segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Fale com ela - no llores

O diretor espanhol Pedro Almodóvar chocou meio mundo ano passado com seu primeiro filme de horror, A pele que habito (La piel que habito). O filme obteve uma bilheteria formidável e não só trouxe Almodóvar de volta aos holofotes como o tornou mais conhecido entre o público jovem. Bem, dois meses depois de ver A pele, descobri outro longa do cara, Fale com ela. Bacana que fui ver o filme sem saber nada além do título, sem expectativa nenhuma, ou seja: o que viesse era lucro. E que lucro.
Marco Zuloaga é um jornalista argentino que vive em Madri e trabalha para o El País, e mesmo sem saber nada sobre touradas decide escever a respeito de uma jovem e bela toureira, Lydia González, famosa em todo pais por seu telento e vida emocional atribulada. Inicialmente Lydia não se interessa pelo repórter, mas eles descobrem algo em comum: ambos haviam saído de relacionamentos conturbados; Lydia com um toureiro e Marco com uma viciada em drogas. Os dois começam a namorar, mas Lydia sofre um grave acidente e entra em coma profundo, aparentemente sem esperanças de recuperação.
Lydia é internada numa clínica especializada em pacientes em coma, e Marco, ainda inconsolável, permanece a seu lado. Na clínica Marco conhece Benigno, um enfermeiro contratado exclusivamente para cuidar da jovem Alicia, que também está em coma. Aos poucos Benigno vai contando sua história: ele mora em frente a uma academia de dança, e havia se apaixonado por uma das alunas, chegando a segui-la; essa aluna era Alicia. Quando a menina sofrera um acidente de carro e entrara em coma, fora internada na clínica em que Begnino trabalhava e ficou aos seus cuidados. Benigno acredita que as pessoas em coma podem ouvir o que lhe dizem, e dá um conselho a Marco, que não aceitava a condição de Lydia: "fale com ela".
Depois de dirigir vários filmes em que destacava personagens femininas, Almodóvar cria em Fale com ela (Hable con ella, 2002) duas figuras masculinas notórias, que são movidas pelo amor de duas mulheres que mesmo em estado vegetativo fazem mover a história funcionando como objetos do desejo daqueles que as amam. A frase "fale com ela" é o elo usado em busca da aproximação com a mulher desejada, mesmo sem resposta; a presença física não é suficiente mas "é melhor do que nada" para Benigno e Marco. Ao longo do filme vamos nos surpreendendo com a mudança de postura dos protagonistas: enquanto Marco, de quem se espera uma postura viril, se mostra capaz de chorar diante de uma apresentação de dança ou ao ouvir uma música triste (cantada magnificamente por Caetano Veloso, que faz uma participação especial), Benigno impressiona a todos ao cometer um ato brutal - mas ironicamente, é da brutalidade que ressurge a vida.
Este é um dos filmes mais belos que ja vi, muito delicado e poético. O diretor faz sutis comparações entre os dois lados da história, comparando o delicado balé de Alícia à violenta tourada de Lydia, e isso com uma música de Elis Regina ao fundo. Há também uma homenagem ao cinema mudo, usando um pequeno filme antigo como metáfora para o que filme traz de mais chocante. O mais legal nisso tudo é que a linearidade do enredo é interrompida algumas vezes para mostrar flashes, tanto de Benigno como de Marco, que vão ajudando a montar o entendimento do espectador - isso porque Almodóvar revela seus mistérios, mas aos poucos. Não tem como ficar melhor. Tanto que este é considerado seu melhor filme, sendo vencedor do Oscar de Melhor roteiro original em 2003, assim como o Globo de Ouro de Melhor filme estrangeiro. Posso dizer sem dúvida que está entre meus filmes preferidos (isso é tão importante quanto ganhar um Oscar haha), e não tenho vergonha em confessar que ouço todo santo dia Cucurrucucu paloma, a música que Caetano canta. Difícil segurar as lágrimas nessa parte.

Leia também: Cucurrucu paloma

Luís F. Passos

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