Dentre as várias ditaduras que se instalaram entre os países latino-americanos a partir da segunda metade do século XX, uma das mais fortes foi a chilena, liderada com mãos de ferro pelo ditador militar Augusto Pinochet, que no dia 11/09/1973 depôs o presidente chileno Salvador Allende, de tendências socialistas. Os anos que se seguiram à queda do governo de Allende foram de prosperidade econômica para alguns chilenos, paralelamente à miséria e fome vivenciada pela grande maioria da população do país. As marcas principais da ditadura chilena foram as intensas repressões aos movimentos de esquerda, o completo controle dos meios de comunicação e o rastro de vítimas diretas e indiretas, desaparecidos, exilados, perseguidos políticos e mortos deixados por mais de 15 anos de poderio militar. No final dos anos 80, os mesmos EUA que apoiaram os golpes militares ao redor da América já encaravam tal sistema de maneira negativa. Foi criada, então, uma pressão internacional com o intuito de banir as ditaduras. No Chile, tal pressão elevada fez com que o até então inquestionável governo militar abrisse uma concessão: Pinochet não seria eleito diretamente. Primeiro, haveria uma votação democrática em que o povo chileno iria escolher entre o Sí – por mais oito anos de governo de Pinochet, ou No – a favor do fim do governo ditatorial.
Um dos filmes obrigatórios de 2012, o chileno No trata justamente da campanha vitoriosa do No. De como uma guerra aparentemente perdida tornou-se o ponto mais alto da história moderna do país. O protagonista René (Gael García Bernal) é um talentoso publicitário que aceita envolver-se na campanha. Sua meta é tornar a opção pelo não algo viável através do poder da mídia em influenciar pessoas e formar opiniões. Nada de imagens de torturados, dados de desaparecidos ou pessoas chorando pelo sofrimento causado nos últimos 15 anos, o país já estava cansado de ter medo. O que os chilenos precisavam, no momento, era acreditar que ainda havia uma esperança. Essa esperança resumia-se a uma palavra: No. Votar no não era votar no futuro, e a missão de René era fazer com que as pessoas acreditassem nisso. Desta forma, os poucos 15 minutos abertos à oposição para fazer sua campanha na emissora de televisão (estatal, obviamente) eram povoados de artistas, pessoas alegres felizes e cantantes que juntas, sob o arco-íris da diversidade social e política garantida por um governo genuinamente democrático diziam aos quatro ventos: No.
Como se não bastasse a temática demasiadamente interessante por si só, o filme ainda nos mostra um ponto de vista diferente do processo ditatorial chileno ao passo que faz uma conexão entre dois grandes meios de manipulação social: a mídia e a política. Afinal, resumidamente é um filme sobre publicidade política. É pontuado por momentos de tensão e humor, mas torna-se memorável por excelentes diálogos e por uma minuciosa reconstrução de uma época e de um povo envolvidos num dos fatos históricos mais importantes das últimas décadas. As personagens principais são pessoas comuns, pois é a partir de heróis desconhecidos que se cria a história como nos é apresentada. O comprometimento com a contextualização histórica é levado tão a sério que a fotografia do filme remete em vários momentos a filmagens e gravações caseiras em velhas filmadoras do fim dos anos 80, tornando a experiência cinematográfica mais vívida.
Lucas Moura
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