Tenho
certeza absoluta que Rock’n roll
(2017) é tudo que não se espera do tradicional estilo cinematográfico francês.
Sendo assim, é uma grata surpresa ver frescor numa indústria acostumada a seus
moldes. E esse frescor vem em forma de uma comédia satírica e, em sua grande
parte, completamente bizarra, mas sem deixar nunca de transmitir sua mensagem:
como é difícil envelhecer.
Guillaume
Cannet encarna um tipo de persona vivendo o próprio ator Guillaume Cannet no
meio de uma forte e irreversível crise de meia idade quando, aos 43 anos, é
forçado a perceber o quanto sua vida estava “sem graça”. Mais de 40 anos, cabelos
brancos inesejados, corpo fora dos padrões, hobbies entediantes e vivendo uma
vida previsível de casado com compromissos conjugais e a necessidade de cuidar
do filho. A vida é um tédio e envelhecer é um processo não apenas chato como
também inadmissível. Como aceitar que os anos de glória passaram tão rápido e
que Guillaume saiu do frescor da juventude e da ampla diversidade de papéis
para atores jovens e se tornou um homem sem graça e pouco atraente? Um homem
que não captura – e que, de certa forma, nunca capturou – o espírito e a
atitude livre e descolada do rock? Somado a tudo isso, ainda há a presença
inevitável da esposa, Marion Cotillard (vivida por Marion Cotillard), uma atriz
séria que não deixa de ser requisitada para seus trabalhos competentes e dignos
de premiação.
Rock’n roll
é um filme divertidíssimo, mas sua mensagem é bastante pertinente em nossa
sociedade, especialmente no meio artístico e na indústria cinematográfica,
acostumada a usar e abusar de um artista ao máximo enquanto este está no seu
“auge” e, quando não lhe é mais conveniente, descartá-lo ou colocá-lo em papéis
e opções de trabalho limitadas que o estereotipam como um tipo de personagem
tendo como base apenas a sua idade. O limiar entre ser a namorada e ser a mãe
do protagonista, por exemplo, é bastante tênue, sendo necessários apenas alguns
aninhos. Apesar de ser um processo mais cruel entre as atrizes, Rock’n roll mostra que este é um
problema enraizado na indústria para ambos os gêneros e que leva pessoas
talentosas a se subjugarem a medidas drásticas numa tentativa patética de
retomar uma glória que jamais terão de volta. O filme também critica de maneira
satisfatória o culto à juventude de um modo geral. Um aspecto muito positivo do
filme é que a transformação física e psicológica que Guillaume inicia – a qual
seus amigos, colegas de trabalho e esposa apenas conseguem assistir atônitos
enquanto o vêem se ridicularizar – é a mais completa possível e de uma
bizarrice embaraçosa. Apesar de ter um tom extremamente cômico, é impossível
não perceber o quão triste e deprimente é tudo aquilo e o quão fragilizado
psicologicamente Guillaume está para se colocar desta maneira, abdicando de
tudo em sua vida em nome de um ideal inalcançável. É uma luta constante de uma
guerra perdida em busca de ser jovem para sempre e os resultados são
humilhantes. Para reforçar ainda mais
sua idéia central, Rock’n roll ainda
reserva uma reviravolta deliciosa no final, que aumenta em muitos pontos um
inesperado lado romântico do filme.
Guillaume
Cannet e Marion Cotillard estão sensacionais em seus papéis, fazendo piada com
eles mesmos o tempo todo. Para ser melhor, Rock’n
roll só precisava ser mais curto, visto que em diversos momentos do terço
final o filme se arrasta de maneira desnecessária. Não é algo que atrapalha muito,
mas quebra o ritmo e adiciona algumas situações que não são essenciais para o
entendimento geral da trama, que nem trazem momentos muito marcantes em si e
são bastante caricatas num sentido já meio forçado. Fora isso, Rock’n roll é divertido, ousado, incansável
em sua maneia de não se levar tão a sério e muito recomendável para uma boa
sessão de cinema.
PS:
é fato que Guillaume Cannet é a alma do filme, mas queria frisar que Marion
Cotillard segue incansável na sua função de ser sempre ótima. Impressionante.
Nota:
8/10
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