segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Sangue Negro - mais denso que petróleo


Queria iniciar essa postagem com um pedido: mundo, valorize mais Paul Thomas Anderson (PTA para os íntimos).  Apesar de ser um nome querido entre os críticos e um seleto grupo de fãs cinéfilos, o diretor não tem uma popularidade tão expressiva quanto deveria ter. Seus trabalhos são uma sequência de filmes incríveis, que seguem um padrão constante de qualidade com pequenas variações entre muito bons e excelentes. Na pequena lista do diretor, figuram nomes como Boogie Nights, Magnólia, Embriagado de amor, Sangue negro e O Mestre. Todos eles grandes trabalhos, mas nenhum com a popularidade merecida. Bom, é fato que as grandes massas de um modo geral não costumam ter um olhar muito aguçado pra esse tipo de coisa, mas para aqueles que se acham “Cult” só por terem visto Encontros e desencontros e aqueles que não param de falar que não há nada no cinema atual de qualidade só por terem assistido a trilogia Godfather e se configuram como os cinéfilos mais irritantes que existem, sugiro ver um filme de PTA. Qualquer um deles denota qualidades técnica e artística impecáveis e são uma prova contundente de que o cinema pode até não estar nos seus melhores dias, mas também não está morto – não só de Bergman vive o homem.
Bom, deixando as divagações de lado, vamos nos focar no trabalho de PTA. Dentre todos seus filmes excepcionais um consegue se destacar, impondo presença como um potencial clássico americano dos anos 2000. Este filme é Sangue Negro (There will be blood, 2007), uma produção impecável.
O cinema americano vem trabalhando muito com a temática da crise e do ciclo vicioso de violência e destruição imposto pelo petróleo e todo o dinheiro e política envolvidos desde sua retirada até sua comercialização. Vários são os filmes que esbarram direta ou indiretamente nesta problemática (queria deixar como destaque o filme Syriana de 2005). Fugindo do convencional, PTA baseia sua história no início do século XX, quando o comércio do petróleo começava a se difundir e o ouro negro firmava-se cada vez mais como a maneira mais eficaz de alcançar poder e sucesso. No centro de tudo, um homem: Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis). Na base de seu suor e sangue, um homem que conseguiu sair do nada e construir um grande império. O que é verdadeiramente interessante é como PTA constrói essa personagem. Se por um lado Daniel é um gênio dos negócios e um homem que, de um ponto de vista historicamente bem comportado, poderia ser construído como um grande visionário e um homem a frente de seu tempo, PTA prefere o ponto de vista dos bastidores. De tudo que acontece por trás dos panos e de toda a discreta maquinaria envolvida por trás de negócios exclusos de corrupção e destruição. Genial sim, mas ao mesmo tempo um legítimo sociopata que não mede esforços para alcançar seus objetivos e cujo alimento é cobiça e ambição.
Com o rosto lavado de petróleo e a mão suja do sangue de todos que pareceram na perigosa empreitada pelos subsolos pedregosos do meio-oeste americano, Daniel não poupa ninguém, nem a si mesmo, em prol de seu objetivo final de sucesso. Destrói tudo e todos a seu caminho, desde propriedades rurais de pobres coitados a sua própria relação familiar com seu filho. O diretor gosta muito de trabalhar com a figura clássica do anti-herói e seus filmes geralmente são liderados por protagonistas complexos e cheios de defeitos, mas sempre muito empáticos. Por este papel, Daniel Day-Lewis recebeu seu segundo Oscar de melhor ator.
Além da figura emblemática de um homem que por si só representa a agressividade envolvida ao petróleo, Sangue Negro ainda reserva boas doses de críticas a outro elemento bastante polêmico: a igreja. Num segundo plano, tão importante e presente quanto o petróleo, o filme trata da corrupção e da falta de princípios morais que rege a comercialização da fé, mostrando a construção de uma igreja por um pastor de moral extremamente questionável chamado Eli (interpretação marcante de Paul Dano). Para os que se interessam pelo tema e queiram vê-lo retratado de uma forma ainda mais concisa, recomendo O Mestre, do próprio PTA, lançado ano passado nos cinemas.
Desta forma, Sangue Negro consegue ir fundo nas feridas dos EUA, desenvolvendo-se na escória que o próprio país criou com o tempo. Como se não bastasse elenco, direção e roteiro impecáveis, o filme ainda é tecnicamente genial. Os grandes silêncios espalhados entre as sequências de diálogos geralmente não muito longos são preenchidos por imagens vastas do meio-oeste americano com sua beleza árida para filme de John Ford nenhum botar defeito. Ou seja: uma fotografia que já vale por um filme inteiro. Além disso, ainda dá pra acrescentar uma boa edição que impede que o filme longo e às vezes lento torne-se monótono e uma boa trilha sonora, grandiosa como tudo aqui. 

Nota: 10

Leia também: O Mestre

Lucas Moura

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Filmes pro final de semana - 13/09

1. Encontros e desencontros (Lost in translation, 2003)
Em seu segundo filme, Sofia Coppola provou ao mundo que não se firmaria em Hollywood apenas com o poderoso sobrenome, mas com o enorme talento que é comum à família (pai, avô e primo vencedores de Oscar, só pra resumir). Em Encontros e desencontros Sofia une a história de um ator de meia-idade que está em Tóquio para gravar comerciais de uísque (Bill Murray) à de uma bela jovem (Scarlett Johansson) que está na cidade porque seu marido fotógrafo está trabalhando em um filme. Os dois se sentem solitários e, a partir do momento em que estão numa terra tão diferente de seu país de origem, perdidos não só na cultura e língua japonesas como no rumo que a vida tomou - ele, vivendo um casamento de 25 anos que perdeu a força e ela casada com um workaholic que a deixa de lado por causa do trabalho. Filme excelente (para muitos o melhor de Sofia) que foi indicado aos Oscar de melhor filme, direção, ator e roteiro original, este último o único faturado pela jovem e promissora Coppola.
Nota: 9,0/ 10
2. O concerto (Le concert, 2009)
Um dos meus primeiros filmes franceses - e primeiro filme comentado pelo Sagaranando! - foi a comédia francesa de 2009 cujo maior destaque é a presença de Mélanie Laurent, conhecida mundialmente a partir de Bastardos Inglórios. O concerto acompanha a trajetória de Andrei Filipov (Aleksei Gustov), que fora um dos maiores maestros do mundo mas teve sua carreira destruída pelo governo autoritário da URSS, que na época era liderada por Brejnev. A partir de um convite feito por um teatro francês à Orquestra do Bolshoi, Andrei reúne seus antigos amigos, que haviam largado a música, tenta formar uma nova orquestra e parte para Paris se passando pelo verdadeiro Bolshoi. Paralelamente, há a misteriosa relação entre o ex-maestro e a violinista Anne-Marie Jaquet (Mélanie), a número um da Europa - e peça chave para desvendar o misterioso e triste passado de Andrei.
Nota: 8,5/ 10
3. O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969)
Usando elementos da nouvelle vague, do faroeste italiano e de John Ford, entre outros, Glauber Rocha mostra mais uma história de Antônio das Mortes (Maurício do Valle), matador do sertão nordestino. O pistoleiro é contratado por um fazendeiro para matar um certo cangaceiro que aparece na cidade e desafia o poder local com promessas messiânicas para a grande população que vive na miséria. Com muita metalinguagem, Rocha narra de forma muito alegórica a história relativamente simples mas que acaba bastante rebuscada graças à poderosa música, que é um pilar fundamental do filme e se mostra um importante elemento da narração e graças à brilhante direção - digo isso pela fotografia, pela posição das câmeras, pela edição. Através de diversos rituais, o longa se mostra antropofágico (lembre da Semana de 22), um dos fatores que o fez conquistar seletas plateias por todo o mundo, como a do Festival de Cannes, em que foi indicado à Palma de Ouro e saiu vencedor do Prêmio de direção.
Nota: 10

4. O iluminado (The shining, 1980)
Se pegarmos a brilhante carreira de Jack Nicholson e a perfeita carreira de Stanley Kubrick veremos que há um ponto de interseção:  O iluminado, filme de terror baseado no livro homônimo de Stephen King. Na trama Nicholson vive Jack Torrance, professor e escritor que passa por um momento difícil e aceita o emprego de zelador no Hotel Overlook, um refúgio nas Montanhas Rochosas do Colorado que passa o inverno fechado devido ao difícil acesso. Jack leva consigo a mulher Wendy (Shelley Duval mais feia que o cão chupando limão) e o pequeno filho Danny (Danny Lloyd), que aparenta ter poderes psíquicos. No gigantesco hotel, os três ficam sozinhos - será mesmo? Kubrick leva por todo o filme a dúvida do que é loucura e do que é sobrenatural sobre os estranhos acontecimentos que pairam a família, especialmente o pai e o filho. A partir de um roteiro simples, o diretor faz um de seus melhores trabalhos através do jogo de cores, da sensação de estar sempre percorrendo labirintos e da tensão constante que deixa o espectador arrepiado com cenas como a famosa do triciclo no corredor ou faz pular da cadeira com coisas simples como a palavra terça-feira sobre o fundo negro. Uma obra-prima.
Nota: 10
5. O exorcismo de Emily Rose (The exorcism of Emily Rose, 2005)
Pra quem quer aproveitar bem a sexta-feira 13, além do clássico citado acima, tem um dos melhores filmes de terror dos últimos anos. A partir do julgamento do padre Richard Moore (Tom Wilkinson), acusado de omissão e homicídio doloso da jovem Emily Rose (Jennifer Carpenter), vemos através de flashbacks uma história de arrepiar: Emily, jovem católica, começa a sofrer alucinações e acredita estar possuída por demônios, enquanto os médicos afirmam ser um caso raro de associação de esquizofrenia, psicose e epilepsia - mas é claro que o filme não é imparcial e se desloca para o argumento sobrenatural. Emily é aconselhada pelo padre a abandonar o tratamento psiquiátrico e se dedicar a um tratamento religioso conduzido por ele, que tenta realizar um exorcismo. O resultado... só vendo. É um filme muito, muito assustador, muito tenso, que gela fácil o sangue de quem o assiste. E o melhor de tudo: baseado em fatos reais.
Nota: 8/ 10

Leia também: O concerto

Luís F. Passos

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Barbarella – um mix dos anos 60

 Filme que eternizou Jane Fonda como sex symbol e ajudou a alavancar sua carreira já relativamente estável (que já se iniciou relativamente estável pelo simples fato de ser filha de Henry Fonda), Barbarella (1968) é uma grande reunião de muito do que ocorria na esfera cultural e social no mundo nos últimos anos da década de 60.
Navegante espacial, a sexy Barbarella é recrutada pelo presidente da República da Terra para caçar e trazer de volta um louco cientista, chamado Duran Duran, há muito tempo perdido pelos confins do universo, que é um homem perigoso que desenvolveu uma arma letal. Afinal, tratando-se do futuro fictício em que a história se desenvolve, a violência já estava abolida há séculos da civilização terráquea – bem utópica essa ideia, não?
Barbarella sai em sua busca e no meio do caminho encontra com vários tipos estranhos. Alguns dispostos a ajudar, como o anjo Pygar, e outros no maior estilo tradicional de vilão, como a Grande Tirana, governante do perdido planeta em que Barbarella é levada em sua busca por Duran Duran. Um planeta que segue regras e costumes estranhos e malignos, sendo regido pelo chamado mathmos. O mathmos é uma substância líquida composta de energia vital que se alimenta de pensamentos negativos. Em termos terráqueos, o mathmos representaria a materialização do que conhecemos como “mal” – que viagem.
O enredo plenamente fantasioso de Barbarella deixa brecha para que o filme transcorra metaforicamente sobre muitos pontos culturais dos anos 60. O primeiro deles diz respeito à própria protagonista. Afinal, a simples escolha de uma mulher para liderar uma ficção científica que denota muita coragem, liderança e determinação de sua protagonista é uma forma muito direta de mostrar todo o poder da onda feminista vigente na época, sobretudo pela escalação de Jane Fonda como protagonista. Jane, como muitos sabem, foi e ainda é uma grande defensora dos diretos humanos, atuando avidamente em prol da igualdade entre os sexos, as raças, as diferentes crenças religiosas e as diferentes opções sexuais (uma grande mulher).
Outro aspecto patente é o da sexualidade. É um filme muito sexualizado. A figura de Barbarella com seus figurinos ousados e muito rebeldes para a época tornam este um filme propositalmente erotizado. A forma de retratar o sexo e de falar sobre o tema já se mostra diferente. Nada de tabu, uma proposta a maior liberdade sexual e uma participação ativa das mulheres neste aspecto, visto que o cinema clássico as mostrava muito passivas neste sentido. Não só o sexo é preconizado em Barbarella, como também o amor. O amor pelo próximo, pela vida, pelo corpo e pela paz de espírito. De uma forma divertida, é como se tivessem transportado a filosofia de Woodstock (inclui algumas insinuações a uso de drogas) para a nave cor-de-rosa com paredes internas revestidas de pele em que a heroína viaja pelas galáxias.
O fato de ela ser uma viajante espacial também pode ser diretamente interligado ao contexto histórico da época. Em tempos de corrida espacial, o homem voltava seus olhos para o espaço. Uma nova fronteira havia sido determinada e um novo foco para o cinema estava sendo traçado.
Isso é Barbarella. Não é um filme fantástico, mas é uma obra consideravelmente curiosa que abre espaço para uma boa contextualização de uma época muito particular de efervescência no mundo. Pop, divertido, sensual, ousado, moderno e corajoso. Além de tudo isso, ainda conta com uma Jane Fonda no auge de sua beleza e abre o caminho para uma sequência invejável de grandes trabalhos da atriz, que incluem filmes sérios como A noite dos desesperados, Klute – o passado condena e Amargo regresso. Cinéfilos, podem ver sem medo. Barbarella psicodélica sabe deixar sua marca. 

Nota: 7/10

Lucas Moura

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Filmes pro final de semana - 06/09

1. Orgulho e preconceito (Pride and prejudice, 2005)
Uma das melhores e mais queridas adaptações para o cinema de clássicos literários, Orgulho e preconceito traz a linda Keira Knightley como a jovem Elizabeth Bennet, uma das poucas cabeças sensatas em meio a uma família de cinco irmãs do interior da Inglaterra. Diferente dela e de sua irmã mais velha, Jane, as três mais novas são desmioladas que só pensam em casar, graças à influência de sua mãe. O que muda o destino das irmãs Bennet é a chegada do rico sr. Bingley à cidade, acompanhado de suas irmãs e do antipático sr Darcy (Matthew Mcfadyen). Enquanto a relação de Jane e Bingley promete seguir um belo caminho, a de Elizabeth e Darcy é cheia de discussões. Mas nada que um enredo não possa mudar.
Nota: 9,0/ 10
2. Desconstruindo Harry (Desconstricting Harry, 1997)
Woody Allen tem uma vasta obra, repleta de filmes excelentes e bem conhecidos como Annie Hall, Manhattan e Hannah e suas irmãs, e também outros não tão bons e conhecidos, mas também ótimos filmes meio desconhecidos - é o caso de Desconstruindo Harry. Seguindo um pouco o estilo de Bergman e Fellini, Woody vive Harry, escritor que passa por uma crise criativa, e nessa época é homenageado pela universidade em que estudou e foi expulso. Sem ter ninguém para acompanhá-lo, Harry leva consigo um amigo doente, uma prostituta e o filho que teve com uma de suas ex-esposas. Ao longo do filme vemos como Harry levou para sua obra pequenos problemas e episódios de sua vida, inclusive transformando amigos e parentes em personagens problemáticas, o que causou o afastamento de muitos deles.  Engraçado do começo ao fim, conta ainda com a participação de Billy Cristal, Mariel Hemingway, Tobey Maguire, entre outros.
Nota:  9/ 10
3. Último tango em Paris (Ultimo tango a Parigi, 1972)
Com certeza você já deve ter visto/ ouvido alguma piada sobre Marlon Brando e manteiga. O porquê vem do filme de 1972 de Bernardo Bertolucci, imaginado a partir de fantasias sexuais do polêmico diretor. Muito sucintamente, Marlon Brando interpreta um americano de meia-idade que vive em Paris e passa a se encontrar com uma jovem (Maria Schneider) num apartamento e eles passam a manter um estranho relacionamento baseado em sexo e com o mínimo de contato que não seja sexual: eles não sabiam o nome um do outro, nem profissão, endereço, nada. Uma sequência de diálogos e cenas tensas, como as famosas cenas de sodomia por parte da personagem de Brando, mas que apesar da polêmica foi sucesso mundial, apesar de ser censurado em vários países.
Nota: 8/ 10
4. Ferrugem e osso (De rouille et d'os, 2012) 
Mais uma afirmação da grande qualidade do cinema francês, Ferrugem e Osso pode ser caracterizado simplesmente como uma história de superação. No entanto, não espere nada de emocionalmente apelativo. Este é um filme muito seco e muito direto em sua proposta. Nada de romantismo, apenas a frieza da realidade. As duas personagens em questão devem passar por profundas mudanças, mas nunca soam emocionalmente manipulativas. O envolvimento que temos com o filme é garantido graças a estranha empatia criada pelas personagens e, principalmente, ao talento indiscutível dos atores, tendo Marion Cotillard como o grande nome da produção – e também a segunda melhor atuação feminina do ano passado (perdendo apenas para Naomi Watts em O impossível).
Nota: 10

5. A outra história americana (American History X, 1997) 
Um filme muito audacioso, A outra história americana explora a questão da intolerância patente na sociedade moderna. Afinal, centra-se seu foco num violento grupo de jovens neonazistas com aspirações de grandiosidade que baseiam todas suas atitudes em um ódio que lhes parece justificável, mas que de forma alguma pode soar aceitável. O filme é contado pela visão do irmão mais novo e do endeusamento que este faz pelo irmão mais velho (Edward Norton em seu melhor papel), que de figura emblemática do submundo neonazista da Califórnia passa ao que poderíamos chamar de bom moço. Um filme intenso e interessante, inclusive em termos técnicos. Uma grande marco do cinema americano dos anos 90.
Nota: 9,5/ 10 


Lucas Moura e Luis F. Passos

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças - would you erase me?

Um dos fatores que leva um filme a se tornar popular é a abrangência de seu tema, e nesse quesito poucas coisas se destacam mais que o amor. Isso é, se houver algo mais abrangente que o amor. E falando de amor, consequentemente a gente acaba falando em desilusão. Quem nunca sofreu uma, é porque nunca amou. E é abordando desilusões amorosas que Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004) se tornou um dos mais cultuados filmes da década passada.
Surpreendendo meio mundo por fazer um filme dramático, Jim Carrey vive Joel, um sujeito tímido e reservado que conhece uma garota muito diferente dele chamada Clementine (Kate Winslet), impulsiva e brincalhona. Os dois começam a namorar e se apegam um ao outro rapidamente, até o dia em que Joel descobre que Clementine fizera um tratamento para removê-lo de sua mente. Conturbado e incapaz de aceitar que o amor dela se acabara, Joel decide se submeter ao mesmo tratamento para esquecê-la. Mas em meio ao processo, quando revivia cada momento com a namorada, ele descobre que tão doloroso quanto lembrar dela e da mágoa consequente, também é apagar da mente todos os bons momentos vividos com ela. Joel então tenta desesperadamente esconder Clementine em lembranças de sua infância e adolescência que ele reprimira, quase todos momentos constrangedores. À medida em que percorre o labirinto de sua mente, só aumenta a certeza de que junto da amada ou não, ele precisa que ela exista.
O roteiro complexo de se explicar mas que é fácil de entender ao assistir é mérito de Charlie Kaufman, roteirista de filmes como Quero ser John Malkovich e especialista em passear pelas confusas cabeças de seus protagonistas. A qualidade do roteiro (associado à ótima direção, claro) nos fazem ignorar o absurdo da ideia de deletar pensamentos e focarmos em Joel e nas redescobertas que ele faz de si mesmo em cada situação do passado que tenta esconder Clementine. Ou seja, nada de ficção científica. Brilho eterno é um filme sobre o amor, romântico, surpreendente, divertido e com um apelo psicanalítico que exalta o valor do sentimento (independente de ser alegria ou tristeza) sobre uma vida vazia a base de pílulas. É necessário amor, ódio, ressentimento, saudade e arrependimento. É necessário tudo, menos esquecer. Por mais tentadora que seja a ideia de se livrar da decepção e das mágoas, é preciso guardar as lembranças, pelo menos por aquilo que foi bom. E já dizia o açougueiro da esquina, o que não mata fortalece.

Obs:
1. Brilho eterno faturou o Oscar de melhor roteiro original, muito merecidamente, e para muitos, deveria levar também o de melhor filme, prêmio para o qual ele nem foi indicado.
2. Outro trunfo do filme é o elenco: seis nomes de muito peso. Jim Carrey e Kate Winslet fazem um trabalho incrível, ambos fora das áreas que costumam atuar - mas quem percebe? Ficaram perfeitos e muito bem entrosados. Além deles, estrelam o filme Kirsten Dunst, Elijah Wood, Tom Wilkinson e Mark Rufallo.
3. Texto pequeno pra um filme tão bom, eu sei. Mas quis evitar spoiler, e também acho que cada pessoa que assista ao filme pode tirar algumas conclusões sobre ele. As que descrevi acima são as mais gerais, às que todo mundo chega. Quem quiser compartilhar conosco suas opiniões, sinta-se a vontade para comentar.

Nota: 10

Luís F. Passos