sábado, 21 de dezembro de 2013

Filmes pro final de semana - 20/12

1. O Vencedor (The fighter, 2010)
Micky Ward (Mark Wahlberg) é um lutador muito esforçado, que tem como exemplo e treinador seu irmão mais velho, Dicky Eklund (Christian Bale). Dicky é um ex-lutador de boxe profissional, atualmente no fundo do poço devido ao seu vício em crack, que é tido como  herói de sua cidade por ter vencido uma luta importante anos atrás. O problema é que Dicky é tão desequilibrado e inconsequente que acaba puxando pra baixo a carreira de seu irmão. As outras duas figuras chave na vida de Micky são sua mãe possessiva Alice (Melissa Leo) e sua namorada Charlene (Amy Adams), que vê a família de Micky como um grande empecilho para seu sucesso. O pior é que Charlene tem uma certa razão, e ao perceber isso o lutador se afasta um pouco da mãe, do irmão e das sete irmãs barangas decidido a impulsionar sua carreira; aos poucos, Dicky também percebe o mar de lama em que está mergulhado e decide que precisa mudar sua vida. Nessa muito bem elaborada trama familiar, três atuações se destacam: as de Christian Bale, Melissa Leo e Amy Adams, sendo as duas primeiras vencedoras do Oscar de ator e atriz coadjuvante, respectivamente. Mais uma vitória desse filme sobre fracassados.
Nota: 9,0/ 10
2. Cidade de Deus (2002)
Cidade de Deus talvez seja um dos filmes mais influenciados por Pulp fiction (1994), e dentre estes provavelmente é o melhor. Histórias de várias personagens que se ligam e se completam dão uma agilidade ao filme semelhante ao que Tarantino fez num dos maiores filmes dos anos 90 - e Fernando Meirelles fez aqui um dos maiores filmes dos anos 2000. A partir do aprendiz de fotógrafo conhecido como Buscapé é contada a história de uma das mais famosas favelas do Rio de Janeiro, a Cidade de Deus, de 1960 aos anos 80, através de figuras marcantes da comunidade, principalmente bandidos. Inicialmente o Trio ternura, que roubava e distribuía os frutos do crime com os moradores, anos depois com Dadinho, que acompanhara o trio quando criança e que depois de crescido retorna à favela com o nome de Zé Pequeno - claro, na icônica cena do "Dadinho é o caralho, meu nome agora é Zé Pequeno!". Buscapé, cujo irmão mais velho era um dos três "ternuras", observa a comunidade através de sua câmera e percebe ter uma carreira promissora quando divulga fotos dos traficantes. A gentileza de Buscapé contrasta com a brutalidade e falta de remorso de Zé Pequeno, responsável por criar outros monstros do lugar. Mais do que um retrato da violência, Cidade de Deus é uma história sobre empatia e esperança, além de ter um caráter de crônica.
Nota: 10
3. A Época da Inocência (The Age of Innocence, 1993)
 Maiores desafios mostram maiores talentos. No cinema não é diferente; filmes complexos ou que precisam de maior cuidado, quando bem feitos, revelam o talento de seu diretor. A Época da Inocência é um exemplo, no caso mais um exemplo, da competência de Martin Scorsese. Fazer um filme de época sem que tudo pareça um baile de fantasias é tarefa árdua, e Scorsese não desapontou. A trama ambientada na aristocracia novaiorquina do século 19 acompanha o jovem casal Newland Archer (Daniel Day-Lewis) e May Welland (Winona Ryder), apaixonados e de casamento marcado. O surgimento da condessa Ellen Olenska (Michelle Pfeiffer), recentemente divorciada de um nobre europeu balança os sentimentos de Newland, que fica dividido entre a noiva angelical e a condessa sedutora. O fato de ser um amor impossível só aumenta o desejo do jovem. As angústias de Newland e Ellen são mostradas através do domínio de câmera que é velho conhecido dos fãs de Scorsese, que também retrata os costumes, vícios e esqueletos no armário de uma sociedade moralista que também tem seu teto de vidro.
Nota: 9,0/ 10
4. Gata em teto de zinco quente (Cat on a Tin Hoof, 1958)
"Nós não vivemos juntos, apenas dividimos a mesma jaula". Ver o filme e esquecer essa frase é mais difícil que ganhar na Mega da virada sozinho.  Tais palavras são ditas por Maggie (Elizabeth Taylor) para seu marido Brick (Paul Newman), jogador de futebol americano entregue à bebida após um incidente no trabalho envolvendo um amigo - coisa que não é totalmente esclarecida e que dá brecha para a suspeita de um caso gay. E porque Maggie disse uma frase tão forte para o esposo? É porque Brick simplesmente despreza a mulher, assim como toda a família, em especial o pai, "Big Daddy" Harvey (Burl Ives), com quem nunca teve boa relação. Bid Daddy está com câncer, não há perspectiva de cura e se preocupa com a possibilidade de deixar toda sua fortuna para o filho mais velho, Gooper, que é uma lesma e casado com uma mulher gorda e chata, e tem vários filhos gordos e chatos. A tensão entre Brick e Maggie e Brick e Big Daddy abre espaço para discussões diálogos brilhantes - afinal, o filme é baseado numa peça de Tennessee Williams, influente dramaturgo da Broadway. Também chama a atenção as espetaculares atuações de Paul Newman e Liz Taylor e claro, a beleza inesquecível da atriz.
Nota: 9,5/ 10
5. O Natal do Mickey Mouse (Mickey's Christimas Carol), 1983
Baseado na obra imortal de Charles Dickens, o curta da Disney traz Tio Patinhas na figura do rico Ebenezer Scrooge, velho, egoísta e solitário, que acumulou fortuna às custas de trabalhadores mal-remunerados e golpes em viúvas em crianças órfãs. A maldade de Scrooge era tamanha que ele roubou o falecido sócio (Pateta) e usou o dinheiro do enterro, jogando o corpo do defunto no mar. Um dos mais dedicados empregados do velho é o pobre Bob Cratchit (Mickey), que sustenta sua família precariamente com o péssimo salário pago pelo patrão. Na véspera de Natal, Scrooge espanta coletores de donativos, briga com parentes e aborrece funcionários, como sempre, sem imaginar o que lhe aconteceria horas depois. Depois de dormir, Scrooge foi visitado pelos fantasmas do Natal passado (Grilo falante), presente (Willi, o gigante) e futuro (Bafo), que lhe mostraram todas suas maldades e as consequências que elas trariam se o velho não mudasse seu comportamento para com o próximo. Beleza que todo mundo já viu, que a Globo sempre passa antes da Missa do Galo, mas nem isso tira a beleza da história ou do filme.
Nota: 9,5/ 10

Luís F. Passos

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Filmes pro final de semana - 13/12

1. Bravura Indômita (True grit, 2010)
Primeiro filme totalmente de cowboys dos Irmãos Coen, Bravura indômita é a segunda adaptação para o cinema do romance homônimo, sendo a primeira de 1969 com John Wayne, que ganhou um Oscar por sua atuação. No longa, Mattie Ross (Hallee Steinfeld) é a filha de um homem morto covardemente por um de seus ajudantes, Tom Chaney (Josh Brolin) e deseja fazer justiça, por mais difícil que seja sua missão. Para isso ela contrata Rooster Cogburn(Jeff Bridges), um caçador de recompensas velho, beberrão e mal humorado. A contragosto de Cogburn, Mattie o acompanha na busca do bandido, apesar de ter apenas 14 anos; a eles se junta o LaBoeuf (Matt Damon), um patrulheiro texano que também tem bons motivos para perseguir Chaney. Não surpreendentemente, o trio vai criando afeto aos poucos e acabam se dando bem, unidos na árdua tarefa. Também não surpreendentemente, este é um filmaço. Por ser a segunda versão de um filme tão bem sucedido como foi o de 1969 e ter à frente os talentosos Coen, criou-se uma expectativa imensa e ninguém saiu decepcionado. O elenco é ótimo, o modo como é mostrada a dura realidade do velho Oeste é incrível e o desfecho (que aliás é diferente do filme de 69) é digno de aplausos.
Nota: 8,5/ 10
2. Piaf - um hino ao amor (La môme/ La vie en rose, 2007)
A cinebiografia da cantora francesa Edith Piaf acabou se tornando uma das mais populares de todo o cinema. A atriz Marion Cotillard dá vida à dona de uma das maiores vozes que a França já teve, desde o início da idade adulta, com pouco mais de quarenta anos, mas aparentando cerca de 80. A vida de Edith foi uma coleção de tragédias: órfã de mãe, foi criada no bordel da avó em meio à pobreza, sofreu de cegueira durante alguns anos da infância, até descobrir seu talento e sobreviver com as moedas que ganhava nas ruas de Paris por cantar junto com uma amiga. Descoberta pelas rádios parisienses, viu sua carreira ascender meteoricamente, ao mesmo tempo em que desgraças continuavam a surgir, entre elas a doença degenerativa que lhe tirou a vida precocemente. A atuação de Marion não merece outro adjetivo que não seja perfeita, do tipo que aparece uma vez a cada muitos anos; entrega total da atriz à personagem. Tal entrega é vista não só por ela parecer deixar de existir, deixando apenas a alma de Piaf transparecer em sua performance, como na dublagem das músicas - que normalmente faz cagada em cinebiografia, mas aqui não há descompasso algum entre os lábios de Marion e a voz de Edith. Inesquecível.
Nota: 8,5/10
3. Hotel Ruanda (Hotel Rwanda, 2004)
Ambientado na Ruanda de 1994, quando a morte do presidente deu inicio a uma guerra civil entre as duas etnias do país, hutus e tutsis, Hotel Ruanda é centrado em Paul Rusesabagina (Don Cheadle), gerente do Hotel Des Milles Collines, propriedade de uma empresa belga. A guerra deu início a um genocídio em que a maioria hutu pretendia dizimar a minoria tutsi, e Paul se vê no meio disso tudo por ter um hotel cheio de turistas estrangeiros e por ser amigo do comandante das forças de paz da ONU no país. Com a ajuda de membros corruptos do governo e com a estrutura do hotel, Paul tenta salvar o maior número possível de tutsis – incluindo ele próprio e sua família. A coragem e solidariedade de Paul fazem sua história muito parecida com a de Oscar Schindler e sua lista; e assim como o filme de Spielberg, esse também é baseado em fatos reais. 
Nota: 9,0/ 10
4. Cabaret (1972)
Pra um público que viu o festival de alegria que é Catando na chuva na década de 50 e a fofura bonitinha demais que é Minha linda dama nos anos 60, imagine o choque ao chegar em 72 e ver Cabaret, que sai de cenários elegantes e vai para o subúrbio da Berlim dos anos 30, onde um país arrasado pela Guerra e pela Depressão era campo fértil para a disseminação das ideias totalitaristas e racistas de Hitler. Nesse rebuliço, Brian Roberts (Michael York), jovem americano, chega em Berlim para dar aulas de inglês, e logo conhece Sally Bowles (Liza Minelli), estrela do Kit Kat Club, a casa de shows mais animada da cidade. Sally é uma dançarina que sonha em ser uma grande atriz - típico, não? Mas a história do diretor Bob Fosse consegue ser surpreendentemente original, com seus ótimos números musicais que floreiam amores incompreendidos e ambição; é como diz uma das músicas: "money makes the world go round!". Cabaret também se destaca por dividir os holofotes do Oscar de seu ano com O Poderoso Chefão, faturando os prêmios de direção, atriz, ator coadjuvante (Joey Grey, mestre de cerimônias do Kit Kat e figura essencial no filme), entre outros. 
Nota: 10
5. Barry Lyndon (1975)
Depois da história futurística de Laranja mecânica (1971) Kubrick volta séculos no tempo para, na Prússia do século 18, acompanhar o jovem Redmond Barry (Ryan O'Neal), que é obrigado a fugir de sua terra natal depois de um duelo em que quase matara um oficial. Ele ingressa no exército britânico, luta na Guerra dos Sete Anos, e depois de receber a ordem de prender um golpista, une-se ao criminoso, aplicando golpes na nobreza de diversas cidades - tirando a sorte grande com uma jovem, nobre e rica viúva, Lady Lyndon (Marisa Berenson). A falta de escrúpulos de Barry fica comprovada quando ele assume o sobrenome e títulos do falecido, passando a se chamar Barry Lyndon e figurando de nascido em berço esplêndido perante a nobreza, e aparentemente conquistando a todos - exceto seu enteado, que cresce alimentando ódio mortal contra o plebeu oportunista. A história bem trabalhada de ascensão social de Barry Lyndon foi coroada por um dos melhores trabalhos de direção de Kubrick, cujo principal destaque é a iluminação: não foi usada nenhuma fonte de luz artificial. Kubrick usou câmeras antigas com lentes enormes produzidas para a NASA capazes de absorver mais luz, perfeitas para os cenários iluminados naturalmente pelo sol ou pela luz de centenas de velas; efeito belíssimo e único. Só vejo um defeito: o longo filme, de cerca de três horas, não é nenhum exemplo de velocidade.
Nota: 9,5/ 10

Luís F. Passos

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Filmes pro final de semana - 06/12

1. Precisamos falar sobre o Kevin (We need to talk about Kevin, 2011)
Mais uma vitória do circuito semi-alternativo americano. Um filme tenso, provocador, reflexivo e belo - beleza oculta por mágoas, mas belo. O longa baseado no best-seller homônimo é focado na figura de Eva Khatchadourian (Tilda Swinton), cuja história é montada a partir de flashbacks que datam da infância de seu filho mais velho, Kevin (Ezra Miller) até a adolescência dele; o menino doce que escondia birras e uma certa maldade que só a mãe parecia perceber, a ligação aparentemente saudável com o pai Franklin (John C. Kelly) e a paixão pelo arco e flecha, que tem papel importantíssimo na história. Desde o início vemos do que Kevin foi capaz de fazer, mas ver todo os antecedentes e o agravamento da relação entre mãe e filho é o que o filme mais tem de espetacular, realçado pelas excelentes atuações de Ezra Miller e Tilda Swinton, que deveria integrar a brilhante lista de atrizes indicadas ao Oscar ano passado - e que perdeu a indicação para Rooney Mara, de Millenium. Sem dúvida uma das melhores críticas à sociedade americana contemporânea.
Nota: 9/ 10
2. Vicky Cristina Barcelona (2008)
Quando se pensa em Vicky Cristina Barcelona não há outra palavra que venha à mente senão caliente. Um dos mais queridos filmes de Woody Allen dos anos 2000 exala sensualidade através de seus quatro protagonistas. Tudo começa quando as amigas Vicky (Rebeca Hall) e Cristina (Scarlett Johansson) vão passar uma temporada na Catalunha, Vicky para terminar sua dissertação de mestrado, e Cristina para ver se encontrava algo para sua vida, já que esta não tinha rumo certo. Num certo dia elas conhecem um sedutor pintor espanhol chamado Juan Antonio (Javier Bardem) que as convida para um final de semana com muita cultura, lugares lindos, boa comida, vinhos deliciosos... e sexo. O inusitado convite é o ponto de partida para um breve contato entre Vicky e Juan Antonio e o início da relação do artista com Cristina - que será sacudido com a volta da ex mulher dele, Maria Elena (Penélope Cruz). Os cenários, o idioma, a música, a fotografia e o elenco são ingredientes que fazem deste um filme intenso, sexy e carismático, mostrando a versatilidade de Woody mesmo depois dos setenta anos, além de sua capacidade de criar grandes personagens femininas que presenteiam suas intérpretes com Oscar - Penélope Cruz foi vencedora na categoria atriz coadjuvante.
Nota: 9/ 10
3. Encontros e desencontros (Lost in translation, 2003)
Em seu segundo filme, Sofia Coppola provou ao mundo que não se firmaria em Hollywood apenas com o poderoso sobrenome, mas com o enorme talento que é comum à família (pai, avô e primo vencedores de Oscar, só pra resumir). Em Encontros e desencontros Sofia une a história de um ator de meia-idade que está em Tóquio para gravar comerciais de uísque (Bill Murray) à de uma bela jovem (Scarlett Johansson) que está na cidade porque seu marido fotógrafo está trabalhando em um filme. Os dois se sentem solitários e, a partir do momento em que estão numa terra tão diferente de seu país de origem, perdidos não só na cultura e língua japonesas como no rumo que a vida tomou - ele, vivendo um casamento de 25 anos que perdeu a força e ela casada com um workaholic que a deixa de lado por causa do trabalho. Filme excelente (para muitos o melhor de Sofia) que foi indicado aos Oscar de melhor filme, direção, ator e roteiro original, este último o único faturado pela jovem e promissora Coppola.
Nota: 9,0/ 10
4. Um sonho de liberdade (The Shawshank Remdemption, 1994)
Pequeno clássico dos anos 90, é um leve mas ótimo drama ambientado numa prisão americana nos anos 40 e centrado no jovem banqueiro Andy  Dufresne (Tim Robbins), condenado à prisão perpétua acusado do homicídio de sua esposa e do amante dela. Na cadeia, ele conhece Red (Morgan Freeman), com quem constrói uma forte amizade. Andy vai se adaptando à prisão e ganhando certa proteção do diretor e dos guardas por resolver os problemas com contabilidade, se esquivando de valentões e conseguindo ocasionais presentes para si e seus companheiros. Ao longo de mais de vinte anos de história, vemos as dificuldades enfrentadas por Andy e seus esforços para superá-las, inclusive conseguindo transformar a biblioteca da prisão. Através de um roteiro sólido e de um ótimo trabalho de direção, Robbins e Freeman lideram um filme coeso, forte e carismático conto originalmente escrito por Stephen King - sim! Nem só de terror vive o cara.
Nota: 8,0/10
5. ...E o vento levou (Gone with the wind, 1939)
Tan tan tan taaan... se você acha que aquela música que tocava no Chaves quando o professor Girafales e a dona Florinda se viam é trilha original do seriado, tá na hora de saber de onde veio. A música tema da personagem Scarlett O'Hara (Vivien Leigh) é quase tão icônica quando a heroína, uma das mais queridas figuras de todo o cinema. Scarlett é filha de um rico fazendeiro da Geórgia que vê seu mundo virar ao avesso com o início da Guerra Civil (Guerra de Secessão). A moça, que tinha dezenas de admiradores aos seus pés e era apaixonada por Ashley Wilkes vê seus fãs irem para a guerra e seu amado se casar e também ir para a luta. Ao longo de quatro horas de filme, vemos as mudanças de Scarlett: de rica à pobre, de dondoca a mulher forte; de ingênua a ser capaz de matar para proteger a si e a sua família -versatilidade mostrada graças ao enorme talento de Vivien Leigh, que fez dessa uma das maiores atuações vencedoras de Oscar. Do outro lado da história, o cafajeste Rhett Butler (Clark Gable) apaixonado por Scarlett e que tem um enorme coração por trás da cara de canalha, que luta pelo coração da jovem, teimosa e ambiciosa O'Hara. Uma dupla que o mundo vê e ama há mais de setenta anos.
Nota: 9,5/ 10

Luís F. Passos

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

A Noite dos Desesperados - circo de desesperança

Muitos são os filmes que focam o período da Grande Depressão, ou das consequências diretas deste. Ao longo de toda sua história, o cinema americano ocasionalmente coloca este momento de crise como foco de suas tramas. Nos períodos que sucederam a depressão, décadas de 30 e, sobretudo, de 40, o tema era bem recorrente em diversas formas. Farrapo Humano se dispôs a falar sobre o problema dos alcoólatras pós-crise. Vinhas da Ira mostrou a questão da migração de pobres proprietários rurais que, além de terem a crise econômica, passaram por uma das maiores secas da história do país, sendo esses apenas alguns exemplos mais importantes.
Sabemos muito bem dos casos de pessoas que se suicidavam, que migravam, que partiam para tentar a vida em Hollywood, que se viciavam em bebidas e que se marginalizavam das mais diversas formas. Na verdade, no período todos estavam desesperados para se manter vivos, ou pelo menos continuar com a ideia estúpida de sonho americano. Era um período em que muitos se disponham às mais diversas atividades possíveis. Desde trabalho semiescravo às populares maratonas de dança. Sim. Maratonas de dança. Competições em que centenas de casais deveriam dançar, quase que ininterruptamente, até que restasse apenas um em pé no salão.
Parece simples, mas estas competições não duravam horas, mas sim semanas. Há relatos de maratonas que duraram mais de um mês. Um mês de pessoas dançando, quase sem parar, em busca de um prêmio qualquer e sendo alvo de uma das formas de entretenimento mais disfarçadamente sádicas que eu conheça. Afinal, enquanto os casais se exauriam na pista de dança, havia todo um fiel público pagante disposto a divertir-se à custa do sofrimento e da humilhação alheios.
É neste cenário relativamente esquecido que A noite dos desesperados (They shoot horses, don’t they?, 1969) se desenvolve. No filme, temos Gloria e Robert, um casal que na verdade não era um casal. Apenas duas pessoas que se encontram no momento da inscrição na competição. Ambos não têm qualquer perspectiva de vida. Gloria (Jane Fonda), a verdadeira protagonista da trama, é uma personagem consideravelmente enigmática. Não se sabe muita coisa sobre seu passado, mas seu temperamento e suas atitudes nos levam sempre a encará-la como uma pessoa que não está mais apenas cansada. Está em estafa por uma vida totalmente desperdiçada de sonhos frustrados e pobreza. A última esperança de Gloria, e sua cartada final, é justamente vencer a competição de dança. Desta forma, ela persevera com todas as armas que possui em busca de seu objetivo final. Não é uma personagem carismática – seu passado desconhecido a tornou rude demais para tal – mas em qualquer momento se apresenta como uma vítima. Até nos momentos de fraqueza é capaz de denotar uma força surpreendente.
Bom, de qualquer forma, o que Gloria descobre, e que nós sabemos muito bem, é que sonhos são difíceis de realizar. Vivemos num mundo muito cruel. Todo o sofrimento, o cansaço e as humilhações daquelas pessoas em prol do entretenimento de um público nem tão mais privilegiado assim não são muito diferente da vida de tantos outros aí espalhados pelo mundo, seja em temos de depressão ou não. É interessante também analisar a curiosidade mórbida dos espectadores. A impressão que dá é que assistir o sofrimento alheio é só uma forma de disfarçar um pouco a seu próprio.
Apesar de seus mais de 40 anos, A noite dos desesperados continua sendo um filme muito forte, muito inteligente e com um caráter quase documental. Um bom registro de uma época, mas também uma boa análise sobre o comportamento humano em si. A direção é assinada por Sidney Pollack (diretor de A escolha de Sofia, entre outros) e dentre as atuações se destacam a de Gig Young (vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante) que interpreta o anfitrião do “circo”, Susannah York (indicada ao Oscar de melhor atriz coadjuvante) que vive uma das personagens mais decadentes de todas, Michael Sarrazin cujo Robert é uma das personagens mais empáticas e, obviamente, Jane Fonda. Um dos melhores papéis de sua carreira, uma personagem muito complexa e muito interessante. Atuação merecedora do Oscar de melhor atriz (ao qual foi apenas indicada). Só pra constar, A noite dos desesperados só não é o melhor filme de seu ano por causa de Perdidos na noite.
Obs: o título original, They shoot horses, don’t they?, parece muito estranho, mas na verdade é genial. Para entendê-lo, é só ver o filme.

Nota: 10


Leia também: Vinhas da Ira

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Filmes pro final de semana - 29/11

1. Argo (2012)
O último vencedor do Oscar de melhor filme é uma grande produção muito bacana de se ver e que talvez tenha ganhado merecidamente suas estatuetas de filme, roteiro adaptado, entre outras - e muitos dizem que também merecia a de direção. Mas a meu ver, Argo não resistirá ao tempo, pois é mais um filme muito bom entre outros tantos muito bons. O que não tira nenhum de seus méritos, afinal a história da crise diplomática entre Irã e Estados Unidos que culminou na invasão da embaixada americana, prisão de muitos cidadãos e fuga de alguns diplomatas para a embaixada canadense foi algo impressionante, e tudo foi história real. A partir de um plano um tanto mirabolante do agente da CIA Tony Mendez (Ben Affleck), surge esperança para os diplomatas deixarem o país: Mendez vai para o Irã disfarçado de diretor de cinema após a agência criar em Hollywood uma pequena produtora ficíticia e elaborar o roteiro de um filme de ficção científica chamado Argo, que seria rodado no país dos aiatolás. E durante o filme fica aquela tensão constante, mas as coisas são meio previsíveis. Alguém além de mim preferia Django livre ou Amor?
Nota: 8,5/ 10
2. Harry Potter e a Pedra Filosofal (Harry Potter and the Philosopher's Stone, 2001)
Uma vez eu e um grupo de amigos discutíamos qual o melhor dos oito filmes da saga Harry Potter - pra mim é o sétimo - até que um deles lançou um argumento incontestável: "o melhor foi o primeiro; éramos pequenos e ficamos impressionados com tudo o que vemos no cinema". E não só os espectadores, como também as personagens mirins se impressionavam com tudo. Afinal, é aqui que tudo começa. Pra relembrar ou pra quem nunca viu: Harry Potter (Daniel Radcliffe) é um menino órfão que mora com os tios sofrendo pelo desprezo destes e pelos maus tratos do primo Duda. Prestes a completar 11 anos, Harry descobre que é um bruxo e que seus pais não haviam morrido num acidente de carro, e sim enfrentando o mais poderoso bruxo das trevas de todos os tempos, Lord Voldemort. Harry se vê então num mundo cheio de mistérios e aventuras em que ele e sua cicatriz em forma de raio são famosos; um mundo em que conhecerá seus maiores amigos, Rony Weasley (Rupert Grint) e Hermione Granger (Emma Watson), além do bruxo considerado o maior de sua geração: Alvo Dumbledore (RIchard Harris), diretor da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. E claro, muitos perigos vão rondar a vida do garoto, desde que chega à escola, incluindo aquele que há tantos anos mudou tanto sua vida.
Nota: 8,0/ 10
3. Seven - os sete crimes capitais (Se7en, 1995)
Com Brad Pitt no elenco, David Fincher fez um dos melhores (senão o melhor) filmes da década de 90, Clube da luta. Alguns anos antes, também com Pitt, Fincher emplacou um de seus primeiros grandes sucessos: Seven. Pitt é David Mills, jovem e impulsivo policial que assume o cargo de detetive no lugar do experiente e culto William Somerset (Morgan Freeman), que está prestes a se aposentar. Um misterioso e cruel assassinato chama atenção da polícia e faz Somerset adiar um pouco sua aposentadoria e trabalhar em conjunto com seu sucessor. A partir de informações deixadas pelo próprio assassino e do imenso conhecimento de Somerset, é revelada a macabra trama da história, ao mesmo tempo em que o criminoso deixa outras vítimas - todas ligadas aos pecados capitais. Em meio a um clima de sujeira e depravação, Fincher conduz o filme a um final quase tão surpreendente quanto do filme que lançaria quatro anos depois - e por isso eu digo, esse é um filme que você tem obrigação de ver.
Nota: 9,0/ 10
4. Curtindo a vida adoidado (Ferris Bueller's Day Off, 1986)
Um dos mais queridos filmes repetidamente exibidos na Sessão da tarde tem fãs tão fieis que continua a ser adorado quase trinta anos depois. Ferris Bueller (Matthew Broderick) se tornou o maior símbolo de uma geração que foi adolescente enquanto o mundo estava relativamente tranquilo (fim da Guerra Fria) e que sentia que precisava sair da rotina, de preferência em alto estilo. E foi o que Ferris fez: faltou a uma prova, chamou sua namorada e seu melhor amigo e foi dar uma volta em Chicago na Ferrari do pai do último. Em um só dia, Ferris faz coisas que a maioria das pessoas não consegue fazer durante toda a vida, mostradas em cenas engraçadíssimas e que não saem do imaginário popular, especialmente a sua participação numa parada alemã, subindo num carro alegórico e cantando Twist and shout dos Beatles. Que atire a primeira pedra aquele que nunca quis imitar o ídolo Ferris.
Nota: 10
5. Annie Hall (1977)
Seems like old times... being here with you. A música cantada por Diane Keaton duas vezes no filme transmite muito sobre o relacionamento no qual Annie Hall é centrado. Keaton é Annie, descontraída, sem rumos traçados pra sua vida, vive fazendo bicos como fotógrafa e cantora em bares, que conhece o comediante Alvy Singer (Woody Allen), um nova-iorquino judeu neurótico, metódico, meio hipocondríaco e chato, apesar de carismático. Os dois se apaixonam e engatam um namoro que logo no início do filme sabemos que não dá certo. Woody Allen conta a história do casal de forma inovadora, alternando momentos do início da relação com momentos de crise ou do cotidiano deles enquanto viviam juntos - fora muitas outras inovações que deram novo fôlego ao gênero da comédia romântica e o Oscar de direção para Woody. É quase uma unanimidade de que este é o melhor filme do diretor, que aqui traçou o esboço de muitos de seus filmes subsequentes, e diferente dos anteriores que eram mais próximos à comédia pastelão; e não é difícil ver que Annie Hall supera até mesmo outros grandes filmes como Manhattan e Hannah e suas irmãs. A naturalidade com que tudo é passado ao espectador e o tema do longa - afinal, Annie é antes de tudo um filme sobre o amor - fazem dele uma fonte inesgotável de satisfação, tornando impossível querer ver uma só vez.
Nota: 10

Luís F. Passos

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Filmes pro final de semana - 22/11

1. Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds, 2009)
Na França ocupada pelos nazistas, um pequeno pelotão americano formado apenas por judeus e comandado pelo tenente Aldo "o Apache" (Pitt) desembarca com um único objetivo: matar nazistas. O terror espalhado pelos Bastardos Inglórios se espalha pelas fileiras alemãs e chega ao próprio Hitler. Paralelamente, há uma jovem dona de cinema (Mélanie) que anos antes viu sua família ser morta pelo genial e sádico coronel da SS Hans Landa (Waltz), que tem a chance de vingar seus parentes e todos os judeus mortos pelos nazistas. Utilizando a violência típica de seus filmes, enchendo a tela de sangue e fazendo referências cinematográficas e à  cultura pop, Tarantino cria uma história que é considerada por muitos a melhor dos anos 2000. O roteiro é excelente, envolvente e divertido; e também merece toda a glória Christoph Waltz, até então um desconhecido ator austríaco, que levou o Oscar de melhor ator coadjuvante pelo maravilhoso trabalho como Hans Landa. Bingo! (entendedores entenderão).
Nota: 9,5/ 10
2. Match Point (2005)

No fim dos anos 90 Woody Allen entrou numa fase negativa de sua carreira; seu último filme de muito boa qualidade fora Desconstruindo Harry (1997) e no início dos anos 2000 fez alguns de seus filmes menos queridos, como O Escorpião de Jade (2001). Em 2005 o grande diretor volta com tudo dirigindo uma trama tensa e sexy (não há palavra melhor para descrever o filme) que se passa em Londres, em meio à aristocracia britânica. Chris Wilton (Jonathan R. Meyers) é um ex-jogador de tênis que passa a dar aulas em um clube de alto padrão, e logo conquista a amizade de um de seus alunos, Tom Hewitt (Matthew Goode), que o leva para conhecer sua família. A irmã de Tom, Chloe, se encanta pelo professor, mas foi a noiva dele que chamou a atenção de Chris. Nola Rice (Scarlett Johanson) é uma aspirante a atriz com atributos físicos de deixar qualquer um doido. Mesmo começando a namorar Chloe e consequentemente sendo cunhado de Tom, Chris se aproxima de Nora e os dois começam um caso. A tensão sexual que existe entre o casal de protagonistas é impressionante e alimenta o clima de suspense que tomará conta do filme no final; não um suspense a la Hitchcock, mas uma questão mais profunda ao estilo de Crime e castigo.
Nota: 8,5/ 10
3. Cassino (1995)
Cinco anos depois do enorme sucesso de Os bons companheiros , Robert De Niro e Joe Pesci se reencontram sob a direção de Martin Scorsese para fazer aquele que é por muitos considerado como a continuação do filme de 1990: Cassino. De Niro interpreta Sam, jogador profissional que cresceu próximo a jogos de azar e todo o tipo de apostas, e é um dos melhores na sua área. Devido a sua reputação, é contratado por mafiosos de Las Vegas para gerir um grande cassino. Pouco tempo depois de se instalar em seu novo emprego, chama seu velho amigo Nicky (Pesci) para ajudá-lo com a segurança. Nicky é muito parecido com Tommy, personagem de Pesci em Goodfellas: muito esquentado e violento. Os negócios prosperam bastante para a dupla, que se estabelece de vez na cidade; fulano monta uma rede de restaurantes (além de ter uma quadrilha de ladrões sob suas ordens) e Jimmy constrói uma família ao lado da ex-prostituta Ginger (Sharon Stone) – figura que aparece para desestabilizar os negócios e a amizade de longa data de Sam e Nicky. Mais um exemplo da primorosa direção de Scorsese, que consegue fazer com que as 2h45 de Cassino passem rápido e deixem um gosto de quero mais.
Nota: 8,5/ 10
4. A primeira noite de um homem (The graduate, 1967)
Um grande ritual de passagem, The Graduate explora os caminhos confusos de um jovem pela sua transição entre a juventude descompromissada e os direitos e deveres de sua vida adulta. Na figura de Benjamin (Dustin Hoffman) todas as fobias juvenis sobre incerteza do futuro, apreensões sexuais, dúvidas amorosas e inexperiência de vida estão personificadas. A graduação a qual o título se refere não se limita apenas ao simples ato de adquirir um diploma universitário, mas ao amadurecimento (da personagem e do cinema americano também). Tornar-se um homem aprendendo com os erros e lidando com responsabilidades. Aliado a isso, The Graduate ainda se dispõe a compor um dos triângulos amorosos mais absurdamente interessantes do cinema, afinal, Benjamin ama a jovem e bela Elaine (Katharine Ross), mas encontra-se nas garras da sexualmente dominadora Sra. Robinson (Anne Bancroft), mãe da garota, com quem manteve um caso amoroso. O amor, aliás, é bem explorado pelo filme, mas já não é construído de uma maneira idealizada ou artificialmente romântica. Não existe essa história de felizes para sempre. Sua temática controversa e de teor polêmico nitidamente foi um choque para a sociedade de 1967, mas seu impacto o tornou um dos filmes mais importantes da indústria e o eternizou como um dos propulsores da revolução cinematográfica dos anos 70. Isso sem esquecer a trilha sonora brilhante liderada por The Sound of Silence de Simon and Garfunkel, que pontua todas as dúvidas e os sentimentos do confuso e empático Benjamin.
Nota: 9,5/ 10
 5. Crepúsculo dos deuses (Sunset boulevard, 1950)
“Eu sou grande. Os filmes é que ficaram pequenos”. A meu ver, não há duvidas de que este aqui é o melhor filme de Billy Wilder. Crepúsculo dos deuses é uma grande crítica à própria indústria do cinema e do entretenimento, um mundo que pode num momento elevar uma pessoa ao céu e, em questão de minutos, lançá-lo no total ostracismo quando não lhes é mais conveniente. É isso que ocorre com a Norma Desmond interpretada por Gloria Swanson. Uma musa do cinema mudo largada no esquecimento após o advento do cinema falado e que sofre com sua loucura e suas obsessões ao mesmo tempo em que alimenta fantasias megalomaníacas de uma volta ao estrelato que jamais ocorrerá. O roteiro de Wilder é fantástico. A forma como amarra as diferentes circunstâncias que culminam para o grande final, que é revelado já no início do filme, é de uma inteligência incrível. O filme é ácido, maldoso e as coisas se desenrolam de uma maneira ironicamente cruel para todas as personagens. Wilder não se importa de vê-las sofrer e as castiga pelos seus erros. Com certeza, este é também um dos melhores filmes não vencedores do Oscar de melhor filme, mas nem em 1951 nem em qualquer outro ano sua vitória ocorreria. Afinal, é uma produção metonímica crítica e mordaz demais para que os votantes dêem o braço a torcer e o consagrem dessa maneira. Bom, isso não importa. O que importa é que este é um dos melhores filmes de todos os tempos, e isso já é consagração mais que suficiente.
Nota: 10

Lucas Moura e Luís F. Passos

domingo, 17 de novembro de 2013

Os Infiltrados - o reencontro de Scorsese com a máfia

Duas figuras simétricas, mas de lados opostos do espelho. Assim são os policiais recém-formados Billy Costigan (Leonardo DiCaprio) e Colin Sullivan (Matt Damon). Billy vem de uma família com uma extensa ficha criminal, sendo seu pai o único honesto da árvore genealógica, entra na polícia por idealismo e logo de cara recebe a difícil missão de trabalhar infiltrado na máfia irlandesa que tanto trabalho dava à polícia de Boston. Paralelamente, Colin tem uma ficha nada suspeita que encobre sua relação de longa data com Frank Costello (Jack Nicholson), o todo poderoso do crime na cidade, o qual encarrega o pupilo de ser seus olhos e ouvidos dentro da corporação.
Logo de início os dois são bem sucedidos. Colin, com a ajuda de sorte, sagacidade e dicas de Costello apresenta uma carreira meteórica, passando de detetive a segundo sargento e contando com o apoio e admiração de seu superior, tenente Ellerby (Alec Baldwin). Billy, no submundo, usa um primo traficante e a reputação de ex-policial e ex-detento para se aproximar de French, homem próximo a Costello, e consequentemente do chefão. Fingindo ser explosivo e impetuoso, Billy ganha a confiança do novo chefe; o problema era toda a pressão da missão. Sem sua identidade verdadeira e se relacionando apenas com os superiores capitão Queenan (Martin Sheen) sargento Dignan (Mark Wahlberg) vai acumulando o estresse a tensão diante do medo de ser descoberto e morto. Quem o ajuda é a psiquiatra Madolyn (Vera Farmiga), responsável por acompanhar ex-detentos e esposa de Colin.
Os infiltrados  (The departed, 2006) se mostra como o melhor filme de Scorsese em mais de dez anos, justamente por ser a volta do diretor ao tema no qual ele praticamente não tem rivais: o crime organizado. Seu último trabalho com esse tema fora Cassino, onze anos antes, estrelado por seus amigos e parceiros de longa data Robert De Niro e Joe Pesci. Essa retomada se mostra muito bem pensada, já que os dois filmes anteriores, Gangues de Nova York (2002) e O Aviador (2004) não são do quilate que os fãs de Scorsese estão acostumados. Além disso, a tensão de Os infiltrados é o ambiente propício para que DiCaprio, atual preferido do diretor, ponha em cena todo seu potencial, assim como no filme de 2004, considerado por muitos seu melhor trabalho.. A ação e a violência presentes aqui remete a grandes filmes como Os bons companheiros (1990), com o acréscimo do suspense crescente que dispara a partir do momento em que tanto Costello quanto o tenente Ellerby passam a suspeitar de terem infiltrados entre seus homens - tensão maior ainda para a personagem de DiCaprio, cuja vida fica ainda mais vulnerável com a chance de ter sua identidade revelada.
A dedicação do elenco a suas personagens é impressionante, de um jeito que até mesmo Mark Wahlberg merece ser aplaudido. Mas ninguém merecia mais receber os créditos do que Scorsese, se reinventando ao mesmo tempo em que voltava para um terreno conhecido. E foi nesse ano que finalmente a Academia reconheceu seu talento e lhe concedeu o Oscar de melhor diretor, num clima de pedido de desculpas pelas injustiças cometidas antes e com uma imensa comemoração entre o meio artístico, que incluiu Coppola, Spielberg e George Lucas para anunciar a vitória. Quem não teve a mesma sorte foi DiCaprio, mais uma vez esnobado pela Academia, apesar de fazer aqui uma de suas maiores atuações, marcada por alternância de desejos de sobrevivência e autodestruição, talvez apenas por ser muito jovem e muito solitário.

Nota: 9,0/ 10

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Luís F. Passos