quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Sobre 2015, suas mazelas e seus poucos livros

Olá mundo, como vai?
Ou melhor: pessoas do mundo, como vão? Porque o mundo eu sei que não vai lá muito bem.
Vão levando? Sei como é. Há algum tempo a resposta que eu mais costumo dar é essa. Vou indo. Vou levando. Marrom - marromenos.
Enfim, não precisamos entrar em maiores detalhes, até porque o mundo não precisa e não quer saber do porquê de eu estar tão prolongadamente no modo marromenos. Eventualmente, se alguém quiser saber, deixa um comentário, manda uma mensagem, marca um café que a gente fala sobre. Mas vamos ao objetivo da vez que é falar sobre o ano que (graças a Deus) está acabando, essa criança marota chamada 2015.
2015 começou com um puto atentado à liberdade de expressão no coração da Cidade Luz que fez meio mundo de gente dizer que era Charlie. Aqui pelo Brasil o turbulento, emotivo e irracional período eleitoral do ano passado deu à luz uma crise política (que se analisarmos bem é só uma exacerbação e consequência dos últimos anos) que se somou à crise econômica, resultando numa impopularidade do governo que foi a maior desde a redemocratização, além de dar poder a uma podre ala do Congresso - que é o mais conservador desde a ditadura. Trabalhadores, negros, indígenas, LGBTs e mulheres foram o alvo das chamadas bancadas da Bala, do Boi e da Bíblia, capitaneadas por canalhas da mesma estirpe do presidente da Casa.
Pois é, gente. 2015 foi tão nefasto na política que chegamos ao ponto de aplaudir Kátia Motosserra Abreu por jogar vinho na cara de José Serra. Também foi o ano em que ninguém menos que Luciana Gimenez defendeu a laicidade do Estado diante de Marco Feliciano (que puxou um Pai Nosso junto com a bancada da Bíblia no plenário da Câmara). Se não bastasse, o glorioso e tão criticado Tiririca, 5º na linha sucessória presidencial, lamentou em carta ser o único político ficha limpa da lista.
Depois da crise econômica, a crise política foi o assunto mais falado ao longo do ano. Crise política por ter um governo fraco, impopular e escravo da aglomeração de podridão chamada PMDB, a base aliada menos aliada de que se tem ouvido falar. Mas isso se trata, na verdade, de uma crise institucional. Crise política é o que vivemos desde sempre, perpetuando uma sociedade doente que despreza direitos humanos, culpabiliza as vítimas, pratica a barbárie cotidiana que é a falta de empatia e que idolatra aberrações políticas, éticas e cognitivas.
Sem mais reflexões revoltadas, vamos falar do blog. 2015 foi, de longe, o ano menos produtivo do Sagaranando. Caímos de mais de cem publicações em 2013 pra quarenta e poucas em 2014 e enfim, 20 nesse ano. Culpa da faculdade na maior parte do ano, culpa de minha preguiça no restante, já que desfrutei de bons cinco meses de férias (obrigado greve das federais). Não só o blog foi mal como eu mesmo deixei muito a desejar em termos de livros e filmes. Pela primeira vez em cinco anos não vi a cerimônia do Oscar, já que tinha visto apenas um filme da competição. Li a menor quantidade de livros em anos, tendo, inclusive, passado sete meses com um só (sobre os quais falarei mais tarde).
Antes de comentar sobre os escassos livros desse ano (mas em ordem de preferência pra relembrar os bons Top 5 do blog) eu queria dar um conselho que há algum tempo eu pratico. Não parem de ler. Nunca. Por mais ocupados e cansados que estejam, nunca deixem de praticar um dos mais saudáveis e construtivos hábitos. Que leiam cem ou cinco páginas num dia, que leiam todo dia ou três vezes na semana. Não deixem de ler. O mundo precisa de leitores, pessoas ávidas por histórias, emoção, drama e conflitos; gente que gosta de mergulhar nas palavras de alguém, na imaginação de alguém, e usar a própria para dar um toque pessoal à história que lhe apresenta. Em tempos difíceis como esses, é de fundamental importância lembrar quão essenciais são as artes para a manutenção da humanidade enquanto civilização, quer dizer, para que evitemos o colapso e a barbárie. Mais importante até que a medicina e as ciências médicas (que só existem como as conhecemos hoje há cerca de duzentos anos, enquanto as artes acompanham o homem desde sua Aurora), precisamos das artes para suavizar os problemas da vida e tornar mais simples o conflito constante que são as relações interpessoais. Conselho dado (e apelo feito), vamos aos cinco melhores (e únicos) livros que li em 2015:
5. Guerra e Paz (vol. 1) - Leon Tolstói
O principal livro que faz muitos considerarem Leon Tolstói o maior de todos os romancistas é um verdadeiro tesouro do povo russo e toda a humanidade por seu valor literário e histórico. Mas pelo menos nesse primeiro volume, ele não é exatamente um exemplo de texto fluido. Claro que é compreensível, já que nesse início é necessário apresentar as famílias Bezukov, Kuraguine, Bolkonski e Rostov, protagonistas e membros da aristocracia russa, tarefa não muito grata. O livro acompanha o Império Russo prestes a enfrentar o exército de Napoleão e o início da guerra, com clara vantagem francesa. Amor, ambição e coragem são os principais ingredientes dessa primeira parte, narrados muito bem por seu imortal autor.
Nota: 9,0/ 10
4. O Último Magnata - Francis Scott Fitzgerald
Depois de três anos juntando poeira na estante, o último romance de Fitzgerald foi lido. Mais experiente e maduro do que em O Grande Gatsby, Fitzgerald apresenta a impressionante e faminta indústria cinematográfica de Hollywood através da narração de Cecília Brady, filha de um grande produtor. Cecília relembra seus tempos na faculdade, quando se apaixonou por Monroe Stahr, sócio de seu pai e um dos maiores figurões da cidade, e com isso mostra um mundo extravagante que nos bastidores é competitivo e desgastante. Stahr é o retrato dessa Hollywood: workaholic, o sucesso de sua vida amorosa é justamente o contrário da profissional. Fechado e totalmente dedicado ao trabalho nos estúdios, ele vai encontrar numa desconhecida a chance de mudar sua vida e reencontrar o amor.
Importante: Fitzgerald morreu antes de concluir o romance, mas faltando bem pouco. O crítico e amigo Edmund Wilson 'finalizou' a obra, descrevendo como poderia ser o final segundo as anotações do autor. Infelizmente tal forma de conclusão quebra o clima do que poderia ser um fim incrível.
Nota: 9,0/ 10
3. As Ligações Perigosas - Chordelos de Laclos
Romance que abalou as estruturas da sociedade (e aristocracia) francesa no fim do século XVIII, chegando a ser banido do País décadas depois, As Ligações Perigosas foi inspiração de várias adaptações para o teatro e cinema, sendo a mais conhecida delas a estrelada por Glenn Close e John Malkovich em 1988. Apresentado através de cartas trocadas pelas personagens, o livro é centrado nas figuras do Visconde de Valmont e da Marquesa de Merteuil, que ocupam a rica e tediosa vida na nobreza seduzindo pessoas inocentes para depois colocá-las em desgraça. Na trama, eles escolhem como alvo uma mulher casada, conhecida por sua rígida moral e religiosidade. Ao longo da tentativa de seduzir tal mulher e das consequências de tal ato, é feita um minucioso retrato da sociedade, principalmente da hipocrisia que cerca o poder.
Nota: 10
2. Do amor e outros demônios - Gabriel García Márquez
 Ao acompanhar as escavações em um antigo convento prestes a ser demolido, Gabriel García Márquez se depara com um pequeno cadáver que o faz lembrar de lendas contadas por sua avó sobre uma menina milagreira de enorme de cabelo. A partir de então é narrada uma história passada no período colonial da América Latina centrada na jovem Sierva Maria, filha de um marquês, totalmente negligenciada pelo pai apático e pela mãe sem caráter, que acaba sendo criada na senzala com os escravos, e aprende a língua e a cultura dos servos. Após ser mordida por um cão raivoso, Sierva Maria é apontada como possuída pelo demônio, disparate corroborado por seu comportamento rebelde e conhecimento de línguas africanas. A história da colonização americana é plano de fundo desse romance sobre amor, ódio e fé.
Nota: 10
1. Ensaio sobre a Cegueira - José Saramago
Um certo dia um homem está parado no sinal vermelho quando de repente perde a visão. Mas em vez de trevas, seus olhos estão ofuscados por uma forte e permanente luz branca. Ele procura um médico, que não percebe nenhuma alteração em seus olhos. A cegueira rapidamente se espalha para aqueles com quem o primeiro cego teve contato, e os doentes são levados para um sanatório desativado na tentativa de controlar a epidemia. Entre eles, há alguém que não perdeu a visão: a esposa do médico que examinou o primeiro cego. Ela esconde o fato dos companheiros para não se tornar escrava dos cegos, mas a dependência deles para com ela é maior a cada dia. O número de internos aumenta, e a epidemia parece não ter controle. É através dessa brilhante parábola que Saramago aborda o problema das pessoas não enxergarem umas as outras e não enxergarem bem a si próprias, além das reações do ser humano diante de necessidades, impotência e desamparo. A falta de moral, ética e desprezo pelos valores estabelecidos em sociedade são abordados à medida em que o sanatório vai enchendo e os internos vão perdendo a dignidade e o que anteriormente os caracterizava como humanidade e civilização. Uma leitura essencial para todos.
Nota: 10

Bom, that's all, folks! Nos vemos em 2016. Feliz ano novo pra todos, com muita saúde, felicidade, livros, filmes e muita música. Continuaremos a sagaranar (?) por aqui.

Luís F. Passos

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Filmes pro final de semana - 04/12

1. Blue Jasmine (2013)
Vencedor muito merecido do Oscar de melhor atriz para Cate Blanchett ano passado, Blue Jasmine é um trabalho consideravelmente genial de Woody Allen. À primeira vista, não me atentei muito ao filme em si porque Cate Blanchett chama tanta atenção que é difícil tirar os olhos dos trejeitos, da elegância, da instabilidade e das neuroses que ela cria ao dar vida à sua Jasmine, mas só precisei de 30 segundos para perceber que me deparava com mais um grande trabalho do diretor. O que Woody Allen faz aqui é, sabiamente, transportar o espírito deturpado da figura lendária do cinema e do teatro Blanche Dubois para a realidade atual do país, na esfera social rica e privilegiada dos milionários de NY e ainda adaptá-la a crise financeira mundial que se iniciou com especulação imobiliária há alguns anos atrás e usar isto como estopim para toda a crise psíquica de Jasmine. Assim como Blanche, quando na miséria, Jasmine, mais uma vez, depende da bondade de estranhos, recorre a sua irmã e até sofre com uma atração/repulsa pelo cunhado grosseiro. Assim como Blanche, Jasmine é a personificação da decadência, da negação e do desespero. Claro que Uma rua chamada pecado passeia por territórios muito mais sérios e complexos que Blue Jasmine, e as semelhanças entre os dois ficam por aqui mesmo, mas isso não nos impede de apreciar a forma como Woody Allen reverencia a genialidade de Tennessee Williams.
Nota: 9,0/ 10
2. Meia-noite em Paris (Midnight in Paris, 2011)
25 anos depois de Hannah e suas irmãs, Woody Allen estabelece um novo campeão de bilheteria entre seus filmes. A história do escritor Gil Pender (Owen Wilson), que consegue viajar no tempo na capital francesa e aproveitar a efervescência cultural dos anos 20 encantou milhões de pessoas por todo o mundo. Ao lado de pintores vanguardistas e escritores que guiaram toda a literatura do século, Gil vai descobrir que mais vale viver o presente e tentar ser feliz independente do tempo ou do espaço. Woody passa essa lição ao longo de 1h30 em belos cenários, fazendo a cidade luz e seu espírito serem os protagonistas do longa.
Nota: 9,0/ 10
3. Match Point (2005)
Depois de quase dez anos sem empolgar muito seu público, o grande diretor volta com tudo dirigindo uma trama tensa e sexy (não há palavra melhor para descrever o filme) que se passa em Londres, em meio à aristocracia britânica. Chris Wilton (Jonathan R. Meyers) é um ex-jogador de tênis que passa a dar aulas em um clube de alto padrão, e logo conquista a amizade de um de seus alunos, Tom Hewitt (Matthew Goode), que o leva para conhecer sua família. A irmã de Tom, Chloe, se encanta pelo professor, mas foi a noiva dele que chamou a atenção de Chris. Nola Rice (Scarlett Johanson) é uma aspirante a atriz com atributos físicos de deixar qualquer um doido. Mesmo começando a namorar Chloe e consequentemente sendo cunhado de Tom, Chris se aproxima de Nora e os dois começam um caso. A tensão sexual que existe entre o casal de protagonistas é impressionante e alimenta o clima de suspense que tomará conta do filme no final; não um suspense a la Hitchcock, mas uma questão mais profunda ao estilo de Crime e castigo.
Nota: 8,5/ 10
4. Desconstruindo Harry (Desconstricting Harry, 1997)
Woody Allen tem uma vasta obra, repleta de filmes excelentes e bem conhecidos como Annie Hall, Manhattan e Hannah e suas irmãs, e também outros não tão bons e conhecidos, mas também ótimos filmes meio desconhecidos - é o caso de Desconstruindo Harry. Seguindo um pouco o estilo de Bergman e Fellini, Woody vive Harry, escritor que passa por uma crise criativa, e nessa época é homenageado pela universidade em que estudou e foi expulso. Sem ter ninguém para acompanhá-lo, Harry leva consigo um amigo doente, uma prostituta e o filho que teve com uma de suas ex-esposas. Ao longo do filme vemos como Harry levou para sua obra pequenos problemas e episódios de sua vida, inclusive transformando amigos e parentes em personagens problemáticas, o que causou o afastamento de muitos deles.  Engraçado do começo ao fim, conta ainda com a participação de Billy Cristal, Mariel Hemingway, Tobey Maguire, entre outros.
Nota:  9/ 10
5. Annie Hall (1977)
Diane Keaton é Annie, descontraída, sem rumos traçados pra sua vida, vive fazendo bicos como fotógrafa e cantora em bares, que conhece o comediante Alvy Singer (Woody Allen), um nova-iorquino judeu neurótico, metódico, meio hipocondríaco e chato, apesar de carismático. Os dois se apaixonam e engatam um namoro que logo no início do filme sabemos que não dá certo. Woody Allen conta a história do casal de forma inovadora, alternando momentos do início da relação com momentos de crise ou do cotidiano deles enquanto viviam juntos - fora muitas outras inovações que deram novo fôlego ao gênero da comédia romântica e o Oscar de direção para Woody. É quase uma unanimidade de que este é o melhor filme do diretor, que aqui traçou o esboço de muitos de seus filmes subsequentes, e diferente dos anteriores que eram mais próximos à comédia pastelão; e não é difícil ver que Annie Hall supera até mesmo outros grandes filmes como Manhattan e Hannah e suas irmãs. A naturalidade com que tudo é passado ao espectador e o tema do longa - afinal, Annie é antes de tudo um filme sobre o amor - fazem dele uma fonte inesgotável de satisfação, tornando impossível querer ver uma só vez.
Nota: 10

Bônus:
 6. Woody Allen: Um documentário (Woody Allen: a documentary, 2012)

Woody é um cara tão simples, tão contrário a certas frescuras, que até o título do documentário sobre sua vida e obra faz o estilo "menos é mais". Com a participação do próprio Woody, parentes, amigos e colaboradores de décadas de carreira, o filme resgata a infância no Brooklyn, passa pelo trabalho como escritor e humorista, até chegar à carreira no cinema nos anos 60. Foco para a evolução do trabalho, inicialmente mais voltado para o humor, nos filmes de comédia pastelão, até que em 1977 vem Annie Hall, sua maior obra, trazendo um lado mais romântico e profundo e dando início a uma sucessão de trabalhos tendo como personagem central o alter ego do cineasta, o judeu novaiorquino paranoico, tão presente em sua obra - seja interpretado pelo próprio Woody ou por outros artistas. Destaque para a participação de várias musas do diretor, em especial Diane Keaton, que é sua melhor amiga, e também para a sua polêmica vida pessoal, sendo ressaltada a conturbada história com Mia Farrow.
Nota: 9,0/ 10

Luís F. Passos e Lucas Moura

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Filmes pro final de semana - 20/11

1. Para sempre Alice (Still Alice, 2011)
A vencedora do Oscar de melhor atriz desse ano saiu mais uma vez um filme de elenco, ou seja, uma história boa - apenas boa, nada inesquecível ou revolucionário - que se destaca pelo elenco. Estamos falando de Juliane Moore, que interpreta a professora universitária Alice Howland. Alice construiu uma respeitosa carreira através de muito estudo e da linguística, sua especialidade, e foi após se atrapalhar numa palestra, ao esquecer a palavra léxico, que ela atenta para o esquecimento, cada vez mais presente em sua vida. Ao consultar um neurologista, ela é diagnosticada com o mal de Alzheimer, numa forma precoce e agressiva por se tratar de uma mutação genética herdada de seu pai. Ao longo de dois anos vemos a vida de uma mulher independente mudar radicalmente, ao ponto de não conseguir amarrar os próprios cadarços. O filme, por seu roteiro e direção, se assemelha à uma evolução clínica de uma paciente, mas a atuação de Moore é tão marcante, tão vívida, incorporando as debilidades físicas e psíquicas de Alice, que escapa de qualquer crítica e salva o conjunto final.
Nota: (10 de Juliane Moore + 6 do filme /2=) 8,0/ 10
2. O segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, 2005)
Um filme muito sólido, emocionante e nem um pouco apelativo. A história do amor proibido dos cowboys Ennis Del Mar (Heath Ledger) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal) se passa nos anos 60, a partir do primeiro contato, quando foram contratados para tomar conta de um rebanho nos arredores de uma montanha. O tempo passa, ambos constituem família em suas respectivas cidades, se reencontrando raras vezes mas mantendo o sentimento que os uniu. Sentimento transmitido pelas grandes atuações dos protagonistas, em especial Heath Ledger, que se mostrou uma revelação. Tímido e introspectivo, Ennis Del Mar esconde seus sentimentos por trás de uma carapaça de músculos e brutalidade. Tudo isso apresentado como um western pra John Ford ou Sergio Leone nenhum botar defeito - a não ser que eles não deixassem de lado alguns preconceitos.
Nota: 9,5/ 10
3. Cinema Paradiso (Nuovo Cinema Paradiso, 1988)
Italianos... ô povinho pra saber fazer filme bom! A Itália é um dos países que mais venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro, além de ser berço de alguns dos maiores cineastas da história, como Fellini, Antonioni, De Sicca, Leone, entre outros. Ente os italianos vencedores do Oscar, um dos mais queridos é o emocionante Cinema Paradiso, a bela história de Salvatore, um pobre garoto do interior apaixonado por cinema que cria uma forte amizade com Antonio, o projetor do pequeno cinema local. Salvatore, conhecido como Totó quando pequeno, costumava espiar da sala de projeção enquanto o padre censurava as cenas de beijo, e assim nasceu sua paixão pelo cinema. O brilho nos olhos de Totó é o mesmo brilho de qualquer criança (ou alguém que preserve o fascínio de uma criança) diante de um telona - e é apenas um de muitos aspectos positivos e emocionantes do filme. Um filme recente que se assemelha a Cinema Paradiso é A invenção de Hugo Cabret, especialmente seu protagonista, quase uma personificação da infância de Scorsese.
Nota: 9,5/ 10
4. A Cor Púrpura (The color purple, 1985)
Um Steven Spielberg, rei da fantasia e aventura, que poucos conhecem. Uma Whoopi Goldberg, rainha da comédia (e da sessão da tarde) que poucos conhecem. Ambos se aventuraram, trinta anos atrás, num drama sólido e emocionante sobre opressão social, de raça e gênero. Baseado no livro homônimo, A cor púrpura é ambientado na pobreza do sul americano, onde as irmãs Celle e Nettie encontram uma na outra o amor para suportar sua difícil realidade. Após sofrer abuso pelo próprio pai, Celle é dada a um homem mais velho, já viúvo e pai de vários filhos. Ao longo de décadas, Celle (Whoopi Goldberg, na fase adulta) tenta aliviar seu sofrimento através de cartas, inicialmente sem destinatário, depois à sua irmã, que se torna missionária, e à engajada nora de seu esposo, Sofia (Oprah Winfrey). O filme recebeu diversas indicações ao Oscar, sendo a de Whoopi ao prêmio de melhor atriz a que até hoje repercute - até então, nenhuma negra havia vencido na categoria, o que só ocorreu em 2002, quando Halle Berry faturou a estatueta, e em seu discurso homenageou o trabalho da colega, 17 anos antes.
Nota: 10
5. Adorável Pecadora (Let's make love, 1960)
Talvez seja no seu penúltimo filme que Marilyn Monroe aparece mais linda do que nunca -  mas menos sexy que no filme anterior, Quanto mais quente melhor (1959). A queridinha da América aparece aqui como a atriz e dançarina Amanda, que trabalha numa pobre companhia de teatro do segundo escalão da Broadway, que prepara uma peça que pretende parodiar figuras poderosas e famosas, como o cantor Elvis Presley e o bilionário Jean-Marc Clément (Yves Montand). Acontece que Clément se irrita com o uso de sua imagem e resolve aparecer num ensaio para acabar com a festa, mas ao chegar encontra Amanda de collant dançando e fica caidinho. Depois de um pequeno mal entendido, ele acaba no elenco interpretando a si próprio, se passando por um pobre ator imigrante chamado Alexandre Dumas. A comédia musicada (mas não um musical) se abrilhanta pelas músicas e pela estonteante presença de Marilyn, que nessa altura do campeonato dispensa comentários do Sagaranando.
Nota: 8,0/ 10

Luís F. Passos

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Azul é a cor mais quente - sobre o amor e outros demônios

Louvado seja Cannes. Louvado e eterno seja. Num mundo cinematográfico em que a qualidade e a criatividade nem sempre são os principais critérios para glorificar uma obra ou profissional (tô falando de você, Hollywood), Cannes é uma luz de esperança ao lançar e reconhecer tantas obras-primas. Não é o único do mundo a fazer isso, claro, mas dentre os justos, é o maior e mais importante. Nem sempre é assim, já que quase nada na vida é perfeito - claro que vou falar de A Árvore da Vida ganhando a Palma de Ouro em 2011, já que não engulo aquele documentário da BBC. Mas uma coisa é fato: o que Cannes premia vira notícia. No ano de 2013 então...
A Adèle (Adèle Exarchopoulos) que dá nome ao título original é uma garota que está acabando o ensino médio. Estudante um tanto quanto medíocre, é no francês que Adele se destaca, especialmente na literatura. Adèle é membro de uma simples família de trabalhadores, cujo prazer rotineiro é jantar à frente de uma televisão comendo uma boa macarronada acompanhada de vinho. Família comum, uma vida comum, indo à escola, convivendo com suas amigas adolescentes que só falam de garotos, lançando olhares poucos discretos mas inocentes em direção ao colega por quem sente uma leve atração.
Por falar no olhar, é essa a primeira característica marcante da personagem. Uma transparência demonstrada através do olhar, seja pensando na vida, seja ao baixar o rosto tímida ao ver Thomas, seu colega, seja na primeira vez em que vê na rua uma garota de cabelos azuis, breve encontro que lhe causa um certo impacto. Talvez o olhar de Adèle mostre seu encantamento em descobrir o mundo, já que descoberta é o principal tema do filme - mais especificamente, descoberta do amor. Amor que Adèle não encontra no breve relacionamento com Thomas, mas que descobre a partir de um reencontro com a garota de cabelos azuis num bar. Seu nome é Emma (Léa Seydoux), está na faculdade de Belas Artes e é notável seu efeito sobre Adèle. Uma atração mútua que não demora a se tornar um relacionamento sério, forte e intenso.
Boa parte da polêmica em torno de Azul é a cor mais quente (La vie d'Adèle, 2013) é mérito das intensas, longas e explícitas cenas de sexo protagonizadas por Adèle e Emma. Tais cenas, que desde o lançamento em Cannes vinham sendo bastante comentadas, chamaram mais atenção ainda depois de comentários das atrizes, que afirmaram que o diretor Abdellatif Kechiche cobrava demais delas, e do próprio Kechiche, que disse que as imagens "não fariam o público ver o filme com coração limpo". Opinião minha: houve exagero. Claro que de tais cenas se extraiu muito do que o talento de Adèle e Léa tem a mostrar, mas a direção erra ao demorar tanto e ao mostrar de forma tão crua. No entanto, isso não reduz as muitas qualidades do filme que, importante ressaltar, não pretende fazer ativismo dos direitos civis LGBT. O foco é, conforme já dito, as descobertas de uma garota no final da adolescência. A normalidade com que é tratada (e como deve ser vista) a relação das protagonistas é que faz as vezes de defesa de toda forma de amor.
E sobre as atrizes: elas são os grandes pilares sustentadores do filme. A dedicação delas às personagens e à história é tanta que o Júri de Cannes as considerou coautoras do longa, dividindo com o diretor a Palma de Ouro. A interação entre elas é fantástica, seja rindo, na cama, interagindo com outras pessoas ou brigando. Muitas vezes vemos suas personagens como sendo muito parecidas, outras como totalmente diferentes - o que condiz mais com a realidade. Emma vem de uma família de intelectuais que entende de vinhos, literatura e arte, enquanto que os pais de Adèle acham que pintar não é um trabalho de verdade e que se deve ter outra fonte de renda. A própria Emma chega a questionar Adèle, que vai trabalhar como professora num jardim de infância, se ela não gostaria de ter outro emprego, menos simples, para que fosse mais feliz - ao que Adèle responde que já era suficientemente feliz. E além das diferenças socioculturais, há a diferença da experiência. Adèle está acabando o ensino médio, ainda está nas primeiras experiências amorosas (primeira com outra mulher), e seu olhar de constante descoberta junto à boca levemente aberta (opera essa adenoide, criança) dão um ar de inocência e sensualidade muito marcante, diferente da segurança e objetividade que Emma demonstra. Detalhes que nos dão ainda mais certeza da competência desses duas grandes atrizes. Fiquemos de olho em Adèle Exarchopoulos!

Nota: 10


Luís F. Passos

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Filmes pro final de semana - 06/11

1. Que horas ela volta? (2015)
Sem dúvidas o filme do momento. Premiado no Festival de Sundance, deve ser a aposta brasileira pro Oscar do próximo ano. A história é centrada em Val (Regina Casé), empregada doméstica numa casa de classe média alta em São Paulo que há mais de dez anos deixou sua família em Pernambuco em busca de trabalho que lhe permitisse dar melhores condições ao futuro de sua filha. Val praticamente criou Fabinho (Michel Joesas), filho de seus patrões, que nunca tinham tempo para o menino. Quando a filha de Val, Jéssica (Camila Márdila), chega em São Paulo para fazer o vestibular e fica na casa da família rica, acaba o sossego de Val e da patroa. O interesse que ela desperta nos homens da casa e a insubordinação diante da mãe, que considera uma estranha, cria uma tensão que perdura por boa parte do filme, que trata de maneira brilhante de temas como migração motivada por pobreza, relações familiares e a íntima e complexa relação entre patrões e empregados domésticos (mostrando que casa grande e senzala ainda perduram no País).
Nota: 9,5/ 10
2. O Lobo atrás da porta (2013)
 O desaparecimento de uma menina na escola é o pontapé inicial para uma trama que quanto mais avança, mais fica sombria. Na sala de um desbocado delegado (Juliano Cazarré), uma mãe desesperada (Fabiula Nascimento) chora até a chegada de seu marido Bernardo (Milhem Cortaz), que ao ouvir o depoimento da professora de sua filha dá as primeiras pistas ao suspeitar do envolvimento de sua ex-amante, Rosa (Leandra Leal), no sumiço da filha. Através de depoimentos e flashblacks é montado o quebra cabeça do caso que Bernardo  e Rosa mantiveram, e a personalidade forte e misteriosa dela, que se manifesta através de olhar decidido e fala mansa, mas sabendo bem seduzir e dominar. Tenso e um pouco aflitivo graças ao trabalho de direção, o filme é abrilhantado pelo ótimo trabalho de seu elenco, em especial de Leandra Leal, vencedora do Prêmio de Melhor Atriz no Festival do Rio.
Nota: 9,0/ 10
3. O Labirinto do Fauno (El Laberinto del Fauno, 2006)
Esse filme do tipo que eu não sei muito o que falar, além de: assistam. Uma das mais queridas obras do grande Guilhermo del Toro, O labirinto do Fauno é uma encantadora viagem junto de uma garotinha, Ofelia, que na década de 40 viaja com a mãe grávida para o norte da Espanha, onde o padrasto comanda uma base do exército. Ofelia vive incomodada com o autoritário padrasto, mas vai encontrar refúgio nos bosques ao redor da casa, onde seres fantásticos a levam para um mundo subterrâneo, em que descobre que precisa cumprir três difíceis missões para conquistar um trono que supostamente era dedicado a ela. Pra mim o melhor é que o filme, em sua ambiguidade, deixa livre para o espectador a decisão do que é real e do que é onírico.
Nota: 8,5/ 10
4. Babel (2006)
Qual a relação existente entre crianças numa aldeia remota no Marrocos, um casal de turistas americanos, uma menina deficiente auditiva japonesa e uma mexicana que trabalha nos Estados Unidos? A bem amarrada série de tramas que é Babel vai mostrar isso. A partir de um infeliz acidente nas montanhas marroquinas, onde um tiro de rifle atinge uma americana que viajava num ônibus, tem início uma crise diplomática entre o Marrocos e os Estados Unidos, que acreditam se tratar de um atentado terrorista. Por outro lado, a investigação vai buscar a origem de tal rifle, que remonta ao Japão; da mesma forma, na América, a família da mulher ferida, cuja babá é mexicana, também será atingida, numa mal aventurada breve viagem ao México. Direção de Alejandro González Iñarritu e participação de grande elenco.
Nota: 9,0/ 10
5. Má Educação (La mala educación, 2004)
O que falar desse Almodóvar que quanto mais conheço, mais admiro pacas (obrigado Orkut)? Quando enfim vi o tão polêmico Má Educação, constatei o que já suspeitava: que a polêmica era proporcional à qualidade. Dessa vez o diretor espanhol aborda a transexualidade, mas com a competência de sempre. Através de Ignacio, uma criança que na escola se envolve com um colega, Enrique, e também com o professor de literatura, o padre Manolo. Anos se passam, Enrique se torna diretor de cinema (Fele Martinez) e Ignacio (Gael García Bernal) bate à sua porta, oferecendo um texto que escrevera como matéria-prima para um filme e querendo o papel principal, como uma transexual. Amor, mágoa, vingança e desejo, ingredientes fortes para uma trama tão envolvente, do jeito que o povo gosta e que Almodóvar é mestre. E claro, a comédia tem seus momentos, com a presença de Javier Cámara, frequente colaborador do diretor, na pele da travesti Paca.
Nota: 10

Luís F. Passos

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Filmes pro final de semana - 30/10

1. Que mal eu fiz a Deus? (Qu'est-ce qu-on a fait au Bon Dieu?, 2014)
Pra quem acha que todo filme europeu é cult e difícil, essa comédia é uma ótima chance de derrubar o mito. Aqui temos o casal Claude e Marie Verneuil, brancos, católicos e conservadores, pais de quatro lindas filhas. No início do filme vemos três delas se casando, uma por ano; uma com um judeu, outra com um árabe, a terceira com um chinês. Tudo o que um casal conservador, racista e xenófobo não quer. A "salvação" viria da filha mais nova, Laure, que ao anunciar que estava noiva logo tranquilizou os pais dizendo que seu futuro marido era católico... mas negro e nascido na Costa do Marfim. Ainda por cima, o noivo traz junto uma família tão preconceituosa e superficial quanto a da noiva, o que acrescenta algo ao (fraco) debate sobre racismo.
Nota: 8,0/ 10
2. Dois dias, uma noite (Deux jours, une nuit, 2014)
Destaque no Festival de Cannes do ano passado, esse filme já chama a atenção por sua protagonista, Marion Cotillard, sem dúvida uma das maiores atrizes da atualidade. Marion vive aqui Sandra, trabalhadora de uma pequena empresa que está diante de uma delicada situação. Saindo de uma crise depressiva, Sandra pretende retomar sua vida cotidiana e seu emprego, mas devido a problemas financeiros, a empresa se vê diante da necessidade de corte de funcionários. Seus colegas tiveram de escolher: ou a firma mantinha o quadro completo de funcionários, ou concedia um abono para os que permanecessem. Sandra inicia então uma jornada, porta a porta, para tentar convencer os colegas a desistirem da bonificação anual e mantê-la no emprego. Uma missão difícil, extremamente desconfortável e que aborda a temática da solidariedade versus interesses pessoais. Filme bastante humano que dá um show em sua proposta.
Nota: 10
3. Renoir (2012)
A bela Côte d'Azur, no sul da França, é palco para a arte de Pierre-Auguste Renoir, um dos maiores nomes do Impressionismo e das artes em geral entre o fim do século XIX e início do XX. Vemos a rotina de um Renoir já velho, atormentado pelas dores e limitações físicas impostas por uma artrite reumatoide avançada, mas que continua a executar sua arte com a perfeição de sempre. É a chegada da jovem modelo Andrée e o consequente envolvimento da moça com a família que dá início à ação do filme. Mais do que alguém que faz poses, ela se torna inspiração para o artista, que vê na juventude de Andrée alívio para a saudade da falecida esposa e preocupação com os filhos que estão na guerra. A chegada dos filhos de Renoir, em especial o mais velho, Jean (que viria a se tornar um dos maiores cineastas da história), que também se encanta com Andrée, vai ser motivo de atrito: mágoas de família e discussões a respeito do futuro dos jovens Renoir.
Nota: 8,0/ 10
4. Há tanto tempo que te amo (Il y a longtemps que je t'aime, 2008)
 Cara, como eu gosto desse filme. Eu, todos nós do blog e todo mundo que assiste. Quando Juliette (Kristin Scott Thomas) sai da prisão depois de quinze anos, vai morar com a irmã mais nova, Léa, e sua família. O que de tão grave ela fez para ficar tantos anos na cadeia não é logo revelado, mas é de conhecimento do marido de Léa, o que o deixa preocupado já que o casal tem duas filhas pequenas. Mas a relação de Juliette com as crianças e a personalidade que aos poucos ela deixa parecer fazem o espectador estranhar que uma pessoa tão gentil tenha cometido um grave crime. Pouco a pouco as coisas são reveladas, e se mostram chocantes. E muito mais chocantes são as justificativas de tais coisas - aquela característica do cinema francês de soltar o bomba no fim do filme. O que digo além disso é: Kristin Scott Thomas define talento.
Nota: 10
5. Lila diz (Lila dit ça, 2004)
A beleza e sensualidade de uma jovem loira, associadas à atenção que ela faz questão de chamar para si, fazem o espectador pensar num primeiro momento que está diante de uma nova Lolita. Mas não é o caso. Ao longo do filme é aumentada a complexidade a respeito de Lila e de suas intenções para com Chimo, um jovem descendente de árabes com 19 anos e maturidade de 14. No bairro pobre em que eles vivem em Marselha é criado um micro cosmo, em que todos os vizinhos veem com maus olhos a menina que seduz com incrível naturalidade, equilibrada numa tênue linha entre inocência e perigo. Chimo se vê aturdido diante do primeiro amor, perturbado pela incapacidade de se impor perante Lila e contra seus amigos delinquentes, enquanto que ela permanece em meio a uma tristeza muito motivada pela presença da tia sem caráter que a cria. Ao vermos tais pequenos mas intensos dramas, fica a certeza de um filme excelente.
Nota: 9,0/ 10

Luís F. Passos

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Filmes pro final de semana - 02/10

1. Clube de Compras Dallas (Dallas Buyers Club, 2013)
Destaques do Oscar do ano passado, Clube de Compras Dallas é uma mistura de drama e comédia de humor negro que se passa na metade dos anos 80, quando a AIDS ainda era uma novidade e seu efetivo tratamento um sonho distante. Ron Woodroof (Matthew McConaughey) é um eletricista metido a cowboy e viciado em álcool, cocaína e sexo que vê seu mundo desmoronar ao ser diagnosticado com o vírus HIV. Não conseguindo entrar um programa de testes de uma droga, vai ao México e conhece um médico que combinava diversas vitaminas e proteínas para tratar os soropositivos. De volta aos Estados Unidos, ele começa uma inusitada parceria com o travesti Rayon (Jared Leto) para ajudar os pacientes que não tinham acesso ao tratamento, vendendo drogas ainda não aprovadas pelo FDA e sendo perseguidos pelo governo. A proposta de tratar de um tema pouco corriqueiro é abrilhantada pelas atuações impecáveis de McConaughey e Leto, vencedores do Oscar de melhor ator e coadjuvante, respectivamente.
Nota: 9,0/ 10
2. Maria Antonieta (Marie Antoinette, 2006)
Quando Sofia Coppola lançou Maria Antonieta no Festival de Cannes dividiu opiniões; enquanto uns se levantaram para aplaudir, outros vaiaram o filme. Mas a opinião do público é quase unânime: genial. Deixando de lado o contexto político que antecedeu a Revolução Francesa, o filme foca a vida pessoal da polêmica rainha, desde o acordo firmado por sua família (os Habsburgo, soberanos da Áustria) com a França que arrumou seu casamento com Luís, príncipe herdeiro. Os medos diante do casamento, a distância de seu marido, a demora em engravidar e a vida dentro do ninho de cobras que era a Corte em Versalhes atormentam a jovem princesa, que aos poucos vai criando uma vida em paralelo às obrigações reais: dias inteiros dedicados à escolha de vestidos, chapéus e sapatos, a paixão por doces finos, passeios no campo e pequenas festas regadas a muito vinho e champanhe. Em poucas palavras: é As patricinhas de Beverly Hills do século XVIII. Elogiado pela fotografia que realça os cenários deslumbrantes, pelo figurino vencedor do Oscar e pela trilha sonora composta por rock, Maria Antonieta é mais um grande filme da nova geração dos Coppola.
Nota: 8,5/ 10
3. Orgulho e Preconceito (Pride and Prejudice, 2005)
Uma das melhores e mais queridas adaptações para o cinema de clássicos literários, Orgulho e preconceito traz a linda Keira Knightley como a jovem Elizabeth Bennet, uma das poucas cabeças sensatas em meio a uma família de cinco irmãs do interior da Inglaterra. Diferente dela e de sua irmã mais velha, Jane, as três mais novas são desmioladas que só pensam em casar, graças à influência de sua mãe. O que muda o destino das irmãs Bennet é a chegada do rico sr. Bingley à cidade, acompanhado de suas irmãs e do antipático sr Darcy (Matthew Mcfadyen). Enquanto a relação de Jane e Bingley promete seguir um belo caminho, a de Elizabeth e Darcy é cheia de discussões. Mas nada que um enredo não possa mudar. 
Nota: 9,0/ 10
4. De olhos bem fechados (Eyes wild shut, 1999)
Um médico bem sucedido cujo nome era conhecido pela alta sociedade nova-iorquina (Tom Cruise), casado com uma bela mulher (Nicole Kidman) e pai de uma adorável criança acreditava ter uma vida perfeita. Gostava de ter tudo sob seu controle e acabava menosprezando sua esposa dentro da relação, até o dia em que ela confessa que fantasiou com um oficial da marinha que passou por ela em um hotel. Perturbado pela revelação da esposa, ele parte em busca de aventuras sexuais, sem imaginar a dimensão das consequências de seus atos. Uma aventura que divide o espectador entre o que é real e o que onírico, mas com um final sólido e esperançoso. Um filme que é um dos melhores trabalhos de direção de Kubrick e que quanto mais eu penso sobre, mais fascinado fico. De gravações demoradas e intenso trabalho de edição e pós-produção, De olhos bem fechados foi o último filme do diretor, que faleceu alguns dias depois de mostrar o resultado final aos executivos da Warner, há exatos 15 anos.
Nota: 10
5. Tiros na Broadway (Bullets over Broadway, 1994)
Tem filmes de Woody feitos pra gargalhar mesmo: aqui temos um bom exemplo. David Shayne (John Cusack) é um jovem e promissor escritor que como todo jovem escritor sonha em ter uma peça exibida na Broadway. Talento ele tinha, o problema era o financiamento. Com a ajuda de alguns amigos, ele chega a um financiador nada convencional: um mafioso da pesada, que em troca da ajuda exige que David aceite sua amante Olive (Jennifer Tilly) no elenco - sendo que ela não tem talento algum. Pra completar, ele tem que aturar o segurança de Olive, um criminoso que vive dando palpites no roteiro e na direção da peça, e até mesmo a estrela Helen Sinclair (Dianne Wiest), veterana dos palcos e protagonista, vive complicando a cabeça do pobre David. Mais um exemplo do sempre ótimo roteiro de Woody e das ótimas atuações típicas de sua filmografia - destaque, claro, pra Dianne Wiest, que venceu seu segundo Oscar de atriz coadjuvante (e o primeiro também foi por filme de Woody, Hannah e suas irmãs).
Nota: 9,5/ 10

Luís F. Passos

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Filmes para se ver na greve (1)

Com uma greve de mais de três meses nas universidades federais, que parece não ter fim, o Sagaranando decidiu torná-las mais produtivas sugerindo filmes. Mais do que isso, escolhemos filmes que possam servir de introdução a semelhantes da mesma linhagem, seja no âmbito da comédia, da introspecção ou dos clássicos, por exemplo. Vamos aos primeiros da seleção:

1. Fale com Ela (Hable con Ella, 2002)
Começando com um de meus filmes favoritos, tantas vezes comentado aqui no blog. De beleza singular, esse poético drama acompanha a angústia de dois homens cujas amadas, uma toureira e uma bailarina, estão em coma profundo. Falar com elas, mesmo sem resposta, é a única forma de estabelecer uma ligação - a resposta que nunca vem já é algum consolo para os corações dos homens que amam.
Por que ver na greve? Pra quem não conhece ou conhece pouco o trabalho do diretor espanhol Pedro Almodóvar, esse é um excelente meio de se introduzir na obra de tão talentoso cineasta, conhecido por suas personagens fortes e enredos polêmicos. Além disso, é uma ótima pedida pra quem curte a linha mais introspectiva.
Cenas marcantes: aquelas onde é estabelecida uma relação com a sutileza do balé e a violência das touradas, um paradoxo que se torna possível ao som de Elis Regina e Caetano Veloso.
Nota: 10
2. Chinatown (1974) 
Um dos melhores filmes de Roman Polanski é mais uma prova da genialidade do cinema dos anos 70. Ambientado na Los Angeles dos anos 30, Chinatown traz Jack Nicholson como um detetive que se vê no meio de uma trama que quanto mais se aprofunda, mais complexa se mostra. Ao lado de uma femme fatale vivida por Faye Dunaway, a personagem de Nicholson tentará decifrar o mistério que envolve desde a guerra de águas da Califórnia até terríveis segredos familiares.
Por que ver na greve? Eis um filme maravilhoso - sério, dá raiva de quão bom ele é - que foi lançado no ano errado. 1974 foi apenas o ano de O Poderoso Chefão parte II, que ofuscou todos seus rivais. O que não tira em nada o mérito de Chinatown. O roteiro é perfeito, a direção é de mestre, o elenco é sensacional. Além disso, aqui estão algumas das melhores reviravoltas do cinema americano.
Cenas marcantes: são várias. A começar pelo detetive vivido por Nicholson ter seu nariz cortado por um bandido interpretado pelo próprio diretor Polanski e dizer "por pouco não perco o meu nariz. Ee gosto dele. Gosto de respirar por ele", passando por uma sucessão de tapas que Nicholson dá no rosto de Dunaway (dizer o conteúdo do diálogo é spoiler pesado) e claro, a inesquecível frase final (que também seria spoiler, então assista ao filme)
Nota: 10 + 1 por ser excelente e não tão conhecido

3. Quanto mais quente melhor (Some like it hot, 1959)

Mais um queridinho do Sagaranando e um de meus preferidos. A história é simples: os músicos Joe (Tony Curtis) e Jerry (Jack Lemmon), dois coitados sem um tostão, presenciam uma chacina e acabam tendo de se disfarçar como mulheres para fugir da máfia de Chicago. Acabam numa banda feminina que foi passar uma temporada na Flórida, onde conhecem a ingênua Sugar (Marilyn Monroe), que sonha em conhecer um jovem milionário.
Por que ver na greve? Além de ser considerada a melhor comédia de todos os tempos, Quanto mais quente melhor é uma ótima oportunidade pra aprender a gostar de filme em preto e branco. Os diálogos são excelentes, as tiradas são perfeitas, inteligentes, mas não é um filme cult - e aqui eu falo cult com toda a conotação prepotente que a palavra ganhou nos últimos anos. É um filme excelente e acessível para todos.
Cenas marcantes: difícil escolher em meio a tantas piadas ótimas, mas merecem destaque as cenas em que Marilyn canta músicas como I wanna be loved by you, a cena em que Jack Lemmon toca maracas alegremente depois de ser pedido em casamento por um velho ou mesmo a cena que te fará rir toda vez que ouvir que "ninguém é perfeito" (tem que assistir pra descobrir).
Nota: 10
4. O Sétimo Selo (Det sjunde inseglet, 1957)
Obra-prima (na verdade, uma das obras-primas) do diretor Ingmar Bergman, é de O Sétimo Selo uma das imagens mais famosas e icônicas de todo o cinema: um guerreiro jogando xadrez com a Morte na praia. Ambientado na Idade Média, o filme mostra uma terra assolada pela peste negra e sombria diante da iminência do juízo final, onde o cavaleiro que duela com a Morte e alguns artistas personificam os questionamentos de Bergman sobre Deus, religião e a própria humanidade.
Por que ver na greve? Esse é um dos filmes que acho que todo mundo deveria ver pelo menos uma vez na vida. O medo que Bergman tinha da morte o levou a fazer uma obra cheia de ecos psicanalíticos, que refletem desde sua traumática e rigorosa educação religiosa até a incerteza da existência de um ser superior. Nesse jogo de xadrez, Bergman deu um xeque mate na morte e foi imortalizado como um dos maiores cineastas da história.
Cenas marcantes: além da cena do jogo de xadrez com a Morte, que é logo no início, há várias outras marcadas por intensos diálogos. Também merece destaque a perturbadora cena da procissão, com monges impiedosos e doentes que se auto flagelam.
Nota: 10
5. WALL-E (2008)
A história é ambientada num futuro pós apocalíptico em que a Terra se tornou um imenso depósito de lixo e todos os humanos foram morar no espaço enquanto um pequeno robô, WALL-E, forma pilhas de lixo compactados na homérica missão de limpar o planeta. A rotina de WALL-E vai mudar completamente ao conhecer EVA, um robô de tecnologia muito mais avançada, que aparece em busca de vestígios de que a Terra está novamente propícia para a vida humana.
Por que ver na greve? Eis uma boa prova de que animação não é só para criança. WALL-E traz de maneira contundente o tema da preservação ambiental, apontando para o dia em que o planeta ficará inabitável graças à ação humana. Além disso, traz referências muito boas, como o piloto automático da nave em que os humanos estão, que remete ao computador HAL 9000, de 2001: Uma odisseia no espaço.
Cenas marcantes: tem muita coisa boa no filme, mas qualquer momento em que os robozinhos protagonistas estejam juntos e falem "EEEEVAAA", "WAAAL-EEEE" faz muito marmanjo encher os olhos e merece ser aplaudido.
Nota: 10

Luís F. Passos

domingo, 23 de agosto de 2015

Pelo Direito de Andar Nu

Na semana passada eu fui ao Detran, resolver cá meus problemas, quando me deparei com a seguinte cena: duas senhoras na casa dos seus 50 anos sendo impedidas de realizar a prova teórica exigida durante o processo de habilitação para dirigir porque, pasmem, estavam com suas saias uns dois dedos acima do joelho... E o doce – suave como um paquiderme – funcionário do Detran de Sergipe alegou o seguinte: “vocês não estão vestidas decentemente”! Quer dizer... Era algo tão surreal, tão inimaginável (e olhem que eu não estou nem entrando nas outras dezenas de assuntos que podem ser debatidos aqui...) que, sinceramente, eu quase não acreditei nisso.
Logicamente, é manifesto que – talvez porque não saibamos lidar com nossa libido e com as questões referentes à sexualidade, e a internet e o whatsapp estão aí pra contar a história... , ou talvez porque ainda não sejamos tão civilizados quanto achamos que somos, ou talvez por ambos os motivos – a exposição pública do próprio corpo ainda é uma questão bastante polêmica no Brasil em muitos contextos sociais, mas sinceramente ainda é de impressionar como uma coisa que deveria ser tão natural e que você faz todo dia, como ficar pelado, (logicamente, nem sempre com a presença de muitos expectadores...) ainda seja um tabu e que atrapalhe bastante ainda a vida de muitas pessoas ainda em nossos dias... E, infelizmente, o exemplo do parágrafo acima é apenas mais um exemplo possível.
Não é, portanto, de admirar que constatemos com espanto que, em pleno século XXI, num país onde a exposição do próprio corpo é, em muitos contextos sociais, até lugar-comum, as pessoas ainda não se dão conta que dignidade e demais valores morais não tem relação de causa e efeito com as roupas que se usa! Aliás... Moramos num país tropical, quente pra cacete, e não é difícil encontrar muita gente muito mais decente que o Silas Malafaia (que anda de terno e que é ‘religioso’) andando de shortinho e mostrando a barriga. Não é à toa que já dizia o Ferreira Gullar: “Obscenidades maiores são praticadas de terno, hein? De terno!!! E não pelado!”
E nessa vibe, prezados colegas, embora precisemos admitir – logicamente não somos tão cegos assim – que as roupas tenham sua função, como por exemplo, proteger o corpo, do frio ou do sol, ou mesmo nos permite expressar também a nossa subjetividade, nossa identidade, nossa maneira de viver e ser no mundo (à guisa de exemplo lembremo-nos nos Geeks (me included) que adoram vestir camisetas de vídeo-games e afins... Da turma ‘Zen’, que tem uma forma mais ‘descolada’ de se vestir e até mesmo do Playboy, que também tem suas vestimentas características...) a exigência de ter que se andar vestido, principalmente se de forma A ou B específica, serve mais como uma máscara social que se nos apresenta em tom ainda mais alto quando nos lembramos que as roupas servem justamente como um marco de distinção social: anda vestido de forma A, é bom, bonito e bacana, não anda, é ‘ralé’. Sem maiores discussões. E isso sem esquecer a nossa questão central debatida aqui: anda vestida assim, é piranha. Sentença: execração pública ou estupro – o que for mais conveniente. Sem direito a recursos.
Não imaginem, por favor, que estou defendendo aqui que, a partir de agora, teremos todos que andar todos pelados! Tiremos as roupas para um mundo mais justo! Risos! Vejam bem, não é bem isso que estou falando (embora não tenha nada contra)... Mas fica difícil não perceber que a exigência (eu disse EXIGÊNCIA) de andar vestido, ainda mais de maneiras específicas (como dito no parágrafo acima), é uma puta hipocrisia, uma vez que para o bem do comércio e, ou sob quaisquer outros pretextos, a grande senhora mídia, esperança dos que mais nada podem esperar, utiliza-se do corpo nu para promoverem quase qualquer coisa que seja “vendível”.
E vejam mais: a grande mídia não é a única culpada. Pessoas comuns fazem ‘swing’ na calada da noite, em lugares escondidos, compram ‘Playboy’, mostram a bunda na praia, adoram ver cenas picantes na novela da Globo, tratam ‘o outro’ como um pedaço de carne, mas não em público! Em público e na vida cotidiana comum, em nome da civilização, dos princípios éticos normatizados (e, além do mais, ficar nu em público é crime(!) – contravenção penal prevista no Código Penal Brasileiro, artigos 215-216 – daí é que se pode deduzir que a norma é andar vestido com alguma coisa) defendem que não se pode ficar pelado, sob pena de ser rechaçado, ultrajado, ofendido, humilhado, e até preso. Afinal de contas, tratar o outro como objeto não é imoral! Imoral é andar nu...
À guisa de exemplo, pra justificar meu ponto de vista, trago de volta aqui aquele caso da menina da UNIBAN, a Geyse Arruda: num espaço acadêmico (onde as pessoas deveriam, em tese, pensar, ou ao menos ter algo de bom na cuca... Mas tudo isso em tese...) e numa sociedade na qual a nudez tem um relativamente grande espaço na arte, cinema, teatro, pinturas, esculturas , fotografias, e até mesmo na moda, na MODA!, as vestes da ÚLTIMA MODA que adornavam parte do corpo da aluna da UNIBAN foram motivo suficiente para que a turba ensandecida a ultrajasse, humilhasse, xingasse, em suma, a escorraçasse de tal forma pela sua nudez presumida, que não poderia eu relatar aqui metade do furor e celeuma que se pode ver no You Tube. Logicamente (?), como se isso ainda fosse pouco, a ‘vagina da discórdia’ de Geyse ainda lhe rendeu uma expulsão, a qual a Universidade procedeu – mas depois voltou atrás, em parte pressionada pelo advogado de Geyse, em parte pela opinião pública – no dia imediatamente posterior ao ‘acontecido’. Claramente esse caso ilustra com precisão milimétrica a que ponto chega a hipocrisia social – e que não exagero em falar nas humilhações às quais estamos sujeitos – nessas questões que envolvem a nudez, e principalmente a nudez feminina.
Enfim... Por fim, como se não faltasse mais nada para completar a orgia da hipocrisia social, a parte humilhada, Geyse Arruda, que se disse extremamente abalada e coisa e tal, negociou, pouco tempo após o episódio, tirar – dessa vez, totalmente – a roupa para as revistas masculinas Sexy e Playboy. Com o dinheiro e a ‘oportunidade’ que a sua nudez proporcionou, a ex-estudante de turismo decolou uma carreira na televisão... Com efeito, existem muitas questões a serem discutidas aqui, mas, como queríamos demonstrar, o fato é que a nudez, que é castigada, é também ferramenta de ‘distinção’ social, mas, atenção: não pode ser exibida em público, exceto se somente em certos lugares autorizados por lei e tacitamente pelos hábitos e costumes (como na TV, por exemplo...).
Neste contexto, o que toda essa ‘moralidade’ que regulamenta o DEVER de andar devidamente vestido conforme a ocasião normatiza é, na verdade, a legalização da hipocrisia e de mais ferramentas de dominação social dos sans-cullote pelos abastados; é apenas mais uma mediatização (isso mesmo, mEdiatização) das relações entre os homens e que constitui numa eficiente forma de fazer-nos conhecer pelos outros de uma maneira que queremos, nos passando, muitas vezes, por algo que não somos, construindo barreiras que limitam a possibilidade reconhecer o outro como meu semelhante, não somente no que tange à animalidade natural da espécie, mas em posição social, em moralidade e dignidade.
E para aqueles que pensam que eu estou meio abilolado, deixo um último exemplo de modo a evitar que tais proposições assumam na cabeça do leitor uma visão tal qual uma miragem ou devaneio teórico: uma empresa de marketing da Inglaterra, visando promover o bem-estar da equipe e melhorar as relações entre os funcionários, propôs a sua equipe que todos os funcionários trabalhassem pelados por um dia. O evento, batizado de “Naked Friday”, não foi imediatamente aceito, contudo, paulatinamente os funcionários da empresa renderam-se ao convite e, de todos os funcionários, apenas dois não trabalharam totalmente pelados – mas ainda trabalharam trajando somente peças íntimas. Daqueles que se dispuseram a mostrar para todos como vieram ao mundo, todos aprovaram a experiência, e, de uma forma geral, assumiram que a perda das roupas os fez derrubar as barreiras que existiam entre eles melhorando o relacionamento no trabalho e aumentando a produtividade (Joguem “Naked Friday” e “The Telegraph” no Google que vocês acham a notícia).
Aí, depois de tudo isso, vocês vêm me dizer que é ‘moral’ e ‘decente’ uma regra que determine que uma mulher não pode fazer uma prova numa repartição pública porque está ‘indecente’? Com todo o respeito do mundo, é mais que inadmissível, em qualquer contexto, e em qualquer repartição, que a falta de quaisquer vestimentas que sejam te impeça de ter acesso a um serviço público PELO QUAL VOCÊ PAGA INDECENTES IMPOSTOS todo santo dia. INDECENTE é essa LEI IMORAL que diz que homem só pode entrar em repartição pública de calça, que terno é que é decente e deputado ganhe auxílio, vindo do bolso do contribuinte, pra comprar Hugo Boss e Giorgio Armani.
Não! A nudez NÃO é, necessariamente, indecente. A nudez NÃO é barbarismo. A exposição do corpo não é (necessariamente) falta de decoro ou desvio de conduta... Em uma sociedade esquizofrênica como a nossa, em muitos casos a exposição, a nudez, a naturalidade é uma oposição frontal à civilização e uma crítica a uma organização social tal que, como herdeira da religião, possui uma visão criminalizante acerca da própria natureza do corpo do homem, e, como curral dos dominantes, impõe uma vida numa coletividade de máscaras que são a antítese, literalmente, da honestidade e transparência.
E, para jogar a pá de cal, como se não bastasse de indecência e para minar o último ‘argumento’ dos caretas, é impossível provar que fazer uma prova de calça ou saia abaixo do joelho vai me fazer mais ou menos inteligente. Aliás, na Inglaterra a nudez fez foi aumentar a produtividade. A única conclusão que posso tirar, portanto, disso tudo, além daquele que me força a achar uma excrescência as leis que me OBRIGAM a não andar nu, é, talvez, meus amigos, que os nossos deputados e vereadores devessem trabalhar pelados. Quem sabe assim, finalmente, eles fariam alguma coisa decente pela sociedade, porque de indecência os caros bolsos dos seus ternos Armani já estão cheios...


 Guilherme Fernandes é mestre em Filosofia e acadêmico de Medicina.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Filmes pro final de semana - 05/06

1. Amor (Amour, 2012)
Vencedor da Palma de Ouro em 2012 e candidato ao Oscar em diversas categorias principais, Amor chamou mais ainda os holofotes para o cinema francês. Dirigido pelo austríaco Michael Haneke, conhecido pela sobriedade e simplicidade de seus filmes, Amor aborda o mais universal dos temas a partir de um casal de idosos, dois professores de música aposentados, em um amplo e confortável apartamento em Paris - praticamente o único cenário do filme. Quando Anne (Emanuelle Riva) sofre um derrame, em um momento chocante em que fica paralisada, seu companheiro de décadas Georges (Jean-Louis Trintignant) passa a tomar conta dela, num esforço enorme para alguém de sua idade. Anne vai aos poucos definhando, substituindo a outrora expressão viva e alegre por uma máscara mortuária, e ao mesmo tempo o longa se torna tenso a partir dos cuidados obstinados de Georges e sua preocupação com o futuro.
Nota: 10
2. Toda forma de amor (Beginners, 2011)
Com a questão da diversidade tão em foco atualmente, é sempre bom refletirmos um pouco sobre o assunto por meio da arte. O cinema, como boa arte que é, faz e sempre fez muito bom uso desta questão. O infelizmente pouco conhecido Toda forma de amor (Beginners, 2011) explora de maneiras muito amplas uma máxima que todos conhecem e muitos respeitam (ou deveriam respeitar): toda forma de amor é válida. O filme se foca não apenas na relação confusa entre um casal demasiadamente simpático vividos por Melanie Laurent e Ewan McGregor, como também na relação ainda mais complexa entre este e seu pai (Christopher Plummer), que, já em idade bem avançada, decide abraçar um novo estilo de vida assumindo sua homossexualidade e se permitindo amar - tanto o namorado, quanto o filho - de maneira com a qual nunca pode ao longo de tantas décadas passadas pelos bloqueios pessoais que todos, em menor ou maior grau, costumamos nos impor. De forma carismática e adorável, Toda forma de amor é uma obra de grande delicadeza, simplicidade que, para olhares mais desatentos, pode parecer até superficial e pouco emotivo em meio a um montante de produções de sentimentalismo barato, mas que expressa destreza ao manifestar a complexidade dos relacionamentos e daquelas pessoas tão corriqueiras e inseguras que dão um palpável tom de realidade e empatia a seus dramas. O título original, Beginners, faz uma boa menção à posição de imaturidade de todas personagens perante os próprios sentimentos e os sentimentos dos outros, de modo que o filme foca justamente numa mudança de fase na vida de todos. Tudo isso somado ao melhor cachorro coadjuvante dos últimos anos, monta um filme agradabilíssimo e caloroso. 
Nota: 9,0/ 10
3. Direito de amar (A single man, 2009)
Protagonizado por um Colin Firth austero e introspectivo, Direito de amar acompanha o dilema de um professor inglês que vive na Califórnia, George (Firth), após a morte de seu companheiro, Jim, com quem viveu por 16 anos. George não consegue lidar com o vazio deixado por Jim, nem mesmo ocupando seus dias com suas aulas ou com a ajuda de sua amiga de longa data, Charlotte (Juliane Moore). O desespero faz o professor pensar e planejar seu suicídio, mas novas perspectivas podem convencê-lo de que ainda pode haver esperança em meio a tanta dor. O filme é recortado por diversos flashes do passado, no início do relacionamento com Jim, de momentos passados juntos e da trágica morte precoce.Além da bela e triste história, o filme conta com as incríveis atuações dos sempre competentes Colin Firth e Juliane Moore.
Nota:8,5/ 10
4. Encontros e desencontros (Lost in tanslation, 2003)
 Em seu segundo filme, Sofia Coppola provou ao mundo que não se firmaria em Hollywood apenas com o poderoso sobrenome, mas com o enorme talento que é comum à família. Em Encontros e desencontros Sofia une a história de um ator de meia-idade que está em Tóquio para gravar comerciais de uísque (Bill Murray) à de uma bela jovem (Scarlett Johansson) que está na cidade porque seu marido fotógrafo está trabalhando em um filme. Os dois se sentem solitários e, a partir do momento em que estão numa terra tão diferente de seu país de origem, perdidos não só na cultura e língua japonesas como no rumo que a vida tomou - ele, vivendo um casamento de 25 anos que perdeu a força e ela casada com um workaholic que a deixa de lado por causa do trabalho. Filme excelente (para muitos o melhor de Sofia) que foi indicado aos Oscar de melhor filme, direção, ator e roteiro original, este último o único faturado pela jovem e promissora Coppola.
Nota: 9,0/ 10
5. Curtindo a vida adoidado (Ferris Bueller's day off, 1986)
Saindo da linha romântica, um clássico contemporâneo que está completando 29 anos. Um filme inesquecível não só da sessão da tarde mas também o símbolo de uma geração que viveu a adolescência numa fase relativamente tranquila do mundo e queria algo pra sair da rotina. Ferris (Matthew Broderick) acorda num certo dia dizendo quão curta é a vida e que ela não deve ser desperdiçada com coisas inúteis como aulas de geografia. Ele então põe a namorada e o melhor amigo na Ferrari do pai deste e vão à Chicago fazer coisas num só dia que a maioria das pessoas não faz uma só vez na vida, como subir no carro de uma parada e cantar Twist and shout, dos Beatles. Que atire a primeira pedra quem nunca quis imitar o ídolo Ferris.
Nota: 10


Lucas Moura e Luís F. Passos

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Filmes pro final de semana - 08/05

1. Drive (2011)
Drive  centra-se na relação entre um homem misterioso, o qual nem sabemos o nome, interpretado por Ryan Gosling , que se encontra perdidamente apaixonado por sua jovem vizinha de modo a se dispor a protegê-la de todos os perigos que a envolvem, relacionados a seu marido recém saído da prisão e da máfia que os cercam. Tecnicamente falando, Drive é impecável. A fotografia é belíssima e acompanha as grandes mudanças de tom pelas quais o filme passa. Se num primeiro momento tudo é a magia da descoberta do amor, com paisagens bucólicas e ensolaradas ao entardecer, a metade final é negra, escura, sórdida e violenta. A violência é elevada aos limites conforme o conto torna-se cada vez mais perigoso e envolvente. A relação amorosa entre Ryan Gosling e Carey Mulligan é de uma pureza e uma sensibilidade que contrasta a todo o momento com o extremismo da violência onde aqueles personagens se encontram, tendo este antagonismo alcançado o ápice na já clássica cena do elevador. É quase um conto de fadas na verdade, onde um “príncipe encantado” luta a qualquer preço para defender sua “donzela” em perigo. A diferença é que no lugar de uma armadura de metal temos uma jaqueta prateada e em vez de cavalos brancos, carros envenenados dispostos a intensas cenas de perseguições.
Nota: 10
2. Preciosa - uma história de esperança (Precious, 2009)
Harlem, NY, década de 80.  Claireece Jones (Gabourey Sidibe), mais conhecida como Preciosa, é um poço de problemas. Com apenas 16 anos, a menina carrega o trauma de ser estuprada pelo pai, estar grávida do segundo filho dele, ser soropositiva, obesa, negra, e ter uma mãe (Mo'Nique) pra madrasta de Cinderela nenhuma botar defeito. A cereja em cima desse bolo de desgraças é o fato da coitada ser analfabeta. Apesar de tudo, ela não deixa de sonhar e às vezes se imagina rica, magra, famosa e desejada, mas isso não parece nada além de um sonho impossível. Felizmente Preciosa encontra em seu caminho algumas pessoas decentes, como sua professora miss Rain (Paula Patton), a assistente social sra Weiss (Mariah Carey) e o enfermeiro do hospital em que tem seu segundo filho, John (Lenny Kravitz). Como diz o título nacional, apesar dos pesares, é um título de esperança.
Nota:  9,0/ 10
3. Closer - perto demais (Closer, 2004)
And so it is... impressionante a qualidade e a capacidade de impactar deCloser. Dirigido por ninguém menos que Mike Nichols, veterano diretor de A primeira noite de um homem e Quem tem medo de Virginia Woolf?Closeraborda quatro pessoas em Londres e suas relações de amor, ciúme e ódio entre elas: a fotógrafa Anna (Julia Roberts), por quem o escritor frustrado Dan (Jude Law) se apaixona e cria uma certa obsessão. Indiretamente graças a Dan, Anna conhece o médico Larry (Clive Owen), com quem se casa, mas mais tarde mantém um caso com Dan. Nesse vai e vem, há também a stripper Alice (Natalie Portman), com quem Dan mantinha um relacionamento, e que também vai se aproximar de Larry. Um drama sólido e intenso que vai muito além da questão de relacionamentos e traições; uma grande produção coroada com a música The blower's daughter.
Nota: 9,0/ 10
4. Cassino (1995)
Cinco anos depois do enorme sucesso de Os bons companheiros , Robert De Niro e Joe Pesci se reencontram sob a direção de Martin Scorsese para fazer aquele que é por muitos considerado como a continuação do filme de 1990: Cassino. De Niro interpreta Sam, jogador profissional que cresceu próximo a jogos de azar e todo o tipo de apostas, e é um dos melhores na sua área. Devido a sua reputação, é contratado por mafiosos de Las Vegas para gerir um grande cassino. Pouco tempo depois de se instalar em seu novo emprego, chama seu velho amigo Nicky (Pesci) para ajudá-lo com a segurança. Nicky é muito parecido com Tommy, personagem de Pesci emGoodfellas: muito esquentado e violento. Os negócios prosperam bastante para a dupla, que se estabelece de vez na cidade; fulano monta uma rede de restaurantes (além de ter uma quadrilha de ladrões sob suas ordens) e Jimmy constrói uma família ao lado da ex-prostituta Ginger (Sharon Stone) – figura que aparece para desestabilizar os negócios e a amizade de longa data de Sam e Nicky. Mais um exemplo da primorosa direção de Scorsese, que consegue fazer com que as 2h45 de Cassino passem rápido e deixem um gosto de quero mais.
Nota: 8,5/ 10
5. O Circo (The Circus, 1928)
Há tempo não via filme de Chaplin, e me acertei vendo um que era novo pra mim. Em O Circo temos mais uma vez o Vagabundo, Carlitos, que após um mal entendido com a polícia se mete num espetáculo circense e faz a plateia ir ao delírio com sua performance acidental. Ele é contratado como comediante pelo proprietário, um homem egoísta que vive maltratando a filha, que é corista no circo. Carlitos apieda-se da moça, que vive sendo maltratada pelo pai, e acaba criando um carinho especial por ela - bem especial, chegando a ter ciúmes de um equilibrista contratado. Bem, o filme é mudo e é predominantemente uma comédia, tendo algumas das cenas mais famosas da filmografia de Chaplin, como a que Carlitos fica preso na jaula de um leão. Uma boa pedida pra quem curte as mais clássicas comédias do cinema.
Nota: 8,0/ 10

Lucas Moura e Luís F. Passos