terça-feira, 5 de novembro de 2013

Frances Ha - pra encher Godard de orgulho

Qual não foi a alegria do humilde cinéfilo que vos escreve quando, em abril, foi anunciada a reinauguração de um cinema de rua na minha cidade? AEEEEEW! Em maio houve um festival de cinema francês, que foi um período de testes, e em julho o cinema abriu de vez. Programação alternativa, preços camaradas e uma opção à ditadura da grande rede de cinemas dona dos dois outros cinemas da cidade. E olhe que estamos falando de uma capital.
Desabafos à parte, o último filme que vi lá foi Frances Ha, simpático filme americano do ano passado que chegou ao Brasil e vem despertando o interesse de críticos e conquistando fãs, não só aqui mas por vários países. O longa é focado em Frances, garota de quase trinta anos muito carismática por ser encantadora e desengonçada, com cada adjetivo na medida certa. Frances estuda numa escola de dança, onde além de aluna tem um "cargo" de dançarina substituta, com a possibilidade de participar de espetáculos e ganhar um dinheirinho; o que, junto das aulas particulares que ela arruma de vez em quando, garante seu sustento. Logo no início do filme vemos Frances com o namorado, que a convida para morar com ele, e recusa, segundo ela por dividir o apartamento com sua melhor amiga e porque o relacionamento deles já não funcionava - a ausência de sexo era um forte sintoma. De volta para casa, ela encontra sua amiga, Sophie (Mickey Sumner), conta as novidades e Sophie lhe conta que irá se mudar para a casa do noivo. E cai o mundo de nossa protagonista.
Frances é a representação de um tipo muito comum em Nova York: jovem nascida no interior que vai à cidade grande depois de formada, não vê seus sonhos realizados de imediato e vai se virando como pode, se esforçando sem deixar a peteca cair. E nisso Frances é ótima. Numa espécie de "jogo do contente" de Pollyana amadurecido, ela nunca se deixa perturbar e tira ânimo sabe Deus de onde para seguir em frente, e sabe aproveitar como poucos as pequenas conquistas, como numa das melhores cenas do filme, em que ela sai dançando pelas ruas ao som do clássico Modern love de David Bowie. Mais que isso, Frances também é um exemplo de uma pessoa na fase em que não sabe o que fazer da vida, e mal entende o rumo que a vida toma. e aqui é um dos casos em que essa fase parece teimar em não acabar.
E porque este simpático longa vem chamando tanto a atenção? Frances Ha não é só mais um queridinho do cinema alternativo, como também desponta como um filme que se liberta das amarras das quais o próprio cinema alternativo não se livrou. E essa quebra rumo à liberdade nos lembra o que? Nossa querida nouvelle vague. E mesmo despretensiosamente, o filme puxa a sardinha pro movimento francês; na fotografia em preto-e-branco, tomadas em lugares abertos onde há bastante movimento, os cortes muito repentinos e alguns diálogos que parecem conflitos, além, claro, da trilha sonora cheia de músicas de Georges Delerue, compositor que foi colaborador assíduo de Truffaut e Godard. E por falar no diabo, há uma frase dele que diz que basta uma arma e uma mulher para se fazer um filme. Aqui não há armas, exceto o jeito estabanado de Frances, golpe baixo para quem assiste e logo se rende à heroína da big apple.

Nota: 10

Luís F. Passos

domingo, 3 de novembro de 2013

The Bling Ring - a futilidade de uma geração

Baseado em fatos reais, o mais recente trabalho da diretora Sofia Coppola traz à tona a história de um pequeno grupo de adolescentes que praticaram uma série de furtos a casas de celebridades hollywoodianas entre os anos de 2008 e 2009. Entre suas vítimas, nomes como Lindsay Lohan, Rachel Bilson, Orlando Bloom e, a mais lesada de todos, Paris Hilton. Os furtos eram relativamente pequenos em quantidade, mas essa relação pode ser considerada inversamente proporcional ao valor adquirido. Acredita-se que cerca de Um milhão de dólares foram roubados pelos jovens. Um milhão de dólares materializado em bolsas, sapatos, joias e tudo mais que o dinheiro e a fama das celebridades mais fashions de Hollywood podia comprar, sendo que o saldo dos roubos esteve sempre estampado pelas redes sociais. A questão é que os criminosos no caso estavam longe de serem pobres ou qualquer coisa do tipo. Muito pelo contrário, todos vinham de famílias muito bem de vida que moravam pela região. A questão então é: já que não havia qualquer necessidade para praticar os roubos, o que os levou a fazê-los?
Esse é o questionamento básico do filme de Sofia. Na verdade, a resposta é bem óbvia. Fazendo uma regressão na história do cinema, podemos lembrar que a origem dos filmes de jovens americanos ricos e rebeldes começou com Juventude transviada de 1955, filme que lançou a figura emblemática do rebelde sem causa, do adolescente indomável que luta em busca de uma compreensão própria e de uma identidade mal formada ao mesmo tempo em que sofre com as pressões externas de um ambiente desfavorável e a educação paterna cada vez mais falha. Mais de 50 anos mais tarde, vimos que o que se iniciou de uma forma mais agressiva adquiriu uma nova face. A perda de valores, a falta de personalidade e a desorientação pessoal crescentes encontraram ao longo dessas décadas uma falsa cura aparentemente perfeita. A ditadura da futilidade em que vivemos faz com que muitos dos jovens que se enquadram nessa situação encontrem uma maneira de se sentirem dentro de um grupo. Parte de um algo maior. E que algo maior seria esse? Em tempos de futilidade e supervalorização do material em detrimento do pessoal, os alvos, obviamente, são as celebridades. Durante anos foi talhada a noção de endeusamento e glorificação dessas figuras teoricamente icônicas que ditam o padrão comportamental vigente. Como as próprias personagens do filme dizem, o que elas queriam era apenas experimentar um pouco deste estilo de vida.
Tecnicamente falando, é nítido que se trata de um filme de Sofia Coppola, tendo este mantido todas as marcas essenciais do trabalho da diretora. A fotografia com aquele ar descuidado, porém minucioso, o minimalismo das cenas, os diálogos simples e corriqueiros intercalados por momentos silenciosos e a trilha sonora sempre na medida certa e feita de escolhas interessantes (live fast, die young, bad girls do it well) estão presentes. Para dar o tom preciso da história, Sofia também usa pequenos momentos de humor ao longo da trama. Um humor de uma forma irônica. Outro elemento consistente em toda sua filmografia e que aqui também se faz valer é a qualidade de seu elenco (geralmente jovem). Todas as cinco personagens principais são muito bem interpretadas por atores jovens de alta qualidade e o filme transita um pouco na mão de três deles. A primeira metade pertence à atriz Katie Chang que vive a aparente líder e mentora do bando, a segunda metade é mais guiada pelos conflitos pessoais (bem superficiais, mas presentes) de Mark (Israel Broussard), o único homem do grupo, e durante todo o filme, com uma importância crescente ao longo da história, está Emma Watson numa interpretação deliciosa da mais maliciosa e cínica de todos. Emma vive Nicki Moore e é a principal responsável pelos pontuais momentos de ironia do filme (além de estar mais bonita e sensual que nunca), além de se transformar na figura mais emblemática e significativa dentre todas.
Então, pode-se dizer que com um distanciamento maior que o habitual e um olhar puramente observador, Sofia Coppola nos traz um conto moderno e polêmico. The Bling Ring (2013) é nitidamente um filme que se dispõe a criticar a cultura do ego e da futilidade e também funciona como um documento sobre a perda de valores morais por parte de uma juventude cada vez mais arrogante, materialista e inconsequente.
De todos os filmes da diretora, no entanto, este é o mais impessoal e o que mais se distancia dos demais. Apesar de seguir o mesmo padrão estético dos demais e de focar na superficialidade aristocrática, tema bem esmiuçado em forma de filme clássico em Maria Antonieta, este aqui não tem o forte aspecto emotivo presente em filmes como As virgens suicidas e Encontros e desencontros ou a proximidade pessoal com a diretora como em Um lugar qualquer. Talvez o fato de se passar na sociedade em que Sofia (nascida e criada em Hollywood cercada por celebridades e milionários) o torne um projeto mais pessoal para ela. Talvez seja uma adaptação de uma visão própria de observadora de alguém que sempre acompanhou aquele meio. Mas de qualquer forma, não gera conexão pessoal. Mesmo assim, ainda é muito divertido acompanhar ironicamente a trajetória desse grupo de jovens com suas motivações estúpidas e também é uma boa forma de pensar sobre a que ponto chegamos.

Nota: 9/10

Lucas Moura

sábado, 2 de novembro de 2013

Filmes pro final de semana - 01/11

 1. Disque M para matar (Dial M for murder, 1954)
Ray Milland, grande ator do cinema clássico e vencedor do Oscar de melhor ator por Farrapo humano (1945) vive aqui um ex-tenista chamado Tony Wendice, um cara cujo dinheiro se foi há algum tempo junto com a carreira no esporte. O alto padrão que ele ostenta é patrocinado por sua bela esposa Margot (ninguém menos que Grace Kelly), mas o casamento dos dois não vai bem e ele descobre que ela pretende deixá-lo para viver com um amante. Para não perder a boa vida - aliás, melhorar a vida financeira - Tony decide matar a esposa e ficar com todo seu dinheiro. Contrata um amigo para matá-la, mas o tiro sai pela culatra e no momento de desespero, Margot reage e mata o criminoso. Final feliz? Calma, nem chegamos à metade do filme. Tony elabora rapidamente um plano B e... só assistindo pra saber. Hitchcock, do jeito que só ele sabia fazer, conduz cenas muito tensas segurando os mistérios da macabra trama do marido ambicioso. Show de direção.
Nota: 9,0/ 10
2. Namorados para sempre (Blue Valentine, 2010)
Malditos tradutores. Malditos. Transformar o título de um sério e triste drama num título de filme adaptação de Nicholas Spark é o fim. Isso porque Namorados para sempre não é, nem de longe, uma história de amor em que todos serão felizes para sempre e blablablá. O que temos aqui é o registro do fim de um casamento, mostrando desde o começo do namoro até o início da ruína do relacionamento. Cindy (Michelle Williams) trabalha num hospital, tem um emprego estável e com chances de crescimento, enquanto Dean (Ryan Gosling) está desempregado e faz bicos - um dos motivos do desgaste da relação. Muitas cenas são ambientadas num motel, para onde eles vão no dia dos namorados para tentar salvar o casamento, mas lá se demonstra ao máximo o quanto tudo está perdido; são momentos de muita tensão em que se vê o grande talento de dois jovens atores, alguns dos maiores nomes dessa nova geração.
Nota: 9,5/ 10
3. Tootsie (1982)
Michael Dorsey (Dustin Hoffman) é um ator perfeccionista, muito talentoso, mas que há algum tempo está fora dos holofotes. Desesperado por emprego, Michael se veste de mulher e tenta um papel numa novela. De vestido, peruca e maquiagem ele se transforma em Dorothy Michaels... e consegue o papel! Chega no estúdio, começa a gravar e simplesmente ignora o roteiro e inventa falas dando opinião sobre tudo, transformando a personagem secundária no maior sucesso da novela e seu alter-ego artístico numa mulher símbolo da geração dos anos 80. O desafio de esconder a verdade se torna muito pior por causa do sucesso de Dorothy e pela atração que ele sente por uma colega, Julie (Jessica Lange), a qual sente profunda amizade e admiração por Dorothy. Tootsie marcou época por dar início a uma sucessão de filmes que propunham a troca de lugar com outra pessoa para entender as dificuldades e passar a simpatizar com ela - no caso, com o sexo feminino. Além disso, o filme inova por dar destaque a atuações e elementos secundários e alusões pop, tendo também curtas e rápidas sequências que conduzem muito bem a história até o fim.
Nota: 9,0/ 10
4. Preciosa - uma história de esperança (Precious, 2009)
Harlem, NY, década de 80.  Claireece Jones (Gabourey Sidibe), mais conhecida como Preciosa, é um poço de problemas. Com apenas 16 anos, a menina carrega o trauma de ser estuprada pelo pai, estar grávida do segundo filho dele, ser soropositiva, obesa, negra, e ter uma mãe (Mo'Nique) pra madrasta de Cinderela nenhuma botar defeito. A cereja em cima desse bolo de desgraças é o fato da coitada ser analfabeta. Apesar de tudo, ela não deixa de sonhar e às vezes se imagina rica, magra, famosa e desejada, mas isso não parece nada além de um sonho impossível. Felizmente Preciosa encontra em seu caminho algumas pessoas decentes, como sua professora miss Rain (Paula Patton), a assistente social sra Weiss (Mariah Carey) e o enfermeiro do hospital em que tem seu segundo filho, John (Lenny Kravitz). Como diz o título nacional, apesar dos pesares, é um título de esperança.
Nota:  9,0/ 10

5. Cantando na chuva (Singin'in the rain, 1952)
A não ser que você seja um alienígena nascido e criado em Saturno que chegou recentemente à Terra, você deve conhecer a cena em que Gene Kelly canta e sapateia por uma rua enquanto uma chuva cai sem piedade. A tão famosa cena, em que a personagem de Kelly, o ator Don Lockwood mal cabe em si de tanta felicidade e dá um show na chuva, resume bem o espírito do filme: um tributo à alegria. Sim, o filme é feliz demais, tanto que às vezes você pensa: tomara que aconteça uma desgraça! A feliz história se passa em 1927, quando a Warner lança O cantor de jazz e dá início à era do cinema falado e mudando a indústria cinematográfica. Don e sua desagradável parceira Lina Lamont (Jean Hagen) são os rostos mais queridos do cinema mudo e precisam se adaptar à nova realidade de Hollywood, sempre com a ajuda do amigo de infância de Don, Cosmo Brown (Donald O'Connor) e pra balançar o mundo deles, a chegada da jovem corista Kathy Selden (Debbie Reynolds), que sonha em ser atriz e mostra ter muito mais talento que figuras como Lina. Um clássico inesquecível - você pode até esquecer da história, mas não das músicas grudentas.
Nota: 10

Luís F. Passos

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A Lista de Schindler - sobre a ferida aberta na história



Polônia, 1939. Depois da súbita invasão alemã e rápida derrota do exército polonês, as tropas de Hitler dominaram a metade oeste do país (a outra parte fora ocupada pela União Soviética) e deram início ao plano do führer de exterminar a população judia. Enquanto eram construídos os primeiros campos de concentração e extermínio pelo interior do país, em muitas cidades os judeus eram concentrados em pequenos bairros chamados de guetos, em que eram destinados a morar em minúsculos apartamentos bem diferentes das grandes casas a que muitos deles estavam acostumados.
É nesse contexto que o empresário alemão Oskar Schindler (Liam Neeson) se muda para a Polônia com um ambicioso projeto em mente. Sabendo das restrições impostas aos judeus e que elas só tendiam a piorar, Oskar busca ricos empresários e banqueiros judeus para obter capital e montar uma fábrica; eles entrariam com o dinheiro enquanto o alemão seria o administrador. Apesar de parecer injusto, era a única forma de dinheiro judeu ser aplicado num investimento e não saqueado pelos nazistas. Para isso ele conta com o apoio de Itzhak Stern (Beng Kingsley), contador e membro influente do conselho judeu, que se torna seu braço direito na indústria.
Ao iniciar as atividades da fábrica, Schindler negocia com os alemães o uso de mão-de-obra judia que viria dos guetos e lhe seria bastante barata. A grande vantagem de trabalhar para Schindler? Não morrer. Não eram raros os casos de pessoas que simplesmente desapareciam ou eram levadas em caminhões e nunca voltavam. Ter o carimbo comprovando que era funcionário da fábrica de Schindler era uma garantia (não infalível, mas uma garantia) de voltar para casa ao anoitecer e não ser levado durante a noite. É logo nessa época que o empresário começa a salvar vidas, dando emprego a pessoas que não tinham condições de trabalhar, só para que elas tivessem documentos de trabalhador e assim salvassem suas vidas. Esse é só o começo do trabalho de Schindler, que culmina na famosa lista de centenas de pessoas salvas por ele.
A lista de Schindler (Schindler's List, 1993) para mim é, antes de tudo, uma rendição a Steven Spielberg. Não sou fã do diretor e seu único filme do qual eu realmente gostava era A cor púrpura (1985), mas foi impossível não me curvar diante da qualidade de A lista de Schindler. A primeira das muitas qualidades desse vencedor dos Oscar de melhor filme, direção, roteiro adaptado, direção de arte, música e fotografia é justamente a fotografia em preto-e-branco que por si só é um show a parte e acentua o clima triste e melancólico da época; tal preto-e-branco só é maculado pelo vermelho do casaco de uma pequena menina que aparece numa cena em que um gueto é evacuado, um momento emocionante que marca uma das melhores cenas da carreira de Spielberg.
É impressionante como o filme consegue transmitir a tensão que pairava sobre os judeus, seja nos guetos, onde os abusos por parte dos soldados alemães eram quase obrigatórios, ou nos campos de concentração, onde estavam sujeitos à figuras como o comandante Amon Göth (Ralph Fiennes), que do alto de sua varanda mirava cabeças com seu rifle e matava por puro entretenimento. É aqui que eu me surpreendi: Spielberg, que é um bocado moralista em seus filmes, conseguiu ser bastante fiel à história. A exceção está na relação de Schindler com a esposa (na importância dela no salvamento de judeus e nas inúmeras vezes em que ele a traiu) e no fato obscuro de muitas pessoas conseguirem entrar na lista graças ao pagamento de suborno – algo que diminuiria a objetividade moral do longa. Enfim, esses pequenos defeitos não são quase nada comparados aos inúmeros fatores que fazem de A lista de Schindler um dos melhores filmes sobre o Holocausto, muito superior aos outros que saem todos os anos às dezenas, como numa linha de produção patética e sem originalidade.

Nota: 10

Luís F. Passos

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Filmes pro final de semana - 25/10

1. Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine, 2006)
Talvez o mais querido entre os filmes semi-alternativos dos últimos anos seja esse leve e divertido melodrama familiar na forma de comédia. Uma família de seis pessoas - um avô doidão viciado em cocaína e heroína, um pai que é palestrante motivacional quase falido, uma mãe que trabalha dentro e fora do lar sem saber como resolver os problemas familiares, um tio especialista em Proust que tentou suicídio, um filho tímido e que vive em greve de silêncio e a pequena filha desengonçada e gordinha - que atravessa o país rumo à Califórnia para que a filha participe de um concurso de beleza e talento é o centro de uma história sobre fracasso, brigas e vícios que podem ser resolvidos (ou suportados) quando há uma família para se apoiar. O roteiro vencedor do Oscar é coeso e faz as mirabolantes aventuras da família parecerem totalmente possíveis e despertam a empatia de quem assiste. Difícil não se identificar com a história e não se cativar pelas personagens, seja a doce filha Olive ou o promíscuo vovô (que salvo engano, o nome nunca é dito) - que rendeu a Alan Arkin o Oscar de ator coadjuvante.
Nota: 9,5/ 10
2. Moulin Rouge - amor em vermelho (Moulin Rouge!, 2002)
O cabaré mais famoso do mundo chegou às telonas nesse inesquecível filme do habilidoso e extravagante diretor Baz Luhrmann. Na Paris do fim do século XIX, uma geração de jovens e pobres artistas buscava deixar sua marca na cultura da época, visando uma arte que girasse em torno da beleza, da verdade, da liberdade e do amor. Entre esses artistas há o escritor Christian (Ewan McGregor), que se apaixona pela mais bela das cortesãs do Moulin Rouge, Satine (Nicole Kidman) - mas entre os dois havia os planos de transformar o cabaré num teatro, um rico e maléfico barão e a doença que era o mal do século. Moulin Rouge fascina pelo exagero, brilho, beleza, músicas (apesar de não ter nenhuma música original, usando clássicos como Diamonds are the girls best friends e Like a virgin) e tem o grande mérito de ressuscitar o decrépito gênero dos musicais, sendo o primeiro musical em mais de vinte anos indicado ao Oscar de melhor filme.
Nota: 9,5/ 10
3. O Rei da Comédia (The king of comedy, 1983)
Robert DeNiro, em mais uma parceria com Martin Scorsese, dá vida ao psicopata Rupert Pumpkin,fã do grande humorista Jerry Langford (Jerry Lewis) e perturbado o suficiente para se achar tão engraçado quanto o ídolo. Obcecado por Jerry, Rupert dá início a um mirabolante plano para sequestrar o comediante e fazer seu próprio show na televisão. Para isso, ele conta com uma cúmplice, Masha (Sandra Bernhard), igualmente obcecada por Jerry, mas por estar apaixonada por ele. O filme então é tomada por uma forte tensão demonstrada através do sorriso confiante e meio idiota de Rupert, que parece estar prestes a explodir em fúria, e da instabilidade de Masha, que aparenta estar muito longe da realidade. Ambos são, na verdade, duas figuras solitárias em busca de atenção, no caso, de uma estrela; uma crítica de Scorsese à supervalorização das celebridades feita pela sociedade.
Nota: 8,5/ 10
4. O Pianista (The pianist, 2002)
O diretor Roman Polanski apresenta uma visão do Holocausto diferente da comumente mostrada nos filmes, dos campos de concentração, e foca no gueto de Varsóvia através do pianista Władysław Szpilman (Adrien Brody), famoso músico polonês que assiste à invasão de seu país pelas tropas nazistas em setembro de 1939 e a implantação das absurdas leis contra os judeus, que culminou na implantação dos guetos. É impressionante a realidade do filme ao acompanhar a perda da dignidade de um homem na busca pela sobrevivência, e parece que os obstáculos não param de surgir. E no filme, a representação de um dos pontos altos do Holocausto: o levante do Gueto de Varsóvia, quando operários deram início a uma revolta contra os soldados que resistiu por mais de vinte dias até ser totalmente esmagada pelos alemães. A emocionante história de Polanski foi vencedora da Palma de Ouro, além dos Oscar de melhor direção, ator e roteiro adaptado.
Nota: 9,5/ 10
5. A vida dos outros (Das Leven der Anderen, 2006)
Pense duas vezes antes de dizer que o cinema não é mais o mesmo e que já não se produzem inesquecíveis obras-primas. A vida dos outros tá aí pra provar que o cinema de alta qualidade ainda resiste. Com roteiro e direção de Florian Henckel von Donnersmarck, um desconhecido até então, o filme é ambientado nos anos 80 na Alemanha Oriental, onde a Stasi, uma das mais controladoras polícias secretas da Cortina de ferro tocava o terror numa época em que não havia o menor indício de abertura política. O capitão da Stasi Gerd Weisler (Urich Müher) recebe a missão de espionar um dramaturgo e sua esposa, que é atriz, e se instala no mesmo prédio em que o casal mora, no andar de cima, ouvindo tudo o que se passa na casa deles. O que inicialmente era apenas uma missão e encarado com escárnio se transforma numa relação unilateral de solidariedade, levando o espião a duvidar de toda sua ética e crença no partido totalitário e questionar um estilo de vida sem liberdade e sem direito à individualidade. Em poucas palavras: um filme excepcional. Infinitos elogios ao roteiro, à direção e à atuação de Mührer, que era um experiente ator de teatro na Alemanha (inclusive fora espionado durante a Guerra Fria) e que infelizmente faleceu um ano após o lançamento do filme.
Nota: 10

Luís F. Passos

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Poderosa Afrodite - comédia de tragédia



É interessante ver a construção do roteiro de Poderosa Afrodite (Mighty Aphrodite, 1995). Pra mim, um dos filmes mais inusitados e criativos de toda a filmografia de Woody Allen. Numa descrição simples, é a história de um homem judeu chamado Lenny e de sua busca pela mãe de seu filho adotivo, a atriz Linda Ash (Mira Sorvino). Neste meio tempo, conhecemos uma Linda cuja vida é totalmente desestruturada, sem perspectivas e lotada de frustrações e acompanhamos a obsessão de um homem cuja própria vida pessoal está tão bagunçada que não lhe reste muito a fazer se não tentar brincar de Deus em prol de uma melhora na vida da moça. Paralelamente, o casamento de Lenny vai se dissolvendo quando sua esposa (Helena Bonham Carter) encontra-se muito mais interessada em seu trabalho – e em outras coisas mais – que em sua família.
Falando desta forma, o filme soa como um drama. Mas na verdade é uma comédia de alto nível. Cômico do início ao fim, Allen usa uma história com ares de tragédia grega – visto que o filme é repleto de pequenas reviravoltas que não podem ser ditas aqui – e desenvolve tudo com o máximo que seu humor poderia dar. É justamente este seu objetivo: uma típica comédia americana com uma ironia e dramaticidade de tragédia grega. A forma como a trama caminha, sua conclusão relativamente inesperada e as incansáveis referências ao teatro grego, bem como a figuras mitológicas da Grécia Antiga, também são fatores pensados para essa função de aproximação entre dois elementos que, vistos isoladamente, aparentam não ter nada em comum. A conexão com a arte grega clássica é tão forte que muitas sequências importantes do filme são ligadas, entre si, através de pequenas apresentações de algum tipo de grupo de teatro grego que narra e, obviamente, julga as ações de Lenny. Isso também dá um toque de realismo fantástico bastante legal (pelo menos para mim já que gosto muito deste estilo).
Humor. Allen sempre foi um mestre das piadas com referências, mas aqui foge um pouco das referências usuais a figuras de cinema e artes de um modo geral e abre seu leque para piadas envolvendo Zeus e secretárias eletrônicas ou Cassandra e advogados. As piadas são incessantes, as circunstâncias são sempre criativas e relativamente inesperadas. Por mais que o que vá acontecer não seja uma grande surpresa, a forma como o filme caminha é tão pouco usual que em nenhum momento se torna banal. O roteiro é muito divertido e repete, em sua origem, a fórmula clássica de Allen de fazer roteiros. Estão presentes: a figura do judeu neurótico, a adoração por uma Nova York sempre bonita, decepções diversas, figuras decadentes, sexualidade e, claro, mulheres lindíssimas aos pés do comediante. Isso não pode faltar.
Mesmo com tantas qualidades, o ponto em que Allen mais acerta é no elenco, que conta com a presença de nomes como F. Murray Abraham e Helena Bonham Carter. Mas o grande triunfo, o grande diferencial e o elemento que torna Poderosa Afrodite um filme difícil de esquecer é mesmo a atuação de Mira Sorvino. Muito, muito engraçada. A personagem de Linda Ash (Judy Cum para os íntimos) é muito legal. Inicialmente, uma figura desconhecida. De repente, uma mulher vulgarmente engraçada, mas que de alguma forma é relativamente complexa. Por trás de trejeitos tão caricatos, Mira Sorvino consegue adicionar algumas camadas a sua personagem, o que a torna empática não apenas como uma personagem de humor, mas sim alguém por quem vale a pena torcer e uma história que valha a pena acompanhar. Isso sem falar nas surpresas pouco usuais que sua vida revela. Por este papel, Mira Sorvino uniu-se a um seleto grupo de atrizes que venceram o Oscar por interpretações em filmes de Woody Allen. Junto a ela estão: Dianne Wiest (Hannah e suas irmãs e Tiros na Broadway), Penélope Cruz (Vicky Cristina Barcelona) e Diane Keaton (Annie Hall, melhor atriz).

Nota: 9/10

Leia também:
Annie Hall
Hannah e suas irmãs
Vicky Cristina Barcelona

Lucas Moura

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Filmes pro final de semana - 18/10

1. A morte passou por perto (Killer’s Kiss, 1954)
A longa carreira de mais de quarenta anos de Stanley Kubrick produziu apenas treze filmes, sendo mais conhecidos os dez que ele lançou a partir de 1957 (de Glória feita de sangue a De olhos bem fechados), quando seu nome passou a possuir fama e prestígio em Hollywood. Mas seus três primeiros filmes também merecem a atenção do público, tanto por valor histórico e também por terem a qualidade que levou Kubrick ao panteão de maiores artistas do cinema. Seu segundo longa, A morte passou por perto, ainda não é bem um longa (menos de 70 minutos de duração), mas conta uma história intensa e interessante. Um boxeador veterano, Darvey Gordon, que há algum tempo vinha decepcionando as plateias, se envolve com uma jovem dançarina de um clube noturno, sem ter noção de quão perigoso é o romance. Bem, só dá pra dizer isso da história, além de que há cenas muito boas de perseguições, ameaças e luta corporal. Outro detalhe bacana é que este filme promoveu o nome do diretor, o fez conseguir recursos para um filme maior (que foi o seguinte, O grande golpe) e não demorou para que Kubrick dirigisse grandes produções. 
Nota: 7,5/ 10 
2. Os sonhadores (The dreammers, 2003) 
Que Bernardo Bertolucci é um diretor polêmico, nem preciso dizer; basta lembrar de filmes como O último tango em Paris. E um de seus mais conhecidos trabalhos dos últimos anos (e consequentemente, polêmicos) foi Os sonhadores, de 2003, que acompanha um jovem americano que estuda em Paris, Matthew (Michael Pitt) que conhece os irmãos gêmeos Theo (Louis Garrel) e Isabelle (Eva Green), ambos apaixonados por cinema como eles. Os irmãos são filhos de um casal de intelectuais que parte numa viagem, e Matthew é convidado para passar um tempo na casa deles. Não preciso dizer que a estadia de Matthew é marcada por eventos no mínimo estranhos, que são um misto de cinefilia, filosofia e sexo – não exatamente relações sexuais, mas várias formas de expressão do sexo. Por trás da sexualidade e eventuais bizarrices, temos aqui um ótimo filme sobre o cinema antigo das décadas de 20 e 30 e a nouvelle vague nos anos 60, além de acompanhar o espírito juvenil durante a inquietação política que marcou a França no ano de 68.  
Nota: 9,0/ 10 
3. Batman Begins (2005) 
Algum membro de uma tribo isolada ou um alienígena pode estranhar, mas o filme menos conhecido as trilogia Batman de Christopher Nolan é o primeiro, Batman Begins. Não que poucas pessoas tenham visto, mas o sucesso dos dois filmes seguintes foi muito maior do que o do primeiro. E apesar de ser um bocado inferior a O Cavaleiro das Trevas, Begins também tem seus créditos e merece sim ser visto. Nele vemos a origem do homem morcego, numa Gotham contaminada pelo crime e pela corrupção. Bruce Wayne (Christian Bale), herdeiro do bilionário conglomerado de empresas da família, é um órfão que perdeu seus pais num assalto e foi criado pelo fiel mordomo Alfred (Michael Caine). Decepcionado com a injustiça e a falta de moral da cidade, parte para uma remota região do Himalaia, onde aprende tudo que precisa para ser um símbolo da justiça que Gotham já não conhece, mas apesar de todo o treinamento, ele descobre que sua missão não é nada fácil. Na minha opinião, o diferencial de Batman Begins é mostrar o passo a passo da criação do Batman, o que a série anterior, cujos dois primeiros filmes são de Tim Burton, não fez. 
Nota: 8,0/ 10 
4. Dançando no escuro (Dancer in the dark, 2000) 
Musical é bom e (quase) todo mundo gosta. Mas deixe de lado a idéia de filmes alegres onde as pessoas cantam do nada de tanto estarem felizes como Cantando na chuva ou mesmo os musicais mais problemáticos como Cabaret; a coisa aqui é muito mais pesada. O musical de Lars Von Trier acompanha a triste saga de uma operária tcheca que mora nos Estados Unidos, Selma (Bjork),que se esforça para juntar dinheiro para uma cirurgia que pode salvar seu filho da cegueira à qual ela própria já está condenada. Como válvula de escape para sua vida sofrida, Selma tem o cinema, onde sempre vai com sua amiga Cathy (Catherine Deneuve) e uma peça na qual atuará... a não ser que uma perversa sociedade a impeça. Como? De um jeito que causa dor a quem assiste. Não é uma questão de bizarrices como em Anticristo, mas o que Selma enfrenta também causa um desconforto enorme – especialidade do brilhante e sádico Lars Von Trier. Filme vencedor da Palma de Ouro e do Prêmio de atuação feminina em Cannes (Bjork). 
Nota: 10 
5. Hotel Ruanda (Hotel Rwanda, 2004) 
Ambientado na Ruanda de 1994, quando a morte do presidente deu inicio a uma guerra civil entre as duas etnias do país, hutus e tutsis, Hotel Ruanda é centrado em Paul Rusesabagina (Don Cheadle), gerente do Hotel Des Milles Collines, propriedade de uma empresa belga. A guerra deu início a um genocídio em que a maioria hutu pretendia dizimar a minoria tutsi, e Paul se vê no meio disso tudo por ter um hotel cheio de turistas estrangeiros e por ser amigo do comandante das forças de paz da ONU no país. Com a ajuda de membros corruptos do governo e com a estrutura do hotel, Paul tenta salvar o maior número possível de tutsis – incluindo ele próprio e sua família. A coragem e solidariedade de Paul fazem sua história muito parecida com a de Oscar Schindler e sua lista; e assim como o filme de Spielberg, esse também é baseado em fatos reais. 
Nota: 9,0/ 10   
6. 72 horas (The next three days, 2010) 
John (Russel Crowe) é um professor universitário casado com Lara (Elizabeth Banks) e tem um pequeno filho de três anos. A vida perfeita do casal desmorona quando Lara é acusada de assassinar brutalmente a chefe, é condenada e perde todos os recusos nos tribunais. Condenada à mais de vinte anos, após alguns anos ela perde a esperança e chega a tentar suicídio. John, desesperado, decide tirar sua mulher da prisão, ou morrer tentando. O problema é: como tirar alguém de um presídio de segurança máxima sem registro de fugas? O professor passa a juntar dinheiro e a lidar com todo tipo de gente se preparando para realizar o arriscado e quase impossível plano. Ação e tensão do primeiro ao último minuto, coroado com a ótima atuação de Crowe. 
Nota: 7,0/ 10 
7. Valente (Brave, 2012) 
O décimo terceiro filme da Pixar é o primeiro a ter uma protagonista feminina. A princesa Merida, filha do rei Fergus e da rainha Elinor, é uma habilidosa arqueira que pretende traçar seu próprio destino, diferente de todas as outras princesas. Ela não pretende casar e viver num castelo, mas passar a vida atrás de aventuras. O principal obstáculo: sua mãe. E é por isso que Merida recorre a uma bruxa, mas a ajuda vem na forma de maldição. É justamente aí que Merida vai ter que demonstrar coragem como nunca, para desfazer a maldição enquanto é tempo. O filme é ótimo, muito engraçado e é impossível não se envolver com a história da jovem princesa de cabelos rebeldes e espírito indomável - detalhe pro cabelo ruivo, que parece estar pegando fogo e traduz perfeitamente a rebeldia da princesa. 
Nota: 8,0/ 10
Luís F. Passos