Quando Cannes anunciou seus vencedores no fim de maio passado, todos os olhares se voltaram para Azul é a cor mais quente, que até hoje tem grande repercussão e aparentemente lançou uma estrela, Adèle Exarchopoulos. Mas quem mais me chamou a atenção foi o "segundo lugar", o vencedor do Grande Prêmio do Júri, Inside Llewyn Davis - tanto pelo título pra lá de cool tanto pelos roteiristas e diretores, Ethan e Joen Coen. Os irmãos que mudaram a cara do cinema dos anos 80 e que de lá pra cá fizeram a alegria de muitos fãs com filmes como Barton Fink (vencedor da Palma de Ouro), Fargo (melhor direção em Cannes) e Onde os fracos não têm vez (Oscar de melhor filme), além de outros grandes sucessos e alguns outros não tão bons assim. O fato é que desde a exibição de Inside Llewy Davis no festival ano passado, o novo trabalho dos Coen fez barulho e não foi surpresa o destaque na premiação.
Llewyn Davis (Oscar Isaac) é um músico que vaga pelo Village, tradicional bairro da boemia novaiorquina, sem destino, sem dinheiro e sem perspectivas, voltando vez ou outra a se apresentar num pequeno bar buscando alguns trocados. Em suma, ele é um fracassado, figura que os Coen sempre souberam criar muito bem. A fotografia marcada por tons sombrios é um convite à introspecção no passeio pelo interior de Llewyn, que é representado pelas várias personagens do filme. A começar por Jean (Carrey Mulligan), que nutre por ele um ódio imenso e desprezo maior ainda, e é um reflexo da rejeição que Llewyn sente por si próprio e pelos outros; Jim (Justin Timberlake), seu marido, possui o que o outro não tem: um teto, um contrato, e a própria Jean. Outras figuras são um caipira militar que tem o talento folk que Llewyn jamais terá e seu idoso e caquético empresário, que está tão decadente quanto seu pobre cliente.
Apesar de ser um zé ninguém, Llewyn Davis não deixa de lado uma arrogância que somada ao desdém de quem parece sempre estar incomodado com o lugar em que se encontra é a fórmula perfeita para ser desagradável até a quem lhe estende a mão, como o casal Gorfein, seus amigos que são como uma mostra de seu lado intelectual, além de serem pais de seu falecido parceiro de trabalho.
O maior destaque do filme é a música, mesmo tendo outros tantos ótimos atributos. Por exemplo, apesar de não ser um musical, algumas músicas parecem substituir diálogos, como na cena em que ele visita seu velho pai num asilo ou quando fica de frente a um importante produtor e canta algo não muito vendável. Além, claro, do fato das músicas serem ótimas, principalmente Hang me, oh hang me, cantada por Llewyn no início do filme (e desde já se anunciando um fracassado) e Five hundred miles, cantada por Jean, Jim e Troy (o caipira), quase um hino sobre a solidão de Llweyn e uma mostra dos múltiplos talentos de Carrey Mulligan.
Mas o que até hoje me intriga sobre Inside Llewyn Davis: Balada de um homem só (Inside Llewyn Davis, 2013), é como ele consegue ser tão bom e tão aprofundo por trás da aparente simplicidade. A solidez do roteiro é notória e a direção dispensa comentários, assim como o elenco, em especial Oscar Isaac. O ator que já fora cantor abrilhanta essa homenagem ao folk baseada em Dave Von Rock, guru de ícones como Bob Dylan e Joan Baez que acabou não atingindo fama internacional como seus pupilos mas soube deixar sua marca no Village. Muitos dizem que a semelhança entre Llewyn e Von Rock vai pouco além da música, enquanto alguns poucos destoam e afirmam que o cantor real também possuía o dom de ser desagradável e pouco confiável. Mas o fato é que Llewyn consegue ser carismático (e seu fracasso rende boas doses de humor) para o espectador, apesar de seu maior vínculo no filme ser com um gato laranja, praticamente o único elemento de cor viva na atmosfera lúgubre desta balada de um solitário.
Nota: 10
Luís F. Passos
Nenhum comentário:
Postar um comentário