Sou
um grande e orgulhoso fã do cinema francês. Na verdade, eu acredito seriamente
que, ainda nos dias de hoje, o cinema francês representa uma das melhores
indústrias mundiais da sétima arte. Apesar de não viver mais nos tempos de
glória e inovação técnica e artística da nouvelle vague e de seus descendentes
diretos, ainda consegue nos presentear, de tempos em tempos, com obras de
singela singularidade. A descrição de singularidade se encaixa muito bem para
Ferrugem e Osso (De rouille et d’os, 2012), um filme que funciona
substancialmente como um drama e um romance completamente atípicos. No filme
temos Stéphanie (Marion Cotillard) e Alli (Matthias Schoenaerts), que formam um
dos casais mais improváveis e, ao mesmo tempo, que melhor se completam do
cinema dos últimos anos.
Ferrugem
e Osso é um filme marcado por tragédias e pela mais pura e direta brutalidade.
A começar pela vida dos protagonistas. Stéphanie costumava trabalhar num parque
aquático como domadora (?) de orcas, quando de um grave acidente, termina com
ambas as pernas decepadas (brutal. Cruel. Ferrugem e Osso.). Alli, por sua vez,
é um brutamontes. Melhor, o estereótipo de um brutamontes. Grosseiro, muito pouco
educado, sem grande controle do próprio corpo e de uma completa indelicadeza
nas palavras, no pensamento e nos punhos. Além de tudo, é um lutador de luta
livre que se envolve com grupos clandestinos de luta livre onde arrisca sua
integridade física por alguns trocados e a simples euforia do confronto
(brutal. Cruel. Ferrugem e Osso). Até a forma como ambos se encontram pela
primeira vez – detalhe: antes do acidente de Stéphanie – envolve um nível basal
de violência. Eles se conhecem através de uma briga de bar com muito nariz
sangrando e uma mão machucada como saldo, além da conexão inicial das
personagens. No meio de todo esse turbilhão, ainda temos o jovem Sam, filho de
Alli, que é carregado pelo pai de maneira quase irresponsável e, sem dúvida,
descuidada e que, sim, também acaba sofrendo invariavelmente diferentes tipos
de agressão física e psicológica ao longo do filme. Nada escapa da brutalidade
de Ferrugem e Osso.
Todo
este aspecto brutal dá um tom extremamente seco e pouco melodramático ao filme.
Em verdade, até os momentos de maior potencial dramático não são idealizados
para arrancar lágrimas do espectador. Compaixão e empatia, sim. Lágrimas
forçadas, jamais. Ferrugem e Osso é cercado de muita seriedade durante toda a
projeção. Estamos tratando da vida de pessoas completamente disfuncionais.
Vidas bastante destruídas, sendo bem direto, e, em nenhum momento, o filme
ultrapassa o limite do drama e do exibicionismo. Tudo é muito singelo e o
equilíbrio do filme é tão frágil quanto o corpo das personagens. Afinal, apesar
de ser um drama com muito machucados e lesões, Ferrugem e Osso abusa da fragilidade
dos corpos de todos. Mesmo sendo brutos, não é como se tudo que eles passam não
cause sofrimento e desconforto físico e psicológico, e isso é deixado de
maneira bastante clara. Apesar de serem durões, eles sentem sim a surra que
levam da vida o tempo todo. Em contraponto, a união dos dois em seus momentos
de maior fragilidade (mais uma vez, física e mental) é o combustível de onde
retiram força para seguir em frente da melhor forma possível e, por fim, vencer
seus obstáculos. Tudo isso da forma mais crua e sem firulas possível, algo
dificilmente imaginável no contexto cinematográfico hollywoodiano. É desse tipo
de coisa que eu gosto.
Nota:
10
Lucas Moura
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