terça-feira, 31 de dezembro de 2013

O Poderoso Chefão - Uma oferta irrecusável

Não faltam listas e especulações de qual o melhor filme de todos os tempos. Os críticos vão pra um lado, pro outro, os diretores pra um terceiro, e a pergunta continua rendendo. A lista mais aceita no mundo é a da revista Sight and Sound, que a cada dez anos é renovada e da última vez consultou quase 900 profissionais entre críticos, diretores, câmeras e outros; a grande novidade foi que Cidadão Kane perdeu o primeiro lugar (que ocupava desde a primeira edição da lista) para Um corpo que cai, assunto já comentado aqui no Sagaranando anteriormente. Mas cá entre nós, melhor filme é algo muito relativo. Se analisarmos filmes pelo roteiro, direção ou conteúdo, não fica muito difícil, mas devemos admitir que nem todos os filmes são fáceis de ver. Muitas obras primas não obtêm reconhecimento junto ao grande público. Por isso que eu digo: o melhor filme de todos os tempos é aquele que se destaca mais numa relação entre qualidade e popularidade. E unindo esses dois fatores, nada se destaca mais que O poderoso chefão.
Na sequência inicial, um típico e grandioso casamento à moda italiana, em que Connie Corleone (Talia Shire) celebra com seu noivo e familiares enquanto seu pai Vito (Marlon Brando), o Don Corleone fica em seu escritório recebendo amigos e protegidos e ouvindo seus pedidos, afinal um siciliano não recusa pedidos feitos no dia do casamento de um filho. Nessa sequência somos apresentados a um submundo que apesar de ser submundo é dominado por relações de sangue, cavalheirismo e honra: a máfia criada no romance imortal de Mario Puzo. Alternando cenas externas muito iluminadas com o gabinete escuro de Don Vito, Coppola nos apresenta a família: os filhos Sonny (James Caan), Fredo (John Cazale), Michael (Al Pacino) e o filho adotivo e consigliere Tom Hagen (Robert Duvall), além de muitos outros que mesmo sem ter parentesco consanguíneo pertencem à famiglia por serem afilhados ou simplesmente por deverem obediência ao Don. Ainda no casamento conhecemos Kay (Diane Keaton), namorada de Michael que fica impressionada ao conhecer o estilo de vida da família Corleone, mas recebe dele a garantia de que é diferente e não planeja ingressar nos negócios do pai.
A moral e o cavalheirismo que cercam a máfia são demonstrados por Don Vito quando ele recusa a oferta de um criminoso chamado Sollozzo, que pretendia dar início ao narcotráfico em Nova York com a proteção dos grandes mafiosos da cidade. Como os Corleone são os mais poderosos e bem relacionados entre as Cinco Famílias, seriam a melhor aliança para Sollozo. Don Vito recusa por acreditar que as drogas são um veneno para a sociedade e a família - algo em que ele acredita acima de tudo. Experiente como era, o don percebe logo que havia algum chefão de outra família por trás do negócio das drogas e pede a Tom Hagen para investigar, mas poucos dias depois sofre um atentado e fica entre a vida e a morte.
A sequência do casamento ou a cena em que Don Vito é baleado são só dois exemplos entre muitos do que a genialidade de Francis Ford Coppola foi capaz de criar, transformando o best-seller de Puzo numa obra que dá início a um novo capítulo na história do cinema. O filme tem um estilo inconfundível, decorrente da junção do clássico, do noir, do pulp e do drama familiar, que talvez seja o principal pilar de sustentação do enredo. O distanciamento de Michael dos negócios da família, em parte pela falta de interesse dele, em parte pela vontade de seu pai de que ele se tornasse um grande homem público tem fim quando o jovem vê o pai à beira da morte e se oferece para executar uma vendeta, pois os envolvidos no atentado não podiam sair impunes. Tal drama abre espaço para ótimas atuações; pensando nisso, Coppola escalou um elenco excelente liderado por Marlon Brando, que numa volta triunfal às telonas fez um trabalho antológico, um dos melhores entre todos que já venceram o Oscar de melhor ator, e Al Pacino, na época iniciante mas que saiu com a reputação de uma das maiores promessas de sua geração.
Talvez o que O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972) tenha de mais louvável seja a capacidade de trazer o espectador para dentro da história e conquistar a simpatia para uma família de assassinos e contraventores que faz de tudo para ajudar seus protegidos mas não tem piedade alguma para lidar com os inimigos. Por isso que torcemos pelos bandidos, nos sentimos parte daquele mundo, sofremos ao ver Don Vito quase morto e nos angustiamos ao longo das cenas em que os Corleone sofrem baixas. Tudo isso ao longo de três horas que passam num instante e que queremos nunca acabe. Rever? É sempre uma oferta irrecusável.

Nota: 11/ 10

Luís F. Passos

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