domingo, 29 de dezembro de 2013

Rastros de Ódio - na trilha da vingança

O que te faz assistir a um filme? O título, o diretor, o elenco, as premiações? Pra mim, todos esses itens são válidos, e mais alguns como indicação de críticos (claro, se eu indico, eu também gosto de seguir indicações) e listas de melhores filmes; a mais respeitada delas, a da Sight and Sound, é constantemente citada aqui no Sagaranando. Dentro desta lista, alguns filmes me chamaram a atenção pelo diretor, como Rastros de Ódio, de John Ford, que ocupa a sétima posição na lista - e claro que a colocação privilegiada foi outro fator de decisão. Nunca tinha visto nada de Ford (desculpa, mundo, mas só assisti a As vinhas da ira dia desses) mas gosto de westerns, tanto no cinema quanto literatura e televisão relacionadas ao Velho Oeste (inclusive desenho do Papa-léguas), e me senti na obrigação de procurar o filme. Uma ótima decisão.
A partir do interior escuro de uma casa, a câmera segue um vulto feminino até uma porta e o plano se expande para mostrar a imagem de um deserto e de um homem que se aproxima. É Ethan Edwards (John Wayne), veterano confederado da Guerra Civil americana que está chegando ao rancho de seu irmão Aaron. Logo percebemos, por causa de alguns olhares de Ethan, que ele é apaixonado pela cunhada Martha; maiores observações são interrompidas pela chegada de um grupo de homens guiados pelo reverendo/ capitão Sam, que estava recrutando alguns homens para ir atrás de gado roubado. Ethan vai acompanhado de Martin Pawley (Jeffrey Hunter), filho adotivo de Aaron e descobre que os ladrões eram índios cujo objetivo ao roubar o gado era afastar os homens de suas terras e atacar uma das propriedades - o alvo fora o rancho de Aaron. Quando Ethan e Martin chegam, encontram a casa em chamas e os corpos da família, exceto das meninas, Lucy e Debbie. A partir daí, todo o resto do filme acompanha a busca pelas garotas, durante cerca de cinco anos.
Transformar um enredo relativamente simples num clássico absoluto foi resultado do trabalho de um gênio do quilate de Ford. O diretor escolheu como cenário montanhas na divisa entre o Arizona e Utah, em que grandes rochas de arenito realçam a aridez do lugar e o tom laranja da paisagem chega a ser incômodo, reforçando a ideia de insalubridade do deserto, além de filmar planos muito abertos, em que as figuras humanas parecem minúsculas diante da natureza. A intenção foi retratar a precariedade da vida dos colonos no século 19 e o tamanho do esforço necessário para sobreviver num lugar tão inóspito.
Mas o que há de melhor em Rastros de Ódio (The Searchers, 1956) está em volta da personagem de John Wayne. Ethan é o herói da história, mas não há tentativa alguma de esconder seus grandes defeitos. Ele é extremamente racista e seu desejo de matar é tão grande quanto o de Scar, chefe da tribo indígena que ele caça com tanto afinco. Ethan tem a figura de um colosso, gigante e indomável, mas tem na figura de Scar um espelho de si próprio - e o fato do índio ter estuprado Martha antes de matá-la os aproxima ainda mais. Tamanho é o racismo de Ethan que Martin percebe que com o passar dos anos é o ódio que o motiva a continuar a procurar a sobrinha, não por querer salvá-la, mas para pôr fim a sua vida, já que entendia que o tempo passado ao lado dos índios a transformara em uma deles. E mesmo com tantos defeitos, o cowboy não desperta a antipatia do espectador, o que é mais um mérito de John Ford. O filme não conduz a conclusões sobre suas personagens, mas leva a reflexões sobre a história americana e a miscigenação entre os povos que formaram os Estados Unidos.
E nem tudo é tensão nesse clássico. O bom humor fica por conta da relação entre Martin e Laurie Jorgensen (Vera Miles), que era sua noiva quando ele partiu em busca das meninas Edwards e que o espera por muito tempo, até que decide casar com um caipirão ou ficaria solteira para sempre - mas surpreendentemente, Martin aparece no casamento. Além disso, a trilha sonora e a fotografia são um deleite para o espectador; na verdade, são a cereja que completa a perfeição do melhor trabalho de John Ford.

Nota: 10

Luís F. Passos

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