Meus leitores podem ter notado como em nossos dias a boa forma está sendo bastante valorizada, tornando-se até uma fórmula para viver bem e melhor. Somos mesmo dragados diariamente por imagens de modelos praticando alguma atividade física, mostrando em câmera lenta músculos bem trabalhados, assim como formas dignas de uma escultura grega. As atuais novelas adotaram temas referentes à saúde, ainda que não deixem em evidência. Por exemplo, é comum mostrarem uma cena cotidiana do(s) personagem(ns) correndo, malhando, nadando ou andando de bicicleta em algum ponto turístico. Não sei ao certo há quanto tempo essa enxurrada tomou conta da mídia, mas posso dizer o quanto isso mudou: é possível, hoje em dia, encontrar uma academia a cada quarteirão!
Sou um confesso ocioso. Gosto de ficar em cima de uma confortável cama, por uma boa parte do dia, lendo ou assistindo. Poupo cada gota de suor como se poupasse o meu próprio sangue... Um dos meus amigos relapsos é o sol, o outro é a disposição.
Essa minha confissão, com certeza, estaria de acordo com boa parte do itinerário habitual dos adolescentes de vinte anos atrás. Hoje sou apontado como vagaroso, apático, desleixado, negligente com a minha própria saúde, etc. Além do mais, se você não souber como praticar um exercício de triângulo pode ser taxado como “um ignorante e alienado”. Quantas amizades perdi por não mais suportar o olhar penoso em mim, quase que afirmando “vá para a academia, caso contrário não durará muito em vida, não se reproduzirá”?
Saúde virou religião. Academia virou templo. Esporte é oração. Suor é dízimo.
Certamente, os maiores sofredores dos tempos atuais são os fumantes. Não digo nem os obesos, já que esses acabam com fama de vítimas das grandes redes de fast food e dos hábitos do homem moderno. Digo mais: ser fumante atualmente é tão impopular quanto ser um usuário de maconha, pois estes ainda podem ser confundidos como revolucionários.
Discutir com um antitabagista é até complicado, caso você seja um fumista você está antecipadamente errado e fim de papo. Se é tão polêmico abordar um assunto como a dependência do cigarro em nossos tempos, um filme utilizando o cigarro como plano de fundo para desenvolvimento da história só poderia ter um tom satírico. Foi assim que o diretor Jason Reitman adaptou o livro Thank You For Smoking (2005) de Christopher Buckley para os cinemas. O Reitman é um jovem diretor canadense que realmente merece muito crédito, o cara estreou com um filme fantástico (este que faço a crítica hoje) em 2005 e deu continuação ao bom trabalho com Juno (2007), Up in the Air (2009) e Young Adult (2011).
Em meados dos anos 90, as empresas de tabaco enfrentavam medidas mais severas no controle e vendagem dos seus produtos. As acusações de causarem doenças pulmonares, as leis restritivas, a propaganda antitabaco, o interesse político em tornar vilãs as companhias tabagistas, entre outros casos, vão compondo o momento histórico ao qual se passa a história do lobista Nick Naylor (Aaron Eckhart), um homem que usa o seu grande talento argumentativo em prol das empresas de cigarro. Não há uma romanceação do protagonista com o cigarro, apesar de fumante ele faz seu trabalho, afinal, “todos têm que pagar a hipoteca” (essa frase marca o filme).
A película não é somente um divertido passatempo inteligente para o fim de semana, como também serve àqueles que não conhecem o fluxo do cigarro na sociedade desde seu tempo mais louvável. Além disso, o filme é um exercício de ironia: ao mostrar como são negociadas as propagandas quase imperceptíveis no cinema, ele faz uma propaganda tão singela de um refrigerante em uma das cenas mais ternas entre o pai Nick Naylor e seu jovem filho Joey Naylor (Cameron Bright).
O serviço de Nick é melhorar as relações públicas entre a indústria o tabaco e a população estadunidense através de programas de televisão, declarações em jornais ou qualquer outra mídia que abrisse portas para a defesa das companhias. Entre as poucas relações apresentadas do lobista, estão os autodenominados “Mercadores da Morte”: Bobby Jay Bliss (David Koechner) e Polly Bailey (Maria Bello), porta-vozes da indústria armamentista e da indústria alcoólica, respectivamente. As suas reuniões formam, em minha opinião, as melhores cenas da longa metragem com direito a diálogos absurdos como a discussão acalorada de quem trabalha para a mais mortal companhia ao ponto de ficarem enfurecidos com o menor índice de morte em relação ao outro.
Uma das cenas mais importante trata-se de um diálogo entre Nick e seu filho enquanto os dois lancham após um passeio. Tentando explicar a sua ocupação, o pai dá uma breve e concisa aula de argumentação ao fazer uma retórica mostrando estar certo ao provar que o opositor estava enganado, mesmo sem necessariamente convencê-lo de seu possível erro.
Pois é, meu caríssimo leitor. Eu também preciso mais do que apenas chocolate e mais do que apenas baunilha. Eu também acredito que precisamos de liberdade de escolha em relação aos sorvetes, e isso, leitores, isso é o significado de liberdade...
Portanto, da próxima vez que insultarem seus costumes não se intimidem ou gastem dinheiro em uma academia para frequentá-la apenas por dois dias como desculpa! Não, levantem-se contra a tirania! Ou melhor, permaneçam sentados, esperando, acenda um cigarro... Cedo ou tarde a moda do ócio intelectual voltará aos cinemas e à televisão. A moda é mesmo rétro... Aguardem.
Guilherme Patterson
Essa minha confissão, com certeza, estaria de acordo com boa parte do itinerário habitual dos adolescentes de vinte anos atrás. Hoje sou apontado como vagaroso, apático, desleixado, negligente com a minha própria saúde, etc. Além do mais, se você não souber como praticar um exercício de triângulo pode ser taxado como “um ignorante e alienado”. Quantas amizades perdi por não mais suportar o olhar penoso em mim, quase que afirmando “vá para a academia, caso contrário não durará muito em vida, não se reproduzirá”?
Saúde virou religião. Academia virou templo. Esporte é oração. Suor é dízimo.
Certamente, os maiores sofredores dos tempos atuais são os fumantes. Não digo nem os obesos, já que esses acabam com fama de vítimas das grandes redes de fast food e dos hábitos do homem moderno. Digo mais: ser fumante atualmente é tão impopular quanto ser um usuário de maconha, pois estes ainda podem ser confundidos como revolucionários.
Discutir com um antitabagista é até complicado, caso você seja um fumista você está antecipadamente errado e fim de papo. Se é tão polêmico abordar um assunto como a dependência do cigarro em nossos tempos, um filme utilizando o cigarro como plano de fundo para desenvolvimento da história só poderia ter um tom satírico. Foi assim que o diretor Jason Reitman adaptou o livro Thank You For Smoking (2005) de Christopher Buckley para os cinemas. O Reitman é um jovem diretor canadense que realmente merece muito crédito, o cara estreou com um filme fantástico (este que faço a crítica hoje) em 2005 e deu continuação ao bom trabalho com Juno (2007), Up in the Air (2009) e Young Adult (2011).
Em meados dos anos 90, as empresas de tabaco enfrentavam medidas mais severas no controle e vendagem dos seus produtos. As acusações de causarem doenças pulmonares, as leis restritivas, a propaganda antitabaco, o interesse político em tornar vilãs as companhias tabagistas, entre outros casos, vão compondo o momento histórico ao qual se passa a história do lobista Nick Naylor (Aaron Eckhart), um homem que usa o seu grande talento argumentativo em prol das empresas de cigarro. Não há uma romanceação do protagonista com o cigarro, apesar de fumante ele faz seu trabalho, afinal, “todos têm que pagar a hipoteca” (essa frase marca o filme).
A película não é somente um divertido passatempo inteligente para o fim de semana, como também serve àqueles que não conhecem o fluxo do cigarro na sociedade desde seu tempo mais louvável. Além disso, o filme é um exercício de ironia: ao mostrar como são negociadas as propagandas quase imperceptíveis no cinema, ele faz uma propaganda tão singela de um refrigerante em uma das cenas mais ternas entre o pai Nick Naylor e seu jovem filho Joey Naylor (Cameron Bright).
O serviço de Nick é melhorar as relações públicas entre a indústria o tabaco e a população estadunidense através de programas de televisão, declarações em jornais ou qualquer outra mídia que abrisse portas para a defesa das companhias. Entre as poucas relações apresentadas do lobista, estão os autodenominados “Mercadores da Morte”: Bobby Jay Bliss (David Koechner) e Polly Bailey (Maria Bello), porta-vozes da indústria armamentista e da indústria alcoólica, respectivamente. As suas reuniões formam, em minha opinião, as melhores cenas da longa metragem com direito a diálogos absurdos como a discussão acalorada de quem trabalha para a mais mortal companhia ao ponto de ficarem enfurecidos com o menor índice de morte em relação ao outro.
Uma das cenas mais importante trata-se de um diálogo entre Nick e seu filho enquanto os dois lancham após um passeio. Tentando explicar a sua ocupação, o pai dá uma breve e concisa aula de argumentação ao fazer uma retórica mostrando estar certo ao provar que o opositor estava enganado, mesmo sem necessariamente convencê-lo de seu possível erro.
Pois é, meu caríssimo leitor. Eu também preciso mais do que apenas chocolate e mais do que apenas baunilha. Eu também acredito que precisamos de liberdade de escolha em relação aos sorvetes, e isso, leitores, isso é o significado de liberdade...
Portanto, da próxima vez que insultarem seus costumes não se intimidem ou gastem dinheiro em uma academia para frequentá-la apenas por dois dias como desculpa! Não, levantem-se contra a tirania! Ou melhor, permaneçam sentados, esperando, acenda um cigarro... Cedo ou tarde a moda do ócio intelectual voltará aos cinemas e à televisão. A moda é mesmo rétro... Aguardem.
Guilherme Patterson
Adorei a crítica, bem incisiva. Quando assisti o filme de Reitman pensei: "Ainda há vida inteligente em Hollywood!". Não se tornou apenas o nome do meu maço de cigarros.
ResponderExcluirNão tive a oportunidade de ler o livro, mas a chama da vontade já foi reacesa e vou me lembrar do que escreveu enquanto estiver apreciando meu ócio, e com orgulho.