terça-feira, 31 de julho de 2012

Alice no País das Maravilhas – quando uma criança sonha

O encontro modesto ocorreu na minha adolescência quando tentava absorver uma carga de clássicos que não tive contato na infância. Não vou atribuir culpas nem julgamentos; sinceramente, acredito que os desenhos da Disney foram esquecidos, mas não vos digo que estejam ultrapassados. Enfim, buscando encontrar nas animações de Walt Disney as lendas cinematográficas de outrora acabei me deparando com Alice no País das Maravilhas de 1951.
Neste momento abro espaço para pedir desculpas, pois não é o meu objetivo tratar do filme e sim da obra escrita de Charles Lutwidge Dogson – ou se preferir, Lewis Carrol. Entretanto farei alguns apontamentos necessários aos mais leigos que tiveram apenas contato com a sétima arte.
Alice in Wonderland” (repito: o filme!) não teve uma repercussão em sua estreia tão parabenizada quanto os tempos atuais. O misticismo aponta ao fato de ter sido o 13º longa-metragem da Disney, logo após a conturbada Segunda Guerra Mundial (período de congelamento das produções de longas na empresa). A crítica e o público massacraram o resultado final na telona por um motivo que poucos conhecem: a película condensou os dois livros da série (“Alice in Wonderland” e a continuação “Alice Through The Looking-Glass”) em uma animação de 75 minutos com muitas adaptações. Sabem como é... Com os clássicos não se brinca, nem com os de criança.
Alice’s Adventures in Wonderland de 1865 (agora sim; o livro!) alcançou ótimos resultados em sua venda tão logo o seu lançamento e o sucesso não se deu apenas aos pequenos leitores, mas aos pais e mães que se afeiçoaram a obra. A razão de tal êxito comercial se atribui não somente às excelentes ilustrações de John Tenniel como ao diferencial na história de Carrol; em uma época a qual os livros infantis apresentavam contos funestos incorporados a lições de moral, uma singela historia sobre uma garota e sua aventura em uma terra onírica atrairia muito mais a atenção. Quem me lê agora pode achar um absurdo essas macabras histórias infantis, todavia estou certo de que – assim como eu – tu cresceste na ameaça constante do Lobo Mau (tanto faz se assopra ou se faz mingau com as criancinhas).
O onirismo é a chave de toda a saga de Alice. Sentimos através das doces peripécias da teimosa protagonista um aprofundamento das suas fantasias, bem como os transtornos da sua personalidade forte. Destemida, ela atravessa as mais pueris situações envolvendo animais fabulosos e personalidades lúdicas. A obra é envolta de diversos contos, poesias musicadas, adivinhações e diálogos tão absurdos quanto improváveis. Se fossemos considerar apenas o aspecto imaginativo, Lewis Carrol merecia uma atenção especial por aparentemente criar um enredo tão incoerente, contudo extremamente apaixonante.
A acurada criação desse mundo partiu da mente de um professor de matemática com experiência em publicações de tratados de geometria e álgebra. Lutwidge Dogson (1832-1898) ensinou em Oxford, era um fotógrafo entusiasta e apaixonado pelas mentes infantis (essas duas últimas qualidades geraram especulações sobre pedofilia). Uma dessas crianças a quem ele era especialmente afeito chamava-se Alice Liddell (1852-1934), a quem contava breves narrativas durante passeios. Dessa maneira nasceram as primeiras anotações do que viria a ser mais tarde comercializado como Alice no País das Maravilhas.
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aguardem a segunda parte com os comentários e mais detalhes de “Alice no País do Espelho”.

Guilherme Patterson

sábado, 28 de julho de 2012

Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge - queda e apogeu de uma lenda

Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008) foi, sem dúvida, um dos melhores filmes de ação já feitos. Sendo assim, sobre o  diretor e roteirista Christopher Nolan ficou a grande pressão para que o último capítulo da saga do homem morcego no mínimo mantivesse o nível (altíssimo) dos dois filmes anteriores. Como superar as sequências incríveis e a presença do Coringa, que graças a Heath Leadger se tornou um dos maiores vilões de todos os tempos? E depois de um ponto alto como Cavaleiro das Trevas, foi difícil não criar expectativas sobre o terceiro e último capítulo da saga Batman de Nolan, expectativas estas que não foram totalmente cumpridas.
Oito anos depois do Batman assumir a autoria dos crimes cometidos por Harvey Dent, assim como a responsabilidade pela morte do mesmo, o ex-promotor de Gotham é considerado um herói, com direito a feriado, o Dia de Harvey Dent. A cidade é grata a ele e ao comissário de polícia Gordon (Gary Oldman) por trazer  paz e honestidade às ruas da metrópole depois de décadas de violência. Nesses oito anos o Batman não havia aparecido uma vez sequer, assim como o bilionário Bruce Wayne (Christian Bale), que após perder sua amada Rachel Dawes passou a se esconder em sua mansão, apesar dos protestos de seu incansável mordomo Alfred (Michael Caine). Essa reclusão de Bruce tem como pior efeito a queda no valor de suas empresas, cujo lucro passa a ser mínimo.
Tá tudo muito bem em Gotham, até que numa perseguição policial Gordon chega às galerias subterrâneas do esgoto e conhece o terrorista Bane (Tom Hardy), uma verdadeira montanha de músculos e pura maldade, treinado pelo clã de Ra's al Ghul e cujo objetivo é cumprir os desejos do mestre e aniquilar Gotham. Ao saber da existência do terrorista, Bruce repensa seus últimos anos e começa a tabalhar no retorno do Batman. Claro que para isso ele procura Lucius Fox (Morgan Freeman), que continua no comando de suas empresas. Para tornar a vida de Wayne mais interessante, duas mulheres entram em sua vida: a empresária Miranda Tale (Marion Cotillard), parceira das Empresas Wayne, e a ladra Selina Kyle (Anne Hathaway), uma nova versão da Mulher Gato (e que não é chamada de Mulher Gato em momento algum). Completando o elenco de destaque temos o jovem policial John Blake (Joseph Gordon-Levitt), incoruptível e idealista, e que  será de grande ajuda para Gordon e Batman na luta contra Bane.
Da história só posso falar isso, porque qualquer coisa a mais vira spoiller e Deus me livre de estragar o filme pra alguém. Mas tem muita coisa pra falar sobre Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (The Dark Knight Rises, 2012). Primeiro, elogiar o trabalho de Christopher Nolan, que concluiu com maestria uma trilogia que é uma das mais bem sucessidas do cinema, mostrando que filmes de ação podem sim vir acompanhados de boas ideias e não apenas de pancadaria. Aqui temos mais uma vez ótimas sequências de ação e ótimos efeitos especiais, mas isso não seria nada sem o ótimo roteiro muito bem elaborado e a perícia técnica do diretor. Mesmo assim, depois de O Cavaleiro das Trevas a história do Batman muda completamente diante dos fãs. Aqui nós não temos todo o clima pesado e sem esperança do filme anterior, cujo maior responsável era o Coringa. O vilão Bane é de meter medo, é enorme, parece uma montanha indestrutível, mas no fundo sabemos que ele não o é e é meio previsível que ele será derrotado, o que não acontecia com o Coringa. O saudoso Heath Ledger se entregou à personagem de tal forma que o palhaço do crime parecia tão louco e tão sádico que durante o filme ninguém tinha certeza do que aconteceria a Gotham, tanto que, de certa forma, ele saiu vitorioso - e durante todo o tempo despertava questões às outras personagens e aos espectadores, coisa que não aconteceu em O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Em outras palavras, este é mais um filme de herói. De qualidade superior aos comuns, mas é mais um filme de heróis.
Quanto ao elenco, muito bom. Começando por Anne Hathaway vivendo a sensual e perigosa Selina, que não deixa de ser uma Mulher Gato - e é muito melhor que a Mulher Gato de Michelle Pfeiffer. Marion Cotillard, Joseph Gordon-Levitt, Morgan Freeman, Tom Hardy e Christian Bale, bacanas como era de se esperar, mas dentre eles só Gordon-Levitt se destaca, inclusive pela chance de estrear uma possível continuação. Michael Caine, como Alfred, tem aqui seus momentos mais marcantes da saga (é uma pena que não possa dizer o porquê), mas que não se aprofundam tanto. A melhor atuação, sem dúvida, é a de Gary Oldman já que Gordon, além de mais heróico do que nunca, carrega consigo uma profunda crise moral guardando os segredos de Harvey Dent e do Batman, sofrendo de um jeito que envolve o espectador e convida a fazer também a reflexão sobre qual o lado certo e qual o errado na história. Apesar dos pontos fracos, O Cavaleiro das Trevas Ressurge é envolvente do primeiro ao último minuto (2h45min de filme!), sendo a grande estreia desse semestre.


Luís F. Passos

quinta-feira, 26 de julho de 2012

O Vencedor - a luta dos perdedores

Rocky, um lutador (Rocky, 1976). Touro indomável (Raging Bull, 1980). Menina de ouro (Million dollar baby, 2004). De todos os esportes que existem, o boxe parece ser o preferido de Hollywood e já virou tema principal ou pano de fundo de vários filmes ao logo das décadas. O mais recente a fazer uso dessa luta foi O vencedor (The fighter, 2010), que acompanha a trajetória de Micky Ward (Mark Wahlberg) e de sua desajustada família de perdedores fracassados que vivem no fundo do poço.
Micky é um lutador muito esforçado, que tem como exemplo e treinador seu irmão mais velho, Dicky Eklund (Christian Bale). Dicky é um ex-lutador de boxe profissional, atualmente no fundo do poço devido ao seu vício em crack, que é tido como o herói de Lowel (cidade onde eles vivem) por ter vencido uma luta importante contra um grande boxista da época, Sugar Ray Leonard. A questão é que Dicky é tão desequilibrado, inconseqüente e autodestrutivo, que acaba tornando-se um peso na carreira do próprio irmão, impedindo-o de avançar como profissional. Micky ainda tem como empresária, sua mãe, Alice Ward (Melissa Leo), uma mulher que tem como seu filho mais velho uma referência de orgulho, de modo que é incapaz de enxergar (ou pelo menos finge não dar importância) o fundo do poço aonde Dicky chegou e para onde ele está levando Micky.
Ao perceber que a situação parece que não vai melhorar, Micky resolve começar a trilhar seu próprio caminho, com a ajuda de sua namorada, a garçonete Charlene (Amy Adams), tentando lutar por si mesmo e não apenas viver os reflexos do seu irmão fracassado.
Paralelamente, Dicky também deve encarar mudanças drásticas em sua vida. Após uma prisão e a exibição de um documentário que expõe seu vício e sua decadência ele se vê obrigado a buscar uma melhora em defesa de si mesmo e de sua própria família.
O mérito de O vencedor não é o boxe em si. O que chama mais a atenção é a família como um todo e de como eles se relacionam. Além dos três membros que já falei, Alice tem mais sete filhas desocupadas e ignorantes com seus cabelos mirabolantes e bagunçados (elas são responsáveis pelo gancho de comédia do filme). De um modo muito estranho, eles são uma família extremamente unida. Essa união desmedida chega a ser até mesmo destrutiva para eles. Ao mesmo tempo em que Micky só consegue seguir em frente com o apoio dessas pessoas, também são elas que o impedem de evoluir. Se às vezes todos parecem apenas se aproveitar do rapaz pelo que ele possa ganhar em suas lutas, outras vezes eles realmente se importam com ele, festejam suas vitórias e também sofrem suas derrotas. É uma relação muito delicada e também muito complicada. A grande vitória de Micky Ward não está nos ringues, está em sua vida pessoal, em ser capaz de alcançar o equilíbrio em situações tão adversas. 
O vencedor é um filme interessante, com um roteiro simples e direto, mas de forma alguma banal. Também sabe muito bem aliar cenas dramáticas com cenas de ação. Num momento, acompanhamos crises e reflexões pessoais das personagens, em outro somos levados de volta aos ringues para torcer por Micky Ward. Aliás, Micky é um daqueles personagens que faz a gente torcer por ele. Torcer para que ele saia da vida degradante que ele e se torne um verdadeiro vencedor. Ao assistir o filme se é automaticamente levado a gostar de todas as personagens, sem exceções. Todos são muito carismáticos, mas o destaque maior vai para Christian Bale e Melissa Leo. Dicky é a personagem mais interessante do filme, e rouba muito a cena do protagonista. Muito mesmo. O principal cartaz de divulgação do filme traz Bale em um destaque enorme, enquanto Wahlberg aparece no plano de fundo junto com Amy Adams (coadjuvante de primeira linha no filme e atriz que tem feito grandes trabalhos nos últimos anos). Seu jeito extravagante e egocêntrico, como se ainda fosse alguém importante chega a ser meio triste. Viver de passado é uma coisa deprimente, ainda mais negando a realidade. A Alice de Melissa Leo também é super legal, com seu jeito de mãe ignorante, irresponsável e ao mesmo tempo super protetora. Os dois saíram vencedores do Oscar nas categorias coadjuvantes de atuação.
O filme ainda recebeu outras cinco indicações ao Oscar, incluindo de melhor filme, melhor direção (David O. Russel, direto pouco conhecido) e de melhor atriz coadjuvante para Amy Adams (a terceira melhor atuação do filme, depois de Bale e Leo. Ninguém dá muita atenção a Mark Wahlberg mesmo.)
Obs: baseado em fatos reais!


Lucas Moura

quarta-feira, 25 de julho de 2012

O Crime do Padre Amaro – o Realismo Católico de Queiroz

Dificilmente um livro extenso cria empatia com o seu leitor. São diversas as desculpas possíveis para justificar a escolha entre um título ou outro, em geral eu atribuo ao tempo escasso, mas as variantes são bastante extensas. Às vezes gosto de repetir em pensamento “obras longas intimidam apenas as mentes pequenas” com o intuito de estimular as minhas leituras demoradas. Um desses livros pesados que veio parar em minha estante foi O Crime do Padre Amaro (escrito em 1871 e publicado três anos mais tarde), segunda obra do autor realista Eça de Queiroz.
Deixa-me só falar desse lusitano antes de dar progresso à sua criação: Eça de Queiroz nasceu em 1845, filho de pai brasileiro e mãe abastada, formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, tornando-se concelheiro* da cidade de Leiria em 1870. Exatamente nessa época escreveu sua primeira obra prima a qual promovo hoje.
Quem está desinformado pode achar que o livro se trata de algum romance e vai de antemão classificando-o como tedioso, meloso, caprichoso... Não! Perdão, mas seus olhos poderão estar desacostumados com tanto iluminismo ou realidade ao longo dos 25 capítulos. Sim, O Crime do Padre Amaro é uma das publicações mais importantes e polêmicas do Realismo.
A história não é lá das mais complexas. Temos uma pequena cidade pacata (a Leiria onde o autor viveu) com uma influência católica considerável e seus cidadãos curiosos pela vida alheia – aquela ideia de interior bem básica. O acontecimento chave é a morte do pároco José Migueis, lembrado constantemente por seu colossal hábito alimentar. A indicação para novo pároco da Sé surge da capital Lisboa, desenlace político da marquesa que tinha o padre Amaro como afilhado.
Como o autor escrevia compridos capítulos então cada um deles adquiria foco em um personagem para dar continuidade na narrativa. Assim, por volta do terceiro capítulo, nos é apresentado a origem pobre de Amaro, filho dos criados dos marqueses de Alegros. A morte de seus pais quando ainda era infante e indefeso aproximou seus laços com a marquesa levando-a a apadrinhá-lo. O autor demonstra daí a posição do jovem Amaro sobre a religião, ao qual vislumbrava com devoção. Traços de sua personalidade são examinados e os descreve como “mirrado, medroso”. Ao passar do tempo, Amaro muda-se para a casa do tio com a promessa que assim que completasse a idade adequada entraria no seminário para formação eclesiástica. Um resumo da vida ao lado de seus tios seria um inferno cheio de maus tratos, um padrão inverso ao que vivia com a marquesa.
Em pouco tempo, Eça de Queiroz vai esmiuçando aquela vontade de ser padre do seu personagem. Amaro sente-se inapto ao clero, às aulas e ao universo em volta do seminário. Neste tempo começam a aparecer as feições de homem além do seu corpo que se desenvolve. Por fim, termina seu curso e – mesmo já insensível – forma-se padre.
O livro não tem pressa, vai contando sua história a passos de bebê sem lançar informação sobre informação. Este vai descrevendo paisagens, lugares, estilos da época, ruas, construções, enfim, usa bastante do recurso visual através da escrita. Entre uma e outra observação dos aspectos físicos de Leiria, o autor também nos descreve algumas de suas personalidades mais importantes como o cônego Dias, principal contato de Amaro ao chegar a cidade e fiel companheiro eclesiástico; Sr.ª Joaneira e sua filha Amélia, donas da pensão onde Amaro passa algum tempo até se envolver com a jovem; D. Josefa, irmã do cônego Dias, mulher devota ao extremo; doutor Gouveia, médico da cidade e grande mente, autor dos melhores discursos durante o livro; padre Libaninho, esse com um certo toque homossexual que o livro deixa em subliminar; Dionísia – com um nome desses fica bem óbvio o papel da mulher –, servente de Amaro após a estadia na pensão de Sr.ª Joaneira; João Eduardo, no começo da obra, noivo de Amélia; padre Natário, o sujeito mais desprezível entre os personagens; abade Ferrão, único membro da Igreja Católica sem grandes defeitos apontados pelo autor.
O interessante em O Crime do Padre Amaro é como Eça de Queiroz conseguiu publicar uma história tão crítica às condutas dos representantes do catolicismo em um país como Portugal ainda tão católico. Não estou tratando apenas de um apontamento aos modos eclesiásticos, estou dizendo como o homem derrubou a imagem sagrada dos sacerdotes! Ele explicita o domínio sobre os cidadãos mais ignorantes e fervorosos em cenas patéticas, praticamente remetendo aos tempos de Inquisição; os exageros etílicos e alimentares em reuniões; o orgulho e a arrogância; os interesses políticos; o desinteresse aos pobres... Além do sentimento de superioridade, constante no padre Amaro e outros.
Não é somente seduzir Amélia o crime. Ao decorrer da narrativa vamos explorando a personalidade mesquinha do pároco exercitando a vaidade através do sentimento da moça, que encontra na figura do padre um ser de posição elevada, e, por motivos da sua personalidade devota, acaba por transformar-se em uma paixão abrasiva. Se acharem pouco, vão se espantar com o destino de João Eduardo, o pobre noivo que não tem o seu amor por Amélia correspondido.
Há tantas reviravoltas quanto se pode esperar de um livro realista, porém gostaria de frisar as linhas com o personagem Gouveia. Este, ao que me parece, é a voz de Eça de Queiroz confrontando a moral católica com argumentos inteligentíssimos. Tornam a leitura mais inteligente, além de promover uma discussão calorenta àqueles que têm um pé atrás com a religião cristã.
Por fim, deixo a minha sugestão. Será um livro denso para quem está acostumado com “água e açúcar” vendido hoje em dia – com alguma dificuldade talvez vocês encontrem alguma afinidade com certo personagem. Então está mais do que recomendado!
P.s: encarou a obra e sentiu o peso? Lembre-se “obras longas intimidam apenas as mentes pequenas”...

*concelho: (regionalismo: Portugal) divisão administrativa de distrito; parte de um distrito.

Guilherme Patterson

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Our day will come - um ano sem Amy

Parece que foi ontem... mas já faz um ano que cheguei em casa e ao parar em frente à TV vi a notícía. Amy Winehouse havia sido encontrada morta em seu quarto. A causa? Obviamente, a primeira suspeita foi overdose. Meses depois foi contastado que o problema é que Amy havia bebido demais, depois de meses sem tocar em álcool (é por isso que eu digo, beber tem que ser constante).
As homenagens a cantora foram diversas, desde fãs que deixaram garrafas de bebidas nos muros de sua casa em Londres (???) até tributos como o da cantora Adele, que incluiu uma música em seu DVD porque, segundo ela, era um das preferidas de Amy. Vale lembrar também da apresentação de Bruno Mars no VMA cantando Valerie - por pior que ele seja, fez jus ao talento da cantora inglesa.
Em dezembro foi lançado o álbum Lioness: Hidden Treasures, com doze faixas inéditas, sendo algumas partes do cd que a cantora gravaria, e outras gravações antigas de Amy tiradas do baú, como Our day will come e The girl from Ipanema. Para promover o disco, foi feito um clipe para Our day will come, muito bonito. Além do CD, tem também o DVD Amy Winehouse - The Final Goodbye, com cenas dos bastidores de shows e mostra muita coisa da vida de Amy, a ascenção, a fama, os escândalos e a morte prematura. Mais fiel ainda é o livro lançado por seu pai, Mitch Winehouse, Amy, my daughter. Infelizmente não há previsão de quando o livro chegará ao Brasil. Inclusive Mitch, que era a pessoa mais próxima a Amy, é o principal responsável pela criação da Amy Winehouse Foudation, cujo objetivo é ajudar jovens envolvidos com álcool e drogas.
Sobre Our day will come: é um reggae dos anos 60 que ganhou dezenas de regravações em diversos estilos; a versão de Amy foi gravada em 2002. A letra é bem otimista, fala sobre um dia em que a felicidade será plena ("no tears for us/ think love/ and wear smile"); o problema é que o dia Amy chegou cedo demais, deixando um vazio imenso na música. Quando teremos alguém igual a ela? Sabe Deus (nem venham me dizer que é Adele, as diferenças são muito grandes). As imagens que formam o clipe abaixo só aumentam a saudade.


(com saudade,)
Luís F. Passos

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Johnny e June - “because you’re mine, I walk the line”

O filme acompanha a trajetória de vida do cantor Johnny Cash (Joaquin Phoenix) passando por basicamente todos os altos e baixos da vida do cantor. Desde uma infância pobre, colhendo algodão junto à família, o início de seu gosto pela música, influenciado pela mãe, a perda trágica do irmão mais velho que só fez aumentar a relação conflituosa dele com seu pai, os primeiros anos de sua carreira, seu casamento fracassado, infeliz e distante com Vicky, seus primeiros grandes sucessos como Cry, Cry, Cry, a fama surpreendente, a riqueza e, como é corriqueiro em biografias, sempre tem uma hora que tudo começa a dar errado. No caso de Johnny, seu envolvimento com álcool e seu vício em remédios quase pôs fim em sua carreira estragando várias turnês. 
O que o fez se erguer de novo? Ninguém mais que June Carter (Reese Witherspoon), cantora e comediante com um escandaloso (levando em consideração que a história se passa nos anos 50 e 60) histórico de divórcios, vinda de uma família famosa e que fazia sucesso desde a infância que fez parte da banda de Johnny por vários anos, saindo junto com o grupo em inúmeras turnês, e por quem Johnny além de ser apaixonado tem uma enorme admiração e respeito. Além de serem melhores amigos.
Johnny e June (Walk the line, 2005) é um bom filme. Apesar de ser uma cinebiografia de uma celebridade controversa e cheia de crises, não é choroso e nem depressivo, mesmo nas horas mais difíceis de Johnny. É uma história bonita de amor e de amizade entre duas pessoas e de como essa relação foi capaz de contornar problemas sérios que acabariam com a vida de qualquer um. Aliás, o nome do filme, Walk the line, se refere a uma música do cantor inspirada numa briga entre ele e June, quando ela diz que ele não conseguia andar na linha. 
Joaquin Phoenix (indicado ao Oscar de melhor ator por esse filme) é o maior destaque no longa, e sua interpretação como o complicado Cash é muito precisa em todos os momentos, felizes ou tristes, e ele sempre mantém uma postura que é a cara da personagem. Mas as melhores partes do filme ficam a cargo da interação entre o casal, sintonia ótima aconteceu entre Joaquim e Reese Witherspoon, que interpreta June. Ao mesmo tempo em que é engraçada e preocupada com valores morais e sobre como o público vai lidar com suas atitudes, June também é uma mulher muito forte e corajosa, capaz de viver cercada de homens e de assumir a responsabilidade enorme de salvar o amigo. Pelo filme, Reese Whiterspoon recebeu seu controverso Oscar de melhor atriz - praticamente todo mundo acha que Felicity Huffman (Transamerica, um filme ótimo) e Charlize Theron (Terra fria, outro grande filme) eram opções mais viáveis - que infelizmente não fez grandes mudanças na carreira da atriz. Gosto dela, apesar de ela me lembrar um pequinês e propagandas da Avon, mas acho que Johnny e June é a prova de que ela deveria investir mais no seu lado dramático e largar um pouco as comédias românticas sem sal que tanto faz.

Lucas Moura

terça-feira, 17 de julho de 2012

Sagaranando recomenda: Contos de Machado

Livro de bolso é uma criação divina que une boa literatura e preço baixo. Isso porque no nosso país livro infelizmente é coisa cara - típico de país que não valoriza como deve a cultura - e muitos titulos de autores estrangeiros só aparecem por aqui nas versões pocket. Uma das vantagens do pocket é que ele ajuda a divulgar grandes autores e obras, já que o preço é atrativo. Digo isso porque a grande maioria dos livros de bolso que já vi não custavam mais de vinte reais (tenho alguns que custaram apenas dez!), e quase todos eram nomes de peso. Tolstoi, Scott Fitzgerald, Agatha Christie, Dostoiévski, Eça de Queiroz são só alguns exemplos das centenas de escritores que têm versões de bolso no Brasil.
Claro que os nacionais também tem suas versões econômicas. Por isso que quero indicar uma reunião de contos de Machado de Assis feita pela Saraiva, Seus trinta Melhores Contos. Ganhei de aniversário e até hoje li poucos, mas já conhecia alguns como A cartomante e O alienista. O livro é uma coleção de contos machadianos publicados em jornais da época e selecionados por alguns críticos literários e professores de grandes universidades. Como fazem parte da fase realista do bruxo do Cosme Velho, dizer que são ótimos é desnecessário. Então se você tem horários apertados mas nem por isso quer deixar de curtir boa literatura, Seus Trinta Melhores Contos é a minha recomendação.

Luís F. Passos

segunda-feira, 16 de julho de 2012

As Horas - sempre os anos; sempre o amor; sempre as horas.

Richmond, Inglaterra, 1923. Em sua casa, a escritora inglesa Virginia Woolf se levanta, busca uma xícara de chá - com os protestos do marido Leonard, que insiste que ela deve se alimentar bem -, acende um cigarro e pega pena e papel. Virginia está começando a escrever um novo romance e com o olhar perdido em suas ideias murmura "Mrs Dalloway disse que ela propria iria comprar as flores".
Los Angeles, EUA, 1951. A dona de casa Laura Brown acorda e recebe flores de seu marido, o deputado Dan. É aniversário dele e Laura quer preparar um bolo e fazer uma festinha surpresa junto ao filho do casal, Richie. Mas antes de sair da cama ela pega um livro no chão e começa a lê-lo; é Mrs Dalloway, de Virginia Woolf. Laura lê a primeira frase: "Mrs Dalloway disse que ela propria iria comprar as flores".
Nova York, EUA, 2001. Clarissa Vaughn está dormindo quando sua companheira Sally chega e deita ao seu lado. Pouco depois Clarissa acorda, lava o rosto, anda pela casa pensando na festa que faria para seu amigo e ex-namorado Richard, que ganhara um importante prêmio literário. Ela olha pra um lado, pro outro e diz "Sally, acho que comprarei as flores eu mesma!".
As Horas (The Hours, 2001) acompanha três mulheres em épocas diferentes cujo elo de ligação é o livro Mrs Dalloway. A primeira é a autora, a segunda uma leitora que deseja estar na história e a terceira seria a própria Mrs Dalloway. No livro, uma mulher de linhagem nobre, casada com um deputado conservador e mãe de uma adolescente dará uma festa para amigos e conhecidos, sendo a maioria figurões londrinos. Através do fluxo de consciência de Clarissa Dalloway e de outras personagens, Virginia Woolf traça um excelente perfil da alta sociedade londrina no início da década de 1920.
Virginia Woolf sofria de depressão desde que perdeu a mãe na adolescência. O filme mostra que Virginia estava morando no interior por ordens médicas, já que o tumulto de Londres lhe fazia mal. Ela possivelmente também sofria de transtorno bipolar; vivia com o paradoxo de viver em contato com a natureza ao mesmo tempo em que se sentia reclusa em casa. Sufocada por sua situação, Virginia acha que a única saída é a morte.
Laura também se sentia presa, amarrada a uma vida medíocre moldada nos padrões de boa mãe, boa esposa e boa dona de casa. Ela acha que a culpa da sua infelicidade é a sociedade, que exige das pessoas a aceitação de padrões ditados arbitrariamente. Laura chega a cogitar suicídio, mas em vez de dar fim à própria vida decide modificar o jeito com que a conduzia, dedicando-se menos à família e mais a ela própria.
Já Clarissa é uma editora novaiorquina bem sucedida que mantém uma relação de vários anos com Sally. Clarissa dedicou boa parte de sua vida cuidando de seu melhor amigo e ex-namorado Richard, um escritor portador da AIDS em estado terminal. Apesar de aparentar ter tudo sob controle, por dentro Clarissa é uma bagunça só. Isso fica demonstrado ao longo do dia, enquanto prepara a festa que dará em homenagem a Richard.
As Horas é baseado no livro homônimo de Michael Cunninghan, e este é baseado em Mrs Dalloway. As ações de ambas as protagonistas têm relação com o livro de Virginia Woolf, e é nesta que está a chave do sofrimento das outras duas - sendo que o sofrimento também une as três histórias inicialmente paralelas. E esse sofrimento parece cíclico, já que as mulheres não conseguem se libertar dele, vivendo presas nas horas - sempre as horas. Mas a beleza do filme vai além da dor, tendo também viagens interiores e buscas de autoconhecimento, elementos constantes na obra de Woolf.
Grande filme, indicado a muitos Oscar, mas que levou apenas um, o de Melhor Atriz, com Nicole Kidman, que interpretou Virginia. Juliane Moore foi indicada a Melhor atriz coadjuvante pela atuação de Laura Brown, e Meryl Streep, que viveu Clarissa, ficou quieta na dela. O fato é que mesmo sendo, das três, a que aparece menos, é Nicole quem dá um show como a problemática Virginia, numa das melhores atuações de sua carreira, comparada apenas com sua interpretação em Dogville (2003). Mas o fato é que esse filme complexo e desafiador conseguiu chamar atenção e deixar sua marca na história do cinema contemporâneo.

Luís F. Passos

domingo, 15 de julho de 2012

Batman: O Cavaleiro das Trevas - why so serious?

Continuando o que já havia começado em Batman Begins (2005), Cristopher Nolan lança, em 2008, o segundo filme de sua sequência de longas sobre o herói. Em Batman: O cavaleiro das trevas temos Gotham como uma cidade aparentemente mais limpa, devido ao trabalho intenso de Batman (Christian Bale) contra os meliantes da cidade, mas ainda dominada por criminosos e mafiosos. O herói, no entanto, assume a clássica posição de divisor de opiniões entre a população de um modo geral, enquanto uns o encaram como um defensor da justiça, outro o encaram apenas como mais um fora da lei (ao contrário de Homem-aranha, que adora bater nessa tecla, aqui a temática é um pouco mais sutil).
O filme se inicia a partir de um assalto a um banco, com o roubo de uma enorme quantia de dinheiro de uma poderosa máfia com conexões em Hong Kong. Esse roubo foi praticado por um novo bandido na cidade, chamado de Coringa (Heath Ledger), devido a suas cicatrizes no rosto e a maquiagem bizarra e borrada que ele usa. Diferente da maioria dos bandidos da cidade, ele não está simplesmente interessado em dinheiro. A motivação dele é promover o caos. Levar a cidade e todas as pessoas nela a um estado de anarquia baseada em medo e violência. Para alcançar seus objetivos e ganhar seu próprio joguinho de destruição, ele precisa acabar com dois alvos principais: primeiro, a figura do próprio e, principalmente, o bonzinho e bem intencionado promotor público Harvey Dent (Aaron Eckhart). Harvey é um homem motivado a construir uma Gotham mais segura e livre da criminalidade. Aparentemente incorruptível, ele é um símbolo de esperança para a cidade e um alvo perfeito para o Coringa, afinal, conseguir destruí-lo, principalmente sua imagem de “o herói que Gotham precisa” tiraria toda e qualquer esperança da população em um futuro melhor. Ou seja: caos. Para intrincar ainda mais a situação, Harvey está totalmente apaixonado por Rachel Dawes (antes interpretada por Katie Holmes, aqui interpretada por Maggie Gyllenhaal), a amada do nosso caro Bruce, e esse amor leva a tomada de atitudes extremas.
Ainda bastante envolvidos na trama temos os bons e velhos ajudantes de Bruce, Lucius (Morgan Freeman) e Alfred (Michael Caine) e o agora tenente Gordon (Gary Oldman), que apóia Batman em todos os momentos, está sempre motivado a enfrentar o Coringa e tem uma importância decisiva no desenrolar da trama.
Superando o sucesso de Batman Begins, O cavaleiro das trevas (The dark Knight, 2008) é realmente muito melhor. O primeiro tem um grande foco no início do mito que é a figura de Batman, sua origem e suas motivações são muito exploradas pelo filme. Aqui não. O cavaleiro das trevas é ação, ação, ação. As relações entre as personagens são importantes, obviamente, e também são muito bem tratadas, mas é óbvio que o que chama mais atenção são as sequências incríveis de luta e de perseguição, bem como o desenrolar dos “planos” do Coringa e das estratégias policiais tentando detê-lo a todo o momento. De todas as cenas excelentes num filme que é, como um todo, excepcional, as que envolvem o Coringa são as melhores. Todas elas são fantásticas. O trabalho que Heath Ledger fez com a personagem consegue superar, e muito, o que Jack Nicholson havia feito com o seu próprio Coringa, na versão de Batman de 1989 (dirigida por Tim Burton e com Michael Keaton no papel do protagonista) e isso não é pouca coisa. Ledger conseguiu dar uma grande profundidade ao papel criando uma personagem que leva o sadismo a níveis extremos. Ele é cruel, violento, estranhamente irônico e desequilibrado e ao mesmo tempo consegue ser uma pessoa extremamente inteligente e com uma capacidade incrível de  provocar e controlar o caos (se é que isso é possível). Sua mentalidade é simplesmente perturbadora e exigiu de Heath Ledger toda uma transformação psicológica e física (as feições do Coringa são assombrosas. Aquela maquiagem e aquelas cicatrizes são terríveis).
O resto do elenco é muito bom, claro. Contando com nomes de peso como Michael Caine, Morgan Freeman, Maggie Gyllenhaal, Christian Bale e, principalmente Gary Oldman e Aaron Eckhart (que pra mim são os que chegam mais próximo do nível de atuação de Ledger no longa) não teria condições de ser diferente. Porém, por uma total entrega ao extremismo de sua personagem, Heath Ledger é, de longe, a melhor coisa no filme. Rouba totalmente a cena, principalmente do protagonista Christian Bale (mais ou menos o que o próprio fez em O vencedor), e saiu vencedor do Oscar na categoria de melhor ator coadjuvante (infelizmente, uma premiação póstuma, afinal, como todos sabem, o ator faleceu pouco depois das filmagens desse que é, de longe, seu melhor trabalho).
O diretor e roteirista Christopher Nolan afirmou mais uma vez com esse filme sua posição como um dos melhores diretores da atualidade, com uma grande capacidade de criar filmes que alinham: histórias complexas, personagens intensas e ação de tirar o fôlego. Não tem como não curtir.

Lucas Moura

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Batman Begins - Gotham ganha um guardião

Quando a cidade de Gotham enfrenta a pior crise econômica de sua história é o médico bilionário Thomas Wayne que, através de suas empresas, tenta tirar a cidade do buraco ajudando os mais pobres. Wayne gastou uma parte considerável de sua imensa fortuna esperando que os outros ricos seguissem seu exemplo, mas em vão. A onda de violência criada pela crise atingiu a própria família Wayne quando Thomas e sua esposa foram mortos em um assalto, na frente do filho Bruce.
O pequeno Bruce foi criado então pelo fiel mordomo da família, Alfred, e cresceu atormentado pelo homicídio dos pais, além da fobia que tinha de morcegos. Com o crime e a corrupção tomando conta de Gothan, Bruce decidiu fazer justiça com as próprias mãos, sendo preso de propósito para descer o braço em bandidos presos.
Em uma das vezes que está preso, Bruce é visitado por um certo Ducard, que lhe oferece a chance de ingressar numa seita oriental liderada por um tal Ra's al Ghul, onde aprenderia a forma correta de combater o mal. Bruce aceita, e passa sete anos nas montanhas do Tibet aprendendo artes marciais e lutando contra os prórios medos e os fantasmas de seu passado para se fortalecer e combater o crime. O que ele não aceita é a intolerância de seus mestres, que acreditavam em "olho por olho, dente por dente". Depois de quebrar tudo no Tibet, Bruce volta aos Estados Unidos com a ajuda de Alfred.
Ao chegar em casa Bruce descobre que havia sido decretado morto por Earle, presidente das Empresas Wayne, e que as empresas se tornariam públicas. Na sede do império Wayne, Bruce conhece Lucius Fox, antigo diretor da empresa que havia sido transferido do comando para um departamento inativo. O jovem pede ajuda a Fox para obter equipamentos de exploração de cavernas e o executivo oferece diversos equipamentos e tecnologia de ponta desenvolvidos por ele mas que não foram produzidos industrialmente por serem muito caros. Com quase tudo pronto, Bruce decide adotar como identidade de um símbolo capaz de amedrontar seus inimigos, e lembrando dos ensinamentos de Ra's al Ghul, usa seu pavor por morcegos e decide adotar o animal como símbolo - segundo ele, porque seus inimigos deveriam compartilhar de seus medos. Nasce assim a figura do Batman.
O principal desafio do Batman ao combater o crime é enfrentar os mafiosos, em especial o chefão Falcone, que tinha subornado metade dos funcionários públicos de Gotham, inclusive policiais, juízes e membros da promotoria. Junto com o sargento James Gordon, um dos poucos policiais honestos da cidade, e Rachel Dawes, amiga de infância de Bruce e assistente da promotoria municipal, Batman investiga a misteriosa relação da máfia com o psiquiatra Jonathan Crane, que contrabandeava alucinógenos junto com as drogas de Falcone. À medida em que descobre os planos de Crane, Batman vai percebedo quão difícil é ajudar uma cidade que tem o crime e a corrupção em suas entranhas.
Batman Begins (2005) mostra o surgimento do homem morcego de modo realista e sombrio como a franquia anterior (que durou de 1989 a 1997) não havia conseguido. O diretor Christopher Nolan soube construir muito bem a história, desde o porquê da figura de um morcego até as cenas de ação. O filme muitas vezes retoma a infância traumática de Bruce Wayne para explicar sua personalidade adulta e como ele se tornou o Batman, o guardião incansável de Gotham. Essa é uma grande diferença em relação aos antigos Batman, em vez de focar nos vilões, Nolan decidiu mostrar o nascimento da lenda do Batman e o porquê dela.
Sobre o elenco, só elogios; apesar do protagonista Christian Bale não roubar a cena, ele fez um bom trabalho interpretando o herói Batman e o playboy Bruce - Alfred decidiu que o patrão precisava de uma vida social espalhafatosa para proteger a identidade secreta do morcegão. Acho que as melhores atuações aqui foram de Michael Caine como Alfred, que além de sempre solícito e bem humorado assume uma postura de pai adotivo de Bruce; e Morgan Freeman, como o gênio dedicado Lucius Fox. Efeitos especiais merecem ainda mais elogios; mas apesar do uso dos incríveis bat-equipamentos, não há nada de extravagante como nos filmes da década de 90. Batman Begins certamente foi um dos melhores filmes de ação da década, superado por poucos. Entre esses poucos temos Batman: O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, 2008), assunto do próximo post.

Luís F. Passos

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Casa de Areia e Névoa - de conflito e angústia também

Kathy Nicolo (Jennifer Connely) é uma jovem perdida no mundo. Vive isolada, sem muito contato com familiares, sem amigos, abandonada pelo marido que a largou, trabalhando como empregada doméstica e com cara de quem está à beira da depressão. A única coisa que ela tem, de fato, é uma bela casa perto da praia, deixada pelo seu pai como herança para ela e para seu irmão. Após um pequeno desentendimento do setor tributário imobiliário, Kathy foi acusada de não pagar impostos relativos a estabelecimento comercial, sendo que sua residência não é um estabelecimento comercial. Por ser displicente, Kathy não olhou suas correspondências e não soube que o governo iria colocar sua casa a leilão. Ela só descobre que deve sair da casa quando policiais batem na sua porta e a põem na rua. Além de tudo de ruim que já andava acontecendo com ela, Kathy agora se vê sem o único bem que ela possuía de fato. Alcança apoio em um desesperado e infeliz policial, Lester, com quem passa a ter um relacionamento amoroso. Sua meta agora é, então, recuperar sua residência. O problema é que pouco depois de sua saída, a casa foi arrebatada num leilão de imóveis por um senhor árabe chamado Behrani (Ben Kingsley).
Behrani, por sua vez, é um ex-coronel do exército iraniano que saiu praticamente fugido de seu país (não há qualquer explicação sobre o motivo) com seus filhos e sua esposa, Nadi (Shohreh Aghdashloo) que agora se vê em difícil situação financeira. Trabalhando dois períodos como caixa em loja de conveniência e asfaltando rodovias, vê na compra da casa a chance perfeita de melhorar de vida. Seu objetivo é: vender a casa por pelo menos quatro vezes o valor pelo qual ela lhe foi adquirida e utilizar esse dinheiro para se estabelecer em outro lugar e financiar os estudos do filho, Esmail. Ao saber de Kathy e de sua situação, ele não aceita a proposta feita pelos advogados que consistia na venda da casa pelo valor o qual ele a adquiriu. Isso, obviamente, impediria que ele cumprisse seus objetivos além de colocá-lo numa situação financeira complicada.
Ufa. A partir daí, a história vai se centrar na dualidade entre Kathy e Behrani. Cada um com seus dramas e sofrimentos particulares e cada um necessitando, de diferentes maneiras, de uma mesma casa. O cenário está arrumado para um drama intenso e inteligente que nunca cria vilões e heróis, apenas mostra pessoas comuns numa situação de crise tomando atitudes extremas, porém justificáveis. Vou logo adiantando: o final é excepcional. Não tem uma cena muito melhor que a outra. Toda a metade final do filme é excelente.
Casa de areia e névoa (House of sand and fog, 2003) também pode ser percebido como uma grande metáfora aos próprios Estados Unidos. De certa forma, nós temos um impasse entre uma cidadã estadunidense típica que se vê ameaçada por um estrangeiro (ainda mais árabe) que parece vir para tomar o seu lugar. É um comportamento inerente a muitos estadunidenses, ainda mais no cenário de crise pós 11/09 no qual o filme foi idealizado. Além disso, o filme ainda coloca como ponto central de toda a problemática de Kathy e Behrani um pequeno desentendimento do mercado imobiliário. Mercado esse que, anos depois, jogou os EUA numa das suas maiores crises da história. Outro ponto interessante nisso, está na figura de Behrani e de sua família árabe, que, no fundo, não querem nada mais nada menos que ter seu próprio “sonho americano” cumprido: uma bela casa, estabilidade financeira, um filho na universidade e, porque não, serem felizes na América, além de recuperar a vida que haviam perdido ao sair do Irã. Infelizmente para eles, a coisa é muito difícil.
Atuações espetaculares cercam o filme. Kathy, uma personagem difícil e problemática, é interpretada pela bela Jennifer Connely, uma ótima atriz, mas quem se destaca mais é Ben Kingsley como Behrani. O ator captou traços de personalidade da cultura árabe, que já é rígida, ainda mais Behrani sendo um ex-militar. Sendo assim, construiu a personagem mais complexa do filme. Rígido, rigoroso, exigente, racional, persistente e até mesmo explosivo, também é um homem desesperado a sua própria maneira (não deve ser nada fácil sair de elite de um país para escória de outro) e totalmente dedicado a sua família. Mesmo assim, cada um dos cinco atores principais tem seu momento de brilhar. Impossível não notar o trabalho de Ron Eldard, como Lester e de Shohreh Aghdashloo como Nadi.
Casa de areia e névoa
recebeu três indicações ao Oscar, incluindo uma de melhor ator para Ben Kingsley e uma de melhor atriz coadjuvante para Shohreh.

Lucas Moura

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Para Roma com amor - divertidas histórias paralelas tendo Roma como palco

Após alguns anos participando apenas como diretor e roteirista de seus próprios filmes, Woody Allen volta a atuar em Para Roma com amor (To Rome with Love, 2012), sua nova comédia, que se passa inteiramente na cidade imortal e que acompanha uma pequena parte da história de diferentes personagens, centrados em quatro núcleos sem conexão entre si, que vão passar pelas mais diversas e inusitadas situações.
Primeiro, temos um cidadão romano de classe média típico, Leopoldo, interpretado por Roberto Benigni, que, da noite pro dia, se torna uma celebridade instantânea sem nem saber o motivo. A partir daí, ele passa a ser perseguido e assediado pela mídia que acompanha todo o ritual de sua vida monótona e corriqueira ao mesmo tempo em que passa a sair da esfera do cidadão comum e freqüentar chiques estréias de filmes e a se envolver com belíssimas mulheres. Essa vertente de Para Roma com amor explora temas como a fama e o anonimato, as vantagens e desvantagens de cada um, o amor e o ódio que celebridades têm pela sua vida pública, e qual das duas opções é mais viável para ser feliz.
Temos também um núcleo centrado em um jovem arquiteto, Jack (Jesse Eisenberg), que se vê apaixonado por Mônica (Ellen Page), a sexy e pseudo-intelectual que parece motivada a atrair homens apenas pelo prazer da conquista, melhor amiga de sua namorada Sally. Ele se vê em uma encruzilhada: seguir sua vida comum e meio entediante com Sally ou mergulhar de cabeça num relacionamento intenso, e provavelmente rápido, com Mônica. Sempre acompanhando a personagem de Jesse Eisenberg, temos John (Alec Baldwin), rico e conhecido arquiteto estadunidense. A história deixa em aberto duas opções viáveis: ou John é fruto da imaginação de Jack, ou Jack simboliza uma parte da juventude de John que está revivendo seus dias como estudante na cidade (a segunda opção me parece mais viável e mais interessante também).
Milly e Antonio. O casal bonzinho e bem comportado vindos do interior da cidade que acabam se envolvendo com outras pessoas. Ele, um inseguro empresário que se esforça para causa boas impressões para os tios ricos e que vê tudo ir por água abaixo quando se vê envolvido com uma prostituta chamada Anna (Penélope Cruz). Ela, a comportada esposa, se vê seduzida por um famoso ator italiano. Dessas relações extraconjugais, os dois vão descobrir, ao mesmo tempo, porém separados, como sair da monotonia e realizar seus próprios desejos e vontades.
Por fim, mas não menos importante, o núcleo que detêm o próprio Woody Allen. Aqui, ele aparece como um aposentado diretor de ópera, com talento duvidoso, que viaja com sua esposa, psiquiatra interpretada por Judy Davis, para a cidade de Roma a fim de conhecer o noivo de sua filha. Ao conhecer a família do noivo, ele descobre que o pai dele é ume excelente cantor de ópera e, tendo em vista sua total infelicidade com a aposentadoria, decide investir nele para montar um novo espetáculo que é, digamos assim... único e surpreendente, ao mesmo tempo em que é fadado ao fracasso.
À semelhança de Meia noite em Paris (Midnight in Paris, 2011), Para Roma com amor também é um filme atemporal. A semelhança entre Roma e Paris é mais notável no núcleo Jesse Eisenberg – Ellen Page – Alec Baldwin. A única coisa que sabemos é que todas passam na cidade, mas não ao mesmo tempo e não tem a mesma duração. Elementos básicos e recorrentes na cinebiografia do diretor também estão aqui: personagens inseguros, confusos, neuróticos, obsessivos, cheios de dúvidas, cheios de desejos reprimidos e com problemas nos relacionamentos. Tudo está por aqui. Interessante mesmo, é a volta da persona de Allen. É claro, que o diretor interpreta grande parte das características de sua persona, como é comum, mas trações de sua personalidade são distribuídas a todas as personagens masculinas do longa: Antonio, Jack e Leopoldo. Cada um pega uma fatia para si e trabalha bem com elas.
Infelizmente, Roma não ficou tão apaixonante assim no longa. Tudo bem, as paisagens e cenários são bonitos, mas não há aquele impacto que temos com a Nova York de Manhattan (1979), a Barcelona de Vicky Cristina Barcelona (2008) e, principalmente, a Paris de Meia noite em Paris (2011). Mesmo assim, tá valendo.

Lucas Moura