domingo, 9 de fevereiro de 2014

Darling - retrato da superficialidade

O subtítulo recebido por Darling, produção inglesa de 1965 do diretor John Schlesinger, pode ser interpretado de duas formas: ou uma piada irônica ou um erro grotesco que induz o espectador a esperar um filme que ele não vai ver. O subtítulo diz: Darling – a que amou demais. A que amou demais. Com algo assim estampado num cartaz, há de se pensar que o filme se trata de um romance. Talvez, a trajetória de uma jovem apaixonada que sofre por amores impossíveis ou mal correspondidos ou qualquer coisa do tipo. Qual não é a surpresa ao se deparar, logo nos primeiros minutos de filme, que esta não é uma obra sobre o amor em si, ou qualquer sofrimento muito romantizado, mas sim, um relato sobre a superficialidade e frivolidade da bela manipuladora Diana Scott (Julie Christie).
Darling, então, se mostra um estudo de personalidade. Na figura de Diana encontramos uma jovem belíssima com grandes aspirações para um futuro grandioso, seja através de uma carreira de sucesso como atriz e modelo ou como a esposa de alguém importante. Não importa. A verdade é que Diana não sabe exatamente o que quer, mas sabe que quer. E muito. É uma mulher em constante e incansável busca por uma realização pessoal que parece, na verdade, inalcançável. Em busca dessa escalada, Diana não mede esforços em usar de todos seus artifícios para chegar ao lugar onde ela quer – lugar este que ela realmente não sabe. De todas as armas que usa para conseguir o que quer, uma é a mais fácil e mais eficiente: sua sensualidade. A moça exala sexo, exala sensualidade e ao longo de seu caminho não deixa nada mais nada menos que amantes e admiradores a seus pés. Alguns, homens bem intencionados cujos sentimentos chegam o mais próximo do que se pode entender como amor neste filme; outros, rapazes ingênuos que nem se dão conta de que estão nas mãos de uma mulher tão cinicamente manipuladora; e por fim, outros tão mesquinhos, fúteis e superficiais quanto a própria.
Darling é um filme vazio. Vazio por ser o estudo de uma pessoa vazia. Diana é regida por sentimentos puramente egocêntricos e em momento algum parece servir com sinceridade àqueles que as cercam. É muito difícil determinar seus sentimentos pelos outros, sobretudo com relação a seu segundo amante, Robert. Com Robert, Diana vive seu relacionamento mais estável, duradouro e de maior impacto em sua vida. Mesmo assim, se num momento troca juras apaixonadas de amor eterno e felizes para sempre, no outro está mais interessada em festas às escondidas, mentiras, amantes e uma vida de luxo sustentada nas aparências. As aparências reinam em Darling, visto que o filme também serve como uma celebração à estonteante beleza de uma Julie Christie em seu auge. Por mais que Diana seja uma péssima pessoa, a presença de Christie é magnética e é difícil não se sentir atraído por ela. O interessante é que Diana tem um lado extremamente humano. Apesar de tomar atitudes moralmente reprováveis e errar incontáveis vezes, sua busca infantilizada por uma realização impossível de obter, bem como seus sentimentos momentâneos de culpa e ressentimento, são, na verdade, algo muito comum. Todos procuramos uma satisfação que nunca encontraremos. Por este ponto de vista, muito bem firmado pela atuação icônica de Julie Christie, Diana deixa de ser o que poderíamos de chamar de uma completa vadia para ser humana como qualquer um, garantindo aproximação pessoal e universal com o filme, o que é algo muito importante para uma obra sobreviver às décadas (lembrando que Darling está muito perto de completar 50 anos).
Todas as personagens principais, na verdade, são mais ou menos parecidas com Diana. De fato, são todos membros ricos da alta sociedade que não conseguem dar um rumo preciso a suas vidas e que agem no ímpeto de suas vontades apenas em busca de uma satisfação momentânea que lhes tire, pelo menos por pouco tempo, de uma vida tão confortável quanto entediante, previsível e vazia. A proposta básica do filme fica estampada logo nos créditos inicias (que são geniais). Neles, vemos um outdoor com crianças africanas sendo encoberto por um novo outdoor, este com o rosto de Diana, com dizeres que remetem ao que podemos considerar como uma história a ser contada. Afinal, o filme é narrado por ela quase como se fosse uma biografia. Mais que uma biografia, um show de entrevistas sensacionalista de televisão. Quão irônico também não são momentos envolvendo caridade. Sim. Nossa mesquinha protagonista tem atitudes filantrópicas, descritas pela mesma como “muito entediantes”.
Além desse ar crítico e cínico que eu particularmente sou fã, Darling também conta com uma direção primorosa e elegantíssima, o que o torna um filme muito sóbrio e muito bonito visualmente. Seja no belo apartamento londrino às mansões no interior da Itália, tudo em Darling é belo. Uma beleza que vela sujas personagens.
O filme também é muito sensualizado, com um teor erótico muito claro que também representa um bom avança em relação a sua época. Diana é uma femme fatale. É sedutora, faz sexo com vários homens para conseguir o que quer e usa seu corpo como principal forma de conquista. Os diálogos muitas vezes são ácidos e cínicos, alguns com teor sexual explícito – “sou tão impotente quanto você virgem”. Outras cenas muito ousadas para a época incluem encontros às escondidas em quartos de hotéis, insinuações claras a personagens homossexuais e até mesmo a sexo oral, festas estranhas com brincadeiras bem adultas e até mesmo um strip tease raivoso e intenso que revela um nu quase completo de Julie Christie – muito audacioso para tempos pré-revolução cinematográfica de Hollywood, mas já colhendo os louros do novo cinema europeu.
Um muito merecido vencedor do Oscar de melhor atriz em 1966 – Julie Christie ainda permanece como uma das atrizes mais jovens a receber o prêmio (a sétima, com apenas 25 anos).

Nota: 10

Lucas Moura

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