sábado, 23 de julho de 2016

Mesmo se nada der certo - música é a salvação

Mesmo se nada der certo (Begin again, 2013) é uma espécie de Apenas uma vez (Once, 2006) mais recente. Se formos analisar a proposta dos dois e a forma como ambos se desenvolvem, dá até para perceber vários pontos de grande similaridade. Deixando de lado o fato de que Apenas uma vez é, inquestionavelmente, melhor, mais interessante, mais envolvente, mais emocionante e mais simples, Mesmo se nada der certo consegue manter-se bem com sua proposta, seu elenco estelar e seu inegável charme. 

No filme, temos a união inesperada entre Dan (Mark Ruffalo), um produtor musical cuja carreira se encontra estagnada após anos de abusos, crises emocionais, problemas familiares e más escolhas profissionais e Gretta (Keira Knightley), uma jovem britânica pouco ambiciosa, porém muito talentosa, que viaja à Nova Iorque acompanhando seu namorado Dave (Adam Levine), que, literalmente de uma hora pra outra, acaba de se tornar uma grande estrela pop em ascensão após o sucesso de uma participação de uma de suas músicas em um filme aparentemente bem popular. O fato é que, como se poderia esperar, a relação dos dois, apesar de longa e aparentemente forte, não consegue suportar as mudanças na vida de Dave, que por fim acabam criando um abismo entre eles. Dan e Gretta. Dois derrotados engolidos por Nova Iorque que, numa noite de completa frustração para ambos, acabam se conhecendo por coincidência e a partir deste momento passam a seguir um caminho juntos, ela como cantora e ele como seu produtor musical, cujo objetivo comum é a produção de um demo com os trabalhos de Gretta para tentar que a mesma consiga um contrato com a antiga gravadora de Dan e que ele consiga de volta seu emprego. As coisas não são fáceis e, dotados apenas de muito companheirismo e força de vontade, os dois conseguem montar um grupo muito pouco usual de músicos desconhecidos para gravar o demo fora de estúdio, usando as ruas e a vida de Nova Iorque como pano de fundo para a produção.

                Mesmo se nada der certo é o tipo filme que faz as pessoas se sentirem bem. É bastante otimista, muito carismático e possui um roteiro satisfatório, apesar de passar longe de ser algo inovador. É um filme bastante empático, dotado de uma trilha sonora agradável e que celebra, acima de todas as coisas, o companheirismo, a amizade e o amor à música. Não faz a vez de drama romântico, não é manipulativo e muito menos pretensioso. É apenas um filme sobre um grupo de pessoas desajustadas que decidem dar a volta por cima através daquilo que mais amam: a música.

Nota: 7.5/10

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Lucas Moura

domingo, 17 de julho de 2016

The Rocky Horror Picure Show - don't dream it, be it

Science fiction... double feature 
Dr. X will build a creature
See androids fighting Brad and Janet (...)
Oh-oh at the late night, double feature, picture show

Que os anos 70 foram revolucionários para o cinema, este singelo blog já falou até demais. O que não falamos muito é sobre como a ousadia, liberdade e profundidade da geração que transformou o cinema americano agiu no gênero dos musicais. Enquanto nos anos 50 tínhamos Gene Kelly sapateando inocentemente pela chuva  e nos anos 60 Julie Andrews rodopiava pela relva com crianças, a década de 70 traz musicais bem mais complexos, realistas e bem menos virtuosos. Figuras como Bob Fosse, que em seu filme de estreia Cabaret (1972) contou a história de uma prostituta que sonhava em ser atriz e com isso derrotou ninguém menos que Francis Coppola no Oscar de melhor diretor, são prova da força de uma vertente dos musicais explorada décadas depois em filmes como Moulin Rouge (2001) e Chicago (2002).
If there's one fool for you then I am it, Janet
Now I've one thing to say and that's
Dammit Janet, I love you!
Em meio a vários títulos inesquecíveis, nenhum foi tão singular ou chocante quanto The Rocky Horror Picture Show (1975). Narrado por um criminalista (Charles Gray), o filme acompanha o jovem e virginal casal Brad Majors (Barry Bostwick) e Janet Weiss (Susan Sarandon), que após noivarem decidem visitar o dr Everett Von Scott (Jonathan Adams), professor em cujas aulas eles se conheceram e se apaixonaram. As primeiras cenas são suficientes para traçar um perfil dos dois: inocentes, sonhadores e reprimidos - um perfeito estereótipo de um padrão esperado pela sociedade. Enfim, quando Brad e Janet estão na estrada, em meio a um temporal, um pneu do carro fura e eles saem na chuva em busca de ajuda.
It's just a jump to the left, and then a step to the right (...)
You're spaced out on sensation, like you're under sedation
Let's do the Time Warp again!
Nosso casal de heróis chega a um castelo onde pretendiam se proteger da chuva enquanto esperavam ajuda de alguém. Eles são recebidos pelo sombrio mordomo Riff-Raff (Richard O'Brien), pela irmã dele, a empregada Magenta (Patricia Quinn) e pela copeira Columbia (Little Nell), e se inicialmente acharam o lugar assustador, a impressão passou a ser de bizarrice quando eles entram num salão e veem várias pessoas dançando a Dobra temporal (Time warp), literalmente uma dança do acasalamento. Mas bizarra e chocante mesmo é a chegada do anfitrião da casa, o dr Frank-N-Furter (Tim Curry), um "doce travesti da Transilvânia Transexual" - aparece meio vampiresco, com uma capa enorme, e se revela mais divo que muita drag ao ficar de collant e cinta-liga.
I could show you my favourite obsession:
I've been making a man with blond hair and a tan
And he's good for relieving my tension
Frank conta a Brad e Janet o motivo de tanta festa na noite em que estavam: ele iria apresentar aos convidados sua mais nova e perfeita criação: um homem musculoso e bronzeado feito para satisfazer suas mais íntimas necessidades. Batizado de Rocky, o projeto de Frank tem de músculos o que não tem de cérebro - foi usada parte do cérebro de outra criatura, que inoportunamente aparece enquanto o cientista se maravilhava com seu novo brinquedo pessoal. Os desdobramentos das revelações das intenções e dos feitos de Frank, além da realização de tais intenções, são tão surpreendentes quanto insanos.
Give yourself over to absolute pleasure
Swim the warm waters of sins of the flesh
Erotic nightmares beyond any measure
And sensual daydreams to treasure forever
Can't you just see it? 
Dizer que The Rocky Horror Picture Show é um dos musicais mais memoráveis de todos os tempos não é coisa de fã e nem é pelo fato do quanto ele se afasta de todos os padrões. O filme tem o mérito de abordar os temas que aborda da forma como aborda. Muitos são os filmes que tratam da questão da sexualidade, especialmente da repressão e da descoberta - só para exemplificar, o clássico Repulsa ao sexo (1965) de Polanski ou o contemporâneo e maravilhoso Azul é a cor mais quente (2013); mas a vertente que The Rocky Horror segue é absolutamente singular. Onde mais você vai encontrar um cientista transexual alienígena que não só brinca de Frankstein como ama seduzir os inocentes e colocá-los no mau caminho? Janet é a figura que mais representa a repressão dos próprios impulsos, contida no seu papel de boa moça - até explodir tudo cantando toucha toucha toucha touch me, I wanna be dirty. E mais do que a temática sexual, o filme fala sobre esquisitices e como as pessoas devem abraçar suas esquisitices e particularidades, pois todas são únicas e por mais bizarras que pareçam, todas podem se encaixar no mundo de alguma forma.
I'm a wild and an untamed thing
I'm a bee with a deadly sting
You get a hit and your mind goes ping
Your heart'll pump and your blood will sing
So let the party and the sounds rock on
We're gonna shake it 'till the life has gone
Rose tint my world
Keep me safe from my trouble and pain
O sucesso do musical foi avassalador. Claro que a polêmica em torno dele se instaurou, e o filme chegou a ser banido da África do Sul, além de demorar a chegar em vários países. Por outro lado, ficou quatro anos em cartaz no Reino Unido e mais incrível, até hoje é exibido em um cinema de Munique, na Alemanha, na sessão da meia-noite. É o maior tempo de exibição de um filme de todos os tempos. Além do que já falei acima - e ressaltando o quanto o musical é criativo e singular -, suas músicas chiclete (claro que são chiclete, esse é um musical) são sensacionais. Seja em clima de sedução, de festa ou de terror, a trilha sonora é perfeita para o filme e muito bem interpretada por seu elenco. E por falar nos atores, a primeira pessoa a ser citada obrigatoriamente é Tim Curry, que interpreta Frank. O cara é simplesmente brilhante e sua atuação é soberba. Fazer os trejeitos de Frank metido num espartilho e montado num salto alto não deve ter sido nada fácil; difícil imaginar outra pessoa no papel - e é fato conhecido que Mick Jagger foi pensado para dar vida a Frank. Claro que todo o elenco é ótimo, mas ninguém foi mais inesquecível que Tim Curry. A expectativa agora é em torno do remake feito para a televisão e estrelado por ninguém menos que Laverne Cox. Se Frank já era divo, imagine sendo interpretado por uma diva.
Free to try and find a game (...)
And I realize I'm going home

Nota: 10

Luís F. Passos

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Entre Irmãos - da guerra à família


Como o título já deixa bem claro, a adaptação americana do drama dinamarquês homônimo centra-se numa conturbada relação familiar entre dois irmãos, completamente opostos, bem como na dinâmica instável de uma família marcada por uma tragédia.

Em Entre irmãos (Brothers, 2009) Tobey Maguire vive Sam, um capitão do exército estadunidense recrutado para servir por seu glorioso país no combate em território afegão nos anos 2000. Quando o helicóptero em que estava é derrubado pela força inimiga, Sam é capturado por guerrilheiros afegãos e, junto com um colega soldado, é preso e passa por meses de tortura em seu cativeiro. Tudo o que viveu naquele tempo confinado no meio do deserto, privado de água, comida e dignidade, somado ao medo extremo, às doses diárias de agressão física e terror psicológico leva sua mente a um estado extremo de confusão. Tudo o que fez e tudo que passou no cativeiro vão ter reflexos permanentes em sua vida ao voltar para casa. Ou poderíamos chamar essa vida de apenas uma existência pós-guerra?

O fato é que, sim, Sam é resgatado. Falo isso não apenas pelo prazer de dar um spoiler, mas sim porque este não é o ponto mais importante da trama. Na verdade, é o gatilho para o que o filme realmente reserva de intenso: a volta para casa. Como Sam passou meses dado como morto, sua família seguiu em frente, da melhor maneira possível. O grande responsável por essa tentativa de restauração de equilíbrio é o irmão recentemente saído da prisão, Tommy (Jake Gylenhaal), que acaba “ocupando” o espaço deixado por Sam em prol de melhorar os ânimos das sobrinhas e da cunhada, Grace (Natalie Portman). Claro que rola um clima entre os dois. Na verdade, todo esse lado do filme é bem coisa de filme meia boca mesmo, sabe. Absolutamente nada separa este seguimento de Entre irmãos de um drama de Sessão da tarde. É bem batido. A relação dele com a cunhada: clichê. A relação de Tommy com o pai: clichê. O fato de o irmão morto parecer muito melhor que o irmão problemático, porém, vivo com direito a “preferia estar morto no lugar dele mimimi” (droga, destino!): clichê.

 Então, mais uma vez, o ponto de potência em Entre irmãos é justamente quando a história de Sam como prisioneiro no Afeganistão – que é meio tendenciosa, diga-se de passagem – encontra com Tommy e Grace pós-luto. O choque deste encontro dá margem à instabilidade mental de Sam e o homem até então perfeito, amigável e carinhoso acaba se apresentando como um animal, irracional e incontrolável. Todos os méritos para Tobey Maguire que traz o que é, até este momento, seu melhor trabalho como ator.

A potência dos últimos minutos de Entre irmãos é tanta que isso acaba equilibrando as falhas que podem ser observadas ao longo do filme. Ele abusa da visão dos árabes como monstros violentos sem escrúpulos, o que, para mim, é desconfortável. Por outro lado, numa tentativa de dar uma interpretação melhor, o filme pode ser contemplado mais como a desconstrução da figura do herói de guerra e, sobretudo, um drama sobre o efeito nocivo da guerra sobre a alma e a mente do homem comum. Esse ponto acaba sustentando melhor o filme – e nos faz relevar racismo, o romance Sessão da Tarde e o drama familiar previsível de quase toda a projeção.

Obs1: Porque os EUA tem tanta preguiça de ler legenda? Qual a razão de adaptar em 2009 um filme de 2003, que, pelo que todos dizem, é bem melhor que seu remake? Ridículo.

Obs2: Entrando numa onda drama familiares clichês, há alguns mais funcionais, oh. Gosto muito de Gente como a gente (Ordinary people, 1980).

Obs3: Carey Mulligan faz um pequeno papel neste filme e é de uma potência incrível. Como sempre.

Nota: 7/10

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Lucas Moura

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Filmes pro final de semana - 08/07

1. Um amor em Paris (La Ritournelle, 2014)
Esta agradável e carismática comédia romântica nos apresenta Brigitte (Isabelle Huppert), uma senhora de personalidade intensa, o que contrasta com sua rotina tranquila como produtora rural, ao lado do marido. Sua inquietação diante da pacata vida no campo começa a incomodá-la depois que seus filhos saem de casa, manifestando-se inclusive no seu corpo através de pequenas manchas na pele, que os médicos afirmam serem provocadas por estresse. Brigitte então decide se tratar em Paris, para aproveitar e viver a agitação da cidade grande. A beleza e jovialidade que ainda apresenta é motivo para Brigitte atrair muitos olhares e perceber que a vida ainda lhe aguarda boas surpresas.
Nota: 8,5/ 10
2. Tudo pode dar certo (Whatever works, 2009)
Boris (Larry David) é um velho enxadrista que mora em Nova York. Ranzinza, físico aposentado e crente que é superior a toda e qualquer pessoa, ele leva uma vida simples e solitária, ocupada pelas aulas gratuitas de xadrez que dá a crianças no parque. A grande surpresa na vida de Boris é o aparecimento de Melody (Evan Rachel Wood), uma garota de 21 anos que lhe aparece e pede abrigo em seu apartamento. Melody é meio desmiolada, adjetivo que Boris não cansa de repetir, e o velho solitário acaba se tornando um mentor para ela. Mas a vida é uma caixinha de surpresas e os dois acabam engatando um relacionamento, a contragosto da família de Melody, que aparece para tentar fazer a menina mudar de ideia -  e a chegada dos pais dela a Nova York, mais do que proporcionar ótimas cenas engraçadas, também provoca um momento de autoconhecimento para os dois.
Nota: 9,0/ 10
3. Chicago (2002)
Depois que Moulin Rouge (2001) trouxe de volta aos holofotes o então superado gênero dos musicais, coube a Chicago consolidar o grande retorno conquistando o Oscar de melhor filme. Roxie (Renée Zellweger) e Velma (Catherine Zeta-Jones) se conhecem no presídio feminino depois da primeira matar o amante e da outra matar o marido.  Ambas ficaram conhecidas por seus crimes, e também têm em comum o show business: Velma é estrela do vaudeville, e Roxie sonha em se tornar uma. A esperança para as duas se salvarem da pena capital é Billy Flynn (Richard Gere), melhor advogado criminalista da cidade, que planeja transformá-las em queridinhas do grande público que eram vítimas nas mãos de homens cruéis. Entre batalhas jurídicas e brigas entre os protagonistas, um verdadeiro show hollywoodiano.
Nota: 9,0/ 10
4. O Tigre e o Dragão (Wo Hu Cang Long, 2000)
O guerreiro Li Mu Bai (Chow Yun-Fat) e sua amiga Yu Shu Lien (Michelle Yeoh) são heróis conhecidos por toda a China, vivendo em tempos de relativa paz na dinastia Qing. O roubo da espada Dragão verde por uma figura desconhecida e exímia nas artes marciais desperta antigas questões de honra e vingança que envolvem uma velha bruxa e a filha do governador da província, Jen (Zhang Ziyo). O desenrolar do filme é ilustrado por desafios à física, à medida em que guerreiros lutam flutuando por copas de árvores ou correndo sobre a superfície de lagos. Mas muito mais que encher os olhos com as inacreditáveis lutas, O Tigre e o Dragão envolve o espectador com sua história de amor, vingança e até mesmo uma postura feminista - vide a cena em que Jen consegue surrar toda uma estalagem cheia de brutamontes. Dizem que a intenção do diretor Ang Lee com O Tigre e o Dragão era fazer o melhor filme de artes maciais possível. Bem, ele conseguiu.
Nota: 10
5. Uma cilada para Roger Rabbit (Who framed Roger Rabbit, 1988)
A inusitada interação entre atores reais e animação se torna completamente natural nessa divertida comédia de suspense em que o astro dos desenhos Roger Rabbit acaba sendo ajudado pelo mal humorado detetive Eddie Valiant para provar sua inocência em um crime. Rabbit e seus colegas de trabalho da Toontown, o subúrbio de Los Angeles habitado pelos desenhos animados, estão preocupados com a própria sobrevivência depois do assassinato do milionário Marvin Acme, dono de distrito. Por haver a suspeita de que a esposa de Rabbit, a femme fatale Jessica Rabbit, seria amante de Acme, cai sobre Roger a suspeita de ter matado o dono dos estúdios. Seja pela atrapalhada saga dos dois heróis, seja pela presença inusitada de diversos desenhos conhecidos, este é filme para rir do começo ao fim.
Nota: 9,0/ 10

Luís F. Passos

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Spring Breakers - bad girls do it well

Spring Break. Ou recesso de primavera, como poderíamos chamar numa tradução mais literal. Período em que jovens universitários dos EUA tiram um pequeno intervalo em seus estudos e viajam para curtir e aproveitar da melhor maneira possível. Um período marcado por festas e diversão. Um momento para respirar longe dos compromissos e da tediosa rotina da vidinha normal. Parece um paraíso.

Motivadas por essa visão paradisíaca dos dias longe do cotidiano, quatro jovens universitárias, ávidas por novas experiências e por curtir a vida sem restrições, decidem embarcar, rumo à Flórida, para aqueles que seriam os melhores dias de sua vida. Ao longo do caminho, porém, os excessos acabam pesando e mergulhando as quatro num mundo muito mais violento e sério do que elas poderiam imaginar.

Mistura entre o Cult e a MTV orquestrada por Harmony Korine, Spring Breakers (2012) é, estranhamente, bom. O estranho é porque não se espera, antes de ver o filme, que aquilo ali tem alguma qualidade, mas de um modo inesperado o filme é capaz sim de surpreender o espectador, e ainda nos traz uma experiência cinematográfica única, a sua maneira. O interessante aqui é a forma como as protagonistas lidam com o Spring Break em si.  Motivadas pelo desejo intenso de quebrar a monotonia de suas vidas, elas se agarram com muita força à ideia de que tudo aquilo que elas vão viver é a realização de um sonho. E assim é. Sendo um sonho, obviamente, tudo é permitido. Então, o que acontece ao longo de Spring Breakers é a total quebra de limites de qualquer valor social ou moral que se pode levar numa vida normal, digamos assim. Como tudo não passa de um sonho, de um mundo paralelo, vale a pena cometer infrações, assaltos, abusar de drogas e bebidas, serem presas, acabar como amantes de um traficante (James Franco, excelente) e ainda se envolver com uma violenta rixa entre ele e um traficante rival. Tudo é possível. Tudo vale a pena para prolongar os sonhos, para que o Spring Break dure para sempre. O interessante é como elas encaram aquilo tudo como se fosse normal ou no mínimo aceitável. Por mais que estejam drogadas e/ou bêbadas o tempo todo, isso não justifica a completa falta de índole das personagens que são responsáveis pelo tom totalmente amoral de Spring Breakers. Não existe lição de moral neste filme, as personagens não aprendem nada com seus erros ou com a experiência negativa que vivem. Tudo o que importa aqui é: bebida, sexo, drogas e violência. Tudo ao extremo. Claro que essa caracterização não se refere às quatro personagens. Uma delas, Faith (Selena Gomez) é a primeira a desistir daquilo tudo e é a primeira a ir embora quando as coisas começam a entrar em um caminho bem mais obscuro. Na primeira vez que vi Spring Breakers não dei muita atenção à personagem, mas tendo visto uma segunda vezesta se tornou a minha preferida. Isso porque Faith, como o nome sugere, vive num meio bastante religioso e correto, o que é interessante porque coloca a personagem sempre num ponto de vista da famosa culpa cristã, que a persegue até que ela desista de tudo. Afinal, mesmo não concordando com o que as amigas fizeram para conseguir ir para Flórida, Faith resolve ir. É uma cúmplice, no fim das contas. Mas uma moça de respeito de igreja deveria se prestar a esse tipo de coisa? O desconforto entre o que quer e o que foi educada a aceitar ficam evidentes várias vezes ao longo da trama. Também é a única personagemcom um pouco de responsabilidade na cabeça. As demais, sem salvação. É impressionante a banalidade com a qual as personagens encaram as coisas. Detalhe: elas não são vítimas de ninguém hora alguma, e são muito bem responsáveis pelos seus atos.


O tom do filme é frenético e o desenrolar da história é entrecortado por festas, DJs, praias e jovens bêbados gritando, pulando, beijando, fazendo sexo em público, drogando-se, enfim, mais uma vez, tudo é possível. Esse tom de excesso, pelo menos para mim, causou um impacto positivo, de modo que tanto absurdo me deixou curioso para acompanhar a trama até o final. O filme ainda conta com uma trilha sonora e fotografia excelentes. A parte técnica, aliás, me chamou muita atenção. A edição é a responsável pelo tom frenético do filme, que contrasta muitas vezes com momentos de estranha tranquilidade. Spring Breakers, aliás, abusa dos absurdos inclusive neste sentido. Num momento estamos vendo uma cena extremamente violenta sendo que 30 segundos antes temos um ar propositalmente bucólico ao pôr do sol, com um piano tocando Britney Spears enquanto elas dançam ao som da canção com armas na mão e máscaras no rosto, prontas para o ataque. É exatamente esse o estilo de filme que Spring Breakers se propõe a ser. A fotografia é muito interessante, visualmente muito bonita. Das cores sempre muito fortes com ótimo uso de contrastes, no belo pôr do sol da Flórida quando tudo parece mágico, ao contraste de biquínis com tom de neon numa noite de explosão de violência.

Nota: 8/10

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sexta-feira, 1 de julho de 2016

Filmes pro final de semana - 01/07

1. A pele que habito (La piel que habito, 2011)
Fúria. Loucura. Paixão. Elementos novelescos e claro, onipresentes da obra de Pedro Almodóvar. Este filme de 2011 ganhou imensa popularidade por trazer esses três elementos com mais intensidade que o normal a ponto de chocar o espectador; muitos o classificam como terror (inclusive o próprio diretor), mas eu prefiro chamar de horror. A diferença? A intenção aqui não é apavorar o espectador, e sim impressionar, e muito. Antônio Banderas interpreta um cirurgião plástico muito competente, um cientista inovador cujo único, mas grande defeito é o desprezo à ética. Um de seus mais promissores e polêmicos trabalhos é o desenvolvimento de uma pele artificial cuja aparência é a da pele humana, mas é mais resistente. E para cobaia, ele usa alguém que fez coisas que o atingiram fortemente naquilo que ele considerava mais precioso. O que? Assista para descobrir. Garanto que é um prazer imenso descobrir os segredos que Almodóvar tem a revelar pouco a pouco e que deixou boquiabertas plateias de todo o mundo.
Nota: 9,0/ 10
2. Educação (An Education, 2009)
Charmoso e encantador, Educação é um filme sobre a transição entre adolescência e idade adulta, com todas as expectativas e frustrações dessa fase. Jenny (Carey Mulligan) tem 16 anos e mora com a família num subúrbio de Londres. Inteligente e erudita, Jenny sonha com um diploma de Oxford e uma vida agitada e interessante, ao mesmo tempo em que vive no que chama de tédio da adolescência e aguarda ansiosa seus dias de independência. Quando conhece um carismático homem de mais de trinta anos, Jenny se vê envolvida num mundo novo e elegante, frequentando concertos, restaurantes caros, leilões de arte e outros eventos cheios de glamour - deixando Jenny no dilema entre sua educação formal e o aprendizado que tal vida poderia lhe oferecer. Ótimo em diversos aspectos, tem na atuação da até então pouco conhecida Carey Mulligan um show à parte.
Nota: 9,5/ 10
3. A vida dos outros (Das Leven der Anderen, 2006)
Pense duas vezes antes de dizer que o cinema não é mais o mesmo e que já não se produzem inesquecíveis obras-primas. A vida dos outros tá aí pra provar que o cinema de alta qualidade ainda resiste. Com roteiro e direção de Florian Henckel von Donnersmarck, um desconhecido até então, o filme é ambientado nos anos 80 na Alemanha Oriental, onde a Stasi, uma das mais controladoras polícias secretas da Cortina de ferro tocava o terror numa época em que não havia o menor indício de abertura política. O capitão da Stasi Gerd Weisler (Urich Müher) recebe a missão de espionar um dramaturgo e sua esposa, que é atriz, e se instala no mesmo prédio em que o casal mora, no andar de cima, ouvindo tudo o que se passa na casa deles. O que inicialmente era apenas uma missão e encarado com escárnio se transforma numa relação unilateral de solidariedade, levando o espião a duvidar de toda sua ética e crença no partido totalitário e questionar um estilo de vida sem liberdade e sem direito à individualidade. Em poucas palavras: um filme excepcional. Infinitos elogios ao roteiro, à direção e à atuação de Mührer, que era um experiente ator de teatro na Alemanha (inclusive fora espionado durante a Guerra Fria) e que infelizmente faleceu um ano após o lançamento do filme.
Nota: 10
4. Seven - os sete crimes capitais (Se7en, 1995)
Com Brad Pitt no elenco, David Fincher fez um dos melhores (senão o melhor) filmes da década de 90, Clube da luta. Alguns anos antes, também com Pitt, Fincher emplacou um de seus primeiros grandes sucessos: Seven. Pitt é David Mills, jovem e impulsivo policial que assume o cargo de detetive no lugar do experiente e culto William Somerset (Morgan Freeman), que está prestes a se aposentar. Um misterioso e cruel assassinato chama atenção da polícia e faz Somerset adiar um pouco sua aposentadoria e trabalhar em conjunto com seu sucessor. A partir de informações deixadas pelo próprio assassino e do imenso conhecimento de Somerset, é revelada a macabra trama da história, ao mesmo tempo em que o criminoso deixa outras vítimas - todas ligadas aos pecados capitais. Em meio a um clima de sujeira e depravação, Fincher conduz o filme a um final quase tão surpreendente quanto do filme que lançaria quatro anos depois - e por isso eu digo, esse é um filme que você tem obrigação de ver.
Nota: 9,0/ 10
5. Kramer vs Kramer (1979)
Ah, a Nova Hollywood. Uma geração brilhante, promissora, ousada, revolucionária, que salvou a indústria do cinema americano... mas que não demorou muito mais que uma década. E o início do fim foi na premiação do Oscar de 1979/1980, em que o épico e gigantesco Apocalypse Now de Francis Ford Coppola e todo seu horror da Guerra do Vietnã foram derrotados para o drama familiar de Kramer vs Kramer. Estrelado por Dustin Hoffman e Meryl Streep, premiados respectivamente com Oscar de melhor ator e atriz coadjuvante, o filme acompanha o súbito fim do casamento de Ted Kramer (Hoffman) e sua esposa Joanna (Streep), motivado pela dedicação dele ao trabalho e não à família. Joanna se vai e deixa Ted com o pequeno filho Billy, e o executivo precisa se desdobrar em pai e mãe, sendo que ele mal fazia o primeiro papel como deveria. E quando Ted se acostuma à nova rotina... Joanna volta para brigar pela guarda do filho. O resultado? Uma batalha judicial que comoveu os Estados Unidos e derrotou um dos melhores filmes já feitos. Mas como a gente sabe que qualidade não é o único aspecto analisado pela Academia... a gente deixa pra lá e aproveita essa beleza de filme.
Nota: 8,5/ 10
 
Luís F. Passos