É difícil encontrar alguém que atribua algum valor a filmes adolescentes, por razões óbvias. De um modo geral, são filmes muito superficiais e clichês, com enredos centrais que sempre caem no lugar comum, baseando-se em bobagens e com desenvolvimentos românticos forçados ou errôneos. No caso estou me referindo àqueles com temática romântica, pois piores são as comédias que caem na mais pura obscenidade, tratando adolescentes apenas como pervertidos sem nada na cabeça e os malditos filmes de terror que são toscos até dizer chega. Tanta besteira em massa, que só pode ser reflexo de um público massivamente (não disse totalmente) ignorante, faz com que se crie um ultimato com relação aos filmes teen: porcaria.
Mas não sejamos pessimistas. Não vamos nos esquecer dos raros filmes teens de qualidade. Aqueles que tratam o adolescente não como idiota, mas que se preocupam em lhes oferecer entretenimento de qualidade sem deixar de agradá-los e envolvê-los com todos os elementos de que mais gostam. Esse ano tivemos um drama teen de sucesso expressivo que foi As vantagens de ser invisível, mas não vamos nos limitar apenas a produções independentes como este e Juno, por exemplo. Vamos também pensar em grandes sucessos pop no maior estilo americano que são obras muito divertidas e que marcaram gerações com seu humor e carisma próprios. Nos anos 2000, a comediante Tina Fey explorou todos os clichês possíveis e deu vida a uma surpreendentemente divertida e ácida comédia pop comportamental sobre o jogo de interesses sociais e aparências que pontua Meninas malvadas, unanimidade entre as jovens do início da década. Nos anos 80, a filmografia do diretor John Hughes explorou o universo adolescente com um olhar cômico e sentimental em clássicos atemporais como O clube dos cinco e principalmente Curtindo a vida adoidado, através da figura icônica de Ferris Bueller que representa a personificação de todas as aspirações de liberdade e diversão dos jovens, sendo, definitivamente, a personagem masculina mais importante do cinema para adolescentes. A feminina viria alguns anos após, através de um dos maiores sucessos dos anos 90, o até hoje satisfatório As patricinhas de Beverly Hills (Clueless, 1995).
Em As patricinhas de Beverly Hills não temos, propriamente falando, absolutamente nada de novo, por isso é a prova de que clichês bem trabalhos dão certo. O filme explora o universo do comportamento social de adolescentes ricos da Califórnia envolvidos nos mais diversos relacionamentos amorosos e mergulhados na futilidade da vida dos milionários. A heroína é Cher (Alicia Silverstone), jovem cujo principal divertimento é ajudar a vida dos outros de todas as maneiras disponíveis, o que se resume, basicamente, a envolvimentos românticos que acabam causando confusões inesperadas e as chamadas “repaginadas”, processos nos quais ela provoca uma transformação física, comportamental e, principalmente, no estilo de se vestir da pessoa. O prazer que Cher encontra em ajudar os outros, a sua maneira, é uma manifestação de sua personalidade genuinamente bondosa e solidária, mas também um mecanismo de escape. Ao se preocupar tanto em melhorar, ou acreditar que está melhorando, a vida de seus amigos, o que ela realmente faz é deixar de lado seus sentimentos e suas dúvidas, comuns a qualquer jovem, e principalmente sua solidão, vinda da perda precoce da mãe (que morreu num acidente durante uma lipoaspiração de rotina) e da dificuldade na aceitação de seu próprio lado romântico, que vai de encontro com a postura que uma garota tão popular e descolada deveria tomar. Ao seu redor: a amiga inseparável, Dionne (Stacey Dash); Tay (Brittany Murphy) a nova aluna que precisa urgentemente de uma mudança de estilo que só Cher pode promover; o pai milionário e viciado em trabalho, mas incapaz de deixar a filha de lado; e Josh (Paul Rudd), o ex-irmão postiço que é o oposto de tudo o que Cher aparenta representar.
As patricinhas de Beverly Hills dispõe-se como uma comédia romântica sem deixar de lado a captura do comportamento dos jovens da época. O filme respira os anos 90. As garotas e os rapazes vestem o auge da moda, o skate aparece com tudo, The Cranberries sempre toca nas fitas dos sons dos carros e nomes já esquecidos como Cindy Crawford e Kenny G são citados em piadas sempre da maneira certa. Na época, isso tornava o filme extremamente conectado com seu tempo e hoje em dia, apesar de torná-lo datado, o transforma num retrato fiel de uma geração. A principal marca não é necessariamente o romance. A acidez toma os holofotes. Assim como Meninas malvadas, As patricinhas de Beverly Hills cria centenas de piadas irônicas sobre a superficialidade material daquele ambiente, sempre fazendo as coisas mais fúteis aparecerem com uma importância comicamente exagerada. Como não notar a piada envolvendo 2001 – uma odisséia no espaço e um telefone – acredito que de última geração em 95 – que é o maior companheiro de Cher? Ou então, como ignorar a quantidade absurda de garotas com plástica no nariz que andam pela escola com seus vestidos Calvin Klein e suas bolsas Prada e levam doações aos desabrigados em sacolas da Tiffany’s? O filme também é recheado de piadinhas bem engraçadas, a maioria proferidas pela própria Cher, que também enche a história de observações cotidianas como se tudo não passasse de anotações em seu diário. Se for analisar, diferente de Meninas malvadas em que a protagonista interpretada por Lindsay Lohan vem de um universo paralelo, Cher é praticamente a personificação de tudo aquilo. Então, inconscientemente, ela nos cria críticas a um modelo de vida, ao mesmo tempo em que, no filme, é a principal representante deste.
O elenco é afiadíssimo, liderado por uma Alicia Silverstone perfeita. Sua interpretação é hilária e não soa nada caricata, apesar de todos os maneirismos da personagem. Aliado a isso, ela ainda é uma das atrizes mais bonitas dos anos 90 e este é o papel de sua carreira. Digo isso de fato, pois após o sucesso gigante de As patricinhas de Beverly Hills, Alicia Silverstone não conseguiu até hoje um papel que chegasse perto da qualidade de Cher (isso também aconteceu com Matthew Broderick. Ou alguém aqui realmente se importa com alguma coisa que ele fez depois de Ferris?). Os outros atores do elenco eram todos jovens promissores que de diversas maneiras também não conseguiram decolar muito, com a exceção de Paul Rudd que firma-se como um dos melhores atores de comédia atualmente. Outra que também conseguiu uma expressividade interessante foi a atriz Brittany Murphy, que infelizmente faleceu em 2009 aos 32 anos.
Ah, aos que só acham que coisas Cult têm qualidade, devo dizer que As patricinhas de Beverly Hills, sobretudo Cher, é inspirado numa obra de Jane Austen.
Nota: 9/ 10
Lucas Moura
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