sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Filmes pro final de semana - 20/11

1. Para sempre Alice (Still Alice, 2011)
A vencedora do Oscar de melhor atriz desse ano saiu mais uma vez um filme de elenco, ou seja, uma história boa - apenas boa, nada inesquecível ou revolucionário - que se destaca pelo elenco. Estamos falando de Juliane Moore, que interpreta a professora universitária Alice Howland. Alice construiu uma respeitosa carreira através de muito estudo e da linguística, sua especialidade, e foi após se atrapalhar numa palestra, ao esquecer a palavra léxico, que ela atenta para o esquecimento, cada vez mais presente em sua vida. Ao consultar um neurologista, ela é diagnosticada com o mal de Alzheimer, numa forma precoce e agressiva por se tratar de uma mutação genética herdada de seu pai. Ao longo de dois anos vemos a vida de uma mulher independente mudar radicalmente, ao ponto de não conseguir amarrar os próprios cadarços. O filme, por seu roteiro e direção, se assemelha à uma evolução clínica de uma paciente, mas a atuação de Moore é tão marcante, tão vívida, incorporando as debilidades físicas e psíquicas de Alice, que escapa de qualquer crítica e salva o conjunto final.
Nota: (10 de Juliane Moore + 6 do filme /2=) 8,0/ 10
2. O segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, 2005)
Um filme muito sólido, emocionante e nem um pouco apelativo. A história do amor proibido dos cowboys Ennis Del Mar (Heath Ledger) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal) se passa nos anos 60, a partir do primeiro contato, quando foram contratados para tomar conta de um rebanho nos arredores de uma montanha. O tempo passa, ambos constituem família em suas respectivas cidades, se reencontrando raras vezes mas mantendo o sentimento que os uniu. Sentimento transmitido pelas grandes atuações dos protagonistas, em especial Heath Ledger, que se mostrou uma revelação. Tímido e introspectivo, Ennis Del Mar esconde seus sentimentos por trás de uma carapaça de músculos e brutalidade. Tudo isso apresentado como um western pra John Ford ou Sergio Leone nenhum botar defeito - a não ser que eles não deixassem de lado alguns preconceitos.
Nota: 9,5/ 10
3. Cinema Paradiso (Nuovo Cinema Paradiso, 1988)
Italianos... ô povinho pra saber fazer filme bom! A Itália é um dos países que mais venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro, além de ser berço de alguns dos maiores cineastas da história, como Fellini, Antonioni, De Sicca, Leone, entre outros. Ente os italianos vencedores do Oscar, um dos mais queridos é o emocionante Cinema Paradiso, a bela história de Salvatore, um pobre garoto do interior apaixonado por cinema que cria uma forte amizade com Antonio, o projetor do pequeno cinema local. Salvatore, conhecido como Totó quando pequeno, costumava espiar da sala de projeção enquanto o padre censurava as cenas de beijo, e assim nasceu sua paixão pelo cinema. O brilho nos olhos de Totó é o mesmo brilho de qualquer criança (ou alguém que preserve o fascínio de uma criança) diante de um telona - e é apenas um de muitos aspectos positivos e emocionantes do filme. Um filme recente que se assemelha a Cinema Paradiso é A invenção de Hugo Cabret, especialmente seu protagonista, quase uma personificação da infância de Scorsese.
Nota: 9,5/ 10
4. A Cor Púrpura (The color purple, 1985)
Um Steven Spielberg, rei da fantasia e aventura, que poucos conhecem. Uma Whoopi Goldberg, rainha da comédia (e da sessão da tarde) que poucos conhecem. Ambos se aventuraram, trinta anos atrás, num drama sólido e emocionante sobre opressão social, de raça e gênero. Baseado no livro homônimo, A cor púrpura é ambientado na pobreza do sul americano, onde as irmãs Celle e Nettie encontram uma na outra o amor para suportar sua difícil realidade. Após sofrer abuso pelo próprio pai, Celle é dada a um homem mais velho, já viúvo e pai de vários filhos. Ao longo de décadas, Celle (Whoopi Goldberg, na fase adulta) tenta aliviar seu sofrimento através de cartas, inicialmente sem destinatário, depois à sua irmã, que se torna missionária, e à engajada nora de seu esposo, Sofia (Oprah Winfrey). O filme recebeu diversas indicações ao Oscar, sendo a de Whoopi ao prêmio de melhor atriz a que até hoje repercute - até então, nenhuma negra havia vencido na categoria, o que só ocorreu em 2002, quando Halle Berry faturou a estatueta, e em seu discurso homenageou o trabalho da colega, 17 anos antes.
Nota: 10
5. Adorável Pecadora (Let's make love, 1960)
Talvez seja no seu penúltimo filme que Marilyn Monroe aparece mais linda do que nunca -  mas menos sexy que no filme anterior, Quanto mais quente melhor (1959). A queridinha da América aparece aqui como a atriz e dançarina Amanda, que trabalha numa pobre companhia de teatro do segundo escalão da Broadway, que prepara uma peça que pretende parodiar figuras poderosas e famosas, como o cantor Elvis Presley e o bilionário Jean-Marc Clément (Yves Montand). Acontece que Clément se irrita com o uso de sua imagem e resolve aparecer num ensaio para acabar com a festa, mas ao chegar encontra Amanda de collant dançando e fica caidinho. Depois de um pequeno mal entendido, ele acaba no elenco interpretando a si próprio, se passando por um pobre ator imigrante chamado Alexandre Dumas. A comédia musicada (mas não um musical) se abrilhanta pelas músicas e pela estonteante presença de Marilyn, que nessa altura do campeonato dispensa comentários do Sagaranando.
Nota: 8,0/ 10

Luís F. Passos

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Azul é a cor mais quente - sobre o amor e outros demônios

Louvado seja Cannes. Louvado e eterno seja. Num mundo cinematográfico em que a qualidade e a criatividade nem sempre são os principais critérios para glorificar uma obra ou profissional (tô falando de você, Hollywood), Cannes é uma luz de esperança ao lançar e reconhecer tantas obras-primas. Não é o único do mundo a fazer isso, claro, mas dentre os justos, é o maior e mais importante. Nem sempre é assim, já que quase nada na vida é perfeito - claro que vou falar de A Árvore da Vida ganhando a Palma de Ouro em 2011, já que não engulo aquele documentário da BBC. Mas uma coisa é fato: o que Cannes premia vira notícia. No ano de 2013 então...
A Adèle (Adèle Exarchopoulos) que dá nome ao título original é uma garota que está acabando o ensino médio. Estudante um tanto quanto medíocre, é no francês que Adele se destaca, especialmente na literatura. Adèle é membro de uma simples família de trabalhadores, cujo prazer rotineiro é jantar à frente de uma televisão comendo uma boa macarronada acompanhada de vinho. Família comum, uma vida comum, indo à escola, convivendo com suas amigas adolescentes que só falam de garotos, lançando olhares poucos discretos mas inocentes em direção ao colega por quem sente uma leve atração.
Por falar no olhar, é essa a primeira característica marcante da personagem. Uma transparência demonstrada através do olhar, seja pensando na vida, seja ao baixar o rosto tímida ao ver Thomas, seu colega, seja na primeira vez em que vê na rua uma garota de cabelos azuis, breve encontro que lhe causa um certo impacto. Talvez o olhar de Adèle mostre seu encantamento em descobrir o mundo, já que descoberta é o principal tema do filme - mais especificamente, descoberta do amor. Amor que Adèle não encontra no breve relacionamento com Thomas, mas que descobre a partir de um reencontro com a garota de cabelos azuis num bar. Seu nome é Emma (Léa Seydoux), está na faculdade de Belas Artes e é notável seu efeito sobre Adèle. Uma atração mútua que não demora a se tornar um relacionamento sério, forte e intenso.
Boa parte da polêmica em torno de Azul é a cor mais quente (La vie d'Adèle, 2013) é mérito das intensas, longas e explícitas cenas de sexo protagonizadas por Adèle e Emma. Tais cenas, que desde o lançamento em Cannes vinham sendo bastante comentadas, chamaram mais atenção ainda depois de comentários das atrizes, que afirmaram que o diretor Abdellatif Kechiche cobrava demais delas, e do próprio Kechiche, que disse que as imagens "não fariam o público ver o filme com coração limpo". Opinião minha: houve exagero. Claro que de tais cenas se extraiu muito do que o talento de Adèle e Léa tem a mostrar, mas a direção erra ao demorar tanto e ao mostrar de forma tão crua. No entanto, isso não reduz as muitas qualidades do filme que, importante ressaltar, não pretende fazer ativismo dos direitos civis LGBT. O foco é, conforme já dito, as descobertas de uma garota no final da adolescência. A normalidade com que é tratada (e como deve ser vista) a relação das protagonistas é que faz as vezes de defesa de toda forma de amor.
E sobre as atrizes: elas são os grandes pilares sustentadores do filme. A dedicação delas às personagens e à história é tanta que o Júri de Cannes as considerou coautoras do longa, dividindo com o diretor a Palma de Ouro. A interação entre elas é fantástica, seja rindo, na cama, interagindo com outras pessoas ou brigando. Muitas vezes vemos suas personagens como sendo muito parecidas, outras como totalmente diferentes - o que condiz mais com a realidade. Emma vem de uma família de intelectuais que entende de vinhos, literatura e arte, enquanto que os pais de Adèle acham que pintar não é um trabalho de verdade e que se deve ter outra fonte de renda. A própria Emma chega a questionar Adèle, que vai trabalhar como professora num jardim de infância, se ela não gostaria de ter outro emprego, menos simples, para que fosse mais feliz - ao que Adèle responde que já era suficientemente feliz. E além das diferenças socioculturais, há a diferença da experiência. Adèle está acabando o ensino médio, ainda está nas primeiras experiências amorosas (primeira com outra mulher), e seu olhar de constante descoberta junto à boca levemente aberta (opera essa adenoide, criança) dão um ar de inocência e sensualidade muito marcante, diferente da segurança e objetividade que Emma demonstra. Detalhes que nos dão ainda mais certeza da competência desses duas grandes atrizes. Fiquemos de olho em Adèle Exarchopoulos!

Nota: 10


Luís F. Passos

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Filmes pro final de semana - 06/11

1. Que horas ela volta? (2015)
Sem dúvidas o filme do momento. Premiado no Festival de Sundance, deve ser a aposta brasileira pro Oscar do próximo ano. A história é centrada em Val (Regina Casé), empregada doméstica numa casa de classe média alta em São Paulo que há mais de dez anos deixou sua família em Pernambuco em busca de trabalho que lhe permitisse dar melhores condições ao futuro de sua filha. Val praticamente criou Fabinho (Michel Joesas), filho de seus patrões, que nunca tinham tempo para o menino. Quando a filha de Val, Jéssica (Camila Márdila), chega em São Paulo para fazer o vestibular e fica na casa da família rica, acaba o sossego de Val e da patroa. O interesse que ela desperta nos homens da casa e a insubordinação diante da mãe, que considera uma estranha, cria uma tensão que perdura por boa parte do filme, que trata de maneira brilhante de temas como migração motivada por pobreza, relações familiares e a íntima e complexa relação entre patrões e empregados domésticos (mostrando que casa grande e senzala ainda perduram no País).
Nota: 9,5/ 10
2. O Lobo atrás da porta (2013)
 O desaparecimento de uma menina na escola é o pontapé inicial para uma trama que quanto mais avança, mais fica sombria. Na sala de um desbocado delegado (Juliano Cazarré), uma mãe desesperada (Fabiula Nascimento) chora até a chegada de seu marido Bernardo (Milhem Cortaz), que ao ouvir o depoimento da professora de sua filha dá as primeiras pistas ao suspeitar do envolvimento de sua ex-amante, Rosa (Leandra Leal), no sumiço da filha. Através de depoimentos e flashblacks é montado o quebra cabeça do caso que Bernardo  e Rosa mantiveram, e a personalidade forte e misteriosa dela, que se manifesta através de olhar decidido e fala mansa, mas sabendo bem seduzir e dominar. Tenso e um pouco aflitivo graças ao trabalho de direção, o filme é abrilhantado pelo ótimo trabalho de seu elenco, em especial de Leandra Leal, vencedora do Prêmio de Melhor Atriz no Festival do Rio.
Nota: 9,0/ 10
3. O Labirinto do Fauno (El Laberinto del Fauno, 2006)
Esse filme do tipo que eu não sei muito o que falar, além de: assistam. Uma das mais queridas obras do grande Guilhermo del Toro, O labirinto do Fauno é uma encantadora viagem junto de uma garotinha, Ofelia, que na década de 40 viaja com a mãe grávida para o norte da Espanha, onde o padrasto comanda uma base do exército. Ofelia vive incomodada com o autoritário padrasto, mas vai encontrar refúgio nos bosques ao redor da casa, onde seres fantásticos a levam para um mundo subterrâneo, em que descobre que precisa cumprir três difíceis missões para conquistar um trono que supostamente era dedicado a ela. Pra mim o melhor é que o filme, em sua ambiguidade, deixa livre para o espectador a decisão do que é real e do que é onírico.
Nota: 8,5/ 10
4. Babel (2006)
Qual a relação existente entre crianças numa aldeia remota no Marrocos, um casal de turistas americanos, uma menina deficiente auditiva japonesa e uma mexicana que trabalha nos Estados Unidos? A bem amarrada série de tramas que é Babel vai mostrar isso. A partir de um infeliz acidente nas montanhas marroquinas, onde um tiro de rifle atinge uma americana que viajava num ônibus, tem início uma crise diplomática entre o Marrocos e os Estados Unidos, que acreditam se tratar de um atentado terrorista. Por outro lado, a investigação vai buscar a origem de tal rifle, que remonta ao Japão; da mesma forma, na América, a família da mulher ferida, cuja babá é mexicana, também será atingida, numa mal aventurada breve viagem ao México. Direção de Alejandro González Iñarritu e participação de grande elenco.
Nota: 9,0/ 10
5. Má Educação (La mala educación, 2004)
O que falar desse Almodóvar que quanto mais conheço, mais admiro pacas (obrigado Orkut)? Quando enfim vi o tão polêmico Má Educação, constatei o que já suspeitava: que a polêmica era proporcional à qualidade. Dessa vez o diretor espanhol aborda a transexualidade, mas com a competência de sempre. Através de Ignacio, uma criança que na escola se envolve com um colega, Enrique, e também com o professor de literatura, o padre Manolo. Anos se passam, Enrique se torna diretor de cinema (Fele Martinez) e Ignacio (Gael García Bernal) bate à sua porta, oferecendo um texto que escrevera como matéria-prima para um filme e querendo o papel principal, como uma transexual. Amor, mágoa, vingança e desejo, ingredientes fortes para uma trama tão envolvente, do jeito que o povo gosta e que Almodóvar é mestre. E claro, a comédia tem seus momentos, com a presença de Javier Cámara, frequente colaborador do diretor, na pele da travesti Paca.
Nota: 10

Luís F. Passos