sexta-feira, 22 de março de 2013

O Mestre - crer ou não crer, eis a questão

 Lembro perfeitamente que no começo do ano passado O mestre (The master, 2012) era tido como um dos grandes favoritos a receber várias indicações ao Oscar e até mesmo um dos principais nomes na corrida pelo prêmio principal da noite. Com o decorrer do ano, o filme foi perdendo cada vez mais e mais força (por razões que não entendo), sobretudo com relação a seu diretor, Paul Thomas Anderson, que sequer foi nomeado. Paul Thomas Anderson, ou PTA para os mais íntimos, é definitivamente um dos melhores diretores do cinema americano em atividade. Com uma filmografia modesta em tamanho, mas absurdamente gigante em qualidade, Paul Thomas Anderson tem cadeira cativa na alma dos cinéfilos. De seu primeiro filme lá pela metade dos anos 90 para o presente com O mestre, seu trabalho mostrou-se cada vez mais sério e autoral. O diretor criou um estilo único, autoral e totalmente particular de contar histórias a partir de seu ponto de vista interessante, visualmente fascinante, peculiar e desconfortavelmente instigante. Gosto muito do Boogie nights (1997) e sou totalmente fã de Sangue negro (2007). Recentemente, fui ao cinema assistir a seu novo trabalho, O mestre, e sai da sessão tendo no mínimo uma certeza: Paul Thomas Anderson é mesmo um gênio. 
O mestre conta a história de Freddie Quell (Joaquin Phoenix), um marinheiro americano recém saído da Segunda Guerra Mundial. Um homem altamente desequilibrado e completamente fora de sintonia com o mundo a sua volta e com qualquer pessoa ao seu redor. Sua falta de conexão e sua impossibilidade de encaixar-se no convívio interpessoal garantido por regras e padrões de moralidade e bom senso sociais o torna uma pessoa impossível de se lidar e totalmente deslocada de tudo. Ele não faz parte de nada, é um estranho vagando pelo mundo. Vive de andarilho entre pequenas confusões, ataques de histeria e bebedeiras memoráveis (todas fundamentadas numa bebida que ele mesmo fabrica cuja composição é baseada simplesmente em qualquer bebida alcoólica ou qualquer produto químico que ele consiga ter em mãos e que é, algumas vezes ao longo do filme, referida corretamente como “veneno”). Alcoólatra, solitário, egoísta e a beira de um ataque de nervos. A beira da loucura. Seu completo estado de desconforto é bem evidenciado pela caracterização dada a ele pelo sempre excepcional Joaquin Phoenix. Na construção de Quell, Phoenix fez questão de torná-lo o protagonista mais desagradável o possível de se assistir. Qualquer beleza do ator é ofuscada por uma personagem cuja voz é algo entre o esganiçado e o enrolado – como se estivesse sempre bêbado – e cujos movimentos corporais sempre parecem desconexos, tortuosos e difíceis de realizar, com sua postura encurvada e seus braços tortos, em que cada passo parece uma tortura. 

Numa de suas andanças alcoolizado, Quell, por simples acaso, acaba encontrando com Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman). Dodd não é uma pessoa qualquer. Ele é o mestre ao qual o título do filme se refere. Mestre de quê, exatamente? De algum tipo de culto ou religião auto-intitulada “A causa”, baseada na concepção de que todos nós estamos na Terra apenas de passagem e que o que vivemos é reflexo de vidas passadas que podem ter existido a trilhões (sim, o termo usado é trilhões) de anos atrás, e que toda a nossa existência está conectada com esse passado e mais um monte de blábláblá que soa a maior bobagem do mundo e que não se baseia em nenhum preceito de racionalidade. A meu ver, “A causa” foi baseada não tão aleatoriamente assim na crença da cientologia, famosa entre celebridades de Hollywood que também se fundamente em questões absurdas. Dessa forma, Dodd – numa interpretação inesquecível de Philip Seymour Hoffman – é o mestre de tudo. Cheio de conversas eloqüentes sobre coisas que não fazem lá muito sentido, mas que, ao serem ditas com tanta convicção, acabam atraindo mentes fracas e perdidas de pessoas que procuram se encaixar. Pessoas como Freddie Quell, que é convidado a fazer parte de todo aquele circo junto a ele, tornando-se um tipo de protegido e uma espécie de experiência usada por Dodd a fim de provar efeitos positivos das práticas da crença em proporcionar mudanças concretas na vida de uma ovelha desgarrada. Desta forma, Quell passa por diversas sessões que incluem das mais ridículas atividades de autocontrole até práticas que beiram a hipnose e o encontro com memórias antigas e fantasmas do passado (passado este que vamos conhecendo aos poucos). Passa a criar uma relação afetiva com Dodd.
Quem também é personagem marcante na história é a esposa de Dodd, Peggy (Amy Adams). Uma espécie de vice-líder da organização que aparentemente acredita piamente em tudo o que se marido diz saber e que está sempre disposta a difundir e defender os preceitos da causa, sendo assim uma parte orgânica de todo sistema (uma interpretação memorável de Amy Adams que faz de um papel aparentemente pequeno – visto que fica pouco tempo em cena – um dos pontos altos do filme). Resta o questionamento: o que de tudo aquilo é verdade? Algo dentre tudo o que é dito com tanta certeza por Dodd é real? Suas sessões de tratamento (seja lá o que for aquilo), que prometem até curar leucemias, desenvolvem algum efeito positivo naquelas pessoas? Tem algo de verdade em todo aquele circo ou tudo não passa de charlatanismo? E Quell? Aparentemente ele não consegue nenhuma melhora com seu convívio direto com o mestre. Mas será que durante todo esse tempo ele nunca se pôs a acreditar em algo? Qual o significado da causa para ele? Teve alguma representatividade em sua vida? 
Bem, estes são questionamentos básicos levantados pelo filme os quais cabe a cada um decidir. Não lhes garanto uma experiência cinematográfica agradável no sentido próprio da palavra. O que espera quem for conferir O mestre são pouco mais de duas horas de questionamentos, perguntas instigantes e confronto direto. Para quem gosta de uma boa direção, prepare-se para um filme belíssimo. Para quem gosta de um bom roteiro, prepare-se para um filme inteligentíssimo. Para quem gosta de um bom elenco, prepare-se para um dos melhores – talvez o melhor – do ano (os três indicados ao Oscar). E para quem gosta de um bom filme de um modo geral, prepare-se para um dos melhores dos últimos tempos.

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Lucas Moura

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