quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

A Noite dos Desesperados - circo de desesperança

Muitos são os filmes que focam o período da Grande Depressão, ou das consequências diretas deste. Ao longo de toda sua história, o cinema americano ocasionalmente coloca este momento de crise como foco de suas tramas. Nos períodos que sucederam a depressão, décadas de 30 e, sobretudo, de 40, o tema era bem recorrente em diversas formas. Farrapo Humano se dispôs a falar sobre o problema dos alcoólatras pós-crise. Vinhas da Ira mostrou a questão da migração de pobres proprietários rurais que, além de terem a crise econômica, passaram por uma das maiores secas da história do país, sendo esses apenas alguns exemplos mais importantes.
Sabemos muito bem dos casos de pessoas que se suicidavam, que migravam, que partiam para tentar a vida em Hollywood, que se viciavam em bebidas e que se marginalizavam das mais diversas formas. Na verdade, no período todos estavam desesperados para se manter vivos, ou pelo menos continuar com a ideia estúpida de sonho americano. Era um período em que muitos se disponham às mais diversas atividades possíveis. Desde trabalho semiescravo às populares maratonas de dança. Sim. Maratonas de dança. Competições em que centenas de casais deveriam dançar, quase que ininterruptamente, até que restasse apenas um em pé no salão.
Parece simples, mas estas competições não duravam horas, mas sim semanas. Há relatos de maratonas que duraram mais de um mês. Um mês de pessoas dançando, quase sem parar, em busca de um prêmio qualquer e sendo alvo de uma das formas de entretenimento mais disfarçadamente sádicas que eu conheça. Afinal, enquanto os casais se exauriam na pista de dança, havia todo um fiel público pagante disposto a divertir-se à custa do sofrimento e da humilhação alheios.
É neste cenário relativamente esquecido que A noite dos desesperados (They shoot horses, don’t they?, 1969) se desenvolve. No filme, temos Gloria e Robert, um casal que na verdade não era um casal. Apenas duas pessoas que se encontram no momento da inscrição na competição. Ambos não têm qualquer perspectiva de vida. Gloria (Jane Fonda), a verdadeira protagonista da trama, é uma personagem consideravelmente enigmática. Não se sabe muita coisa sobre seu passado, mas seu temperamento e suas atitudes nos levam sempre a encará-la como uma pessoa que não está mais apenas cansada. Está em estafa por uma vida totalmente desperdiçada de sonhos frustrados e pobreza. A última esperança de Gloria, e sua cartada final, é justamente vencer a competição de dança. Desta forma, ela persevera com todas as armas que possui em busca de seu objetivo final. Não é uma personagem carismática – seu passado desconhecido a tornou rude demais para tal – mas em qualquer momento se apresenta como uma vítima. Até nos momentos de fraqueza é capaz de denotar uma força surpreendente.
Bom, de qualquer forma, o que Gloria descobre, e que nós sabemos muito bem, é que sonhos são difíceis de realizar. Vivemos num mundo muito cruel. Todo o sofrimento, o cansaço e as humilhações daquelas pessoas em prol do entretenimento de um público nem tão mais privilegiado assim não são muito diferente da vida de tantos outros aí espalhados pelo mundo, seja em temos de depressão ou não. É interessante também analisar a curiosidade mórbida dos espectadores. A impressão que dá é que assistir o sofrimento alheio é só uma forma de disfarçar um pouco a seu próprio.
Apesar de seus mais de 40 anos, A noite dos desesperados continua sendo um filme muito forte, muito inteligente e com um caráter quase documental. Um bom registro de uma época, mas também uma boa análise sobre o comportamento humano em si. A direção é assinada por Sidney Pollack (diretor de A escolha de Sofia, entre outros) e dentre as atuações se destacam a de Gig Young (vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante) que interpreta o anfitrião do “circo”, Susannah York (indicada ao Oscar de melhor atriz coadjuvante) que vive uma das personagens mais decadentes de todas, Michael Sarrazin cujo Robert é uma das personagens mais empáticas e, obviamente, Jane Fonda. Um dos melhores papéis de sua carreira, uma personagem muito complexa e muito interessante. Atuação merecedora do Oscar de melhor atriz (ao qual foi apenas indicada). Só pra constar, A noite dos desesperados só não é o melhor filme de seu ano por causa de Perdidos na noite.
Obs: o título original, They shoot horses, don’t they?, parece muito estranho, mas na verdade é genial. Para entendê-lo, é só ver o filme.

Nota: 10


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