"O Eduardo sugeriu uma lanchonete, mas a Mônica queria ver um filme do Godard" (Eduardo e Mônica, Legião Urbana)
Se o filme que a Mônica queria ver era O Desprezo (Le Mépris, 1963), Eduardo escabou de uma boa. Ô filminho difícil; o que tem de bom tem de complicado e cansativo. Pra começar, ele nos desafia com uma música tensa e os créditos são FALADOS em francês por uma voz masculina bem grave ("c'est un film de Jean-Luc Godard"), seguido de uma citação sobre cinema: "André Bazin disse 'O cinema mostra-nos um mundo em que cabem nossos desejos'. O desprezo é a historia desse mundo".
Eis a estória: o escritor Paul Javal (Michel Piccoli) é contratado para escrever o roteiro de um filme para o produtor norte-americano Jeremy Pokosch (Jack Palance), um homem arrogante e desagradável. O filme em questão é a Odisseia de Homero, e será dirigido por Fritz Lang (interpretado pelo próprio, que era um diretor alemão). Paul é casado com Camille (Brigitte Bardot), uma loira lindíssima, e entende-se que eles eram um casal feliz. Acontece que eles moravam em um apartamento caro, e o dinheiro pago pelo roteiro do filme seria suficiente para quitar o imóvel. Paul percebe que não poderia perder a chance, mesmo que precisasse usar métodos pouco honestos, como oferecer a esposa ao produtor do filme.
Jeremy convida Paul e Camille para sua villa no litoral italiano, onde parte do filme estava sendo gravada. O interesse de Jeremy pela moça era óbvio, assim como a carta branca dada pelo escritor para que o chefe investisse na loira. Camille, que percebera tudo desde o começo, em Roma, fica indignada com a atitude do marido e passa a desprezá-lo, não apenas por repudiar tamanha falta de caráter, como também para puní-lo, usando o desprezo como arma contra ele. Temos então cenas interessantíssimas, algumas com diálogos tensos, outras que exploram o lado psicológico do embate, mostrando reflexões tanto de Paul como de Camille. Esses diálogos, aliás, são como os que Godard apresenta em vários filmes: parecem interrogatórios. Aqui isso se intensifica mais, já que o casal passa boa parte do filme se enfrentando. E como juízes disso tudo temos os deuses do Olimpo, representados por estátuas estranhamente coloridas.
O Desprezo é considerado um dos melhores filmes do francês Jean-Luc Godard, e também um dos melhores filmes de todos os tempos (na lista desse ano da Sight and Sound ficou na 22ª posição). Godard provavelmente foi o maior nome da Nouvelle vague, movimento do cinema francês liderado por jovens com a cabeça cheia de ideias mas bolso bem vazio. As principais características dessa geração são a intransigência, quebra de moldes antigos, rejeição à moralidade, quebra de linearidade na narração, forte análise psicológica e sátira ao próprio cinema. Em O Desprezo, por exemplo, há várias citações de outros filmes, de técnicas, e a presença de um grande diretor, Lang, atuando como ele próprio.
Vale a pena destacar também a fotografia, acho que e uma da mais bonitas que já vi em filmes feitos antes de 1980, e que destaca a beleza de Brigitte Bardot, que foi o grande ícone de beleza da década de 60 (o traseiro dela aparece tanto e tem tamanha importância na história que deveria ser citado nos créditos). A villa no litoral também é bastante valorizada pelas câmeras, o visual é de tirar o fôlego. Igualmente notória é a trilha sonora, que causa uma leve aflição, principalmente por parecer acompanhar a complexidade emocional da personagem de Brigitte. Pra ser sincero, a trilha também é responsável pelo ar cult do filme, que não é pouco. Claro que eu ficarei feliz se esse singelo post motivar alguém a ver o longa, mas aviso logo que a tarefa não é fácil e eu só recomendo a quem tiver um boa bagagem cinematográfica. Afinal, já dizia vovó: difícil é Godard, o resto é Hannah Montana.
Luís F. Passos
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