sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Azul é a cor mais quente - sobre o amor e outros demônios

Louvado seja Cannes. Louvado e eterno seja. Num mundo cinematográfico em que a qualidade e a criatividade nem sempre são os principais critérios para glorificar uma obra ou profissional (tô falando de você, Hollywood), Cannes é uma luz de esperança ao lançar e reconhecer tantas obras-primas. Não é o único do mundo a fazer isso, claro, mas dentre os justos, é o maior e mais importante. Nem sempre é assim, já que quase nada na vida é perfeito - claro que vou falar de A Árvore da Vida ganhando a Palma de Ouro em 2011, já que não engulo aquele documentário da BBC. Mas uma coisa é fato: o que Cannes premia vira notícia. No ano de 2013 então...
A Adèle (Adèle Exarchopoulos) que dá nome ao título original é uma garota que está acabando o ensino médio. Estudante um tanto quanto medíocre, é no francês que Adele se destaca, especialmente na literatura. Adèle é membro de uma simples família de trabalhadores, cujo prazer rotineiro é jantar à frente de uma televisão comendo uma boa macarronada acompanhada de vinho. Família comum, uma vida comum, indo à escola, convivendo com suas amigas adolescentes que só falam de garotos, lançando olhares poucos discretos mas inocentes em direção ao colega por quem sente uma leve atração.
Por falar no olhar, é essa a primeira característica marcante da personagem. Uma transparência demonstrada através do olhar, seja pensando na vida, seja ao baixar o rosto tímida ao ver Thomas, seu colega, seja na primeira vez em que vê na rua uma garota de cabelos azuis, breve encontro que lhe causa um certo impacto. Talvez o olhar de Adèle mostre seu encantamento em descobrir o mundo, já que descoberta é o principal tema do filme - mais especificamente, descoberta do amor. Amor que Adèle não encontra no breve relacionamento com Thomas, mas que descobre a partir de um reencontro com a garota de cabelos azuis num bar. Seu nome é Emma (Léa Seydoux), está na faculdade de Belas Artes e é notável seu efeito sobre Adèle. Uma atração mútua que não demora a se tornar um relacionamento sério, forte e intenso.
Boa parte da polêmica em torno de Azul é a cor mais quente (La vie d'Adèle, 2013) é mérito das intensas, longas e explícitas cenas de sexo protagonizadas por Adèle e Emma. Tais cenas, que desde o lançamento em Cannes vinham sendo bastante comentadas, chamaram mais atenção ainda depois de comentários das atrizes, que afirmaram que o diretor Abdellatif Kechiche cobrava demais delas, e do próprio Kechiche, que disse que as imagens "não fariam o público ver o filme com coração limpo". Opinião minha: houve exagero. Claro que de tais cenas se extraiu muito do que o talento de Adèle e Léa tem a mostrar, mas a direção erra ao demorar tanto e ao mostrar de forma tão crua. No entanto, isso não reduz as muitas qualidades do filme que, importante ressaltar, não pretende fazer ativismo dos direitos civis LGBT. O foco é, conforme já dito, as descobertas de uma garota no final da adolescência. A normalidade com que é tratada (e como deve ser vista) a relação das protagonistas é que faz as vezes de defesa de toda forma de amor.
E sobre as atrizes: elas são os grandes pilares sustentadores do filme. A dedicação delas às personagens e à história é tanta que o Júri de Cannes as considerou coautoras do longa, dividindo com o diretor a Palma de Ouro. A interação entre elas é fantástica, seja rindo, na cama, interagindo com outras pessoas ou brigando. Muitas vezes vemos suas personagens como sendo muito parecidas, outras como totalmente diferentes - o que condiz mais com a realidade. Emma vem de uma família de intelectuais que entende de vinhos, literatura e arte, enquanto que os pais de Adèle acham que pintar não é um trabalho de verdade e que se deve ter outra fonte de renda. A própria Emma chega a questionar Adèle, que vai trabalhar como professora num jardim de infância, se ela não gostaria de ter outro emprego, menos simples, para que fosse mais feliz - ao que Adèle responde que já era suficientemente feliz. E além das diferenças socioculturais, há a diferença da experiência. Adèle está acabando o ensino médio, ainda está nas primeiras experiências amorosas (primeira com outra mulher), e seu olhar de constante descoberta junto à boca levemente aberta (opera essa adenoide, criança) dão um ar de inocência e sensualidade muito marcante, diferente da segurança e objetividade que Emma demonstra. Detalhes que nos dão ainda mais certeza da competência desses duas grandes atrizes. Fiquemos de olho em Adèle Exarchopoulos!

Nota: 10


Luís F. Passos

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