sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Filmes pro final de semana - 22/08

1. Namorados para sempre (Blue Valentine, 2010)
Malditos tradutores. Malditos. Transformar o título de um sério e triste drama num título de filme adaptação de Nicholas Spark é o fim. Isso porque Namorados para sempre não é, nem de longe, uma história de amor em que todos serão felizes para sempre e blablablá. O que temos aqui é o registro do fim de um casamento, mostrando desde o começo do namoro até o início da ruína do relacionamento. Cindy (Michelle Williams) trabalha num hospital, tem um emprego estável e com chances de crescimento, enquanto Dean (Ryan Gosling) está desempregado e faz bicos - um dos motivos do desgaste da relação. Muitas cenas são ambientadas num motel, para onde eles vão no dia dos namorados para tentar salvar o casamento, mas lá se demonstra ao máximo o quanto tudo está perdido; são momentos de muita tensão em que se vê o grande talento de dois jovens atores, alguns dos maiores nomes dessa nova geração.
Nota: 9,5/ 10
2. Anticristo (Antichrist, 2009)
O filme é muito forte, muito tenso. Inicia com um prólogo em preto e branco e câmera lentíssima em que um casal transa e seu filho pequeno sofre um acidente e cai da janela do apartamento ao som de uma ópera que diz "deixe que eu chore minha cruel sorte". E é esse o principal tema do filme: o sofrimento. A personagem de Charlotte (que não tem nome, assim como o marido) entra num processo de culpa e sofrimento sem fim que começa a destruir sua razão, enquanto o marido (Dafoe), que é psicólogo, tenta ajudá-la. Os dois então vão para uma cabana numa floresta convenientemente chamada Éden, e a partir daí Anticristo põe em questão vários temas religiosos, filosóficos e psicanalíticos. E tudo isso junto a cenas chocantes de sexo, masturbação e violência física. Uma experiência tanto incômoda quanto construtiva - Trier é mais uma vez um sádico que sufoca seus espectadores, mas também se volta para dentro de si, ajustando contas com um episódio de seu passado. É pra quem tem nervos fortes, mas também pra quem quer apreciar uma obra que é tão trágica quanto bela.
Nota: 10
3. Brilho eterno de uma mente sem lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004)
Blessed are the forgetful. O amor visto de um ângulo incomum em Hollywood: a desilusão amorosa e o fim de um relacionamento. Como curar um amor fracassado? A melhor alternativa seria simplesmente esquecer tudo. E se fosse possível? Brilho eterno responde a esta pergunta (e levanta tantas outras) ao mostrar o término do namoro de Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet) e o tratamento a que ela se submete para apagar Joel de sua mente depois de perceber que não era feliz ao seu lado. Amargurado, Joel decide fazer o mesmo tratamento, mas à medida em que vê sua ex-amada sendo apagada de suas lembranças, descobre que é melhor sofrer ao lembrar dos bons momentos ao lado de Clementine do que não ter memória alguma. A trama, que parece meio impossível ao se ler sobre, na verdade se mostra totalmente plausível ao ser vista - graças ao excelente roteiro, vencedor do Oscar, das atuações de Carrey e Winslet e de um time de coadjuvantes que inclui Kirsten Dunst, Elijah Wood e Tom Wilkinson.
Nota: 10
4. Closer - perto demais (Closer, 2004)
And so it is... impressionante a qualidade e a capacidade de impactar de Closer. Dirigido por ninguém menos que Mike Nichols, veterano diretor de A primeira noite de um homem e Quem tem medo de Virginia Woolf?, Closer aborda quatro pessoas em Londres e suas relações de amor, ciúme e ódio entre elas: a fotógrafa Anna (Julia Roberts), por quem o escritor frustrado Dan (Jude Law) se apaixona e cria uma certa obsessão. Indiretamente graças a Dan, Anna conhece o médico Larry (Clive Owen), com quem se casa, mas mais tarde mantém um caso com Dan. Nesse vai e vem, há também a stripper Alice (Natalie Portman), com quem Dan mantinha um relacionamento, e que também vai se aproximar de Larry. Um drama sólido e intenso que vai muito além da questão de relacionamentos e traições; uma grande produção coroada com a música The blower's daughter.
Nota: 9,0/ 10
5. A Malvada (All about Eve, 1950)
Um clássico importante e interessantíssimo, A Malvada é mais um dos títulos que ficaram infelizes depois de traduzidos. Mas esse detalhe não é nada comparado ao roteiro inesquecível e às atuações ainda mais inesquecíveis, começando pelas protagonistas Bette Davis e Anne Baxter. Bette é Margo Channing, atriz veterana da Broadway, ícone entre os colegas e queridinha dos diretores, que vê sua vida mudar com o aparecimento de Eve Harrigton (Baxter), contratada por ela como assessora. Mas a aparentemente inocente Eve de boba não tem nada, se mostrando um poço de inveja e esperteza, fazendo de tudo para se tornar uma atriz do mesmo nível e prestígio de Margo. Os diálogos são ora ácidos, ora sagazes, mas sempre geniais, como o "apertem os cintos, esta será uma noite turbulenta!" proferido por Margo diante da tensão de uma festa de aniversário.
Nota: 9,,5/ 10

Luís F. Passos

domingo, 10 de agosto de 2014

Stanley Kubrick - Imagens de uma vida

Do ano passado pra cá descobri que tenho um carinho especial por documentários, e quase todos que vi nesse meio tempo foram sobre cinema, especialmente sobre diretores. Dentre esses documentários, o que mais gostei foi aquele sobre o diretor que mais gosto, Stanley Kubrick: Imagens de uma vida (A Life in pictures, 2001). O filme aborda toda a vida do cineasta, desde seu nascimento e infância no Bronx, até seu repentino falecimento na Inglaterra, quando o mundo do cinema foi abalado pela trágica notícia de que um ataque cardíaco tirara a vida de um dos maiores nomes do cinema, pouco depois de concluir seu último filme.
Através de depoimentos de familiares e amigos de infância, é construída a imagem do garoto tímido e afetuoso que não se importava com a escola, preferindo ler, jogar xadrez ou usar a primeira câmera, presente do pai quando tinha oito anos de idade. O interesse pela fotografia o levou a fazer pequenos trabalhos durante a adolescência, até que uma foto de um triste jornaleiro pela ocasião da morte do presidente Roosevelt (1945) lhe deu notoriedade e um emprego na revista Look, uma das maiores revistas ilustradas dos Estados Unidos. E ele tinha apenas 16 anos. A partir daí, Kubrick passou a fotografar o cotidiano de Nova York, fazendo ótimas fotos que são admiradas até hoje. Um tema recorrente nas suas fotografias era o boxe, que foi tema de sua primeira experiência no cinema: o curta documentário Day of the Fight, em 1950. Outros dois curtas foram feitos, até que em 1953, com ajuda financeira do pai, Kubrick dirigiu e produziu Medo e desejo, seu primeiro longa. O filme, que falava de uma guerra fictícia numa floresta, serviu de laboratório para o jovem e entusiasmado Stanley.
Detalhes importante da vida do diretor vão sendo contados a partir dos bastidores dos filmes: o primeiro encontro com Christiane, sua esposa, nas gravações de Glória feita de sangue (1957); os desentendimentos com Kirk Douglas durante a produção de Spartacus (1960) e a decisão de ter total controle sobre seus filmes; a rigorosa censura sobre Lolita (1962); os desafios criativos para conceber o inovador 2001: Uma odisseia no espaço (1968); as ameaças sofridas na Inglaterra motivadas pela temática de Laranja Mecânica (1971); as infinitas repetições de cenas durante as gravações de O Iluminado (1980); os muitos anos buscando temas para filmes até começar a trabalhar em De olhos bem fechados (1999) e todos os desafios da produção deste. Além disso, o amor pela família, pelos amigos, pelos animais, o rigor e meticulosidade do trabalho, a obsessão pelo cinema e o esforço constante de se reinventar. As qualidades de um homem tão conhecido por sua genialidade e manias mas lembrado por seus entes queridos como alguém zeloso e dono de um coração enorme.

Nota: 10

Luís F. Passos

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

A história de Adèle H. - a paixão e a loucura de Truffaut

Baseado nos diários de Adèle Hugo, A história de Adèle H. (L’histoire d’Adèle H., 1975), do diretor francês François Truffaut, é uma grande incursão do diretor pelo território da paixão. Não uma paixão em termos convencionais, mas em nível de obsessão. No centro de tudo, a figura extremamente romântica e desequilibrada de Adèle Hugo, numa interpretação inspirada de Isabelle Adjani, personagem não só real como filha do escrito francês Victor Hugo.
O filme narra a trajetória da jovem pelo perigoso território de sua paixão incontrolável e autodestrutiva pelo tenente inglês Pinson, com quem teve um relacionamento amoroso mal sucedido alguns anos antes do momento temporal em que o filme se desenrola. O longa foca no período de busca de Adèle por seu amado. Movida por sentimentos esperançosos de que havia chances concretas dos dois ficarem juntos, Adèle se lança ao mar e literalmente atravessa o oceano em busca de Pinson. Ao chegar onde ele estava, tudo que encontra é rejeição, desprezo e descaso: Pinson não guarda nenhum traço de sentimento por ela. Incapaz de assimilar esta cruel, mas aceitável, realidade e muito menos de se erguer ou superar o relacionamento fracassado, Adèle usa de todas suas armas em busca de uma tentativa de aproximação com Pinson: perseguição, declarações, humilhações de todos os tipos. Em sua trajetória desesperada em busca de amor, Adèle se despe de qualquer elegância, vaidade, dignidade e, por fim, sanidade, numa espiral de loucura crescente pontuada pela excelente narração de sua personagem enquanto transpõe em escrita poética todos os intensos e desesperados sentimentos que compõem o famoso diário no qual esta obra de Truffaut se baseia. São diversos os caminhos tomados por Adèle e, apesar de possuir uma postura legitimamente psicótica, sua fragilidade a torna uma personagem interessante que nos remete àqueles padrões antiquados de romantismo trágico.
A alma de tudo aqui é mesmo a atuação de Isabelle Adjani. Isabelle faz parte da elite do cinema francês e isto definitivamente não é pouca coisa. Sua atuação é de uma força e de uma sensibilidade enormes. Seja nos momentos de lucidez ou de loucura, Isabelle dá um tom de classe a Adèle e sua beleza é magnética. Muito mais que as atitudes da personagem, é no olhar de Isabelle que conseguimos entender, em parte, pelo que Adèle está passando, seja no olhar esperançoso de quem almeja a realização de seus desejos mais íntimos ao vazio nos olhos de quem já teve sua alma destruída pela incapacidade de realização destes, passando por variações extremadas entre obsessão e melancolia. A complexidade da personagem não se limita a sua relação com Pinson, estendendo-se também a seu passado envolvendo a trágica perda da irmã mais velha, Léopoldine (fato que tem efeito negativo marcante sobre a estrutura psicológica de Adèle, visto que ela apresenta, em alguns momentos, um misto de ressentimento pelo fato de a irmã, tanto em vida quanto em morte, ter ocupado mais holofotes que ela, quanto por saudades desta pela sua perda) e sua relação ambígua entre rejeição e valorização de sua identidade como filha de quem é a depender da situação em que se encontra. De qualquer forma, a interpretação de Isabelle Adjani é impossível de ignorar. Não só para nós como também para o próprio François Truffaut, visto que histórias sobre o processo de gravação deste filme dizem que o diretor desenvolveu por sua musa uma relação de amor impossível/obsessivo similar ao que Adèle desenvolve por Pinson. Também reza a lenda cinematográfica que Isabelle Adjani é avessa a ensaios, então muito do que se vê em cena é sua emoção aflorada genuinamente, o que explica sua potência.
Obs: Isabelle Adjani é uma das poucas atrizes a terem sido indicadas ao Oscar de melhor atriz em interpretação em língua não inglesa. Só para constar, apesar de toda a tradição do cinema francês poucas atrizes francesas foram indicadas à premiação, com destaque para a própria Isabelle Adjani indicada duas vezes – tanto por este filme quanto pelo igualmente ótimo Camille Claudel –, Emmanuelle Riva – a atriz mais velha a ser indicada ao prêmio – Catherine Deneuve e, de uma geração mais moderna, Marion Cotillard (a única vencedora). 

Nota: 8,0/ 10

Lucas Moura

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Filmes pro final de semana - 01/08

1. O Grande Gatsby (The Great Gatsby, 2013)
Love is blindness. A nova adaptação do imortal romance de Scott Fitzgerald (há três anteriores, senso a mais conhecida a dos anos 70 dirigida por Coppola) há muito era aguardada, e foi lançada em maio do ano passado em Cannes. Como não era de se estranhar, o diretor Baz Luhrmann usou e abusou da extravagância para contar a história do misterioso e extravagante Jay Gatsby (Leonardo DiCaprio), a partir da narração de seu vizinho Nick Carraway (Tobey Maguire). Morando em um verdadeiro palácio em Long Island, Gatsby é quase uma lenda viva, um desafio à imaginação de suas centenas de convidados que todas as semanas lotam sua mansão em festas inacreditáveis regadas a rios de bebidas alcoólicas - isso em plena época da Proibição. Mas por trás da ostentação e futilidade, lembranças do passado que envolvem a linda prima de Nick, Daisy (Carrey Mulligan). O filme peca pelo excesso e é mais uma tentativa de chegar à profundidade do livro que não dá certo, mas não deixa de ser uma boa opção.
Nota: 8,5/ 10
2. Drive (2011)
Drive é uma fábula moderna de ação, suspense e romance, guiados por uma direção aguçada e atores muito competentes. O filme centra-se na relação entre um homem misterioso, o qual nem sabemos o nome, interpretado por Ryan Gosling , que se encontra perdidamente apaixonado por sua jovem vizinha de modo a se dispor a protegê-la de todos os perigos que a envolvem, relacionados a seu marido recém saído da prisão e da máfia que os cercam. Tecnicamente falando, Drive é impecável. A fotografia é belíssima e acompanha as grandes mudanças de tom pelas quais o filme passa. Se num primeiro momento tudo é a magia da descoberta do amor, com paisagens bucólicas e ensolaradas ao entardecer, a metade final é negra, escura, sórdida e violenta. A violência é elevada aos limites conforme o conto torna-se cada vez mais perigoso e envolvente. A relação amorosa entre Ryan Gosling e Carey Mulligan é de uma pureza e uma sensibilidade que contrasta a todo o momento com o extremismo da violência onde aqueles personagens se encontram, tendo este antagonismo alcançado o ápice na já clássica cena do elevador. É quase um conto de fadas na verdade, onde um “príncipe encantado” luta a qualquer preço para defender sua “donzela” em perigo. A diferença é que no lugar de uma armadura de metal temos uma jaqueta prateada e em vez de cavalos brancos, carros envenenados dispostos a intensas cenas de perseguições. Méritos também para a trilha sonora.
Nota: 10
3. Não se preocupe, estou bem! (Je vais bien, ne t'en fais pas, 2006)
Filme simples pelo qual até hoje tenho um especial carinho. Quando Lili (Mélanie Laurant) volta de um curto intercâmbio na Espanha, descobre que seu irmão gêmeo, a quem é muito apegada, fugiu de casa. Aparentemente, por causa de uma séria briga com o pai. Preocupada com a falta de notícias e com a saudade apertando, Lili fica sem comer, adoece e acaba internada num hospital. É a súbita chegada de cartões postais do irmão, cada vez de uma cidade diferente, que dá ânimos à garota e a faz retomar a vida aos poucos, com ajuda dos amigos. Um filme sobre família e autoconhecimento que é coroado pela ótima trilha sonora.
Nota: 8,5/ 10
4. A Escolha de Sofia (Sophie's Choice, 1982)
Pobre, pobre Sofia (Meryl Streep). Até hoje me pergunto quais outras personagens em filmes sofreram mais ou tanto quanto a imigrante polonesa que mora no Estados Unidos e facilmente demonstra que há algo de muito perturbador em seu passado - o que exatamente, só é revelado no fim do filme. A mágoa de Sofia aparenta ser imensa e é difícil de ser escondida. O que é sabido é que ela fora prisioneira num campo de concentração nazista, mas seria o trauma vivido o motivo de tamanha tristeza? Coube a Meryl Streep a interpretação que se tornou ícone entre as vencedoras do Oscar de melhor atriz, pra mim um dos mais merecidos da premiação.
Nota: 8,5/ 10
5. Psicose (Psycho, 1960)
Quando Marion Craine (Janet Leigh) rouba uma fortuna de seu patrão e foge em direção à Califórnia, não poderia imaginar o peso de seus atos ao seu futuro - ou o efeito de tal ação ao cinema mundial. Mesmo com um orçamento limitado e diversas adversidades, Alfred Hitchcock conseguiu fazer de Psicose seu mais bem sucedido filme, chocando plateias onde era exibido ao mostrar uma violência praticamente inédita e os lobos em peles de cordeiro que estão em todo lugar. A parada de Marion num motel de beira de estrada, seu breve contato com o dono do lugar, Norman Bates e seu repentino e sangrento assassinato inauguraram uma nova era no terror, mostrando o homem tão cruel quanto qualquer fera sobrenatural.
Nota: 10