quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

A última noite de Boris Grushenko - uma filosófica piada


Como muitos cinéfilos devem saber, a carreira do diretor Woody Allen pode ser dividida entre uma fase anterior e uma fase posterior a sua obra de maior impacto, Annie Hall. Os filmes que antecederam a obra-prima de 1977 tem o lado cômico de Allen ainda mais ressaltados. Na verdade, todos os filmes antes de Annie Hall são até mais difíceis de serem levados a sério tamanha as doses de humor presentes. Este humor, no período, era um pouco mais voltado para a comédia “pastelão” mesmo, ainda não possuindo tanto do ar mais refinado e irônico que o diretor foi talhando ao longo dos anos. Mesmo assim, um olhar minimamente atento pode ver claramente a estrutura central do trabalho de Woody Allen neste momento inicial e alguns dos filmes dessa fase são sim filmes excelentes. Comédias no sentido mais riso solto do termo, mas ainda assim produções excepcionais. São estes: O dorminhoco (postado em maio de 2013 aqui no Sagaranando) e A última noite de Boris Grushenko (Love and death, 1975).
Em A última noite de Boris Grushenko, saímos do nova iorquino moderno para um russo do século XIX, o medroso e confuso Boris, cuja vida é marcada por um amor platônico e muito mal correspondido por sua prima – “diria que sou meio santa e meio puta” – Sonja (Diane Keaton) e pela vida à contra gosto como soldado, em tempos de invasões napoleônicas. Primeiro mérito do filme: Allen, apesar de ser tão habituado a moderna cidade de Nova York, constrói muito bem a Rússia do século XIX onde se desenvolve sua história e onde se cria um terreno fértil para a criação de personagens extremamente cômicas e caricatas.
O filme é lotado de piadas. Piadas em salva sobre simplesmente qualquer assunto. O humor aguçado de Allen se faz presente durante todo o longa e já temos muito bem nítida a transição entre o besteirol cômico e o humor para refletir que viria a se tornar sua maior característica. Muito mais que em O dorminhoco, aqui ele consegue levantar ainda mais questionamentos e reforçar suas eternas dúvidas: qual o sentido do amor? Qual o sentido da vida? O que é a morte e o que há após dela? Deus existe? Todas são perguntas levantadas direta ou indiretamente por Boris ao longo de sua jornada, em momentos intercalados entre Woody Allen vestido de líder de torcida no meio do campo de batalha e referências à filosofia grega, Shakespeare e Dostoiévsky. Muitas piadas, inclusive, são muito inteligentes e muitas até complicadas de se entender claramente. Este, apesar de parecer uma palhaçada, não é um filme para todos. Allen sempre lota seus filmes de referências a seus ídolos, mas em A última noite de Boris Grushenko ele alia a palhaçada à intelectualidade em um nível que não se repetiu ainda em sua obra.
Outro grande mérito do filme são seus diálogos. Um dos maiores focos de piadas de Allen neste filme é a filosofia – com seu modo muitas vezes vago e confuso de reflexão – e, logicamente, os filósofos. O próprio Boris é um deles, mas são os diálogos longos e prolixos com conclusões ora óbvias, ora inconclusivas e ora superficiais como poços d’água disparados a todo o momento por uma Diane Keaton em um timing cômico perfeito que, pra mim, são responsáveis por pelo menos metade da diversão do filme. A presença de Keaton não é tão constante quanto em Annie Hall, por exemplo, mas toda cena de Sonja é um momento que a atriz rouba a cena. Sua personagem aqui é inesquecível.
Também devo ressaltar que, apesar de tocar em todas as teclas de costume, uma delas é mais esmiuçada. A temática da morte, muitas vezes tomando um ar pessimista típico de Woody Allen, é mais analisada em A última noite de Boris Grushenko, visto que esta cerca o personagem desde suas memórias de infância (relatadas num flash back inicial que também remete à estrutura narrativa de Annie Hall) até o desenrolar final da trama, visto que a morte em si aparece como uma personagem a quem não podemos fazer nada, além de esperar sua visita e dançarmos com ela em direção a lugar nenhum.

Nota: 9,5/ 10

Lucas Moura

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