Sandra (Marion Cotillard) encontra-se num
momento muito importante de sua vida. Saindo de um período de depressão grave
que ainda tem reflexos no seu presente, recebe a péssima notícia de que perderá
seu emprego em nome de um abono salarial para os outros funcionários. A decisão
da empresa não foi tão simples assim. No caso, os outros funcionários do local
tiveram, eles mesmos, que escolher entre receber o abono ou manter a colega de
trabalho em serviço. Após descobrir que um deles influenciou bastante na
decisão dos demais, Sandra, munida inicialmente menos por suas forças próprias
que pela insistência de sua amiga e de seu marido (Fabrizio Rongioni) consegue
com que seu chefe faça uma nova votação – desta vez, secreta – para chegar à
decisão final. Entre essa tomada de decisão e a nova votação, o que lhe sobra é
um final de semana. Dois dias para que o pequeno número de três pessoas que
votaram a seu favor se transforme em nove, para que assim a maioria esteja com
ela. Tudo que lhe resta é uma jornada de porta em porta tentando convencer seus
colegas a lhe apoiar.
Dois dias, uma noite (Deux jours, une nuit,
2014) é um filme magistral. Excelentíssimo. Um pouco cruel em sua proposta,
também é um filme bastante humano, visto que sua temática é, basicamente, uma
disputa clássica e travada na banalidade do cotidiano entre solidariedade e
interesses pessoais. Claro, dinheiro é sempre bom, mas até quando vale a pena o
lucro em detrimento do bem estar de um colega de trabalho? De um amigo? De uma
pessoa próxima a que todos sabem que se encontra fragilizada? Desta forma, os
Dardenne compõem essa trama meio trágica que também nos fala muito sobre
compaixão e lealdade, tendo como plano de fundo a crise econômica europeia.
A missão de Sandra não é fácil e muito menos
confortável. Imagine ter que passar dois dias inteiros andando de porta em
porta, na casa de pessoas as quais você precisa pedir um favor imenso. O
desconforto está estampado na cara de Sandra, até por saber que muitas daquelas
pessoas realmente necessitam daquele abono. Ao receber sim como resposta,
Sandra se ilumina e torna-se esperançosa, ganhando forças para continuar a
jornada e agradece de maneira discreta, porém sincera. Ao receber não como
resposta, aceita passivamente e não tenta forçar muito para que os outros mudem
de ideia, mas implode em seu mundo particular. Perde as esperanças a cada
decepção, se entregando à depressão ainda não totalmente superada. Talvez o que
realmente a sustenta seja mesmo a figura sempre presente e companheira do
marido, que a acompanha de perto em todos os passos da jornada.
Um aspecto bastante interessante em Dois dias,
uma noite é ver as reações de cada uma daquelas pessoas, o que traz ao filme
uma surpresa a cada cinco minutos de projeção. Afinal, nem ela e muito menos
nós sabemos o que passa pela cabeça daquelas pessoas, e muito menos como
reagirão a tal confronto de valores morais. As reações são das mais diversas e
mesclam não apenas sentimentos extremos de solidariedade ou egocentrismo, mas
também de culpa, agressividade e afastamento. Interpretação perfeita de Marion
Cotillard, que traz mais uma excelente atuação a sua lista enorme de bons
trabalhos (Piaf e Ferrugem e Osso são meus exemplos referência em relação à
atriz), emprestando a Sandra a vulnerabilidade e a exaustão de uma pessoa
lutando para sair de um abismo. Filme indispensável.
Leia também:
Piaf
Lucas Moura
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