Queria eu conhecer tudo. Não somente as mais apreciadas obras dos homens como as mais clandestinas formações da natureza. Queria conhecer o universo inteiro de uma só vez ou viver o bastante para terminar a lição do tempo e do espaço. Ainda assim, eu saberia de tudo? O universo é tudo? O nosso universo é tão vasto quanto misterioso, os sonhos são um tanto mais.
Os sonhos não respeitam as leis da física, leis da química, nem sequer as leis dos homens. A única regência é o tempo; sua duração. Nos sonhos temos começo, devaneio e fim. Essa satisfação tão pessoal foi a inspiração para discursos memoráveis como o de Martin Luther King, grandes escritores como Shakespeare, a psicanálise de Freud e para as excelentes histórias de Neil Gaiman. Sonho é interessante para qualquer idade, e, portanto:
Alice no País do Espelho é um livro para todas as idades!
Há uma imensa diferença do primeiro livro (Alice no País das Maravilhas, 1865) para a sua continuação. No segundo livro temos um Lewis Carroll mais experiente na sua escrita e (pasmem!) munido de propostas literárias moderníssimas. O amadurecimento do autor condiz também com o desenvolvimento da protagonista Alice, agora com seus sete anos e seis meses (como ela gosta de exaltar).
Vamos com calma... Eu vou explicar os elogios.
Se no livro anterior havia uma teimosa Alice (aos cinco anos), no seguinte encontramos uma Alice mais buliçosa e inquieta, arfando seus ares de moça. Contagia bastante sentir essa diferença nela logo no começo do enredo, o leitor vai sendo fisgado pela familiaridade criada. Uma nova distinção é o princípio da história, afinal acompanhamos o processo do sono de Alice enquanto brinca com suas gatas (sim, a Dinah deu duas crias)!
Após um breve início somos lançados ao sonho da personagem principal em uma terra análoga ao tabuleiro de xadrez, esse é o País do Espelho. Novamente ficamos imersos no campo lúdico, se antes fora o carteado no mais novo livro tratava-se do jogo de tabuleiro. Aproveito para alertar que daí surgiram certas confusões entre duas figuras: a Rainha de Copas (Alice no País das Maravilhas) e a Rainha Vermelha (Alice no País do Espelho) não têm nenhuma ligação uma com a outra.
A missão de Alice então é tornar se uma rainha também, mesmo ao iniciar o tal do jogo como uma peoa branca. No seu caminho encontra-se com diversas personalidades da fantasia inglesa, monstros horrendos e peças de xadrez, em uma espécie de relances de sonhos e pesadelos. Não há como negar; os personagens deste livro são muito mais elaborados e os diálogos mais extensos e interessantes (até mesmo o tamanho da obra é consideravelmente maior). O canteiro das flores, Tweedledee e Tweedledum e Humpty Dumpty são apenas alguns exemplos de contribuições do País do Espelho para o filme da Walt Disney.
Quanto ao escrito, podemos citar o brilhantismo de Carroll ao propor para a literatura uma poesia apresentando palavras que não fizessem o mínimo sentido, mas que trouxessem na musicalidade as rimas para a sua apreciação. A obra está recheada de poemas assim e não adianta buscar sentido (há até uma passagem sobre isso em um dos diálogos), pois as palavras realmente estão embaralhadas. Outra noção facilmente percebida no livro é a acentuação da violência, não tão presente na publicação anterior. Bem, a percepção do mundo de Alice andou mudando nesses dois anos...
Diante de todo o amadurecimento da continuação a mais notável em “Alice Through The Looking-Glass” (lançado em 1871) é sem dúvida uma questão lançada pelos irmãos Tweedle a Alice: quem está no sonho de quem? Seria Alice parte do sonho do Rei Vermelho adormecido ou a majestade uma parte do seu sonho? Uma pergunta satisfatoriamente estimulante para crianças. Se você não sacou a citação a Alice na trilogia Matrix, essa é a hora!
É claro, o término do livreto não esclarece; aliás, aumenta a dúvida! Sim, Alice acorda e imagina que os seus gatos eram as tais figuras régias de seus sonhos. Só não faltava o autor finalizar com o enigma: “Quem você acha que sonhou?”.
O mérito desta última história reside aí; na possibilidade de atravessar as gerações e criar reflexões. Enquanto o início envolve a imaginação sem limites, seu fim propõe os limites da realidade. Honrável final a mais bela narrativa infanto-juvenil.
Gostaria de adicionar a minha simplória crítica um trecho do poema de Pablo Neruda:
“E ao serem jogadas na estranha corrida
É a mensagem dourada afinal percebida:
Que a vida é um sonho e que o sonho é a vida!...”
Guilherme Patterson
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