Diferente do que o sobrenome e a comum naturalidade sueca possam sugerir, a atriz Ingrid Bergman não tinha parentesco com o diretor Ingmar Bergman. Mas chegou o momento em que o talento de uma das maiores estrelas de Hollywood se encontrou com a genialidade do mais cultuado cineasta europeu, no drama familiar Sonata de Outono (Höstsonaten, 1978). De enredo relativamente simples, o filme acompanha o reencontro de Eva (Liv Ullmann) com sua mãe Charlotte (Ingrid Bergman), depois de mais de sete anos sem se verem. O contato inicial já é suficiente para fazer um breve resumo da relação das duas: uma ligação frágil, desconfortável e guiada pelas obrigações sociais entre mãe e filha.
Charlotte é pianista e tinha uma carreira brilhante e promissora quando jovem, viajando bastante e ficando distante de sua família - não só pela obrigação de trabalhar, mas pelo incômodo que sentia em casa. A relação com o marido se desgastara, enquanto que com a filha fora construído um contato débil, reflexo da falta de vontade em desenvolver habilidades maternas e de um amor que queria receber mas não era capaz de dar. A ausência da mãe provocava em Eva, a cada chegada e partida, grande tristeza. Ela chega a afirmar que "não sabia o que odiava mais, se era quando você viajava ou quando estava em casa", indicando que mesmo ficando com a família, o distanciamento emocional equivalia ao físico.
A visita de Charlotte na casa da filha é marcada por uma ansiedade permanente, pelo desconforto que é estar com alguém que em teoria ela deveria conhecer muito bem, mas na verdade é uma completa estranha. Tal desconforto é maior ainda para Eva. Ao mesmo tempo em que ela queria estar junto da mãe, lhe causava dor o contato com ela. Esse confronto traz à tona todas as velhas mágoas, os rancores do crescimento sem o amor e o amparo necessários; a incompreensão mútua, o desejo de agradar uma mãe adorada (pelo próprio papel que a figura materna representa e por ser uma pianista famosa) e ao mesmo tempo odiada pelo mal que causava com sua ausência. Nas palavras de Eva: "eu não podia odiá-la e meu ódio se tornou um medo insano".
A confusão de sentimentos e a tentativa de reprimi-los fez Eva guardar dentro de si, por muitos anos, muita coisa negativa que é extravasada na visita de Charlotte. Em certa altura, o filme vira uma lavagem de roupa suja que só vendo. É nesse ponto que temos as melhores cenas e vemos toda competência de duas grandes atrizes em ação, ambas justificando o grande sucesso de suas carreiras. É um prazer imenso ver Ingrid Bergman, muitos anos depois de sucessos como Casablanca (1942) ainda em plena forma, emocionando (e muito!) os espectadores com sua incrível atuação. E isso em mais um genial trabalho de Ingmar Bergman, que mais uma vez trabalha com psicanálise para chegar ao fundo de suas personagens, abordando aqui um recorrente tema de sua obra: ligações familiares. Em suma: é a soma de enormes talentos. Tudo em Sonata de Outono é bem feito, marcante, memorável. Filme indispensável para amantes da Sétima Arte.
Nota: 10
Luís F. Passos
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