segunda-feira, 16 de julho de 2012

As Horas - sempre os anos; sempre o amor; sempre as horas.

Richmond, Inglaterra, 1923. Em sua casa, a escritora inglesa Virginia Woolf se levanta, busca uma xícara de chá - com os protestos do marido Leonard, que insiste que ela deve se alimentar bem -, acende um cigarro e pega pena e papel. Virginia está começando a escrever um novo romance e com o olhar perdido em suas ideias murmura "Mrs Dalloway disse que ela propria iria comprar as flores".
Los Angeles, EUA, 1951. A dona de casa Laura Brown acorda e recebe flores de seu marido, o deputado Dan. É aniversário dele e Laura quer preparar um bolo e fazer uma festinha surpresa junto ao filho do casal, Richie. Mas antes de sair da cama ela pega um livro no chão e começa a lê-lo; é Mrs Dalloway, de Virginia Woolf. Laura lê a primeira frase: "Mrs Dalloway disse que ela propria iria comprar as flores".
Nova York, EUA, 2001. Clarissa Vaughn está dormindo quando sua companheira Sally chega e deita ao seu lado. Pouco depois Clarissa acorda, lava o rosto, anda pela casa pensando na festa que faria para seu amigo e ex-namorado Richard, que ganhara um importante prêmio literário. Ela olha pra um lado, pro outro e diz "Sally, acho que comprarei as flores eu mesma!".
As Horas (The Hours, 2001) acompanha três mulheres em épocas diferentes cujo elo de ligação é o livro Mrs Dalloway. A primeira é a autora, a segunda uma leitora que deseja estar na história e a terceira seria a própria Mrs Dalloway. No livro, uma mulher de linhagem nobre, casada com um deputado conservador e mãe de uma adolescente dará uma festa para amigos e conhecidos, sendo a maioria figurões londrinos. Através do fluxo de consciência de Clarissa Dalloway e de outras personagens, Virginia Woolf traça um excelente perfil da alta sociedade londrina no início da década de 1920.
Virginia Woolf sofria de depressão desde que perdeu a mãe na adolescência. O filme mostra que Virginia estava morando no interior por ordens médicas, já que o tumulto de Londres lhe fazia mal. Ela possivelmente também sofria de transtorno bipolar; vivia com o paradoxo de viver em contato com a natureza ao mesmo tempo em que se sentia reclusa em casa. Sufocada por sua situação, Virginia acha que a única saída é a morte.
Laura também se sentia presa, amarrada a uma vida medíocre moldada nos padrões de boa mãe, boa esposa e boa dona de casa. Ela acha que a culpa da sua infelicidade é a sociedade, que exige das pessoas a aceitação de padrões ditados arbitrariamente. Laura chega a cogitar suicídio, mas em vez de dar fim à própria vida decide modificar o jeito com que a conduzia, dedicando-se menos à família e mais a ela própria.
Já Clarissa é uma editora novaiorquina bem sucedida que mantém uma relação de vários anos com Sally. Clarissa dedicou boa parte de sua vida cuidando de seu melhor amigo e ex-namorado Richard, um escritor portador da AIDS em estado terminal. Apesar de aparentar ter tudo sob controle, por dentro Clarissa é uma bagunça só. Isso fica demonstrado ao longo do dia, enquanto prepara a festa que dará em homenagem a Richard.
As Horas é baseado no livro homônimo de Michael Cunninghan, e este é baseado em Mrs Dalloway. As ações de ambas as protagonistas têm relação com o livro de Virginia Woolf, e é nesta que está a chave do sofrimento das outras duas - sendo que o sofrimento também une as três histórias inicialmente paralelas. E esse sofrimento parece cíclico, já que as mulheres não conseguem se libertar dele, vivendo presas nas horas - sempre as horas. Mas a beleza do filme vai além da dor, tendo também viagens interiores e buscas de autoconhecimento, elementos constantes na obra de Woolf.
Grande filme, indicado a muitos Oscar, mas que levou apenas um, o de Melhor Atriz, com Nicole Kidman, que interpretou Virginia. Juliane Moore foi indicada a Melhor atriz coadjuvante pela atuação de Laura Brown, e Meryl Streep, que viveu Clarissa, ficou quieta na dela. O fato é que mesmo sendo, das três, a que aparece menos, é Nicole quem dá um show como a problemática Virginia, numa das melhores atuações de sua carreira, comparada apenas com sua interpretação em Dogville (2003). Mas o fato é que esse filme complexo e desafiador conseguiu chamar atenção e deixar sua marca na história do cinema contemporâneo.

Luís F. Passos

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