sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Filmes pro final de semana - 28/ 02

1. Brilho eterno de uma mente sem lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004)
O amor visto de um ângulo incomum em Hollywood: a desilusão amorosa e o fim de um relacionamento. Como curar um amor fracassado? A melhor alternativa seria simplesmente esquecer tudo. E se fosse possível? Brilho eterno responde a esta pergunta (e levanta tantas outras) ao mostrar o término do namoro de Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet) e o tratamento a que ela se submete para apagar Joel de sua mente depois de perceber que não era feliz ao seu lado. Amargurado, Joel decide fazer o mesmo tratamento, mas à medida em que vê sua ex-amada sendo apagada de suas lembranças, descobre que é melhor sofrer ao lembrar dos bons momentos ao lado de Clementine do que não ter memória alguma. A trama, que parece meio impossível ao se ler sobre, na verdade se mostra totalmente plausível ao ser vista - graças ao excelente roteiro, vencedor do Oscar, das atuações de Carrey e Winslet e de um time de coadjuvantes que inclui Kirsten Dunst, Elijah Wood e Tom Wilkinson.
Nota: 10
2. Titanic (1997)
Com certeza, um clássico instantâneo. Este vencedor de 11 prêmios do Oscar já está com seus 17 anos (incrível isso), mas ainda não perdeu nada de sua potência. Uma história de amor que com certeza vai transcender muitas outras décadas, o romance de Rose e Jack é carregado de paixão e provações. Somado ao conteúdo romântico meloso e irresistível, o filme ainda tem comédia, drama, uma catástrofe e todos os elementos necessários para um blockbuster de sucesso. Ainda uma das maiores bilheterias da história do cinema, Titanic consegue agradar a qualquer um que o veja, do público em geral aos críticos mais rigorosos. É cinema pop de qualidade num clássico que tem a força e a influência de um E o vento levou moderno. Genial.
Nota: 10
3. O silêncio dos inocentes (The silence of the lambs, 1991)
Apenas três filmes compõem a seleta lista dos filmes vencedores dos cinco prêmios principais do Oscar (filme, direção, ator, atriz e roteiro): Aconteceu naquela noite (1934), Um estranho no ninho (1975) e O silêncio dos inocentes. Dos três, talvez o melhor seja o segundo, mas o mais popular é o terceiro. A primeira aparição do canibal Hannibal Lecter (Anthony Hopkins) no cinema acompanha a jovem Clarice Starling (Jodie Foster), jovem agente do FBI que busca um serial killer conhecido como Buffalo Bill, cuja captura seria chave para um salto em sua carreira na agência. O caso ganha destaque nacional quando o psicopata sequestra a filha de uma importante senadora. Clarice então busca a ajuda do dr Lecter, tentando traçar um perfil psicológico do assassino; claro que nada é entregue de bandeja, e tem início uma sequência de pistas e perseguição que dá uma tensão incrível ao filme, que flutua entre o suspense e o terror - difícil de encaixar num gênero, mais difícil ainda não ficar arrepiado com algumas cenas em especial. Mas pra mim o que mais se destaca são as duas atuações dos protagonistas, ambas vencedoras do Oscar, ambas icônicas: a de Hopkins lhe garantiu a grande popularidade que mantém até hoje, a de Foster coroou o trabalho de excelência que ela faz desde os catorze anos, quando iniciou a carreira ao lado de De Niro em Taxi driver.
Nota: 10
4. Uma rua chamada pecado (A streetcar named desire, 1951)
Desejo e loucura. Duas palavras que descrevem muito bem a potência desse clássico marcado por personagens à flor da pele e interpretações monstruosas de quatro atores de duelam com ferocidade em cena para ver quem mostra mais força. São eles: Karl Malden (vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante), Kim Hunter (vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante) e, principalmente, dois dos maiores nomes do cinema mundial, Marlon brando (indicado a melhor ator) e Vivien Leigh (vencedora de melhor atriz) como uma das personagens mais ricas não apenas do cinema, como do teatro (esta obra é baseada numa peça homônima de Tennessee Williams). As relações intrincadas de atração e repulsa entre essas personagens são o motor deste intenso e inovador clássico. 
Nota: 10
5. O mágico de Oz (The wizard of Oz, 1939)
Consagrado mundialmente, nos seus 75 anos de lançamento O mágico de Oz perdura como uma grande influência no gênero cinematográfico infantil. As aventuras de Dorothy (Judy Garland), no entanto, também é muito importante por ter sido uma produção incrivelmente inovadora para a época, sobretudo pelo uso das cores fortes e vibrantes que até então eram novidade em filmes deste porte. Mesmo tendo enfrentado de frente o mais clássico ainda E o vento levou, o potencial de O mágico de Oz, seu carisma e sua ótima realização o seguraram por todos estes anos. Um dos pontos altos do filme é sua trilha sonora, tendo esta seu centro na super clássica Somewhere over the rainbown, interpretada pela própria Judy Garland, que ao longo das décadas tornou-se uma das maiores canções da história da música.
Nota: 9,0/ 10 

Lucas Moura e Luís F. Passos

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Filmes pro final de semana - 21/02

1. Os amantes passageiros (Los amantes pasajeros, 2013)
Em A pele que habito (2011) Almodóvar misturou drama e terror numa história tensa e surpreendente. Seu filme seguinte é bem diferente, voltado para o lado noveleiro do diretor, além de retomar as divertidas personagens gays - aqui mais divertidas como nunca, pois é uma comédia das boas. Os amantes passageiros é uma história passada nas alturas, num voo que sai de Madri para o México mas que por problemas no trem de pouso precisa ficar sobrevoando a Espanha enquanto não se descobre uma solução. A tripulação dá soníferos a todos da classe econômica, mas os da primeira classe ficam acordados e se transformam em personagens de uma louca comédia: a cafetina de luxo que guarda segredos de homens poderosos, a mulher com poderes sobrenaturais que se apaixona por uma ereção, um pai que há muito tempo não vê a filha que fugiu de casa, o chefe dos comissários de bordo que é amante do comandante casado. Uma história novelesca e impagável que se afasta um pouco dos dramalhões envolvendo gays e aborda a temática de um modo muito mais leve e divertido. Prova do talento e versatilidade de Almodóvar.
Nota: 8,0/ 10
2. VIPs (2011)
As histórias passadas na cabeça de Marcelo (Wagner Moura) sempre foram dignas de virar filme, especialmente porque ele conseguia transformar quase todas em realidade, às graças a um dom excepcional de mentir e fazer com que todos acreditassem - na verdade, uma doença que o impedia de encarar sua vida e o fazia encarnar as mais diversas personagens. VIPs é baseado na história real de Marcelo Nascimento da Rocha, estelionatário cuja maior proeza foi se passar por Henrique Constantino, filho do dono da Gol, durante uma micareta em Recife, com direito a ser entrevistado ao vivo por Amaury Jr. A história foi um escândalo, Marcelo está preso até hoje, mas tão cedo não será esquecido, ainda mais depois de ser vivido (muito bem, diga-se de passagem) por Wagner Moura. Esse é o trabalho que enche os olhos de qualquer ator, pois a palavra chave é versatilidade. Numa personagem que divide sua personalidade em centenas, praticamente um homem camaleão que se adapta a qualquer realidade criando um universo de mentiras. Mais um sucesso de nosso cinema.
Nota: 8,5/ 10
3. Mary e Max - uma amizade diferente (Mary and Max, 2009)
Esqueça as animações bonitinhas, alegres, coloridas. Mary e Max dá alguns passos à frente para retratar a estranha amizade entre uma menina australiana e um judeu de meia-idade novaiorquino. Criada num ambiente nada politicamente correto, Mary resolve escrever para o primeiro endereço que ela achasse num catálogo telefônico dos Estados Unidos, e assim ela manda uma carta para Max contando sobre sua vida, sua paixão por doces, especialmente leite condensado e sua teoria de que as crianças vêm em canecas de chope. Max responde, e os dois vão mantendo contato por anos a fio - e como toda amizade que se preze, esta é cheia de altos e baixos. Max sofre da síndrome de Asperger, um tipo de fobia social caracterizada pela dificuldade em expressar e entender emoções.Sua doença às vezes abala a relação com a menina, mas acaba sendo de grande importância na vida profissional e pessoal de Mary. Impressionante como as simpáticas figuras de massinha de modelar ilustram na verdade como a vida pode ser triste, pois o filme é realista de um modo sombrio; interessante a relação de cores: o mundo de Mary é sépia, o de Max é cinzento, cada um revelando um tom de sofrimento - assunto que é especialidade de seu diretor.
Nota: 9,0/ 10
4. Dr Fantástico (Dr Strangelove or: How I leanerd to stop worrying and love the bomb, 1964)
Em meio à tensão criada pelo bipolarismo mundial que se dividia entre o capitalismo norte-americano o socialismo soviético, agravado pela questão nuclear, Stanley Kubrick decidiu quebrar o gelo em plena Guerra Fria e satirizar o militarismo e o risco de uma guerra atômica capaz de mandar a humanidade para os ares. Dr. Fantástico começa com um general neurótico que ordena um ataque nuclear à União Soviética sem o consentimento do presidente ou do Estado-Maior, desencadeando uma complicada e quase impossível tentativa de parar os aviões, pois só ele poderia ordenar o abortamento da missão e havia isolado sua base aérea. Como uma história assim pode ser uma comédia? Contando com Peter Sellers numa tripla atuação fenomenal, fazendo as vezes d oficial da OTAN que está junto do general maluco e tenta mudar seus planos, de presidente preocupado e de Dr Fantástico, brilhante físico nuclear alemão cujo braço direito tem vida própria e parece atender ainda às ordens do 3º Reich. Além de Sellers, atores como George C. Scott, que interpreta um general tarado, abrilhantam esse filme cujo principal mérito é a direção impecável de Kubrick. Observador e ilustrador da condição humana, o diretor mostra nesses que é um de seus maiores trabalhos o medo, a ambição pelo poder e a fragilidade do homem diante daquilo que ele próprio criou.
Nota: 10
5. Bonequinha de luxo (Breakfast at Tiffany's, 1961)
Costumo dizer que aquilo que é bom de verdade consegue não se tornar clichê. No caso de Bonequinha de luxo, a beleza, a elegância e o espírito de Audrey Hepburn são os fatores que ainda impedem que um dos clássicos mais queridos de Hollywood permaneça fresco, apesar da legião de meninas cabeça oca que nunca viram (ou virão) o filme (ou viram e mal entenderam) mas exibem a imagem de Audrey em frente à joalheria e afirmam se identificar (aham, Cláudia.)
Baseado no romance de Truman Capote, o filme acompanha Holly Golightly (Audrey), acompanhante de luxo que mora em Manhattan cujo maior sonho é conquistar um milionário. Holly divide um pequeno apartamento com um gato sem nome, é uma carismática cabecinha oca e no fundo é só uma solitária buscando seu lugar no mundo. Logo no início do filme Holly conhece seu novo vizinho, Paul, um escritor mal sucedido sustentado por uma dama da alta sociedade - sim, as personagens não são exemplos de moral. Desde que conhece Holly, Paul se encanta por ela, e o carinho é mútuo. O escritor vai ver sua vida mudar depois da simpática moça, e vai tentar mudar a dela também. Tarefa fácil? Não. Tão difícil quanto não se encantar com Audrey cantando Moon River no batente da janela do banheiro
Nota: 9,0/ 10

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Trapaça - os vigaristas do ano

David O. Russel é mesmo um diretor muito espertinho. Após os sucessos emplacados sequencialmente com O vencedor (2010) e O lado bom da vida (2012), ele decidiu mudar drasticamente de temática, mas resolveu manter os premiados elencos destes filmes. Não apenas manter, mas mesclar. Vindos de coadjuvantes de O vencedor, foram escalados para protagonizar Trapaça os atores Christian Bale e Amy Adams e vindos de protagonistas de O lado bom da vida, vieram Bradley Cooper e Jennifer Lawrence para serem coadjuvantes. Junto a eles, se uniram nomes como o de Robert DeNiro (que também faz parte do elenco de O lado bom da vida) e Louis C.K. Resumidamente, de elenco Trapaça não sofre e foi um filme talhado desde o papel para ser um grande sucesso. O sucesso idealizado converteu-se num dos filmes mais bem sucedidos de 2013, emplacando incontáveis indicações ao Oscar – incluindo todas as categorias principais.
Deixando de lado esses aspectos e focando um pouco no enredo em si, Trapaça (American Hustle, 2013) é um título bem autoexplicativo. Conta a história de dois vigaristas de primeira – Iv (Christian Bale) e Sydney (Amy Adams) – que praticam pequenos e discretos crimes contra pessoas desesperadas por dinheiro ou por algum tipo de salvação econômica miraculosa. De bandidos estilosos e sorrateiros, eles acabam se envolvendo com o FBI quando caem nas mãos do detetive Richie (Bradley Cooper). Acusados pelos seus crimes, os dois tem a chance de escaparem de longos anos na cadeia se participarem como delatores e membros de um grande esquema para desmascaras outros grandes vigaristas. A questão é que, obviamente, tudo é uma bola de neve, e quanto mais os dois se envolvem com o FBI e seus perseguidos, mais o filme toma caminhos mais complicados e mais conturbados. O que era pra ser simples torna-se mais que complexo. Torna-se perigoso, e uma saída de mestre é preciso (seria esta possível?).
Enfim, é um bom enredo. Na verdade, não há como negar a capacidade de David O. Russel de escrever roteiros e este também é muito bom. Vale lembrar também que Trapaça é todo ambientado nos anos 70, e o trabalho de direção de arte e figurino é, de fato, magistral. Tudo no filme te transporta para a década e é impossível ignorar as diversas gags envolvidas com todas as situações que uma proposta dessas pode proporcionas. A direção de David O. Russel também segue seus elementos naturais. Apesar de ser, em sua origem, um filme aparentemente mais complexo, Trapaça carrega o mesmo ar despreocupado, natural e simples que seus dois trabalhos antecessores. É algo que eu particularmente gosto muito. O que eu não morri de amores com relação à Trapaça é que ele é um pouco...decepcionante talvez. Eu sinceramente esperava algo melhor. É um filme muito divertido, muito criativo e muito bem feito, mas sinceramente parece que há algo faltando. Em algumas partes ele tem alguns probleminhas de ritmo e fica um pouco lento, mas não acho que isso seja bem um problema. Algumas pessoas na sessão estavam reclamando do início do filme, que se desenvolve num ritmo mais devagar, compassado por narrações em off de Iv e Sidney. Na verdade, estes são dos melhores momentos e são essenciais para conhecer de verdade os protagonistas – visto que eles passam todo o filme numa permanente (ou não?) atuação.
O que eu senti um pouco de falta em Trapaça é que ele não tem uma coisa que tem de sobra em O vencedor e O lado bom da vida: humanidade. É um filme muito divertido, mas é uma diversão tão passageira, diferente dos outros dois que tem uma sensibilidade tocante, sobretudo O vencedor cuja crueza de sentimentos e a simplicidade com que trata todo aquele drama familiar e pessoal são muito bonitas mesmo. Simples e bonito. O lado bom da vida já pode ser considerado uma comédia propriamente dita, mas ainda carrega muito da emoção de O vencedor. Trapaça não nos dá nada disso e se for pra não criar muita empatia pessoal, compense com outras coisas (ousadia, originalidade, reviravoltas mais surpreendentes, estudos de personagem mais aprofundados, enfim, as opções são muitas). É uma diversão de duas horas e nada mais – uma diversão de alto nível, mas nada muito sensacional. Tendo dito isto, acho que Trapaça já é menos interessante que dois de seus maiores concorrentes ao Oscar desse ano: O lobo de Wall Street (nada de aproximação pessoal ou sensibilidade, mas doses cavalares de ousadia e originalidade) e Gravidade (não dá para explicar a experiência visual cinematográfica que é Gravidade, só vendo mesmo) – não posso falar sobre os demais, pois só vi esses e Capitão Phillips.
O final do filme também implora por uma reviravolta. Com 5 minutos de projeção, já dá pra saber que algo do tipo vai acontecer só não se sabe o que. As reviravoltas acontecem mesmo, são muitas. Algumas excelentes, algumas razoáveis, mas estão sempre presentes e denotam a qualidade técnica do roteiro, visto que todas soam convincentes. Pro meu gosto, acho que o enredo base de Trapaça poderia abrir margem para uma ousadia maior. Tipo, em alguns momentos o filme realmente balança para pegar caminhos mais arriscados, mas não os toma. David O. Russel trabalha muito no campo da segurança e não há muito que reclamar já que é uma característica dele, mas isso não me impede de imaginar que nas mãos de Scorsese o filme poderia muito bem sair de uma comédia para um tom extremamente sério e muito mais impactante, ou que nas mãos dos irmãos Coen poderia caminhar por caminhos muito mais impensáveis e trágicos. Mas enfim, David trabalha assim e assim será – falando desse jeito parece que eu não gosto dele, mas gosto muito.
Guardando o melhor para o final (mesmo eu tendo falado disto no começo), o elenco. Que elenco fantástico. Só tive alguns problemas com Bradley Cooper, mas devo louvar sua atuação que é uma das melhores do filme, sendo meu problema todo vinculado à personagem que é bem irritante. Christian Bale faz mais uma de suas metamorfoses físicas e dá um trabalho muito bom, sendo ele e Amy Adams a base de toda a estrutura do filme. Ah, Amy Adams. Como não se apaixonar por Amy Adams como Sydney? Que papel, que personagem, que decote e que atuação. Ela é muito envolvente e muito forte em cena. Quase tão intensa quanto, só mesmo Jennifer Lawrence que vive a esposa de Iv. Apesar das curtas participações, Lawrence não tem apenas um papel crucial, como também vive a personagem mais insana de todas. Uma mulher vulgar e desbocada que é extremamente cômica. Quando em cena, Lawrence sempre rouba os holofotes para si. Vale lembrar que os quatro atores acima citados foram indicados ao Oscar – estando Trapaça numa extremamente seleta lista de filmes com essa honra. Também gostaria de ressaltar a participação de Jeremy Renner, numa atuação inspirada, mas que ficou muito de fora da mídia em vista à popularidade e presença de seus colegas.

Nota: 8,5/ 10

Leia também:
O lado bom da vida
O vencedor

Lucas Moura

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Livros para Fevereiro

Desde o fim de agosto nós do Sagaranando recomendamos filmes para o final de semana; geralmente cinco filmes, todas as sextas. Demos uma pausa no fim de dezembro por causa da programação de fim de ano, mas ainda essa semana daremos prosseguimento às dicas para quem gosta de aproveitar o descanso do final de semana com cinema.
A novidade é a recomendação de livros. Sabemos que há algum tempo não damos tanta atenção à literatura (que foi o carro chefe do blog em sua origem), por isso encontramos um jeito prático e interessante de nos reaproximarmos dos livros por aqui: todo mês indicaremos três livros para nossos leitores. Serão livros de gêneros diversos, populares ou não, que caíram no gosto dos que fazem o Sagaranando. Pra dar início ao projeto, um fenômeno mundial, um clássico brasileiro indiscutível e um grande romance do querido Hemingway.
1.  A menina que roubava livros (Markus Zusak, 2005)
Finalmente chega aos cinemas a adaptação de uma das melhores histórias publicadas no século 21. Dá até uma saudade do romance que li há quase seis anos e até hoje permanece como um de meus favoritos, ao lado de título de peso como Memórias Póstumas de Brás Cubas e Cem anos de solidão. O futuro clássico de Markus Zusak é narrado pela Morte, baseado nos três encontros que ela teve com a protagonista, a pequena Liesel. A história se passa na Alemanha nazista em 1942, quando a garota vai morar com uma nova família numa pequena cidade e tem sua vida completamente mudada com a nova família, o vizinho que se torna seu melhor amigo e o judeu que os pais adotivos abrigam em seu porão. E claro, os livros, mudam sua vida. A menina que era analfabeta no começo do enredo rouba livros (dã!), primeiro um que cai do bolso de um coveiro, depois um que salva de uma pilha de livros incendiados pelos soldados de Hitler. Um hábito que ajuda a construir sua história pessoal e a aproxima da história de outras pessoas, e se tornou um dos melhores e mais populares livros em mais de dez anos por todo o mundo.
Nota: 10
 
2. Dom Casmurro (Machado de Assis, 1899)
O mais discutido dos livros machadianos está na mais seleta lista dos clássicos indispensáveis de nossa literatura. Narrado em primeira pessoa por Bento Santiago, o próprio Dom Casmurro (alcunha explicada por ele no primeiro capítulo), o livro visa atar as duas pontas da vida dele, que está na velhice e acredita que lhe restam poucos anos. O objetivo de Bento - Bentinho assim que avançamos alguns capítulos - é rever toda sua vida para compreender sua intensa relação com Capitu, o grande amor de sua vida e também ponto de partida para a grande dúvida que o perturba. Capitu fora vizinha de Bentinho desde que eram crianças, e era evidente o carinho mútuo, mas o menino foi para o seminário devido a uma promessa da mãe dele. No seminário ele conhece Escobar, que se torna seu melhor amigo; os dois abandonam o seminário juntos. Escobar se torna comerciante e Bentinho advogado, ambos se casam: Bentinho com Capitu, Escobar com Sancha, amiga da mulher do amigo. Família estável, emprego rentável, bons amigos. Bentinho não podia reclamar de nada, até que percebe algo estranho nos olhos de cigana oblíqua e dissimulada, os olhos de ressaca de sua esposa, imortalizados por Machado de Assis. Teria Capitu traído o marido com seu melhor amigo? O narrador tem certeza de seus chifres e tenta convencer o leitor de que está certo. Ele está? Ninguém sabe e nunca saberá. 115 anos depois da publicação e 106 anos depois da morte de Machado, permanece inalterado o mistério que é parte essencial do legado de nosso maior escritor.
Nota: 10
 
3. O jardim do Éden (Ernest Hemingway, 1986)
Fico um pouco receoso de falar de O jardim do Éden porque acho que quanto menos for revelado da história, melhor. Publicado anos depois da morte de Hemingway (o manuscrito foi um dos encontrados nos pertences do escritor), o livro é um exemplo do que há de melhor na literatura do boêmio que tanto influenciou a literatura mundial, e assim como outras obras suas, cheio de elementos da vida do próprio autor: mulheres, bebida, praias, caçadas na África e o ofício de escrever. Ambientada no litoral da França e da Espanha, a história acompanha o casal Catherine e David, ela herdeira de uma rica família e ele promissor escritor. Os dois vivem no paraíso: passeios e mergulhos em praias lindas, conhecendo belas cidades litorâneas, bebendo e passando boa parte do tempo na cama. Praticamente Adão e Eva no Jardim do Éden. A maçã da história é Marita, linda morena que Catherine conhece e leva para junto de si e do marido - e por algum tempo a história lembra Vicky Cristina Barcelona. Até mesmo o triângulo amoroso foi tirado de experiências próprias do autor, cuja força literária se mostrou incólume vinte e cinco anos depois de seu suicídio, quando o romance foi publicado - e que até hoje conquista fãs por todo o mundo.
Nota: 10

Luís F. Passos

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Darling - retrato da superficialidade

O subtítulo recebido por Darling, produção inglesa de 1965 do diretor John Schlesinger, pode ser interpretado de duas formas: ou uma piada irônica ou um erro grotesco que induz o espectador a esperar um filme que ele não vai ver. O subtítulo diz: Darling – a que amou demais. A que amou demais. Com algo assim estampado num cartaz, há de se pensar que o filme se trata de um romance. Talvez, a trajetória de uma jovem apaixonada que sofre por amores impossíveis ou mal correspondidos ou qualquer coisa do tipo. Qual não é a surpresa ao se deparar, logo nos primeiros minutos de filme, que esta não é uma obra sobre o amor em si, ou qualquer sofrimento muito romantizado, mas sim, um relato sobre a superficialidade e frivolidade da bela manipuladora Diana Scott (Julie Christie).
Darling, então, se mostra um estudo de personalidade. Na figura de Diana encontramos uma jovem belíssima com grandes aspirações para um futuro grandioso, seja através de uma carreira de sucesso como atriz e modelo ou como a esposa de alguém importante. Não importa. A verdade é que Diana não sabe exatamente o que quer, mas sabe que quer. E muito. É uma mulher em constante e incansável busca por uma realização pessoal que parece, na verdade, inalcançável. Em busca dessa escalada, Diana não mede esforços em usar de todos seus artifícios para chegar ao lugar onde ela quer – lugar este que ela realmente não sabe. De todas as armas que usa para conseguir o que quer, uma é a mais fácil e mais eficiente: sua sensualidade. A moça exala sexo, exala sensualidade e ao longo de seu caminho não deixa nada mais nada menos que amantes e admiradores a seus pés. Alguns, homens bem intencionados cujos sentimentos chegam o mais próximo do que se pode entender como amor neste filme; outros, rapazes ingênuos que nem se dão conta de que estão nas mãos de uma mulher tão cinicamente manipuladora; e por fim, outros tão mesquinhos, fúteis e superficiais quanto a própria.
Darling é um filme vazio. Vazio por ser o estudo de uma pessoa vazia. Diana é regida por sentimentos puramente egocêntricos e em momento algum parece servir com sinceridade àqueles que as cercam. É muito difícil determinar seus sentimentos pelos outros, sobretudo com relação a seu segundo amante, Robert. Com Robert, Diana vive seu relacionamento mais estável, duradouro e de maior impacto em sua vida. Mesmo assim, se num momento troca juras apaixonadas de amor eterno e felizes para sempre, no outro está mais interessada em festas às escondidas, mentiras, amantes e uma vida de luxo sustentada nas aparências. As aparências reinam em Darling, visto que o filme também serve como uma celebração à estonteante beleza de uma Julie Christie em seu auge. Por mais que Diana seja uma péssima pessoa, a presença de Christie é magnética e é difícil não se sentir atraído por ela. O interessante é que Diana tem um lado extremamente humano. Apesar de tomar atitudes moralmente reprováveis e errar incontáveis vezes, sua busca infantilizada por uma realização impossível de obter, bem como seus sentimentos momentâneos de culpa e ressentimento, são, na verdade, algo muito comum. Todos procuramos uma satisfação que nunca encontraremos. Por este ponto de vista, muito bem firmado pela atuação icônica de Julie Christie, Diana deixa de ser o que poderíamos de chamar de uma completa vadia para ser humana como qualquer um, garantindo aproximação pessoal e universal com o filme, o que é algo muito importante para uma obra sobreviver às décadas (lembrando que Darling está muito perto de completar 50 anos).
Todas as personagens principais, na verdade, são mais ou menos parecidas com Diana. De fato, são todos membros ricos da alta sociedade que não conseguem dar um rumo preciso a suas vidas e que agem no ímpeto de suas vontades apenas em busca de uma satisfação momentânea que lhes tire, pelo menos por pouco tempo, de uma vida tão confortável quanto entediante, previsível e vazia. A proposta básica do filme fica estampada logo nos créditos inicias (que são geniais). Neles, vemos um outdoor com crianças africanas sendo encoberto por um novo outdoor, este com o rosto de Diana, com dizeres que remetem ao que podemos considerar como uma história a ser contada. Afinal, o filme é narrado por ela quase como se fosse uma biografia. Mais que uma biografia, um show de entrevistas sensacionalista de televisão. Quão irônico também não são momentos envolvendo caridade. Sim. Nossa mesquinha protagonista tem atitudes filantrópicas, descritas pela mesma como “muito entediantes”.
Além desse ar crítico e cínico que eu particularmente sou fã, Darling também conta com uma direção primorosa e elegantíssima, o que o torna um filme muito sóbrio e muito bonito visualmente. Seja no belo apartamento londrino às mansões no interior da Itália, tudo em Darling é belo. Uma beleza que vela sujas personagens.
O filme também é muito sensualizado, com um teor erótico muito claro que também representa um bom avança em relação a sua época. Diana é uma femme fatale. É sedutora, faz sexo com vários homens para conseguir o que quer e usa seu corpo como principal forma de conquista. Os diálogos muitas vezes são ácidos e cínicos, alguns com teor sexual explícito – “sou tão impotente quanto você virgem”. Outras cenas muito ousadas para a época incluem encontros às escondidas em quartos de hotéis, insinuações claras a personagens homossexuais e até mesmo a sexo oral, festas estranhas com brincadeiras bem adultas e até mesmo um strip tease raivoso e intenso que revela um nu quase completo de Julie Christie – muito audacioso para tempos pré-revolução cinematográfica de Hollywood, mas já colhendo os louros do novo cinema europeu.
Um muito merecido vencedor do Oscar de melhor atriz em 1966 – Julie Christie ainda permanece como uma das atrizes mais jovens a receber o prêmio (a sétima, com apenas 25 anos).

Nota: 10

Lucas Moura

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Dúvida - a escolha de acreditar

A morte de um ator do quilate de Philip Seymour Hoffman é o tipo de fatalidade que entristece milhões de fãs do cinema por todo o mundo. O ator falecido aos 46 anos iniciou sua carreira na televisão em 1991 e no ano seguinte fez sua primeira aparição no cinema, de relativo destaque, em Perfume de mulher; o sucesso foi crescente com o passar dos anos. Em 2005, ao interpretar o escritor Truman Capote no filme Capote foi vencedor do Oscar de melhor ator, além de ser indicado ao Oscar de ator coadjuvante por Jogos de poder (2007), Dúvida (2008) e O Mestre (2012). Três atuações memoráveis, sendo a segunda delas tema de nossa singela homenagem ao grande ator.
O ano é 1964 e na escola católica St. Nicholas, localizada no Bronx, reina a disciplina e a ordem baseada na obediência e no medo, principalmente medo da figura austera da diretora, a irmã Aloysius Beauvier (Meryl Streep), quase uma representação da Igreja pré-Vaticano II, cujo hábito negro e expressão impassível são capazes de dominar os vários alunos da escola. O pároco local, padre Brendan Flynn (Seymour Hoffman) acha um absurdo o tradicionalismo da irmã Aloysius e tenta pôr fim aos rígidos costumes perpetuados pelas freiras que administraram a escola ao longo dos anos. O caráter liberal e o jeito bonachão do padre foram mais que suficientes para que a diretora nunca o aprovasse, somado a outras cismas dela, como as longas unhas dele e sua paixão por doces.
Em meio às mudanças políticas e sociais da época, a escola abre as portas para seu primeiro aluno negro - isso numa comunidade composta por descendentes de irlandeses e italianos. A diretora decide observar o aluno, Donald Miller, de longe já que esperava alguma rejeição por parte dos colegas e incumbe a professora dele, irmã James (Amy Adams), da missão de acompanhar de perto o garoto. O que a jovem freira acaba percebendo não parte dos alunos, mas do padre Flynn: uma atenção especial dedicada a Donald e o fato de tê-lo chamado em sua sala e o menino retornar à classe com um comportamento estranho e hálito alcoólico. Depois da irmã James relatar o ocorrido à irmã Aloysius, não precisou muito tempo para que a superior suspeitasse das intenções do padre e decidisse encontrar a verdade, por mais difícil que fosse.
Dúvida (Doubt, 2008) é basicamente um filme de elenco. Bem escrito e bem dirigido, mas tem toda sua força no trio Streep, Adams e Seymour Hoffman - quarteto na verdade, pois Viola Davis dá um show como a mãe de Donald, na cena em que conversa com a irmã Aloysius, praticamente sua única aparição no filme mas uma das melhores do longa. A discussão entre a sra Miller e a freira é tão brilhante que os poucos minutos de cena foram suficientes para Viola ser indicada ao Oscar de atriz coadjuvante. Quanto aos outros, o trabalho não merece menos que os maiores elogios. Amy Adams, que eu considero uma das melhores atrizes de sua geração, faz a inocente irmã James com perfeição, demonstrando a timidez, os gestos comedidos e a bondade que a impede de acreditar na culpa do padre, apesar da insistência de sua superior. O autoritarismo (e por que não intolerância?) da irmã Aloysius é resultado da dedicação de Meryl Streep à personagem, com os olhos sempre desafiadores e sobrancelhas arqueadas decidida a levar a questão até onde fosse preciso.
Talvez essa seja a melhor atuação de Meryl em muitos anos, melhor até que em A dama de ferro (2011), que deu à atriz seu terceiro Oscar, isso porque a freira de Meryl é algo quase inacreditável. Há uma cena em particular, recheada pela séria discussão entre a irmã e o padre Flynn, em que só falta um matar o outro pelo olhar; cena esta pontuada pelo padre gritando "você não tem provas de nada!" e sendo rebatido por um "mas eu tenho minhas certezas!" da irmã. É de tirar o fôlego. E claro, Philip Seymour Hoffmann está tão incrível quanto Meryl. Impressionante a sintonia entre eles, mesmo que suas personagens se odeiem; cabe a ele se defender contra a verdadeira tempestade que é a acusação da irmã Aloysius com a mesma veemência de sua acusadora e esconder o que ele fez de errado - aliás, ele fez ou não fez? Eis a questão, a principal dúvida entre tantas outras.

Nota: 9,5/ 10

Luís F. Passos