sábado, 25 de maio de 2013

O Cortiço – ou o Brasil, tanto faz

É natural que tua vida seja uma bosta.
E sabes todo esse mexerico que é badalado da internet até a mesa de bar sobre o teu, o nosso povo brasileiro? Pois, é papo antigo. De tão velho está precisando ser enterrado, por que se tu ainda não percebeste não há quem não vire o nariz quando o assunto está no ar.
Dia desses estava relendo O Cortiço (1890), tinha batido uma saudade danada da fogosa Rita Baiana. Que personagem! Talvez tenha sido minha primeira paixão literária, tão abrasante que eu não tinha mais olhos para Capitu (e graças a deus ela não tinha os tais dos olhos de cigana para mim), nem coragem para Helena e nem dinheiro para Lucíola. Era a Rita Baiana e só ela; a representação da mulher brasileira, da sensualidade ferina, do sabor apimentado, do aroma lascivo, da carne abrasante.
Poderia ser um livro todo apenas dela, no entanto é muito mais do que isso. A minha Baiana é somente um pedaço do personagem principal, o próprio Cortiço. Parece engraçado analisar através deste ponto de vista, até um pouco maluco, mas quem lê vai acompanhando aos poucos o surgimento desta habitação multicultural a partir do trabalho árduo e da malandragem do português João Romão e da exploração de sua companheira crioula Bertoleza (eita mulher! ali sim está para o que der e vier). O lugarzinho vai crescendo, vão aparecendo os primeiros moradores, incomodando até quem não tinha nada a ver, principalmente o Miranda, o vizinho abastado, que sofria só de ver um matuto como o Romão crescendo na vida!
Aahn, esse Miranda nascido em berço de ouro me lembra tantos outros... Daquele tipinho bem conhecido: observa a existência de todos enquanto tenta encobrir os desvios da própria. E olha que D. Estela, sua mulher, dava era motivos para as lavadeiras cochicharem!
Aliás, me pergunto o que não poderia gerar intriga nesta novela? Aluísio de Azevedo (1857 – 1913) não era de poupar o leitor. Com ele é assim: ali está o ser humano, e se o ser humano está ali não tardará a subversão. Isso tudo é natural.
O arco subversivo na obra abrange todo o tipo de violência; o livro sangra. Pomba, outra personagem intrigante, e sua tão esperada menstruação, ela é jurada a um jovem estudante, precisando atender às expectativas não apenas de sua mãe como de toda a comunidade do cortiço que torce pelo futuro da moça. O soldado Alexandre com suas lamúrias e responsabilidades, pecando e rezando pelo bem de suas filhinhas. O capoeirista Firmo e todo o seu aspecto de gatuno esperto, a caracterização do carioca. Leocádia, a adúltera, perdoada após uma bela sova do marido Bruno. A “bruxa” esquizofrênica Paula respeitada e temida por todos. A Leandra lavadeira e moradora do Cortiço, apelidada de Machona e demonstrando tendência homossexual também reparada na personagem da prostituta da capital Leonie.
Quando os personagens de Jerônimo e Piedade surgem na história vamos notando melhor a noção de Aluísio sobre o brasileiro e o brasileirismo. Jerônimo é um português devotado ao trabalho, pai e marido cortês. Um exemplo de “homem europeu”. Sua reputação é tão alta ao ponto de atrair a atenção de João Romão que decide por contratar o seu conterrâneo pagando até uma quantia difícil dele abrir mão. Vivendo no Cortiço, Jerônimo (no começo receoso) vai se misturando com os seus próximos, principalmente abismado pelas características sensuais de Rita Baiana (ai, Rita!).
Daí então é a transformação do homem.
O lusitano após cair de cama por conta de uma febre, fica aos cuidados da Rita, esta o trata imediatamente com o forte café brasileiro. O homem ergue-se enérgico, agora distante daquela tristeza letárgica e saudosa por sua terra. Passa a trocar o vinho do porto pela cachaça, o bacalhau pela comida bem temperada, a canção acompanhada da viola pelo samba e o pagode. Entretanto, essa paixão acaba por se tornar uma obsessão e uma das marcas trágicas do livro.
Sim, esse é Azevedo na sua mais clássica obra. A identidade brasileira descrita há mais de 100 anos a qual tu podes dizer “nada mudou”. O vício verde e amarelo subtraindo a tal virtude do velho continente. Ainda que em um de seus intensos capítulos este mesmo povo se unisse (jamais acreditei que fossem desunidos, na verdade, a convivência acaba tornando vizinhos em companheiros) contra outra vivenda próxima que começava a causar conflitos. Eram pau e pedra em mãos amigas; o Cortiço era a pequena nação a qual eram patriotas e irmãos. Ao fim do embate, semelhante a qualquer guerra, o retorno ao cotidiano e seu falatório rotineiro com suas pequenas intrigas.
Reflete, leitor (a): mas é isso?
Esperto foi o João Romão dando sua volta por cima, por cima de todo mundo?
Pobre da Pombinha? Pobre do Jerônimo?
Pobre de mim e de tu! Que é tudo natural.

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Guilherme Patterson

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