenco, David Fincher fez um dos melhores (senão o melhor) filmes da década de 90, Clube da luta. Alguns anos antes, também com Pitt, Fincher emplacou um de seus primeiros grandes sucessos: Seven. Pitt é David Mills, jovem e impulsivo policial que assume o cargo de detetive no lugar do experiente e culto William Somerset (Morgan Freeman), que está prestes a se aposentar. Um misterioso e cruel assassinato chama atenção da polícia e faz Somerset adiar um pouco sua aposentadoria e trabalhar em conjunto com seu sucessor. A partir de informações deixadas pelo próprio assassino e do imenso conhecimento de Somerset, é revelada a macabra trama da história, ao mesmo tempo em que o criminoso deixa outras vítimas - todas ligadas aos pecados capitais. Em meio a um clima de sujeira e depravação, Fincher conduz o filme a um final quase tão surpreendente quanto do filme que lançaria quatro anos depois - e por isso eu digo, esse é um filme que você tem obrigação de ver.
Nota: 9,0/ 10
4. Curtindo a vida adoidado (Ferris Bueller's Day Off, 1986)
Um dos mais queridos filmes repetidamente exibidos na Sessão da tarde tem fãs tão fieis que continua a ser adorado quase trinta anos depois. Ferris Bueller (Matthew Broderick) se tornou o maior símbolo de uma geração que foi adolescente enquanto o mundo estava relativamente tranquilo (fim da Guerra Fria) e que sentia que precisava sair da rotina, de preferência em alto estilo. E foi o que Ferris fez: faltou a uma prova, chamou sua namorada e seu melhor amigo e foi dar uma volta em Chicago na Ferrari do pai do último. Em um só dia, Ferris faz coisas que a maioria das pessoas não consegue fazer durante toda a vida, mostradas em cenas engraçadíssimas e que não saem do imaginário popular, especialmente a sua participação numa parada alemã, subindo num carro alegórico e cantando Twist and shout dos Beatles. Que atire a primeira pedra aquele que nunca quis imitar o ídolo Ferris.
Nota: 10
5. Annie Hall (1977)
Seems like old times... being here with you. A música cantada por Diane Keaton duas vezes no filme transmite muito sobre o relacionamento no qual Annie Hall é centrado. Keaton é Annie, descontraída, sem rumos traçados pra sua vida, vive fazendo bicos como fotógrafa e cantora em bares, que conhece o comediante Alvy Singer (Woody Allen), um nova-iorquino judeu neurótico, metódico, meio hipocondríaco e chato, apesar de carismático. Os dois se apaixonam e engatam um namoro que logo no início do filme sabemos que não dá certo. Woody Allen conta a história do casal de forma inovadora, alternando momentos do início da relação com momentos de crise ou do cotidiano deles enquanto viviam juntos - fora muitas outras inovações que deram novo fôlego ao gênero da comédia romântica e o Oscar de direção para Woody. É quase uma unanimidade de que este é o melhor filme do diretor, que aqui traçou o esboço de muitos de seus filmes subsequentes, e diferente dos anteriores que eram mais próximos à comédia pastelão; e não é difícil ver que Annie Hall supera até mesmo outros grandes filmes como Manhattan e Hannah e suas irmãs. A naturalidade com que tudo é passado ao espectador e o tema do longa - afinal, Annie é antes de tudo um filme sobre o amor - fazem dele uma fonte inesgotável de satisfação, tornando impossível querer ver uma só vez.
Nota: 10

Luís F. Passos

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Filmes pro final de semana - 22/11

1. Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds, 2009)
Na França ocupada pelos nazistas, um pequeno pelotão americano formado apenas por judeus e comandado pelo tenente Aldo "o Apache" (Pitt) desembarca com um único objetivo: matar nazistas. O terror espalhado pelos Bastardos Inglórios se espalha pelas fileiras alemãs e chega ao próprio Hitler. Paralelamente, há uma jovem dona de cinema (Mélanie) que anos antes viu sua família ser morta pelo genial e sádico coronel da SS Hans Landa (Waltz), que tem a chance de vingar seus parentes e todos os judeus mortos pelos nazistas. Utilizando a violência típica de seus filmes, enchendo a tela de sangue e fazendo referências cinematográficas e à  cultura pop, Tarantino cria uma história que é considerada por muitos a melhor dos anos 2000. O roteiro é excelente, envolvente e divertido; e também merece toda a glória Christoph Waltz, até então um desconhecido ator austríaco, que levou o Oscar de melhor ator coadjuvante pelo maravilhoso trabalho como Hans Landa. Bingo! (entendedores entenderão).
Nota: 9,5/ 10
2. Match Point (2005)

No fim dos anos 90 Woody Allen entrou numa fase negativa de sua carreira; seu último filme de muito boa qualidade fora Desconstruindo Harry (1997) e no início dos anos 2000 fez alguns de seus filmes menos queridos, como O Escorpião de Jade (2001). Em 2005 o grande diretor volta com tudo dirigindo uma trama tensa e sexy (não há palavra melhor para descrever o filme) que se passa em Londres, em meio à aristocracia britânica. Chris Wilton (Jonathan R. Meyers) é um ex-jogador de tênis que passa a dar aulas em um clube de alto padrão, e logo conquista a amizade de um de seus alunos, Tom Hewitt (Matthew Goode), que o leva para conhecer sua família. A irmã de Tom, Chloe, se encanta pelo professor, mas foi a noiva dele que chamou a atenção de Chris. Nola Rice (Scarlett Johanson) é uma aspirante a atriz com atributos físicos de deixar qualquer um doido. Mesmo começando a namorar Chloe e consequentemente sendo cunhado de Tom, Chris se aproxima de Nora e os dois começam um caso. A tensão sexual que existe entre o casal de protagonistas é impressionante e alimenta o clima de suspense que tomará conta do filme no final; não um suspense a la Hitchcock, mas uma questão mais profunda ao estilo de Crime e castigo.
Nota: 8,5/ 10
3. Cassino (1995)
Cinco anos depois do enorme sucesso de Os bons companheiros , Robert De Niro e Joe Pesci se reencontram sob a direção de Martin Scorsese para fazer aquele que é por muitos considerado como a continuação do filme de 1990: Cassino. De Niro interpreta Sam, jogador profissional que cresceu próximo a jogos de azar e todo o tipo de apostas, e é um dos melhores na sua área. Devido a sua reputação, é contratado por mafiosos de Las Vegas para gerir um grande cassino. Pouco tempo depois de se instalar em seu novo emprego, chama seu velho amigo Nicky (Pesci) para ajudá-lo com a segurança. Nicky é muito parecido com Tommy, personagem de Pesci em Goodfellas: muito esquentado e violento. Os negócios prosperam bastante para a dupla, que se estabelece de vez na cidade; fulano monta uma rede de restaurantes (além de ter uma quadrilha de ladrões sob suas ordens) e Jimmy constrói uma família ao lado da ex-prostituta Ginger (Sharon Stone) – figura que aparece para desestabilizar os negócios e a amizade de longa data de Sam e Nicky. Mais um exemplo da primorosa direção de Scorsese, que consegue fazer com que as 2h45 de Cassino passem rápido e deixem um gosto de quero mais.
Nota: 8,5/ 10
4. A primeira noite de um homem (The graduate, 1967)
Um grande ritual de passagem, The Graduate explora os caminhos confusos de um jovem pela sua transição entre a juventude descompromissada e os direitos e deveres de sua vida adulta. Na figura de Benjamin (Dustin Hoffman) todas as fobias juvenis sobre incerteza do futuro, apreensões sexuais, dúvidas amorosas e inexperiência de vida estão personificadas. A graduação a qual o título se refere não se limita apenas ao simples ato de adquirir um diploma universitário, mas ao amadurecimento (da personagem e do cinema americano também). Tornar-se um homem aprendendo com os erros e lidando com responsabilidades. Aliado a isso, The Graduate ainda se dispõe a compor um dos triângulos amorosos mais absurdamente interessantes do cinema, afinal, Benjamin ama a jovem e bela Elaine (Katharine Ross), mas encontra-se nas garras da sexualmente dominadora Sra. Robinson (Anne Bancroft), mãe da garota, com quem manteve um caso amoroso. O amor, aliás, é bem explorado pelo filme, mas já não é construído de uma maneira idealizada ou artificialmente romântica. Não existe essa história de felizes para sempre. Sua temática controversa e de teor polêmico nitidamente foi um choque para a sociedade de 1967, mas seu impacto o tornou um dos filmes mais importantes da indústria e o eternizou como um dos propulsores da revolução cinematográfica dos anos 70. Isso sem esquecer a trilha sonora brilhante liderada por The Sound of Silence de Simon and Garfunkel, que pontua todas as dúvidas e os sentimentos do confuso e empático Benjamin.
Nota: 9,5/ 10
 5. Crepúsculo dos deuses (Sunset boulevard, 1950)
“Eu sou grande. Os filmes é que ficaram pequenos”. A meu ver, não há duvidas de que este aqui é o melhor filme de Billy Wilder. Crepúsculo dos deuses é uma grande crítica à própria indústria do cinema e do entretenimento, um mundo que pode num momento elevar uma pessoa ao céu e, em questão de minutos, lançá-lo no total ostracismo quando não lhes é mais conveniente. É isso que ocorre com a Norma Desmond interpretada por Gloria Swanson. Uma musa do cinema mudo largada no esquecimento após o advento do cinema falado e que sofre com sua loucura e suas obsessões ao mesmo tempo em que alimenta fantasias megalomaníacas de uma volta ao estrelato que jamais ocorrerá. O roteiro de Wilder é fantástico. A forma como amarra as diferentes circunstâncias que culminam para o grande final, que é revelado já no início do filme, é de uma inteligência incrível. O filme é ácido, maldoso e as coisas se desenrolam de uma maneira ironicamente cruel para todas as personagens. Wilder não se importa de vê-las sofrer e as castiga pelos seus erros. Com certeza, este é também um dos melhores filmes não vencedores do Oscar de melhor filme, mas nem em 1951 nem em qualquer outro ano sua vitória ocorreria. Afinal, é uma produção metonímica crítica e mordaz demais para que os votantes dêem o braço a torcer e o consagrem dessa maneira. Bom, isso não importa. O que importa é que este é um dos melhores filmes de todos os tempos, e isso já é consagração mais que suficiente.
Nota: 10

Lucas Moura e Luís F. Passos

domingo, 17 de novembro de 2013

Os Infiltrados - o reencontro de Scorsese com a máfia

Duas figuras simétricas, mas de lados opostos do espelho. Assim são os policiais recém-formados Billy Costigan (Leonardo DiCaprio) e Colin Sullivan (Matt Damon). Billy vem de uma família com uma extensa ficha criminal, sendo seu pai o único honesto da árvore genealógica, entra na polícia por idealismo e logo de cara recebe a difícil missão de trabalhar infiltrado na máfia irlandesa que tanto trabalho dava à polícia de Boston. Paralelamente, Colin tem uma ficha nada suspeita que encobre sua relação de longa data com Frank Costello (Jack Nicholson), o todo poderoso do crime na cidade, o qual encarrega o pupilo de ser seus olhos e ouvidos dentro da corporação.
Logo de início os dois são bem sucedidos. Colin, com a ajuda de sorte, sagacidade e dicas de Costello apresenta uma carreira meteórica, passando de detetive a segundo sargento e contando com o apoio e admiração de seu superior, tenente Ellerby (Alec Baldwin). Billy, no submundo, usa um primo traficante e a reputação de ex-policial e ex-detento para se aproximar de French, homem próximo a Costello, e consequentemente do chefão. Fingindo ser explosivo e impetuoso, Billy ganha a confiança do novo chefe; o problema era toda a pressão da missão. Sem sua identidade verdadeira e se relacionando apenas com os superiores capitão Queenan (Martin Sheen) sargento Dignan (Mark Wahlberg) vai acumulando o estresse a tensão diante do medo de ser descoberto e morto. Quem o ajuda é a psiquiatra Madolyn (Vera Farmiga), responsável por acompanhar ex-detentos e esposa de Colin.
Os infiltrados  (The departed, 2006) se mostra como o melhor filme de Scorsese em mais de dez anos, justamente por ser a volta do diretor ao tema no qual ele praticamente não tem rivais: o crime organizado. Seu último trabalho com esse tema fora Cassino, onze anos antes, estrelado por seus amigos e parceiros de longa data Robert De Niro e Joe Pesci. Essa retomada se mostra muito bem pensada, já que os dois filmes anteriores, Gangues de Nova York (2002) e O Aviador (2004) não são do quilate que os fãs de Scorsese estão acostumados. Além disso, a tensão de Os infiltrados é o ambiente propício para que DiCaprio, atual preferido do diretor, ponha em cena todo seu potencial, assim como no filme de 2004, considerado por muitos seu melhor trabalho.. A ação e a violência presentes aqui remete a grandes filmes como Os bons companheiros (1990), com o acréscimo do suspense crescente que dispara a partir do momento em que tanto Costello quanto o tenente Ellerby passam a suspeitar de terem infiltrados entre seus homens - tensão maior ainda para a personagem de DiCaprio, cuja vida fica ainda mais vulnerável com a chance de ter sua identidade revelada.
A dedicação do elenco a suas personagens é impressionante, de um jeito que até mesmo Mark Wahlberg merece ser aplaudido. Mas ninguém merecia mais receber os créditos do que Scorsese, se reinventando ao mesmo tempo em que voltava para um terreno conhecido. E foi nesse ano que finalmente a Academia reconheceu seu talento e lhe concedeu o Oscar de melhor diretor, num clima de pedido de desculpas pelas injustiças cometidas antes e com uma imensa comemoração entre o meio artístico, que incluiu Coppola, Spielberg e George Lucas para anunciar a vitória. Quem não teve a mesma sorte foi DiCaprio, mais uma vez esnobado pela Academia, apesar de fazer aqui uma de suas maiores atuações, marcada por alternância de desejos de sobrevivência e autodestruição, talvez apenas por ser muito jovem e muito solitário.

Nota: 9,0/ 10

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Luís F. Passos

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Filmes pro final de semana - 15/11

1. Ilha do medo (Shutter Island, 2010)
Mais uma parceria de sucesso entre Martin Scorsese e Leonardo DiCaprio, Ilha do medo acompanha o investigador do FBI Edward Daniels (DiCaprio) e seu parceiro Chuck Aule (Mark Ruffalo) chegam a um hospital psiquiátrico localizado numa pequena ilha em que estão internados pacientes condenados pela justiça - um manicômio judiciário. Os agentes estão investigando a fuga de uma paciente, a única fuga na história do hospital, e totalmente inexplicável, pois cada canto do hospital é vigiado e o litoral da ilha é cheio de rochedos, havendo apenas um pier. À medida em que Daniels tenta aprofundar seu trabalho, encontra resistência do diretor e de outros funcionários, além de se ver diante de situações que vão contra a ética médica e outras que o atingem em cheio, por estarem relacionadas à morte de sua família. Ilha do medo é um filme cheio de suspense e tensão como poucos, aflitivo na medida certa e com reviravoltas de arrepiar. Palmas para Scorsese, palmas para DiCaprio.
Nota: 9,0/ 10
2. Maria Antonieta (Marie Antoinette, 2006)
Quando Sofia Coppola lançou Maria Antonieta no Festival de Cannes dividiu opiniões; enquanto uns se levantaram para aplaudir, outros vaiaram o filme. Mas a opinião do público é quase unânime: genial. Deixando de lado o contexto político que antecedeu a Revolução Francesa, o filme foca a vida pessoal da polêmica rainha, desde o acordo firmado por sua família (os Habsburgo, soberanos da Áustria) com a França que arrumou seu casamento com Luís, príncipe herdeiro. Os medos diante do casamento, a distância de seu marido, a demora em engravidar e a vida dentro do ninho de cobras que era a Corte em Versalhes atormentam a jovem princesa, que aos poucos vai criando uma vida em paralelo às obrigações reais: dias inteiros dedicados à escolha de vestidos, chapéus e sapatos, a paixão por doces finos, passeios no campo e pequenas festas regadas a muito vinho e champanhe. Em poucas palavras: é As patricinhas de Beverly Hills do século XVIII. Elogiado pela fotografia que realça os cenários deslumbrantes, pelo figurino vencedor do Oscar e pela trilha sonora composta por rock, Maria Antonieta é mais um grande filme da nova geração dos Coppola.
Nota: 8,5/ 10
3. Platoon (1986)
A emblemática frase no pôster e na capa do DVD já diz tudo - na guerra, a primeira vítima é a inocência. Para provar isso, nada melhor do que um jovem soldado no Vietnã. Charlie Sheen é Chris, garoto de classe média, branco, que se recruta ao Exército por idealismo e ignorando os horrores que iria encontrar. Duas figuras que ele logo encontra e marcam sua permanência na guerra são os sargentos Elias (Willem Dafoe) e Barnes (Tom Berenger), figuras antagonistas que parecem disputar a admiração dos recrutas e a alma de Chris; enquanto Elias é meio hippie, pacifista e usuário de drogas que o afastam um pouco da realidade bélica, Barnes é um assassino nato que só precisa ver um par de olhos estreitos para puxar o gatilho. As cartas que Chris escreve para a família vão ganhando um tom mais sombrio e negativo com o passar do tempo, reflexo da mudança sofrida pelo garoto diante da barbárie da guerra. O diretor Oliver Stone dá início aqui a uma série de bem sucedidos filmes de guerra, merecendo este especial atenção por ser baseado em algumas experiências dele próprio, que é veterano do Vietnã; aliás, Platoon é considerado um dos melhores filmes de guerra já feitos, perdendo apenas para Apocalypse now (e para alguns, para Nascido para matar).
Nota: 9,5/ 10
4. O pecado mora ao lado (The seven year itch, 1955)
Verão, Nova York, calor dos infernos e famílias em férias. Mas muitos maridos permanecem na cidade por causa dos empregos; é o caso de Richard Scherman (Tom Ewell), editor que se vê sozinho em casa e ganha uma vizinha loira, sensual e meio burra, uma modelo cujo nome é ignorado (Marilyn Monroe). Cria-se uma tensão sexual engraçadíssima entre os dois; Richard sente-se muito atraído, mas ao mesmo tempo temeroso de trair a esposa, enquanto a garota parece desconhecer o efeito que tem sobre o pobre Richard, perseguido por delírios de infidelidade. Em meio aos divertidos diálogos muito bem construídos, temos a cena em que o vestido de Marilyn levanta com o sopro do respiradouro do metrô, uma das mais famosas do cinema - e que apesar de toda a popularidade, não dura mais que poucos segundos.
Nota: 9,0/ 10
5. A regra do jogo (La règle du jeu, 1939)
Desde o início de sua carreira o diretor francês Jean Renoir mostrou talento invejável pelo domínio da técnica de filmar e pelos temas inovadores de seus filmes. Em A regra do jogo, temos o que o próprio diretor chamou de uma descrição exata da burguesia de seu tempo, não só dos ricos como também dos trabalhadores que o servem. Tudo começa quando o aviador André Jurieux cruza o Atlântico e causa agitação, mas se diz decepcionado por não ter uma certa dama o aguardando. A dama é Christine, casada com o rico colecionador de aviões Robert; este, por sua vez, mantém um caso de longa data com Geneviève. Por trás do luxo dos salões da burguesia, na cozinha, vemos que os empregados também aprontam das suas: a acompanhante de Christine, Lisette, é casada com o caseiro Schumacher mas se deixa levar pela lábia de Marceau, ladrão contratado por Robert como criado. Na casa de campo de Robert, encontros e desencontros dos protagonistas e dos amigos de Robert, incluindo Octave, vivido pelo próprio Renoir e figura chave na história. Um filme excelente e muito agradável que critica muito sagazmente o mundo de aparências, mentiras e hipocrisia dos ricos.
Nota: 10

Luís F. Passos

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Um Clarão nas Trevas - Audrey como você nunca viu

O mundo está muito acostumado com a visão adocicada de atriz de romances e comédias românticas com a qual Audrey Hepburn sustentou sua carreira. No entanto, é importante salientar que a atriz era mais versátil do que o que parece e, ao longo de sua carreira, buscou alguns trabalhos que fugiam totalmente de sua zona de conforto. Trabalhos menos conhecidos e menos populares que àqueles que a imortalizaram, mas que também mostram uma interessante faceta do talento artístico da atriz.
De seus trabalhos menos usuais, o de maior destaque é mesmo Um clarão nas trevas (Wait until dark, 1967). Neste filme, Audrey interpreta uma dona de casa cega chamada Susy Hendrix que, por um simples acaso envolvendo seu marido, uma mulher tão misteriosa quanto perigosa, e uma boneca aparentemente inofensiva, acaba sendo lançada numa grande confusão criminosa, envolvendo homens perigosos relacionados a assassinatos e tráfico de drogas.
O resumo do enredo do filme está muito curto, eu sei, mas sobre este realmente não posso falar nada. As peças do quebra-cabeça que compõe Um clarão nas trevas não são difíceis de serem decifradas, muito pelo contrário. Na verdade elas são dadas ao espectador. No entanto, revelar qualquer uma destas já é um verdadeiro banho de água fria para quem for acompanhar a história. Apesar de muito simples, o roteiro de Um clarão nas trevas é consideravelmente particular e muito bem realizado. A partir de uma premissa banal, o filme desenvolve uma história relativamente ousada para os anos 60 (visto que temáticas relacionadas tão explicitamente a drogas ainda eram raras no cinema da época) que conta com inúmeros momentos memoráveis. Todos eles, logicamente, relacionados com o grande elemento diferencial do filme: sua protagonista. 
A escolha de uma protagonista tão supostamente incapaz é simplesmente genial. Ao tornar a vítima e nossa heroína uma cega, o roteiro propõe uma variedade muito maior de limitações à personagem, tornando-a aparentemente muito mais vulnerável perante a ferocidade velada (que se revela feroz) de seus inimigos disfarçados. Essa vulnerabilidade, no entanto, é apenas uma impressão passageira, pois a maneira como a personagem pensa e luta é fenomenal. Se suas limitações físicas aliadas a seu temperamento bondoso e agradável a tornam, de imediato, uma personagem empática, a surpreendente força que esta mostra ao longo da trama, sobretudo nos momentos mais arriscados e perigosos, permite que qualquer um torne-se seu fã. Torcemos por Susy e acompanhamos atentamente todos os seus passos. Por traz da figura frágil e sensível que a imagem de Audrey Hepburn nos mostra, está escondida uma personagem de grande determinação, o que torna tudo muito mais interessante.
Um clarão nas trevas também sabe como criar momentos de tensão. O filme passa quase toda sua duração num nível baixo de tensão, que não é exatamente um suspense ou sequer um thriller. À medida que Susy vai montando as peças do que para nós é algo extremamente óbvio de ser percebido, o clima do filme vai mudando. De clareza, passa para um estado de confusão que culmina com a excelente conclusão da trama. Um dos elementos muito bem utilizados durante o impasse final entre Susy e os criminosos em busca da boneca é o uso da escuridão. O apartamento onde praticamente toda a trama se desenrola é levado à total escuridão e, desta forma, por poucos minutos somos levados ao mundo sombrio e indecifrável em que Susy vive. Se durante quase todo o filme nós, espectadores, estávamos cientes de absolutamente tudo que estava acontecendo enquanto a pobre protagonista lutava para somar as pequenas evidências que explicariam o acontecimento de tantas improbabilidades, nesses poucos minutos é proposta uma inversão de papéis, em que nós somos colocados na escuridão. São os momentos áureos do filme.

Nota: 8/ 10

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A princesa e o plebeu
Bonequinha de luxo
Sabrina

Lucas Moura

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Filmes pro final de semana - 08/11

1. À beira do caminho (2012)
Tá certo que ver Roberto Carlos em especial de Natal todo ano enjoa e que ele já teve dias melhores, mas não dá pra negar que ele tem muita música boa. Imagine então um filme que pega meia dúzia das melhores canções do cara para formar sua trilha sonora. É o caso de À beira do caminho, do diretor Breno Silveira (2 filhos de Francisco), em que o caminhoneiro João (João Miguel) é um homem solitário e amargo que vive em conflito com seu passado. A vida de João começa a mudar quando ele descobre um pequeno garoto no baú de seu caminhão. O menino é um tagarela incessável que tenta aos poucos derreter o gelo do coração de João, que depois de certa relutância decide levar o pequeno até São Paulo, onde ele espera encontrar o pai - a questão da paternidade é recorrente na filmografia do diretor. A boa história, somada às ótimas atuações e às ótimas músicas de Roberto Carlos fazem deste emocionante filme uma boa pedida pra qualquer idade.
Nota: 8,5/ 10
2. Salt (2010)
Quem é Salt? É a pergunta feita no pôster estampado com o rosto de Angelina Jolie. Eu pergunto mais: o que diabos Salt tem pra eu gostar tanto? Sabe Deus. Lembro que vi Salt no cinema, quando me presenteava com uma sessão depois de uma semana de aulas, e o filme não saiu de minha cabeça. Angelina Jolie interpreta Evelyn Salt, agente da CIA que no dia de seu aniversário de casamento é surpreendida por um russo que chega à agência afirmando ser um espião extraditado e que agentes soviéticos que entraram em território americano ainda na Guerra Fria poriam em prática um plano para destruir os Estados Unidos - e que Salt seria uma deles. O impacto é imediato, os superiores de Salt tentam prendê-la para esclarecer tudo mas ela foge em busca do marido civil para protegê-lo, sem pensar em provar sua inocência. A dúvida então é levada pelo filme: de qual lado ela está? Do russo, do americano, ou de seu próprio? Vale a pena conferir esse filme intenso que supera seus semelhantes típicos de ação.
Nota: 7,0/ 10
3. O Sonho de Cassandra (Cassandra's Dream, 2007)
Os irmãos Ian (Ewan McGregor) e Terry (Colin Farrel) são muito unidos, apesar das diferenças no que cada um quer para sua vida. Enquanto Ian é muito ambicioso e não vê o dia em que terá a chance de sair do restaurante dos pais para um emprego melhor, Terry é mais humilde e até se sente satisfeito com seu trabalho como mecânico automotivo. Seu grande problema é o vício no jogo, que faz dele um eterno endividado. Mesmo humilde, a família deles vive feliz e unida, e conta sempre com a ajuda do irmão da mãe, o milionário médico Howard (Tom Wilkinson). Tudo vai bem, os irmãos conseguem comprar um pequeno barco que chamam de O sonho de Cassandra (em homenagem ao cão de corrida cujo prêmio garantiu o dinheiro que faltava para a compra), Ian começa um relacionamento com uma linda atriz, com a qual planeja se casar... mas as coisas complicam quando o tio Howard pede aos rapazes um enorme e perigoso favor, prometendo dinheiro e baseado na máxima de que "família é família". Tal favor complica a vida dos irmãos e impulsiona mais um dos excelentes filmes de Allen que infelizmente não conseguem grande sucesso. Pena pra quem não conhece.
Nota: 8,5/ 10
4. Tudo sobre minha mãe (Todo sobre mi madre, 1999)
Eu sempre enchi a boca pra dizer que Fale com ela (2002) é o melhor filme de Almodóvar, mas depois de ver Tudo sobre minha mãe fiquei um pouco hesitante. E mesmo o primeiro sendo meu preferido, acho que os dois estão no mesmo patamar de qualidade. O longa de 1999 é centrado em Manuela (Cecilia Roth), enfermeira que perde seu único filho num acidente depois de assistir à peça Uma rua chamada pecado. Ela então vai à Barcelona em busca do pai do garoto para dar a notícia, mas não o encontra; quem ela reencontra é o travesti Agrado (Antonia San Juan), sua amiga de muitos anos atrás, e através de quem conhece a freira Rosa (Penélope Cruz), que descobre estar grávida e soropositiva. Manuela se vê mantendo Rosa sob seus cuidados e responsabilidade ao mesmo tempo em que se aproxima do elenco de Uma rua chamada pecado, cuja protagonista Huma (Marisa Paredes) vive Blanche DuBois dentro e fora dos palcos. Com referências ao cinema clássico, Almodóvar mais uma vez constrói perfis femininos através da ótica de um homem crescido entre mulheres, especialmente a figura materna simbolizada por Manuela. O resultado é um filme maravilhoso, vencedor do Prêmio de direção de Cannes e do Oscar de melhor filme estrangeiro.
Nota: 10
5. A doce vida (La dolce vita, 1960)
Obra-prima do mestre Fellini (mais uma das, na verdade), A doce vida acompanha a espetacular vida dos ricos e famosos em Roma, os legítimos bon-vivants que passam o verão de 1959 na capital italiana. Em meio a eles está o jornalista Marcello (Marcello Mastroiani), outrora um sério escritor que decaiu até chegar ao barato mercado editorial que acompanha os famosos. Marcello, com a ajuda de seu fotógrafo Paparazzo (que deu origem ao termo tão conhecido atualmente) se sustenta das histórias que colhe no mundo dos parasitas sociais - mundo este que não é só trabalho, mas do qual o repórter acaba fazendo parte por se relacionar com seus alvos, tendo vários amigos e amantes. Um dos maiores méritos de Fellini foi conseguir condenar o estilo boêmio e fútil ao mesmo tempo em que o contempla cheio de fascínio. Um exemplo fácil? A cena em que a estrela de cinema Sylvia (Anita Ekberg) entra na Fontana di Trevi de madrugada usando um vestido longuíssimo e gritando "Marcello! Come here!"; uma cena que tanto provoca um "que mulher idiota!" quanto um "que coisa linda!". Coisa de mestre.
Nota: 10

Luís F. Passos

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Frances Ha - pra encher Godard de orgulho

Qual não foi a alegria do humilde cinéfilo que vos escreve quando, em abril, foi anunciada a reinauguração de um cinema de rua na minha cidade? AEEEEEW! Em maio houve um festival de cinema francês, que foi um período de testes, e em julho o cinema abriu de vez. Programação alternativa, preços camaradas e uma opção à ditadura da grande rede de cinemas dona dos dois outros cinemas da cidade. E olhe que estamos falando de uma capital.
Desabafos à parte, o último filme que vi lá foi Frances Ha, simpático filme americano do ano passado que chegou ao Brasil e vem despertando o interesse de críticos e conquistando fãs, não só aqui mas por vários países. O longa é focado em Frances, garota de quase trinta anos muito carismática por ser encantadora e desengonçada, com cada adjetivo na medida certa. Frances estuda numa escola de dança, onde além de aluna tem um "cargo" de dançarina substituta, com a possibilidade de participar de espetáculos e ganhar um dinheirinho; o que, junto das aulas particulares que ela arruma de vez em quando, garante seu sustento. Logo no início do filme vemos Frances com o namorado, que a convida para morar com ele, e recusa, segundo ela por dividir o apartamento com sua melhor amiga e porque o relacionamento deles já não funcionava - a ausência de sexo era um forte sintoma. De volta para casa, ela encontra sua amiga, Sophie (Mickey Sumner), conta as novidades e Sophie lhe conta que irá se mudar para a casa do noivo. E cai o mundo de nossa protagonista.
Frances é a representação de um tipo muito comum em Nova York: jovem nascida no interior que vai à cidade grande depois de formada, não vê seus sonhos realizados de imediato e vai se virando como pode, se esforçando sem deixar a peteca cair. E nisso Frances é ótima. Numa espécie de "jogo do contente" de Pollyana amadurecido, ela nunca se deixa perturbar e tira ânimo sabe Deus de onde para seguir em frente, e sabe aproveitar como poucos as pequenas conquistas, como numa das melhores cenas do filme, em que ela sai dançando pelas ruas ao som do clássico Modern love de David Bowie. Mais que isso, Frances também é um exemplo de uma pessoa na fase em que não sabe o que fazer da vida, e mal entende o rumo que a vida toma. e aqui é um dos casos em que essa fase parece teimar em não acabar.
E porque este simpático longa vem chamando tanto a atenção? Frances Ha não é só mais um queridinho do cinema alternativo, como também desponta como um filme que se liberta das amarras das quais o próprio cinema alternativo não se livrou. E essa quebra rumo à liberdade nos lembra o que? Nossa querida nouvelle vague. E mesmo despretensiosamente, o filme puxa a sardinha pro movimento francês; na fotografia em preto-e-branco, tomadas em lugares abertos onde há bastante movimento, os cortes muito repentinos e alguns diálogos que parecem conflitos, além, claro, da trilha sonora cheia de músicas de Georges Delerue, compositor que foi colaborador assíduo de Truffaut e Godard. E por falar no diabo, há uma frase dele que diz que basta uma arma e uma mulher para se fazer um filme. Aqui não há armas, exceto o jeito estabanado de Frances, golpe baixo para quem assiste e logo se rende à heroína da big apple.

Nota: 10

Luís F. Passos

domingo, 3 de novembro de 2013

The Bling Ring - a futilidade de uma geração

Baseado em fatos reais, o mais recente trabalho da diretora Sofia Coppola traz à tona a história de um pequeno grupo de adolescentes que praticaram uma série de furtos a casas de celebridades hollywoodianas entre os anos de 2008 e 2009. Entre suas vítimas, nomes como Lindsay Lohan, Rachel Bilson, Orlando Bloom e, a mais lesada de todos, Paris Hilton. Os furtos eram relativamente pequenos em quantidade, mas essa relação pode ser considerada inversamente proporcional ao valor adquirido. Acredita-se que cerca de Um milhão de dólares foram roubados pelos jovens. Um milhão de dólares materializado em bolsas, sapatos, joias e tudo mais que o dinheiro e a fama das celebridades mais fashions de Hollywood podia comprar, sendo que o saldo dos roubos esteve sempre estampado pelas redes sociais. A questão é que os criminosos no caso estavam longe de serem pobres ou qualquer coisa do tipo. Muito pelo contrário, todos vinham de famílias muito bem de vida que moravam pela região. A questão então é: já que não havia qualquer necessidade para praticar os roubos, o que os levou a fazê-los?
Esse é o questionamento básico do filme de Sofia. Na verdade, a resposta é bem óbvia. Fazendo uma regressão na história do cinema, podemos lembrar que a origem dos filmes de jovens americanos ricos e rebeldes começou com Juventude transviada de 1955, filme que lançou a figura emblemática do rebelde sem causa, do adolescente indomável que luta em busca de uma compreensão própria e de uma identidade mal formada ao mesmo tempo em que sofre com as pressões externas de um ambiente desfavorável e a educação paterna cada vez mais falha. Mais de 50 anos mais tarde, vimos que o que se iniciou de uma forma mais agressiva adquiriu uma nova face. A perda de valores, a falta de personalidade e a desorientação pessoal crescentes encontraram ao longo dessas décadas uma falsa cura aparentemente perfeita. A ditadura da futilidade em que vivemos faz com que muitos dos jovens que se enquadram nessa situação encontrem uma maneira de se sentirem dentro de um grupo. Parte de um algo maior. E que algo maior seria esse? Em tempos de futilidade e supervalorização do material em detrimento do pessoal, os alvos, obviamente, são as celebridades. Durante anos foi talhada a noção de endeusamento e glorificação dessas figuras teoricamente icônicas que ditam o padrão comportamental vigente. Como as próprias personagens do filme dizem, o que elas queriam era apenas experimentar um pouco deste estilo de vida.
Tecnicamente falando, é nítido que se trata de um filme de Sofia Coppola, tendo este mantido todas as marcas essenciais do trabalho da diretora. A fotografia com aquele ar descuidado, porém minucioso, o minimalismo das cenas, os diálogos simples e corriqueiros intercalados por momentos silenciosos e a trilha sonora sempre na medida certa e feita de escolhas interessantes (live fast, die young, bad girls do it well) estão presentes. Para dar o tom preciso da história, Sofia também usa pequenos momentos de humor ao longo da trama. Um humor de uma forma irônica. Outro elemento consistente em toda sua filmografia e que aqui também se faz valer é a qualidade de seu elenco (geralmente jovem). Todas as cinco personagens principais são muito bem interpretadas por atores jovens de alta qualidade e o filme transita um pouco na mão de três deles. A primeira metade pertence à atriz Katie Chang que vive a aparente líder e mentora do bando, a segunda metade é mais guiada pelos conflitos pessoais (bem superficiais, mas presentes) de Mark (Israel Broussard), o único homem do grupo, e durante todo o filme, com uma importância crescente ao longo da história, está Emma Watson numa interpretação deliciosa da mais maliciosa e cínica de todos. Emma vive Nicki Moore e é a principal responsável pelos pontuais momentos de ironia do filme (além de estar mais bonita e sensual que nunca), além de se transformar na figura mais emblemática e significativa dentre todas.
Então, pode-se dizer que com um distanciamento maior que o habitual e um olhar puramente observador, Sofia Coppola nos traz um conto moderno e polêmico. The Bling Ring (2013) é nitidamente um filme que se dispõe a criticar a cultura do ego e da futilidade e também funciona como um documento sobre a perda de valores morais por parte de uma juventude cada vez mais arrogante, materialista e inconsequente.
De todos os filmes da diretora, no entanto, este é o mais impessoal e o que mais se distancia dos demais. Apesar de seguir o mesmo padrão estético dos demais e de focar na superficialidade aristocrática, tema bem esmiuçado em forma de filme clássico em Maria Antonieta, este aqui não tem o forte aspecto emotivo presente em filmes como As virgens suicidas e Encontros e desencontros ou a proximidade pessoal com a diretora como em Um lugar qualquer. Talvez o fato de se passar na sociedade em que Sofia (nascida e criada em Hollywood cercada por celebridades e milionários) o torne um projeto mais pessoal para ela. Talvez seja uma adaptação de uma visão própria de observadora de alguém que sempre acompanhou aquele meio. Mas de qualquer forma, não gera conexão pessoal. Mesmo assim, ainda é muito divertido acompanhar ironicamente a trajetória desse grupo de jovens com suas motivações estúpidas e também é uma boa forma de pensar sobre a que ponto chegamos.

Nota: 9/10

Lucas Moura