terça-feira, 15 de maio de 2012

Fogo Morto - loucura e decadência

O mestre José Amaro é um velho seleiro que mora à beira da estrada que leva à cidade do Pilar, na Paraíba, com sua esposa Sinhá e sua filha Marta. A casa fica nas terras do Engenho Santa Fé, de propriedade do coronel Lula de Holanda. Meste Amaro é um homem cansado, frustrado e inconformado com o mundo, que julga cruel e desigual. Por ser orgulhoso e conservador, cria inimzades facilmente; e pra piorar, a aparência pálida provocada pelo couro em sua pele e seus costumes de fazer passeios noturnos deram a ele a fama de lobisomem. O mestre passa a ser temido pelo povo, e ele desconta a raiva na filha, que já havia passado da idade de casar mas continuava donzela. Os maus tratos do pai, aliados à sua solidão, deixam Marta louca.
O Engenho Santa Fé foi criado pelo capitão Tomás Cabral de Melo, e apesar de ser o menor da região em área, se tornou um dos mais produtivos graças aos esforços de seu dono. Homem sábio, justo e trabalhador, o capitão Tomás, ao lado de sua esposa Mariquinha e seus fiéis e dedicados escravos, deixou a cidade do Pilar admirada com a capacidade produtiva do engenho. O capitão decidiu mandar suas duas filhas estudarem no Recife, "para que não fossem burras como as outras filhas de senhor de engenho". A mais velha, Amélia, era como uma flor aos olhos do pai. Bonita, inteligente e hábil no piano, Amélia se casou com Luís César de Holanda Chacon, o Lula de Holanda, parente distante de seu pai. Lula era muito educado, charmoso, mas não tinha talento nem força de vontade para administrar um engenho. Após a morte do capitão Tomás, as coisas no Santa Fé mudaram. Apesar dos esforços de dona Mariquinha, a produtividade do engenho começou a cair, e depois da morte dela é que tudo piorou de vez. Lula de Holanda se mostrou vaidoso, gastador, cruel com os escravos e incompetente na administração da propriedade. Com a decadência do engenho e o surgimento de uma epilepsia, passou a se preocupar apenas com orações e com a criação da filha, Neném.
O capitão Vitorino Carneiro da Cunha é uma típica figura quixotesca, que vive montado num velha e doente égua. Apesar de ser parente da maioria dos grandes fazendeiros do Pilar, critica as desigualdades sociais e as injustiças praticadas pelos ricos e poderosos. Vitorino é primo do coronel José Paulino (aquele mesmo do livro Menino de engenho) mas vive a criticá-lo por ser o prefeito e não pagar impostos sobre a produção de seus engenhos. O capitão também é compadre do mestre Amaro, e um dos poucos amigos verdadeiros que o mestre tem. Vitorino chega a desafiar o coronel Lula e até mesmo a Volante (polícia que caçava cangaceiros) para proteger o compadre. Essa é uma característica de Vitorino: ele não tem medo de falar o que pensa, independente da pessoa com quem esteja falando. Mesmo sendo chamado de louco e de "papa-rabo", o capitão Vitorino, que tem um bom coração, gosta de ajudar as pessoas e combater as injustiças, o que o coloca como o mais central dos três protagonistas (ele próprio, mestre Amaro e coronel Lula).
Fogo Morto (1943) é a obra prima de José Lins do Rêgo, e é com ele que o autor fecha o chamado Ciclo da cana-de-açúcar. No livro, que é divido em três partes ("O mestre José Amaro", "O engenho de seu Lula" e "O capitão Vitorino"), Lins do Rêgo mostra o apogeu e a decadência de um sistema econômico e de uma sociedade que gira em torno dele. O engenho Santa Fé é o símbolo dessa decadência: ao fim do livro, ele "está de fogo morto", ou seja, ficou improdutivo.
Além do tema principal, outros temas se destacam. O primeiro é a loucura: os três protagonistas são doidos de pedra. Talvez o pior seja Vitorino. A loucura aparece aliada aos outros temas secundários: pobreza, injustiça, solidão, frustração e esperança de mudar um mundo desigual. O cangaço é presente na obra, e se alia a alguns desses temas secundários. Importante destacar a loucura de Vitorino: como ele era um idealista, o livro mostra como aqueles que acreditam numa sociedade justa e na bondade das pessoas são tratados como loucos, criticando, assim, a sociedade elitista do mundo canavieiro (mas que fique claro: Vitorino era louco sim. Mais que ideias de justiça, a cabeça dele também era cheia de bobagens).
Mais do que obra prima de José Lins do Rêgo, Fogo morto é um dos melhores livros nordestinos e também um dos melhores exemplos da 2ª Fase Modernista (e um de meus preferidos). Tem as típicas características dessa fase: o regionalismo, ruralismo, objetivismo, crítica social (o chamado realismo  denunciante), e é uma ótima leitura não só por seu imenso valor literário, como também pela linguagem usada pelo autor. Eu o li pela primeira vez há uns cinco anos, e achei o máximo. Quando reli, ano passado, passei a gostar ainda mais; depois de estudar literatura é que se percebe o quanto essas trezentas e poucas páginas representam pra nossa cultura.

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