sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Filmes pro final de semana - 27/09

1. J. Edgar (2011)
Nos anos 20, a chamada polícia federal dos Estados Unidos era quase uma piada. Faltava estrutura, funcionários e principalmente o poder de atuação que é tão famoso nos dias de hoje. Tudo mudou com o brilhante e ambicioso John Edgar Hoover (Leonardo DiCaprio) que entrou na agência como assistente do diretor e não tardou a ocupar o cargo do chefe. No comando do FBI, Hoover criou o conceito de uma polícia moderna, investigativa e com a capacidade de cruzar e gerar dados dos cidadãos como nenhuma outra no mundo. Tamanha dedicação lhe rendeu a segurança no cargo por nada menos que 48 anos, só deixando a diretoria da agência no caixão. Em todo esse tempo os Estados Unidos tiveram oito presidentes e mais de vinte secretários de Estado, todos devidamente investigados por Hoover, que encomendou dossiês sobre a vida de quase todas as figuras públicas do país – apesar dos feitos heróicos, o diretor também tinha um lado obscuro que incluía ir contra Martin Luther King e a luta pelos direitos civis. É essa uma das qualidades do filme: a imparcialidade. A direção de Clint Eastwood expõe as várias facetas de Hoover através da atuação fenomenal de DiCaprio, mostrando além de sua trajetória, a fonte de várias contradições da personalidade complexa e fascinante que foi J. Edgar Hoover.
Obs: na minha opinião, a atuação de DiCaprio foi a melhor desse ano, junto com a de Ryan Gosling em Drive. Nenhum dos dois atores foi indicado ao Oscar.
Nota: 9,5/ 10
2. Albert Nobbs (2011)
Na Irlanda vitoriana, o austero mordomo de hotel Albertt Nobbs guarda um segredo: é, na verdade, uma mulher, que há 30 anos usa roupas e identidade masculinas para poder trabalhar. Albert, interpretado por Glenn Close, é um exemplo de dedicação ao trabalho e discrição, o que lhe garante o respeito de todos os colegas e hóspedes do hotel. O filme gira em torno da figura do mordomo a partir de sua amizade com o pintor Hubert Page (Janet McTeer) e sua relação com o casal de amantes formado pela copeira do hotel Helen e o misterioso Joe, desempregado que aparecera no hotel e se oferecera para fazer bicos. No longa, se destacam as atuações de Glenn Close e Janet McTeer, ambas indicadas ao Oscar. Glenn, inclusive, também é co-produtora e co-roteirista do filme, que é beaseado num conto que também inspirou uma peça em que a atriz trabalhou na década de 80.
Nota: 8,0 / 10
3. Dúvida (Doubt, 2008)
Nova York, 1964. Numa tradicional e rigorosa escola católica do Bronx, a diretora, irmã Aloysius Beauvier (Meryl Streep), controla com mãos de ferro a educação de seus alunos. A igreja é vinculada à igreja local, e consequentemente o pároco padre Brendan Flynn (Phillip Seymour Hoffman) também tem algum poder na administração escolar, além de dar aulas de educação física. A partir de um comentário feito pela irmã James (Amy Adams) sobre o excesso de atenção dada pelo padre ao único aluno negro da escola, Donald Miller, a irmã Aloysius começa uma verdadeira cruzada buscando a verdade por trás do padre, cujo comportamento liberal irrita a conservadora freira. Além do drama denso e muito bem elaborado, o filme é sustentado pelas excelentes atuações de seus três protagonistas, ambos os três indicados ao Oscar, e de quebra traz um fator adicional: Viola Davis, na época não muito conhecida, que aparece menos de dez minutos do filme mas é responsável por uma cena excelente junto a Meryl Streep (aliás, o trabalho de Meryl aqui é um dos que mais gosto na carreira dela) e também foi indicada a melhor atriz coadjuvante.
Nota: 8,5/ 10
4. O garoto (The kid, 1921)
Uma mãe pobre, um bebê abandonado, um assalto a uma mansão e eis que surge uma criança no caminho de nosso velho amigo Carlitos (Charles Chaplin). O vagabundo tenta se esquivar do pequenino que o destino pusera em sua vida, mas aceita cria-lo, apesar da pobreza em que vive. Cinco anos depois, o pequeno ajuda seu pai adotivo no ofício de vidraceiro - de um jeito não muito honesto, verdade - e os dois se viram como podem. Ao mesmo tempo, a outrora pobre mãe se tornara uma rica estrela de cinema que pratica caridade na tentativa de curar as mágoas do passado sobre o filho abandonado. Coincidências poderão fazer com que a mãe reencontre seu filho? Ao longo de 50 minutos Chaplin conduz uma história muito emocionante e claro, muito engraçada, por exemplo com a famosa cena em que ele e o menino fogem de um policial após destruir uma vidraça. Nenhuma palavra falada (o filme foi feito seis anos antes do cinema falado), mas emoção de sobra.
Nota: 8,0 / 10
5. Poderosa Afrodite (Mighty Aphrodite, 1995)
De todos os filmes genuinamente cômicos de Woody Allen, um dos mais divertidos e inusitados é mesmo Poderosa Afrodite. Uma mistura criativa e genial de romance americano com tragédia grega, aliados aos elementos de comédia já clássicos na filmografia do diretor, bem como esboços de suas reflexões usuais, que aqui aparecem quase em segundo plano. Em primeiro plano, uma trama enrolada e quase novelesca pautada na busca de um homem judeu de meia idade (Woody Allen) pela mãe de seu filho adotivo. A grande diversão de Poderosa Afrodite é ver a relação afetiva (não exatamente amorosa) que ocorre entre as personagens, tendo em vista o quão épica é a personagem interpretada por Mira Sorvino. Uma das personagens mais interessantes, divertidas e surpreendentes de toda a filmografia do diretor. Seja como tragédia grega ou comédia pastelão, Poderosa Afrodite funciona muito bem e não fica muito atrás dos grandes filmes do diretor.
Nota: 9,5/ 10
Lucas Moura e Luís F. Passos

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Filmes pro final de semana - 20/09

1. Bastardos Inglórios (Inglorious Bastards, 2009)
Na França ocupada pelos nazistas, um pequeno pelotão americano formado apenas por judeus e comandado pelo tenente Aldo "o Apache" ( Brad Pitt) desembarca com um único objetivo: matar nazistas. O terror espalhado pelos Bastardos Inglórios se espalha pelas fileiras alemãs e chega ao próprio Hitler. Paralelamente, há uma jovem dona de cinema (Mélanie Laurent) que anos antes viu sua família ser morta pelo genial e sádico coronel da SS Hans Landa (Cristoph Waltz), que tem a chance de vingar seus parentes e todos os judeus mortos pelos nazistas. Utilizando a violência típica de seus filmes, enchendo a tela de sangue e fazendo referências cinematográficas e à  cultura pop, Tarantino cria uma história que é considerada por muitos a melhor dos anos 2000. O roteiro é excelente, envolvente e divertido; e também merece toda a glória Christoph Waltz, até então um desconhecido ator austríaco, que levou o Oscar de melhor ator coadjuvante pelo maravilhoso trabalho como Hans Landa. Bingo! (entendedores entenderão).
 Nota: 9/ 10
2. Volver (2006) 
Voltando a trabalhar com fortes personagens femininas, Almodóvar dirige a história das irmãs Raimunda (Penélope Cruz) e  Sole (Lola Dueñas), que perderam os pais num trágico incêndio. O maior destaque da história vai para Raimunda, que logo no início do filme se vê diante da morte do marido pela sua própria filha, que o matara para se defender de abuso sexual. Mãe protetora, Raimunda decide esconder o cadáver para proteger sua filha. Na mesma noite, Sole viaja para o enterro de sua tia Paula, uma idosa debilitada que quando viva jurava para as duas irmãs que era a falecida mãe delas, Irene, quem cuidava dela na velhice - e as irmãs achavam que a tia estava ficando caduca. Mas acontece o impensável: Sole encontra sua falecida mãe mais viva do que nunca no porta-malas de seu carro. Estamos diante do sobrenatural? É a indagação que Almodóvar conduz pelo filme, com sua habilidade única de revelar aos poucos os mistérios de suas obras. Além das marcas do diretor espanhol, Volver tem como principal mérito as atuações de suas protagonistas, vencedoras do prêmio de atuação feminina em Cannes (foram cinco vencedoras empatadas), e talvez a melhor atuação da carreira de Penélope Cruz.
Nota: 8,5/ 10
3. Fargo (1996)

Tudo pode acontecer no meio do nada. Meu filme preferido dos singulares irmãos Coen, Fargo nos traz uma tragicomédia que envolve sequestro, roubo, assassinato, medo, arrependimento, piadas, uma policial grávida e muitos, muitos erros. O subtítulo recebido em sua distribuição nacional, Uma comédia de erros, na verdade é bem conveniente. Um filme sobre erros que simplesmente acerta em tudo. Assistir Fargo é uma experiência divertida, sendo um prazer inestimável sentar e ver aquelas pessoas se destruindo pelas próprias bobagens que foram largando pela mais pura incompetência. Dentro de seu universo particular de filmes bizarros, Fargo pode até ser o que não bate mais nesta tecla, mas é de longe o trabalho mais sólido e mais competente dos irmãos Coen. Uma das coisas que mais gosto aqui é que toda a comédia, não são gags estúpidas, mas sequências de ironias e exageros tratadas como algo extremamente natural. Não se força a barra, tudo simplesmente flui. É como se dissessem: este aqui é nosso mundo, e no nosso mundo coisas assim acontecem a qualquer momento. A atuação de Frances McDormand é a cereja do bolo.
Nota: 10
4. Os bons companheiros (GoodFellas, 1990)
A escória da máfia. Diferente do alto escalão dos mafiosos ítalo-americanos apresentados pela trilogia de Coppola, Scorsese nos mostra o baixo escalão desta mesma instituição, dando um novo ponto de vista de algo já muito familiar. Os bons companheiros desenvolve-se na relação entre Henry Hill (Ray Liotta) e sua vida na máfia. Uma vida toda preparada para fazer parte disto, algo que sempre foi julgado como algo maior. No meio da confusão e da pobreza dos bairros suburbanos violentos, ser da máfia representava ser alguém. Scorsese desenvolve desta forma, a ascensão de Henry para a máfia e como ele construiu destruir-se totalmente uma vez tendo abusado de todos os privilégios e riqueza que lhe beneficiaram e ultrapassado qualquer limite e senso de moralidade. Violento do começo ao fim, Os bons companheiros é ironicamente cômico. Situações absurdas acontecem o tempo todo e risos são inevitáveis. O desenrolar da trama segue uma sequência não muito imprevisível, mas muito interessante de ser acompanhada. Representa, também, a terceira derrota mais amarga de Scorsese ao Oscar de direção. Afinal, temos aqui o terceiro melhor filme do diretor, perdendo apenas para Taxi Driver e Touro indomável.
Nota: 10

5. Farrapo humano (The lost weekend, 1945) 
Primeiro filme a retratar o alcoolismo como o grande problema que é, Farrapo humano é uma abordagem adulta, inteligente e impiedosa da degradação daqueles que sofrem desse mal. No filme Ray Milland dá vida a Don Birnam, escritor que vem lutando contra a bebida e que enfrenta um final de semana crítico em que está sozinho, sem sua namorada e seu irmão, que o incentivam a ficar longe do álcool. Na solidão, a falta de dinheiro para comprar whisky leva Don a mentir, trair, roubar e até mesmo tentar vender sua máquina de escrever, numa sucessão de cenas tensas e humilhantes para o protagonista - e a excelente direção de Billy Wilder nos leva para junto de Don a todo o tempo, sofrendo com ele e vendo sua triste história a partir de seu ponto de vista. Filme ícone dos anos 40, vencedor dos Oscar de melhor filme, direção, roteiro adaptado e ator.
Nota: 10

Lucas Moura e Luís F. Passos

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Sangue Negro - mais denso que petróleo


Queria iniciar essa postagem com um pedido: mundo, valorize mais Paul Thomas Anderson (PTA para os íntimos).  Apesar de ser um nome querido entre os críticos e um seleto grupo de fãs cinéfilos, o diretor não tem uma popularidade tão expressiva quanto deveria ter. Seus trabalhos são uma sequência de filmes incríveis, que seguem um padrão constante de qualidade com pequenas variações entre muito bons e excelentes. Na pequena lista do diretor, figuram nomes como Boogie Nights, Magnólia, Embriagado de amor, Sangue negro e O Mestre. Todos eles grandes trabalhos, mas nenhum com a popularidade merecida. Bom, é fato que as grandes massas de um modo geral não costumam ter um olhar muito aguçado pra esse tipo de coisa, mas para aqueles que se acham “Cult” só por terem visto Encontros e desencontros e aqueles que não param de falar que não há nada no cinema atual de qualidade só por terem assistido a trilogia Godfather e se configuram como os cinéfilos mais irritantes que existem, sugiro ver um filme de PTA. Qualquer um deles denota qualidades técnica e artística impecáveis e são uma prova contundente de que o cinema pode até não estar nos seus melhores dias, mas também não está morto – não só de Bergman vive o homem.
Bom, deixando as divagações de lado, vamos nos focar no trabalho de PTA. Dentre todos seus filmes excepcionais um consegue se destacar, impondo presença como um potencial clássico americano dos anos 2000. Este filme é Sangue Negro (There will be blood, 2007), uma produção impecável.
O cinema americano vem trabalhando muito com a temática da crise e do ciclo vicioso de violência e destruição imposto pelo petróleo e todo o dinheiro e política envolvidos desde sua retirada até sua comercialização. Vários são os filmes que esbarram direta ou indiretamente nesta problemática (queria deixar como destaque o filme Syriana de 2005). Fugindo do convencional, PTA baseia sua história no início do século XX, quando o comércio do petróleo começava a se difundir e o ouro negro firmava-se cada vez mais como a maneira mais eficaz de alcançar poder e sucesso. No centro de tudo, um homem: Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis). Na base de seu suor e sangue, um homem que conseguiu sair do nada e construir um grande império. O que é verdadeiramente interessante é como PTA constrói essa personagem. Se por um lado Daniel é um gênio dos negócios e um homem que, de um ponto de vista historicamente bem comportado, poderia ser construído como um grande visionário e um homem a frente de seu tempo, PTA prefere o ponto de vista dos bastidores. De tudo que acontece por trás dos panos e de toda a discreta maquinaria envolvida por trás de negócios exclusos de corrupção e destruição. Genial sim, mas ao mesmo tempo um legítimo sociopata que não mede esforços para alcançar seus objetivos e cujo alimento é cobiça e ambição.
Com o rosto lavado de petróleo e a mão suja do sangue de todos que pareceram na perigosa empreitada pelos subsolos pedregosos do meio-oeste americano, Daniel não poupa ninguém, nem a si mesmo, em prol de seu objetivo final de sucesso. Destrói tudo e todos a seu caminho, desde propriedades rurais de pobres coitados a sua própria relação familiar com seu filho. O diretor gosta muito de trabalhar com a figura clássica do anti-herói e seus filmes geralmente são liderados por protagonistas complexos e cheios de defeitos, mas sempre muito empáticos. Por este papel, Daniel Day-Lewis recebeu seu segundo Oscar de melhor ator.
Além da figura emblemática de um homem que por si só representa a agressividade envolvida ao petróleo, Sangue Negro ainda reserva boas doses de críticas a outro elemento bastante polêmico: a igreja. Num segundo plano, tão importante e presente quanto o petróleo, o filme trata da corrupção e da falta de princípios morais que rege a comercialização da fé, mostrando a construção de uma igreja por um pastor de moral extremamente questionável chamado Eli (interpretação marcante de Paul Dano). Para os que se interessam pelo tema e queiram vê-lo retratado de uma forma ainda mais concisa, recomendo O Mestre, do próprio PTA, lançado ano passado nos cinemas.
Desta forma, Sangue Negro consegue ir fundo nas feridas dos EUA, desenvolvendo-se na escória que o próprio país criou com o tempo. Como se não bastasse elenco, direção e roteiro impecáveis, o filme ainda é tecnicamente genial. Os grandes silêncios espalhados entre as sequências de diálogos geralmente não muito longos são preenchidos por imagens vastas do meio-oeste americano com sua beleza árida para filme de John Ford nenhum botar defeito. Ou seja: uma fotografia que já vale por um filme inteiro. Além disso, ainda dá pra acrescentar uma boa edição que impede que o filme longo e às vezes lento torne-se monótono e uma boa trilha sonora, grandiosa como tudo aqui. 

Nota: 10

Leia também: O Mestre

Lucas Moura