terça-feira, 28 de agosto de 2012

Budapeste – Buarque, o escritor.

O Francisco Buarque de Hollanda é carioca, nascido em 1944, cresceu na considerada “nata cultural” de sua época, estudado em diversos idiomas; amante das meninas, mulheres e senhoras; artista de renome mundial, músico extremamente vendável, ativista durante a ditadura, sensível mestre de poemas, etc. Certamente, o leitor escutou Construção e/ou Cálice e assim, portanto, tudo sabe sobre o mais terno malandro do Brasil, mesmo assim vou me aventurar em perguntar: conhece Buarque, o escritor?
Não devo tomar muito do seu tempo tratando sobre este lado do nosso compositor, pois seu primeiro romance impresso só veio a ser publicado há duas décadas – enquanto a carreira de Chico já decolava em 1965 –, Estorvo (1991) rendeu o prêmio Jabuti de “Melhor Romance” no ano seguinte da sua estréia, prometendo um belo destino ao seu autor. Prometeu, mas não cumpriu: seus livros seguintes acabariam gerando críticas negativas e até mesmo polêmicas como no caso de Leite Derramado (2010) e Budapeste (2004), vencedores do Prêmio Jabuti de “Melhor do Ano” mesmo sem serem premiados na categoria de “Melhor Romance”.
Como muitos avaliadores e acadêmicos tendem a demonstrar uma credibilidade duvidosa (algo relacionado a sua condição humana), resolvi folhear e vivenciar Budapeste. Consegui reconhecer logo o Chico da MPB com suas frases bem encaixadas, sua performance dócil, seu veneno e seu contágio. Uma linguagem bem suave em meio a uma explosão de peripécias... O livro está tão claro na sua leitura e nebuloso na sua compreensão.
Personagens não são muitos: José Costa é o protagonista que ganha sua vida trabalhando como ghost-writer* na empresa a qual é sócio ao lado de seu antigo colega, o Álvaro Cunha, este é apresentado brevemente tal qual um chefe avarento. José é casado com Vanda e pai de Joaquim, nascido da hesitação na carreira do seu genitor. Completa o núcleo brasileiro o imigrante alemão Kaspar Krabbe, contratante dos serviços da empresa Cunha&Costa e, por consequência, “autor” da obra auto biográfica O Ginógrafo, trabalho mais primoroso de José. O núcleo húngaro, ou seja, os personagens da cidade de Budapeste são Kriska, mulher descasada, letrada e envolvida no círculo literário; Pisti, filho do casamento passado de Kriska; Senhor S., uma figura sem demais informações, exceto por possui certa influência; e, por fim, Kocsi Ferenc, poeta ignorado entre outros acadêmicos até a intervenção do protagonista Zsoze Kósta (assim é chamado na Hungria).
Os capítulos vão se alternando em cada cidade, ora Rio de Janeiro, ora Budapeste. As tramas aparentemente paralelas passam a se cruzar inocentemente; há o reservado José Costa, escritor exímio em prosa no Brasil, e o tenaz Zsozé Kósta, aprendiz e amante de Kriska em letramento húngaro. O protagonista vai aparecendo, algo de acordo com a sua condição de autor escuso, guiando a sua vida como primeira, segunda e até terceira pessoa da sua própria história. Será indefinido o limite da realidade e aí reside a metafísica: aquele que é tão sensível ao outro não conseguindo autenticar a si mesmo. Pode ser Costa ou Kósta, Brasil ou Hungria, poesia ou prosa, o homem não é ele... E quem ele é?
Ah! Chico...

*Ghost-writer: pessoa que prepara ou escreve anonimamente uma obra literária, artística, científica ou política encomendada por quem, passando por autor, a assina.

Leia também: Leite derramado

Guilherme Patterson

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