sábado, 13 de julho de 2013

Indomável Sonhadora - um mundo selvagem pelos olhos de uma criança

Como já disse aqui algumas outras vezes, todo ano a Academia costuma procurar algum filme independente ou semi-independente e colocá-lo na competição junto com as grandes produções dos maiores estúdios de cinema do mundo, os quais dispõem, geralmente, de elenco e equipe de maior renome, qualidade técnica mais apurada e, principalmente, maior verba. Ao indicar filmes menores entre os “gigantes” do ano, a Academia dá uma de que é mais moderna e arrojada do que o que de fato é, mas ao mesmo tempo todo um ciclo de cinema que permanece fora dos holofotes consegue ter um destaque maior, sendo mais evidenciado pelo público de um modo geral. Foi assim com filmes como: Pequena Miss Sunshine, Juno, Inverno da alma e, mais recentemente, Indomável sonhadora (Beasts of the southern wild, 2012).
Apesar de tudo dito acima, esta jornada de filmes independentes rumo ao reconhecimento efetivo por parte de público e crítica não é tão simples. O filme deve se sobressair com o pouco que tem para sua realização. Literalmente, deve criar muito com muito pouco. Indomável sonhadora, de orçamento muito baixo, consegue fazer milagres com uma câmera, um grupo pequeno de atores totalmente desconhecidos, um roteiro inteligente e um diretor habilidoso.
Na história, temos Hushpuppy (Quvenzhané Wallis), uma criança de seus oito anos, aproximadamente, que vive numa região alagadiça, de risco, localizada ao redor de uma barragem de água. É um espaço de terra tão pequeno e tão instável que é conhecido como a Banheira. Dentro da Banheira, a pobreza dita o estilo de vida, mas não o espírito das pessoas. Mesmo sem absolutamente nenhum bem material efetivo, vivendo de restos, amontoados entre tralhas e em barrancos, o povo que vive na Banheira tem toda sua espiritualidade baseada na mais pura força. Esta força faz com que eles esqueçam um pouco das condições precárias em que vivem e é o melhor caminho para a sobrevivência. Vida e morte, felicidade e miséria são tratados de forma diferente dentro da Banheira. A realidade dura daquelas pessoas as fez contornar os desafios cotidianos e adaptar a selvageria em que vivem para que realmente consigam seguir em frente.
Toda a história de Indomável Sonhadora é narrada e observada a partir do ponto de vista de Hushpuppy. Ela vive na banheira junto a seu pai, com quem mantém uma relação intensa, confusa e atípica, e ele demonstra sempre uma necessidade de permitir a sua filha que esta esteja sempre pronta para qualquer adversidade e que permaneça forte independente das situações. Quando Hushpuppy grita “I am the man” ela está bradando toda sua força. A força de uma sobrevivente da Banheira. Em Inverno da alma, de 2009, a personagem de Jennifer Lawrence tem esta mesma obrigação de fazer com que seus irmãos mais novos estejam prontos para enfrentar todo e qualquer imprevisto, uma relação similar a de Hushpuppy com a do pai, numa das cenas mais memoráveis dos últimos anos do cinema americano.
Durante uma forte tempestade, a Banheira é totalmente alagada, e apenas algumas pessoas restam na região. Entre elas, Hushpuppy e seu pai. Neste ponto, o que é ressaltado em Indomável Sonhadora é esta relação muito mais espiritual do que física/geográfica do ser humano com sua terra, que representariam sua identidade e suas raízes.
Como o ponto de vista é todo apresentado por uma criança, em muitos momentos a realidade mescla-se com a fantasia. Um detalhe técnico de muita inteligente utilizado pelo diretor Benh Zeitlin é a utilização metafórica de animais pré-históricos que correm em direção à Banheira. Estes animais representariam, dentro da mente imaginativa de Hushpuppy, todas as adversidades que parecem muito superiores àquele grupo de pobres coitados e que os cercam, os confrontam e estão cada vez mais próximas. Apesar de a visão infantil, teoricamente, amenizar a chocante realidade, os elementos técnicos, sobretudo as locações externas de catástrofe e a fotografia reveladora e simplória tornam toda a experiência de Indomável Sonhadora tão forte quanto o possível, sem ser exageradamente dramática. A sensação despertada por aquelas pessoas não é a pena, é a admiração. Admiração que, logicamente, é maior em relação a Hushpuppy.
Grande parte do sucesso de Indomável Sonhadora deu-se em virtude de sua protagonista. A jovem Quvenzhané Wallis, de apenas nove anos de idade, é a mais jovem indicada ao Oscar em qualquer categoria de atuação, tendo superado as vencedoras de atriz coadjuvante Tatum O’neal e Anna Paquin e a indicada de melhor atriz Keisha Castle-Hughes. Sua indicação, no entanto, gerou considerável polêmica. Muitos alegavam que esta indicação não necessariamente representava o trabalho de uma atriz, mas simplesmente um trabalho instintivo de uma criança, mas que sem grandes certezas sobre uma provável continuidade na arte de atuar. Bom, este argumento é relativamente inválido. Apesar de Tatum O’neal e Keisha Castle-Hughes não terem montado carreiras notáveis conforme foram envelhecendo, Anna Paquin, cuja estreia nas teles deu-se justamente pelo filme ao qual recebeu seu Oscar, encontra-se estável e bem sucedida desde a época de O piano, cujo lançamento deu-se em 1993. E como negar que seu trabalho foi instintivo? Claro que foi. Uma jovem de 11 anos não tem sequer treinamento de atriz. Grande parte de sua interpretação primorosa foi instinto e talento natos. Natos de uma grande atriz como ela é. Bem assim é com Wallis. Além de ser protagonista ela não protagonista um filme qualquer, pois a tensão e a selvageria do universo de Indomável Sonhadora dá a seu trabalho uma qualidade de gente grande.
Apesar de todos os pontos positivos de Wallis, não há considero a melhor das opções. Colocar crianças em categorias de atuação em que disputam com atores e atrizes profissionais, alguns até mesmo lendários, pode ser psicologicamente complicado para mente de uma criança tão jovem. Além disso, por mais que ela seja legal não tem como superar a fantástica interpretação de Marion Cotillard em Ferrugem e Osso, a qual é, em minha opinião, a segunda melhor atuação feminina do ano passado, perdendo apenas para a potência dramática que Naomi Watts apresenta em O impossível.
Nota: 7,5/ 10
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