Becca (Nicole Kidman) e seu marido Howie (Aaron Eckhart) sofrem com a perda do filho do casal, Danny, de apenas quatro anos que faleceu em um atropelamento na porta de casa enquanto corria atrás de seu cachorro. Em meio ao sofrimento da perda, acompanhamos a rotina do casal e a maneira como cada um dos dois está passando pelo processo de luto.
Não vemos a morte do menino, o filme já inicia com a vida pós Danny. Howie parece estar mais próximo de superar a perda, ao contrário de Becca. Ela passa os dias em casa, sem fazer nada de importante, apenas vendo as várias marcas deixadas pelo filho por toda a casa. Aos poucos, ela passa então a querer se livrar dessas marcas. Tira os desenhos grudados na geladeira, doa as roupas, apaga, consciente ou inconscientemente, um vídeo do menino que havia no celular de Howie. A maior de suas decisões na tentativa de tentar esquecer o passado é sair da casa, mudar-se.
Quanto a Howie, sua grande tentativa de superar a perda é através de um grupo de ajuda para pais que perderam seus filhos e que se reúnem para tentar amenizar seu sofrimento. Essas reuniões são totalmente descartadas por Becca, que simplesmente se incomoda com aqueles pais chorosos que falam frases do tipo “foi Deus que quis assim” ou “Deus queria mais um anjinho do seu lado” para tentar se confortar. A personagem é atéia, então a religião, que funciona para muitas pessoas como um amparo, não tem chance aqui. Ele também procura estar mais próximo da mulher, tenta seduzi-la, mas o luto de Becca a faz rejeitar o toque e se sentir desconfortável em intimidade com o marido.
Além dos dois protagonistas, temos alguns coadjuvantes muito interessantes. A mãe (Dianne Wiest), que passa por alguns conflitos com a filha ao longo do filme, e a irmã de Becca, inconseqüente, imatura e grávida. O grande conflito relativo à Becca e a mãe centra-se na questão de que ambas perderam um filho, fato que faz com que a personagem de Diane Wiest acredite que pode dar um conforto à filha que de certa forma nega qualquer tipo de comparação entre seu filho e seu irmão, pois ele era na verdade um viciado em heroína que morreu de overdose, diferente de seu inocente e puro filhinho de 4 anos. Para a mãe, a dor de perder um filho é igual a todos, não importando o que esse filho fez ou deixou de fazer. Apesar dessas certas desavenças, a relação das duas é muito importante e, de certa forma, reconfortante para Becca.
Como Becca e Howie realmente não se entendem e não conseguem ajudar um ao outro, os dois acabam procurando apoio em outras pessoas. Howie passa a criar laços com uma das colegas do grupo de apoio (Sandra Oh, Grey's Anatomy) que acabou de se divorciar e Becca passa a conversar num parque com Jason, o garoto que atropelou seu filho e que se sente de certa forma, culpado por isso. Aliás, tanto Becca quanto Howie também se sentem de certa forma responsáveis pela morte de Danny, isso faz parte do processo de luto. A relação dos protagonistas com esses dois personagens é importantíssima, pois para mim é a partir desse momento que as coisas pelo menos parecem tomar um rumo melhor. Não que o final do filme deixe algo e definitivo como se o sofrimento tivesse passado e que tudo aquilo que foi passado tivesse sido superado. Não é isso que o filme quer. O filme trata o luto como algo eterno, que nunca some da vida de uma pessoa, apenas torna-se suportável. Um dos melhores diálogos é justamente em relação a isso, em que a mãe compara o luto a um tijolo guardado no bolso, um peso que sempre se carrega e que mesmo que você esqueça em alguns momentos, ele volta às suas lembranças. Na seqüência final, isso fica muito claro. A perda não vai sumir nunca, mas é preciso aprender a conviver com ela. E para suportá-la é preciso que se unam.
Reencontrando a felicidade (Rabbit Hole, 2010) é um filme realmente bonito. Triste, mas muito bonito. Isso se deve principalmente aos diálogos que são simplesmente ótimos. Além das seqüências que já falei acima, gostaria de destacar as conversas entre Becca e Jason, sobretudo aquela em que eles divagam sobre a existência de mundos paralelos. Nessa divagação, falam como se houvessem vários mundos, onde existem vários “eu”, como se naquele momento, naquele lugar e nesse mundo eles estivessem vivendo apenas uma versão dos vários “eu” que existem. Becca responde então: “esta é a versão triste de nós dois”. Uau.
Todos os créditos também para o diretor James Cameron Mitchel, ao roteiro cheio de diálogos simples, diretos e ótimos e ao grande elenco do filme. Sobre Aaron Eckhart ele está realmente muito bem como Howie, mas não posso falar muito sobre ele por não conhecer tão bem assim seu trabalho. É sempre um prazer ver Dianne Wiest em cena, até porque, a atriz (duas vezes vencedora do Oscar por Hannah e suas irmãs e Tiros na Broadway, ambos de Woody Allen) não faz tantos filmes assim. Eu já estava com saudades. Quanto a Nicole Kidman, só tenho uma coisa a dizer: excelente. A sua atuação em Reencontrando a felicidade está no mesmo nível de seus trabalhos em Moulin Rouge (2001), As horas (2002) e Dogville (2003)! Isso é muita coisa! Até porque em andava meio decepcionado com a atriz por ela não trazer mais papéis de altíssimo nível já há um tempo. Poxa, Dogville foi em 2003 e de lá pra cá ela não tinha conseguido fazer algo que brigasse com ele até reencontrar a felicidade, com o perdão da piadinha. Seu trabalho foi lembrado no Oscar, e ela recebeu sua terceira indicação a melhor atriz – indicada por Moulin Rouge (perdeu injustamente) e vencedora por As horas. Mesmo assim, acredito que Reencontrando a felicidade tenha nível para ter sido lembrado em mais algumas coisinhas.
Sendo assim, se você quer ver um drama adulto e de qualidade, corra que o filme ainda está em cartaz em alguns cinemas.
por Lucas Moura
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