domingo, 31 de dezembro de 2017

Sobre 2017, seus altos e baixos e alguns filmes

Vou começar este texto de fim de ano com sinceridade: eu não sei sobre o que escrever. Não assisti a Retrospectiva 2017 da Globo, minha memória anda ruim, então eu espero que à medida em que escrevo, vá lembrando de coisas importantes desse ano de muitas emoções. Muitas. De todos os tipos.
Conforme esperado, a crise político-financeira de nosso País piorou. Piorou muito. Maldito seja Tiririca e seu "pior do que tá não fica". O que já era errado ficou nojento de tão escancarado, explícito e sem vergonha nenhuma. Assistimos perplexos à delação dos Irmãosley - Wesley e Joesley - Batista, mostrando até onde chegava a corrupção do governo Temer e de seus principais aliados. Malas de dinheiro destinadas ao mais alto escalão do executivo, do legislativo e a crápulas já presos, como o embuste-mor da República, Eduardo Cunha, que estaria recebendo milhões da JBS para manter a boca fechada e não delatar o ninho de cobras de Brasília. Enquanto o povo esperava que alguém voasse, a única coisa que voou foi o dinheiro público, já que centenas de deputados foram comprados duas vezes para impedir a autorização da investigação do presidente e de alguns de seus ministros pelo Supremo Tribunal Federal. Relembrando áudios de Sérgio Machado gravados no ano passado, onde ele dizia que "o primeiro a ser comido" seria Aécio Neves, não foi bem assim que a coisa aconteceu. O senador, gravado pedindo 2 milhões de reais e afirmando que quem deveria buscar o dinheiro era alguém que fosse morto antes de fazer delação, teve o mandato suspenso mas foi posteriormente absolvido por seus pares do Senado.
Aproveitando o tema STF... quanta decepção. Claro que a gente só podia lembrar do "grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo" ao ver ministros da suprema corte livrando tão facilmente algumas das piores caras de nossa política. Merece destaque aquele que teve tantos jantares particulares com Temer, que recentemente soltou ex-governadores do RJ e que levou um belo chega-pra-lá do ministro Barroso, que categoricamente afirmou que seu colega tem "parceria com a leniência em relação à criminalidade do colarinho branco". Além disso, o Supremo fez o favor de liberar ensino religioso no Brasil, e de uma forma que não garante que várias religiões sejam debatidas, como seria mais correto; podemos afirmar que será uma imposição de cristianismo. Vá embora de vez, estado laico.
Pois é, gente. Apanhamos, e a porrada veio de todos os lados. Corrupção, piora dos serviços públicos, aumento abusivo de impostos, enquanto isenções eram concedidas a grandes empresas - o que falar de 1 trilhão em isenção ao longo de 25 anos pras exploradoras do pré-sal? Ao mesmo tempo, o gás de cozinha ficou cada vez mais caro, prejudicando principalmente os mais pobres. Que seja lembrado o caso de um senhor em Pernambuco que comprou um botijão em um vendedor clandestino para não pagar tão caro, mas houve um vazamento seguido de explosão que matou três pessoas e feriu os demais moradores na residência. Reflexos do golpe de 2016. Afinal, não foi um golpe só contra Dilma, mas contra os pobres, os trabalhadores, os negros, as mulheres e os LGBT.
E num ano com tantos desafios, cada oportunidade de rir era aproveitada. Deus abençoe o menino que gerou o meme do "caindo ao som de sweet dreams", um dos melhores dos últimos anos, e a dona e proprietária da internet, Gretchen, que zerou a rede ao estrelar um clipe de Katy Perry (que é muito melhor que o clipe oficial. Amém). E por falar em música, teve Anitta e Pabllo Vittar pra mostrar porque se deve lutar por representatividade - algumas vitórias contra o conservadorismo, né? E por falar em luta, nossos aplausos e nosso respeito às mulheres que denunciaram assédio e abuso na indústria de Hollywood e também na televisão brasileira. Respeita as mina!
Pra encerrar, meu maior conselho pra 2018: se cuidem, galera. Do corpo e da mente. Em um ano de tantas histórias tristes envolvendo saúde mental e desfechos trágicos como suicídio, a minha mensagem é um pedido pra que vocês não deixem passar suas próprias necessidades por priorizarem outras coisas como estudos, trabalho ou algum problema. São importantes? Claro que sim. Mas nada é mais importante que cuidar de si mesmo, e depois disso, cuidar das pessoas que nos cercam. Pessoalmente falando, esse foi um ano realmente cheio de altos e baixos,e com uns baixos que me fizeram tremer. Talvez eu tenha passado pelo pior momento de minha vida, mas com tempo, fé e pessoas queridas, a vida segue em frente. E alegria nesse ano também não faltou. FORMEI, GENTE! Depois de seis anos de faculdade (e desse querido blog que me deu uma baita ajuda nesse tempo), sou médico. Muita coisa boa aconteceu na contagem regressiva pro final do curso, muitas festas, lágrimas de alegria, e a formatura foi uma semana positivamente inesquecível.
Talvez este seja o último post de nosso blog. Ou não, mas sei que ficarei um bom tempo sem escrever por aqui. Então me despeço agradecendo a companhia ao longo dos últimos seis anos neste projeto que muitas vezes me fez esquecer problemas, além de tirar minha cabeça das obrigações cotidianas e me distrair ao escrever sobre cinema, literatura, música e algumas besteiras. Um 2018 de muita paz, saúde e realizações pra todos.
E pra não perder a prática, a recomendação de cinco filmes pra ver no fim de semana, no meio da semana, em qualquer hora. Filmes excelentes que o Sagaranando aprova, recomenda e assina embaixo.


1. Que horas ela volta? (2015)
A história é centrada em Val (Regina Casé), empregada doméstica numa casa de classe média alta em São Paulo que há mais de dez anos deixou sua família em Pernambuco em busca de trabalho que lhe permitisse dar melhores condições ao futuro de sua filha. Val praticamente criou Fabinho (Michel Joesas), filho de seus patrões, que nunca tinham tempo para o menino. Quando a filha de Val, Jéssica (Camila Márdila), chega em São Paulo para fazer o vestibular e fica na casa da família rica, acaba o sossego de Val e da patroa. O interesse que ela desperta nos homens da casa e a insubordinação diante da mãe, que considera uma estranha, cria uma tensão que perdura por boa parte do filme, que trata de maneira brilhante de temas como migração motivada por pobreza, relações familiares e a íntima e complexa relação entre patrões e empregados domésticos (mostrando que casa grande e senzala ainda perduram no País).
Nota: 10
2. O Escafandro e a Borboleta (Le scaphandre et le pappillon, 2007)
Uma nova definição de filme lindo. Sensibilidade é a palavra chave da história de Dominique Bauby (Mathieu Amaric), que depois de sofrer um derrame é vitimado pela raríssima síndrome do encarceramento, em que todo o seu corpo fica paralisado, exceto os olhos - sendo que todas as faculddes mentais ficaram preservadas. Para completar, seu olho direito precisa ser ocluído para evitar um ferimento na córnea, e ele fica dependente apenas do esquerdo. Com a ajuda de uma fonoaudióloga, Dominique aprende a se comunicar através de um sistema lento, mas eficiente, a partir do piscar de seu olho. Através da narração de Dominique, vemos como foi sua vida, os diversos erros que ele cometeu com seus entes queridos, a rua relação com seu pai e seus filhos, a amante que nunca o visitou depois da doença e a sua obstinação em compor um livro que se tornaria best-seller. Baseado em fatos reais.
Nota: 10
3. A vida dos outros (Das Leven der Anderen, 2006)
Pense duas vezes antes de dizer que o cinema não é mais o mesmo e que já não se produzem inesquecíveis obras-primas. A vida dos outros tá aí pra provar que o cinema de alta qualidade ainda resiste. Com roteiro e direção de Florian Henckel von Donnersmarck, um desconhecido até então, o filme é ambientado nos anos 80 na Alemanha Oriental, onde a Stasi, uma das mais controladoras polícias secretas da Cortina de ferro tocava o terror numa época em que não havia o menor indício de abertura política. O capitão da Stasi Gerd Weisler (Urich Müher) recebe a missão de espionar um dramaturgo e sua esposa, que é atriz, e se instala no mesmo prédio em que o casal mora, no andar de cima, ouvindo tudo o que se passa na casa deles. O que inicialmente era apenas uma missão e encarado com escárnio se transforma numa relação unilateral de solidariedade, levando o espião a duvidar de toda sua ética e crença no partido totalitário e questionar um estilo de vida sem liberdade e sem direito à individualidade. Em poucas palavras: um filme excepcional. Infinitos elogios ao roteiro, à direção e à atuação de Mührer, que era um experiente ator de teatro na Alemanha (inclusive fora espionado durante a Guerra Fria) e que infelizmente faleceu um ano após o lançamento do filme.
Nota: 10
4. Cabaret (1972)
Pra um público que viu o festival de alegria que é Catando na chuva na década de 50 e a fofura bonitinha demais que é Minha linda dama nos anos 60, imagine o choque ao chegar em 72 e ver Cabaret, que sai de cenários elegantes e vai para o subúrbio da Berlim dos anos 30, onde um país arrasado pela Guerra e pela Depressão era campo fértil para a disseminação das ideias totalitaristas e racistas de Hitler. Nesse rebuliço, Brian Roberts (Michael York), jovem americano, chega em Berlim para dar aulas de inglês, e logo conhece Sally Bowles (Liza Minelli), estrela do Kit Kat Club, a casa de shows mais animada da cidade. Sally é uma dançarina que sonha em ser uma grande atriz - típico, não? Mas a história do diretor Bob Fosse consegue ser surpreendentemente original, com seus ótimos números musicais que floreiam amores incompreendidos e ambição; é como diz uma das músicas: "money makes the world go round!". Cabaret também se destaca por dividir os holofotes do Oscar de seu ano com O Poderoso Chefão, faturando os prêmios de direção, atriz, ator coadjuvante (Joey Grey, mestre de cerimônias do Kit Kat e figura essencial no filme), entre outros. 
Nota: 10
5. Se meu apartamento falasse (The apartment, 1960)
Lembrei desse filme incrível porque já faz um tempo que o vi e não seria nada mal revê-lo (vou seguir minha própria recomendação). Escrito e dirigido por Billy Wilder, o filme acompanha o simpático C. C. Baxter (Jack Lemmon), funcionário de uma seguradora que caiu nas graças dos chefes por emprestar a eles seu pequeno apartamento ocasionalmente, por algumas horas, para que eles se encontrassem com suas amantes. As coisas se complicam quando Baxter se apaixona por uma dessas amantes, que também era sua colega de trabalho (Shirley MacLaine), e pela primeira vez questiona sua amoralidade diante dos favores que fazia a seus superiores - devidamente recompensados com promoções. Comédia imortal vencedora de cinco Oscars, incluindo melhor filme, roteiro e direção.
Nota: 10
Luís F. Passos

sábado, 30 de dezembro de 2017

Cinco livros em 2017

Bem amigos do Sagaranando, mais um ano se vai e aqui estamos mais um dia sob o olhar sanguinário do vigia pra comentar algumas coisas desta última volta da Terra ao redor do sol. Neste primeiro de dois posts sobre essa montanha russa chamada 2017, vamos comentar sobre alguns livros que tive o prazer de ler - além da alegria de ter lido um pouco mais nesse ano. Apesar do tempo curto na maior parte do ano, da correria da faculdade e da ocupação pré - formatura (formei, mas isso é assunto pra amanhã), 2017 rendeu ótimas leituras, e em um número um pouco maior do que nos últimos dois anos. Vamos às cinco obras que mais gostei:

5. O velho e o mar, Hernest Hemingway
Uma das maiores obras de Hemingway, este livro de menos de cem páginas figura entre os livros mais importantes do século. O velho e experiente pescador Santiago, depois de fixar 85 dias sem pescar um único peixe, se lança ao mar e se vê diante de um dos maiores desafios de sua vida. Ele pesca um marlin gigantesco que arrasta seu barco por dias, ao longo dos quais é estabelecida uma relação de respeito, ao mesmo tempo em que o pescador enfrenta seus próprios limites num enorme esforço de dominar sua presa. Essa é a essência do livro: a luta do homem contra a natureza e também contra sua própria natureza e sua própria essência. Um livro incrível,  exemplo do que o bom e velho Hemingway conseguia fazer de melhor.
Nota: 10
4. Cândido ou O Otimismo, Voltaire
Acho que posso dizer que este livro define genialidade. Usando de um sarcasmo aguçado, Voltaire narra a história do jovem Cândido, que morava em um castelo e era aprendiz do sábio Pangloss, que o instruiu sobre ser otimista a respeito das situações e das pessoas - claramente puro veneno para criticar Rousseau, a quem Voltaire se opunha. Cândido, seu mestre e sua amada Cunegundes comem o pão que o diabo amassou em diversas circunstâncias e em vários lugares diferentes. Apesar disso, nosso intrépido herói insiste em permanecer otimista e esperar o melhor das pessoas ao seu redor. Uma obra magistral em que não faltam críticas à filosofia, a monarquias, religiões,  exércitos e diversos setores da sociedade. Cinismo e sarcasmo do jeito que a gente gosta.
Nota: 10
3. Olhai os lírios do campo, Erico Verissimo
O primeiro romance de um dos mais queridos escritores gaúchos foi um sucesso imediato, e não é difícil imaginar o motivo. A vida de Eugênio Fontes é marcada pela pobreza, ascensão social e conflitos de consciência. Nascido na pobreza, Eugênio sofre humilhações pelas roupas velhas e remendadas, pela submissão e passividade dos pais, pela diferença de suas condições de vida e de seus colegas. Com muito esforço,  Eugênio se forma em medicina e se apaixona por uma colega de turma, Olívia,  mas acaba se casando por interesse com Eunice Cintra, herdeira de uma rica herança. Eventos inesperados fazem Eugênio repensar sua vida, sua trajetória e o verdadeiro significado de felicidade. Uma história um pouco triste, mas sensível, bela e envolvente.
Nota: 10
2. O sol é para todos, Harper Lee
O clássico de Harper Lee é um dos livros mais amados pelos leitores dos Estados Unidos e é conhecido e querido em todo o mundo. A bela estória de Atticus Finch, advogado de uma pequena cidade do Alabama, é narrada pelo olhar de sua filha Scout, que era uma criança na época dos acontecimentos da narrativa. Nos anos 1930, quando os direitos civis para os negros ainda eram um sonho distante, Atticus assume a defesa de um homem negro acusado de estupro, em um caso cheio de falhas, onde o que mais pesava para a acusação era a cor da pele do réu. Além do desafio no tribunal, o advogado ainda enfrenta o preconceito e o ódio de várias pessoas da cidade que abominavam o fato dele representar um cliente negro, acusado de um crime de tal gravidade. O enredo é conduzido com uma delicadeza singular e carrega um pouco da inocência que Scout tinha na infância, fase cheia de descobertas e aprendizado, em que ela e seu irmão têm a oportunidade de descobrir a importância de se livrar de preconceitos e dar valor às pessoas pelo que são, e não pelo que aparentam ser. Obra fundamental em tempos de tanta intolerância, como o que vivemos atualmente.
Nota: 10
1. Grande Sertão: Veredas, João Guimarães Rosa
Depois de anos, reli meu livro favorito, por dois motivos: vontade de reler e vontade de escrever sobre ele no aniversário de seis anos do blog. Seis anos depois da primeira vez que o li, a emoção foi praticamente a mesma, e a satisfação foi ainda maior. Neste (único) romance de Guimarães Rosa acompanhamos a narrativa do ex jagunço Riobaldo, já idoso, sobre sua vida: breve relato da infância e adolescência e um extenso relato sobre seus anos na jagunçagem no grande grupo de Joca Ramiro, a morte deste pelas mãos de traidores, os desafios para obter a vingança e a confusão de sentimentos para com Diadorim, companheiro de bando, grande amigo, e no meio de tantos conflitos internos, seu grande amor.
A genialidade de João Guimarães Rosa usa um jagunço do sertão mineiro para examinar as profundezas da mente do homem e a partir daí elaborar uma estória da mais ampla universalidade. Os dilemas de Riobaldo atravessam tempo e espaço: amor e ódio, o que é o bem e o que é mal, a existência ou não de Deus e do diabo, a ideia psicanalítica do poder da vontade, entre outros. Tudo isso, associado à beleza da narração sobre a natureza local e principalmente do amor de Riobaldo por Diadorim ("Diadorim deixou de ser nome e virou sentimento meu") fazem deste um livro único, maravilhoso e inesquecível. Deixou de ser meu preferido? Nonada.
Nota: 10

Luís F. Passos

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Filmes pro final de semana - 01/12

1. Um limite entre nós (Fences, 2016)
Por mais que eu não acompanhe as novidades do cinema como antes, me esforço pra ver um ou outro filme que foi destaque no Oscar. Nesse ano minha ansiedade era pra ver o filme estrelado por Viola Davis e Denzel Washinton, dois nomes que despertam e muito a atenção para qualquer longa. Viola interpreta Rose, uma dona de casa casada com o gari Troy (Washington) há dezoito anos e mãe do jovem Cory, que sonha em ser atleta, a contragosto do pai. Cory tem o mesmo talento para o beisebol que seu pai tivera na juventude, porém Troy carrega uma frustração muito grande com o esporte por não ter conseguido consolidar uma carreira devido ao racismo. Tal discordância é motivo de conflito entre pai e filho, assim como eventos corriqueiros do dia a dia são motivos para outros conflitos na família. E quando junta conflitos e atores excelentes, o resultado não podia ser outro: atuações memoráveis. O filme tem o defeito de ser lento, mas diante de um roteiro tão sólido e de interpretações fantásticas, a gente supera. Viola rainha, o resto nadinha.
Nota: 9,5/ 10
2. Moonlight: sob a luz do luar (Moonlight, 2016)
O grande vencedor do Oscar desse ano - depois daquela gafe com La La Land - merece nosso respeito. Moonlight é um filme sóbrio, denso, pesado. Acompanha três momentos da vida de Chiron, primeiro a infância (com atuação de Alex Hibbert), marcada pelo bullying, depois a adolescência (assume Ashon Sanders) repleta de bullying, problemas com a mãe viciada em crack e a questão da auto descoberta, e por fim a idade adulta (interpretada por Trevante Rhodes), quando, agora com o nome Black, ele chefia o tráfico local. O filme é muito bom, apesar de ter uns defeitos como falhas no enredo, que não é tão coeso como se espera; além disso ele peca por não se aprofundar o suficiente nas angústias de seu protagonista. Beleza, o cara é fechado, reservado, mas o filme não deve fechá-lo para o espectador. Falhas à parte, tem o mérito de tocar temas como racismo, pobreza, sexualidade e preconceitos de uma forma bem sensível, leve, sem ser superficial ou clichê.
Nota: 9,0/ 10
3. Nise: O coração da loucura (2016)
Sem dúvida um dos maiores sucessos do cinema nacional do ano passado pra cá, Nise mostra a vida profissional da psiquiatra Nise da Silveira, pioneira da reforma psiquiátrica muito antes da reforma acontecer. Nise (Glória Pires) é contratada pelo Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, onde atrocidades, então consideradas modernos tratamentos, eram cometidas, tais como eletrochoques e lobotomias. Por se opor a tais condutas, Nise é transferida para o setor de Terapia Ocupacional, onde alguns pacientes faziam trabalhos de limpeza. A médica começa um trabalho árduo utilizando pintura, outras formas de arte e também a presença de cachorros para estimular a socialização e a comunicação de seus pacientes. Os resultados são ótimos, mas ela ainda é vista com bastante preconceito por seus colegas que seguiam a psiquiatria clássica e violenta. E claro, ela precisa enfrentar o machismo, já que era a única mulher psiquiatra do hospital (e havia sido a única mulher a se formar na faculdade, ao lado de 156 homens). Filme muito bacana que trata de um tema tão importante e tão pouco debatido pelo grande público, que é a saúde mental.
Nota: 9,0/ 10
4. Dúvida (Doubt, 2008)
Nova York, 1964. Numa tradicional e rigorosa escola católica do Bronx, a diretora, irmã Aloysius Beauvier (Meryl Streep), controla com mãos de ferro a educação de seus alunos. A escola é vinculada à igreja local, e consequentemente o pároco padre Brendan Flynn (Phillip Seymour Hoffman) também tem algum poder na administração escolar, além de dar aulas de educação física. A partir de um comentário feito pela irmã James (Amy Adams) sobre o excesso de atenção dada pelo padre ao único aluno negro da escola, Donald Miller, a irmã Aloysius começa uma verdadeira cruzada buscando a verdade por trás do padre, cujo comportamento liberal irrita a conservadora freira. Além do drama denso e muito bem elaborado, o filme é sustentado pelas excelentes atuações de seus três protagonistas, ambos os três indicados ao Oscar, e de quebra traz um fator adicional: Viola Davis, na época não muito conhecida, que aparece menos de dez minutos do filme mas é responsável por uma cena excelente junto a Meryl Streep (aliás, o trabalho de Meryl aqui é um dos que mais gosto na carreira dela) e também foi indicada a melhor atriz coadjuvante.
Nota: 8,5/ 10

5. Os Sapatinhos Vermelhos (The Red Shoes, 1948)
Ô coisas lindas são esses filmes antigos restaurados. Deus abençoe as fundações e os grandes estúdios que trabalham recuperando filmes para que não se percam no tempo, como metade de todos os filmes feitos antes de 1950. O primeiro filme restaurado que assisti foi Os Sapatinhos Vermelhos, a maravilhosa história de uma garota, Victoria (Moria Shearer) que por ter parentesco com a aristocracia inglesa teve de dar duro para mostrar seu valor no ballet, em especial para o diretor Boris Lemontov (Anton Walbrook). Quando enfim consegue a atenção do brilhante e exigente diretor, ganha o papel principal no novo espetáculo do grupo, Os sapatinhos vermelhos, baseado no conto de Andersen, sobre uma garota que calça sapatilhas mágicas e dança até morrer de exaustão. Um filme sobre amor, ciúmes e dedicação extrema que é muito belo e pra mim é um dos melhores filmes de dança já feitos.
Nota: 10

Luís F. Passos

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

New Orleans - where the blues was born

Do you know what it means to miss New Orleans?
and miss it each night and day...
I know I'm not wrong, this feeling is gettin stronger
the longer I stay away

Das gratas surpresas que a internet nos traz, filme sempre é uma boa. Ao longo dos últimos anos em que venho me dedicado a apreciar o cinema (infelizmente cada vez menos), não foram raras as vezes em que descobri filmes através de blogs, redes sociais ou mesmo pelo YouTube. Sim, YouTube! E aqui temos um exemplo. Sou grande fã do jazz, apesar de meu pouco conhecimento a respeito. E entre uma música e outra descobri que Louis Armstrong e Billie Holliday, dois titãs da música do século XX, estrearam um filme nos anos 40 sobre a origem do blues e do jazz, embalado por canções incríveis.
O ano é 1917 e estamos na pomposa cidade de Nova Orleans, onde a jovem Miralee Smith (Dorothy Patrick) chega para realizar os planos de sua família de transformá-la numa estrela da música clássica. Miralee tinha muito talento para a ópera e logo consegue a cooperação de um experiente maestro da cidade, Henry Ferber (Richard Hageman), que aceita dirigir o concerto da moça. Mas apesar de sua devoção à música clássica, Miralee se encanta pelo estilo de música que sua empregada Endie (Billie Holliday) vive cantarolando e depois de muita insistência, Endie a leva para o subúrbio da cidade, no animado e mal falado distrito de Storyville, mais especificamente, à rua Basin. Conforme dito no filme, são 38 quadras de corrupção, poluição e degeneração - com um pouco de exagero, claro. Este submundo é onde se concentram casas de jogo, bares, prostíbulos e toda a sorte de pessoas, além concentrar boa parte da população negra.
Na rua Basin, Miralee encontra Nick Duquesne (Arturo de Cordova), jogador profissional que ela havia conhecido quando chegou na cidade. Não é difícil perceber que a moça rica se apaixona por Nick, assim como se apaixona pelo blues que Louis Satchmo Armstrong (interpretado pelo próprio) e sua Happy Dixie Band tocam, improvisando músicas com um excepcional talento. A partir de então, o filme segue um caminho bem clichê: a moça rica e bem nascida apaixonada pelo dono do cassino, o belo casal sofrendo preconceito, bem como o blues é discriminado pela alta sociedade e pelos músicos mais conservadores.
Do you know what it means to miss New Orleans
When that's where you left your heart
And there's one thing more...I miss the one I care for
More than I miss New Orleans
New Orleans (1947) é, por seu enredo,um filme bem básico. Uma história simples, sem muitas reviravoltas ou surpresas. No entanto, vale muito a pena assistir por se tratar de um filme sobre a origem do blues e do jazz estrelado por duas das maiores vozes desses estilos: Louis Armstrong e Billie Holliday. As vozes inesquecíveis dos dois embalam o filme em músicas que se tornaram conhecidas como Do you know what it means to miss New Orleans ou The blues are brewin, ou mesmo outras mais simples que não chamam tanto a atenção. E sim, a música é o maior destaque do filme. Digo isso porque o casal de protagonistas, Nick e Miralee, não tem carisma o suficiente para roubar a cena, e claro, porque a história é bem básica, nada de excepcional - o excepcional aqui é a música e quem a canta. "Afinal, Luís, presta ou não?" Presta, gente. Eu que sou chato mesmo.

Nota: 9,5/ 10 [graças à música]

Luís F. Passos

terça-feira, 31 de outubro de 2017

Rock’n roll – o tragicômico processo de envelhecer


Tenho certeza absoluta que Rock’n roll (2017) é tudo que não se espera do tradicional estilo cinematográfico francês. Sendo assim, é uma grata surpresa ver frescor numa indústria acostumada a seus moldes. E esse frescor vem em forma de uma comédia satírica e, em sua grande parte, completamente bizarra, mas sem deixar nunca de transmitir sua mensagem: como é difícil envelhecer.
Guillaume Cannet encarna um tipo de persona vivendo o próprio ator Guillaume Cannet no meio de uma forte e irreversível crise de meia idade quando, aos 43 anos, é forçado a perceber o quanto sua vida estava “sem graça”. Mais de 40 anos, cabelos brancos inesejados, corpo fora dos padrões, hobbies entediantes e vivendo uma vida previsível de casado com compromissos conjugais e a necessidade de cuidar do filho. A vida é um tédio e envelhecer é um processo não apenas chato como também inadmissível. Como aceitar que os anos de glória passaram tão rápido e que Guillaume saiu do frescor da juventude e da ampla diversidade de papéis para atores jovens e se tornou um homem sem graça e pouco atraente? Um homem que não captura – e que, de certa forma, nunca capturou – o espírito e a atitude livre e descolada do rock? Somado a tudo isso, ainda há a presença inevitável da esposa, Marion Cotillard (vivida por Marion Cotillard), uma atriz séria que não deixa de ser requisitada para seus trabalhos competentes e dignos de premiação.
Rock’n roll é um filme divertidíssimo, mas sua mensagem é bastante pertinente em nossa sociedade, especialmente no meio artístico e na indústria cinematográfica, acostumada a usar e abusar de um artista ao máximo enquanto este está no seu “auge” e, quando não lhe é mais conveniente, descartá-lo ou colocá-lo em papéis e opções de trabalho limitadas que o estereotipam como um tipo de personagem tendo como base apenas a sua idade. O limiar entre ser a namorada e ser a mãe do protagonista, por exemplo, é bastante tênue, sendo necessários apenas alguns aninhos. Apesar de ser um processo mais cruel entre as atrizes, Rock’n roll mostra que este é um problema enraizado na indústria para ambos os gêneros e que leva pessoas talentosas a se subjugarem a medidas drásticas numa tentativa patética de retomar uma glória que jamais terão de volta. O filme também critica de maneira satisfatória o culto à juventude de um modo geral. Um aspecto muito positivo do filme é que a transformação física e psicológica que Guillaume inicia – a qual seus amigos, colegas de trabalho e esposa apenas conseguem assistir atônitos enquanto o vêem se ridicularizar – é a mais completa possível e de uma bizarrice embaraçosa. Apesar de ter um tom extremamente cômico, é impossível não perceber o quão triste e deprimente é tudo aquilo e o quão fragilizado psicologicamente Guillaume está para se colocar desta maneira, abdicando de tudo em sua vida em nome de um ideal inalcançável. É uma luta constante de uma guerra perdida em busca de ser jovem para sempre e os resultados são humilhantes.  Para reforçar ainda mais sua idéia central, Rock’n roll ainda reserva uma reviravolta deliciosa no final, que aumenta em muitos pontos um inesperado lado romântico do filme.
Guillaume Cannet e Marion Cotillard estão sensacionais em seus papéis, fazendo piada com eles mesmos o tempo todo. Para ser melhor, Rock’n roll só precisava ser mais curto, visto que em diversos momentos do terço final o filme se arrasta de maneira desnecessária. Não é algo que atrapalha muito, mas quebra o ritmo e adiciona algumas situações que não são essenciais para o entendimento geral da trama, que nem trazem momentos muito marcantes em si e são bastante caricatas num sentido já meio forçado. Fora isso, Rock’n roll é divertido, ousado, incansável em sua maneia de não se levar tão a sério e muito recomendável para uma boa sessão de cinema.
PS: é fato que Guillaume Cannet é a alma do filme, mas queria frisar que Marion Cotillard segue incansável na sua função de ser sempre ótima. Impressionante.

Nota: 8/10

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sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Filmes pro final de semana - 01/09 - Especial Grandes frases

1. Apocalypse Now (1979)
Não há filme de guerra que se compare a Apocalypse Now, nem mesmo Kubrick ou Oliver Stone chegaram perto. O capitão Willard (Martin Sheen), das Operações Especiais do Exército recebe a missão de matar o coronel Kurtz (Marlon Brando), oficial brilhante que enlouquecera e desertara para criar no Camboja uma sociedade bizarra em que é adorado como um deus e mata sem piedade. Na viagem, Willard vê a verdadeira face da guerra e seus efeitos nas pessoas - o medo, a loucura, o horror. Depois de uma epopeia para descer o Vietnã vivenciando coisas que chegam a ser bizarras, como a "Cavalgada das Valquírias" em que um coronel surfista (Robert Duvall) distribui morte pelos ares e se delicia com o cheiro de morte e destruição, Willard enfim chega ao Camboja e vê sua vida mudada pelo que tem de enfrentar para terminar sua missão. Um final ambíguo e perturbador para a mais fiel das histórias sobre a Guerra do Vietnã.
Frase memorável: "Adoro o cheiro de napalm pela manhã".
Nota: 10
2. Gata em teto de zinco quente (Cat on a Tin Hoof, 1958) 
Um clássico cheio de diálogos tensos, a maioria entre o casal Maggie (Elizabeth Taylor) e Brick (Paul Newman), jogador de futebol americano entregue à bebida após um incidente no trabalho envolvendo um amigo - coisa que não é totalmente esclarecida e que dá brecha para a suspeita de um caso gay. E por que tanta briga entre Maggie e o esposo? É porque Brick simplesmente despreza a mulher, assim como toda a família, em especial o pai, "Big Daddy" Harvey (Burl Ives), com quem nunca teve boa relação. Bid Daddy está com câncer, não há perspectiva de cura e se preocupa com a possibilidade de deixar toda sua fortuna para o filho mais velho, Gooper, que é uma lesma e casado com uma mulher gorda e chata, e tem vários filhos gordos e chatos. A tensão entre Brick e Maggie e Brick e Big Daddy abre espaço para discussões diálogos brilhantes - afinal, o filme é baseado numa peça de Tennessee Williams, influente dramaturgo da Broadway. Também chama a atenção as espetaculares atuações de Paul Newman e Liz Taylor e claro, a beleza inesquecível da atriz.
Frase memorável:  "Nós não vivemos juntos, apenas dividimos a mesma jaula"
Nota: 9,5/ 10
3. Uma rua chamada pecado (A streetcar named desire, 1951)
Desejo e loucura. Duas palavras que descrevem muito bem a potência desse clássico marcado por personagens à flor da pele e interpretações monstruosas de quatro atores de duelam com ferocidade em cena para ver quem mostra mais força. São eles: Karl Malden (vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante), Kim Hunter (vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante) e, principalmente, dois dos maiores nomes do cinema mundial, Marlon brando (indicado a melhor ator) e Vivien Leigh (vencedora de melhor atriz) como uma das personagens mais ricas não apenas do cinema, como do teatro (esta obra é baseada numa peça homônima de Tennessee Williams). As relações intrincadas de atração e repulsa entre essas personagens são o motor deste intenso e inovador clássico. 
Frases memoráveis: "Sempre dependi da bondade de estranhos" e "STEELLAAAAAAAAA!"
Nota: 10
4. Crepúsculo dos Deuses (Sunset boulevard, 1950)
Crepúsculo dos deuses é uma grande crítica à própria indústria do cinema e do entretenimento, um mundo que pode num momento elevar uma pessoa ao céu e, em questão de minutos, lançá-lo no total ostracismo quando não lhes é mais conveniente. É isso que ocorre com a Norma Desmond interpretada por Gloria Swanson. Uma musa do cinema mudo largada no esquecimento após o advento do cinema falado e que sofre com sua loucura e suas obsessões ao mesmo tempo em que alimenta fantasias megalomaníacas de uma volta ao estrelato que jamais ocorrerá. O roteiro de Wilder é fantástico. A forma como amarra as diferentes circunstâncias que culminam para o grande final, que é revelado já no início do filme, é de uma inteligência incrível. O filme é ácido, maldoso e as coisas se desenrolam de uma maneira ironicamente cruel para todas as personagens. Wilder não se importa de vê-las sofrer e as castiga pelos seus erros.  Filme não só obrigatório como essencial para os amantes do bom cinema.
Frase memorável: "Eu sou grande. Os filmes é que ficaram pequenos".
Nota: 10
 5. ...E o vento levou (Gone with the wind, 1939) 
Tan tan tan taaan... A música tema da personagem Scarlett O'Hara (Vivien Leigh) é quase tão icônica quando a heroína, uma das mais queridas figuras de todo o cinema. Scarlett é filha de um rico fazendeiro da Geórgia que vê seu mundo virar ao avesso com o início da Guerra Civil (Guerra de Secessão). A moça, que tinha dezenas de admiradores aos seus pés e era apaixonada por Ashley Wilkes vê seus fãs irem para a guerra e seu amado se casar e também ir para a luta. Ao longo de quatro horas de filme, vemos as mudanças de Scarlett: de rica à pobre, de dondoca a mulher forte; de ingênua a ser capaz de matar para proteger a si e a sua família -versatilidade mostrada graças ao enorme talento de Vivien Leigh, que fez dessa uma das maiores atuações vencedoras de Oscar. Do outro lado da história, o cafajeste Rhett Butler (Clark Gable) apaixonado por Scarlett e que tem um enorme coração por trás da cara de canalha, que luta pelo coração da jovem, teimosa e ambiciosa O'Hara. Uma dupla que o mundo vê e ama há mais de setenta anos.
Frase memorável: "Frankly, my dear, I don't give a damn" (Tem que ser em inglês senão perde o efeito)
Nota: 9,5/ 10


Bônus: De pernas pro ar (2010)
Em defesa das comédias nacionais, vamos falar desse filme que todo mundo viu, mas não custa nada rever.  Alice (Ingrid Guimarães) é uma executiva cuja carreira brilhante contrasta muito com seu casamento. Seu marido João (Bruno Garcia) reclama da falta de atenção à família e também da falta de sexo. A vida (aparentemente) sob controle dá uma reviravolta quando, no mesmo dia, ela perde o emprego graças a uma confusão de caixas e João sai de casa, pedindo um tempo na relação. É depois de se aproximar da sensual vizinha Marcela, dona de uma sex shop decadente, que Alice encontra novas ideias para reestruturar sua vida profissional e também pessoal, derrubando vários tabus a respeito de sexo. Claro que o filme apela muito para as cenas engraçadas relacionadas a  situações e  produtos eróticos, mas também tem um lado romântico bem bonito, embalado pelo som de Tim Maia.
Frase memorável: "Às vezes eu acho que o mundo é uma imensa suruba e eu não fui convidada".
Nota: 8,0/ 10

domingo, 20 de agosto de 2017

Jackie – ao lado de todo grande homem, uma grande mulher



Produção de 2016 do chileno Pablo Larrain, responsável pelo excelente No, Jackie traz os dias que sucederam o assassinato do presidente Kennedy em 1963 pelo ponto de vista de outra pessoa extremamente importante para a história do século XX: Jackie Kennedy, sua esposa, aqui vivida por Natalie Portman. O filme transcorre desde o assassinato do presidente em si até o período de mais ou menos uma semana após o ocorrido, dias nos quais Jackie tinha como responsabilidade a organização do velório e sepultamento do marido, além de uma entrevista para a imprensa numa tentativa final de tentar manter a imponência e importância do breve império do casal que ruiu de maneira tão trágica, repentina e aos olhos de milhões de pessoas em todo o mundo. Além da grande responsabilidade, Jackie deve fazer tudo isso com o peso do luto, do remorso, da incredulidade e do sofrimento pela experiência traumática e a drástica mudança em sua vida. 

Por si só, Jackie já é um filme interessante só por sua proposta. Raramente temos uma oportunidade tão boa de observar um pouco a vida nos bastidores da história. Mesmo tendo estado no centro de um furacão político do momento em que John Kennedy assumiu a presidência até o momento em que foi atingido pela bala, Jackie sempre ocupou uma posição secundária, como uma simples coadjuvante que servia muito mais como um modelo de moda e comportamento feminino do que como uma figura de importância política. Eternamente famosa por sua elegância, bom gosto e dignidade, em Jackie vemos um lado mais profundo da primeira dama e descobrimos o quão intelectual, corajosa e forte aquela mulher realmente é. Suas aflições, sua resistência e a maneira como se impõe com firmeza enquanto tudo desmorona é admirável. Coroando tudo, temos a atuação perfeita (não tem outro adjetivo mesmo) de uma Natalie Portman em seu melhor trabalho junto à Cisne Negro. Através de suas expressões, conseguimos captar toda a complexidade e confusão de sentimentos que passam pela cabeça de Jackie e sentir todo seu poder independente do quão adocicada seja sua voz e o quão delicada seja sua aparência.

Nota: 9,0/ 10

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