quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Os Sofrimentos do Jovem Werther - prescrição do Dr. Goethe

Às vezes, podemos ser tomados por um romantismo primaveril daqueles que se espalham pelo corpo como uma gripe, amolecendo nossa casca e incendiando nossa cabeça na febre amorosa, ao qual certamente somos todos vulneráveis. Nesses tempos é mais do que recomendado um repouso mental acompanhado de um livro quente. Digo tão convicto pois, como podeis notar, permaneço elucidado diante da epidemia, após dois longos dias de tratamento com o mais inflamável dos medicamentos: Werther.
Usado em casos extremos, a obra prima da literatura alemã Os Sofrimentos do Jovem Werther (1774) causou a sua época o suicídio de centenas de jovens por toda a Europa. Sua história abrasiva entre o triângulo amoroso, ao qual participavam o personagem principal Werther, a angelical Carlota e o bom noivo de seu objeto de amor Alberto, renovou a noção de tragédia e deu início a literatura moderna na Alemanha.
Doando seus pensamentos, suas emoções, suas crenças e adaptando seu próprio romance proibido aos seus escritos, Johann Wolfgang Goethe construiu uma das mais famosas tragédias influentes atualmente. Sim, os eventos acontecidos ao desenvolver da narrativa, que chega a nós leitores através da correspondência entre o protagonista e o companheiro de longa data Guilherme, são baseados em uma paixão do autor por uma formosa Charlotte Buff (até o nome de sua querida foi preservado) casada com Johann Kestner, homem que certamente inspirou a elaboração de Alberto.
Ao longo das cartas, vamos conhecendo o sensível Werther, adorador da natureza e da simplicidade das coisas. É um sujeito desligado do materialismo, que não busca riquezas, aprecia a inocência das crianças, romântico ao extremo e, é claro, um devotado artista. O humor deste está muito interligado ao cenário natural, às vezes, dando a impressão do bon-vivant se modificar com ela. Outros aspectos da linha de pensamento do Goethe vão se esclarecendo no texto como a valorização do amor platônico e o enaltecimento do corpo de sua amada, quando, em alguns trechos, deixam implícito que o carnal é uma corrupção do sentimento.
Bem, o nosso tenaz jovem começa sua jornada ao viajar para um lugarejo a fim de tratar dos assuntos financeiros da família. A primeira parte do livro resume-se a exaltação da paisagem do local ao destinatário. Sem muita delonga somos apresentados à graciosa Carlota, que chama a atenção do poeta à primeira vista. Daí as cartas passam a ser mais entusiasmadas, portando longas descrições das roupas até o olhar de sua preferida. Essa alegria esvai assim que o emissor se dá conta que seu afeto estava noiva, fato ignorado no início, mas que ia tomando espaço na sua consciência. A agonia vai predominando e atinge o ápice na ocasião que somos apresentados ao provável “rival” Alberto que retorna de uma viagem e reassume o relacionamento. A surpresa está na postura que os dois adotam diante da situação, tornando a rivalidade em uma amizade delicada.
Decidido a se afastar e esquecer a sua aventura amorosa, Werther assume um cargo na embaixada em outra cidade distante e inicia uma nova fase trabalhando. Mais uma desilusão, afinal não se enquadrava aos valores da “burguesia” e vivia se desentendo com a sociedade acabando por perder seu emprego, mesmo assegurado que vinha fazendo um bom trabalho. Nem uma paixão passageira pôde convencer o intelectual a se adaptar.
Em sua última fase, o nosso infeliz protagonista, acreditando estar recuperado de sua enorme estima por Carlota, regressa à pequena vila para encontrar o casal de amigos agora casados. Principia-se a decadência e a obsessão pelo suicídio do personagem nessa fase. Em um dos diálogos travados entre este e Alberto os dois discutem a razão da morte autoinduzida, sendo o camarada completamente contrário e o poeta um defensor.
Os eventos vão se desenhando até culminar na fatalidade baseada na morte de Karl Jerusalem, noticiada ao Goethe através dos escritos enviados pelo seu amigo Johann pouco antes da ideia do livro surgir. Este é um bom exemplo de como a arte imita a vida e que por sua vez imita a arte, pois logo ao alcançar o estrelato centenas de moços europeus acabaram optando por terminar a própria vida a não poder viver algum amor especial.
Portanto, essa é uma medicação natural recomendada sem restrições para aqueles que, de alguma forma, perderam a fé nas relações mais calorosas e contundentes. A bula com os elementos essenciais eu já vos descrevi agora a responsabilidade é vossa em utilizá-la. Ah! E cuidado: desce que é uma beleza, mas pode acabar entalando na garganta...


Guilherme Patterson

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